Jornalistas participam de curso de tiro defensivo da Polícia Militar
Iniciativa possibilitou profissionais da imprensa conhecerem técnicas utilizadas pelos policiais
Em iniciativa única, a Polícia Militar do Estado de São Paulo abriu, pela primeira vez, uma edição do curso de Tiro Defensivo de Preservação da Vida – Método Giraldi para jornalistas de meios de comunicação da capital. Durante dois dias, 22 profissionais tiveram a oportunidade de conhecer o método de treinamento da PM, em uso desde 1999, que ensina aos policiais as técnicas primordiais quando em confrontos e em situações de estresse.
“Agora entendo, se soubesse que era assim, teria feito aquela matéria de outra forma”. Esse foi um dos comentários de um jornalista no final do curso, realizado no início deste mês, no Centro de Formação de Soldados (CFSd), em Pirituba.
Antes das aulas práticas, eles assistiram, no Quartel do Comando Geral da PM, a uma palestra de introdução aos conceitos do Método Giraldi apresentada pelo coronel Eliziário Ferreira Barbosa, comandante da Polícia Rodoviária do Estado e um dos principais instrutores do curso. O nome do método vem do seu autor, o coronel da reserva Nilson Giraldi.
O coronel Eliziário explicou que o método, na verdade, é “uma doutrina da atuação armada da polícia e do policial, com a finalidade de proteger a sociedade e a si próprio”. Em suma, é um modo de solucionar, sempre que possível, qualquer ocorrência por meio da verbalização, sem o uso da força e sem colocar em risco a vida e a integridade física das pessoas.
Trata-se de uma mudança de cultura. Nas palavras do coronel Eliziário, aliás, várias mudanças de uma concepção segundo a qual tudo é resolvido com “invasão”, tiros e bombas para uma cultura de “negociação”; da iniciativa de disparar contra pessoas em atitude suspeita para uma ação de “verbalização”, entre outras transformações.
No CFSd, os participantes treinaram com a pistola .40. A arma foi adotada pela PM e, em breve, todo o quadro da corporação deverá substituir os revólveres calibre 38. Cerca de 30 instrutores oficiais da Polícia Militar explicaram o funcionamento técnico e prático da pistola.
Alvos móveis – Em seguida, iniciaram-se as aulas práticas de tiro em um alvo retangular, com o objetivo de centralizar os disparos. Houve uma seqüência de quase cem tiros para cada um dos aprendizes, nas mais variadas posições e distâncias: de pé, ajoelhado, deitado, inclinado, só com uma mão. No final do primeiro dia, os participantes estavam com as pernas e os braços cansados, cotovelos ralados, algumas das mãos machucadas. Isso tudo por causa da falta de intimidade com as armas.
O segundo e último dia do curso reservava muitas surpresas. Logo pela manhã, os jornalistas conheceram a Pista Policial de Instrução (PPI). Semelhante a um labirinto, com paredes, cômodos e janelas, é um espaço utilizado para a simulação de situações reais, como ocorrências de roubo e seqüestro, atendidas diariamente pela polícia. Os alvos, classificados como “amigos”, “neutros” e “agressores”, são caracterizados como seres humanos. Alguns são móveis. Essa mobilidade é o que mais altera o emocional do ser humano. Em fração de segundos, uma pessoa que parece desarmada saca um revólver e aponta para o policial, que deve estar preparado para se defender e, se necessário, atirar.
Dentro da PPI, os instrutores comandam uma teatralização, durante a qual conversam com os alvos. Os aprendizes tiveram de fazer o mesmo: verbalizar – mandamento principal do método – com os alvos para definir se são amigos (policiais), neutros (inocentes) ou agressores. De trás, os instrutores incorporam os alvos e estabelecem o diálogo.
A orientação é que mesmo o agressor deve ser tratado com todo o cuidado. O policial só pode atirar se o houver arma apontada contra ele. Caso contrário, nada de tiro, apenas muita conversa.
Total estresse – Passada essa fase, chega a hora da parte prática na Pista Policial de Aplicação (PPA). Nessa espécie de avaliação, o aluno passa pela pista sem saber o que vai encontrar pela frente e vive uma situação que imita a realidade, em ambiente de total estresse.
Saldo pessoal do repórter que assina esta matéria: dois inocentes mortos. Um atingido pelo aluno, que não teve a frieza necessária ao ver o alvo surgindo de repente, e outro... o próprio repórter, que demorou para reagir diante da iminência de uma agressão. Se a situação fosse real, teria sido baleado.
“É assim mesmo, a gente erra aqui para não errar lá fora”, consolou um dos instrutores. “Nosso lema é: deixo meu suor no campo de treinamento para não deixar meu sangue e minha liberdade no campo de trabalho”, completou.
O método, segundo o criador
Após o encerramento das atividades, o próprio coronel da reserva, Nilson Giraldi, autor do método de treinamento, iniciou uma palestra sobre seus fundamentos. Segundo ele, tudo está baseado na neurociência, no comportamento do ser humano.
Em 1999, quando ainda não havia o método, 317 policiais militares em serviço foram assassinados no Estado de São Paulo. Projeções da época apontavam para o número de 400 mortes em 2005. O novo treinamento ocorreu justamente em 1999. E, embora os confrontos armados tenham dobrado no período, em 2005 foram assassinados apenas 15 policiais. “Ainda é um absurdo. O índice aceitável é zero. Afinal, ninguém entra na polícia para morrer”, afirmou o coronel.
Giraldi explicou que um dos principais incentivos para a criação do novo método foi a falta de aplicação prática do que era adotado até então pela Polícia Militar. “O treinamento praticado na polícia era importado das Forças Armadas. Essa instrução é muito boa para os integrantes das Forças Armadas, não para os PMs. Sua finalidade é destruir o inimigo; se possível, no momento em que ele menos espera”, explica. O coronel gosta de dizer que a polícia não tem inimigo. “Quem tem inimigo é a sociedade. Cabe à polícia defendê-la, sempre que possível, sem o uso da força”.
O método faz parte da grade curricular de formação de soldados e oficiais, na PM de São Paulo, desde 2002, além de indicado pela Cruz Vermelha Internacional. É aplicado também em outros Estados, na Polícia Federal e na Polícia Rodoviária Federal, além de ter sido difundido no México e no Peru.
Daniel Cunha, da Secretaria de Segurança Pública
(M.C.)
08/23/2008
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