Machado de Assis: Trabalho na cobertura jornalística do Senado moldou o grande escritor



Entre os fatos que fazem parte do que se poderia chamar de história informal do Senado, consta que o mais celebrado escritor brasileiro, Machado de Assis, iniciou suas atividades profissionais como jornalista, aos 20 anos, fazendo a cobertura das sessões do Senado do Império, em 1860.

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 O jornal era o Diário do Rio de Janeiro, órgão liberal, da oposição, suspenso certa época, e que retornava agora sob a direção de Saldanha Marinho. Quintino Bocaiúva, grande amigo de Machado, era o redator-chefe do Diário e lhe fez o convite. Coube a Machado a resenha dos debates do Senado e, esporadicamente, outras tarefas, como a crítica teatral.

 Para a biógrafa Lúcia Miguel Pereira, "convidando-o para lá o tirou o Quintino do amadorismo das revistas literárias, pô-lo na obrigação de enfrentar o grande público, de dar a sua opinião sobre os assuntos do dia, fê-lo refletir, pensar."

 Por meio da prática diária da crônica na imprensa, o futuro escritor obteve, além do sustento material, oportunidade para iniciar uma profissão que exerceria praticamente pelo resto da vida, seja na crônica política, na crítica de idéias, de livros, e de espetáculos, seja como veículo para divulgação dos seus contos e romances.

 O tom pessoal com que Machado de Assis escrevia suas crônicas permitia-lhe "o devaneio e as apreciações subjetivas". No entanto, é o próprio escritor quem afirma que "um povo forte pinta e narra tudo". Nota-se, de outra parte, como seu amadurecimento, favorecido pela experiência adquirida na cobertura da atividade parlamentar, o levaria a deslocar suas críticas das pessoas para as instituições: "Os homens que não são sérios e graves - escreve Machado - são exatamente os homens sérios e graves".

 Do ponto de vista político, 1860, ano em que Machado de Assis entrou para a imprensa, assinalaria o começo da inversão de um período que durava já três décadas, marcado pela vitória dos conservadores, dando início à ascensão do Partido Liberal. Àquela altura, o desenvolvimento das cidades e o crescimento da classe média favoreciam a que os profissionais liberais aumentassem sua presença no Legislativo.

 Seria em meio a essa classe, conforme Daniel Piza, autor de Machado de Assis - Um gênio brasileiro, principalmente na província de São Paulo, que iniciava um arranque de desenvolvimento graças ao café e às ferrovias, que nasceria o movimento republicano alguns anos mais tarde. Machado foi testemunha ocular dessa transição.

 Embora liberal e abolicionista, além de antiimperialista, Machado de Assis preferia a monarquia constitucional quando se tratava do Brasil. Marcado por uma história de ascensão em meio à corte do Segundo Reinado, achava que a nova classe dirigente, republicana, não poderia servir de exemplo para a população, porque era desprovida de tradição, cultura e moral. Nesse ponto, sua opinião coincidia com a do amigo Joaquim Nabuco, com quem já partilhava a defesa do abolicionismo.

 Em Minha Formação, texto autobiográfico, Nabuco revela seu pensamento sobre a possibilidade de uma república brasileira, quando diz que "países sem uma aristocracia natural e culta como o Brasil não tinham estrutura moral para aderir à república sem arriscar com isso a estabilidade da federação". O contra-exemplo, aponta o autor, era toda a América hispânica, em que o território terminou dividido pelo domínio de surtos republicanos.

 Defensor da ciência sem superestimá-la, Machado de Assis também não era religioso. Em suas crônicas ironiza o disfarce de "bom humor e jovialidade que os políticos usam para esconder seu despreparo e seus interesses". Em 1865, ainda no Diário do Rio de Janeiro, Machado é um cronista combativo e mordaz, e suas críticas não raro são rebatidas na tribuna.

 No que diz respeito à sua participação nas lutas e debates sobre as questões políticas de seu tempo, observa-se que, mesmo havendo se empenhado para marcar sua própria imagem desgarrada de uma efetiva militância, seus críticos e estudiosos assinalam que "a partir de 1860, com intervalos, Machado de Assis se tomou de comichão política", mesmo sem nunca haver se filiado a partido político.

 O Velho Senado

Em 1989, por ocasião das comemorações do sesquicentenário de nascimento de Machado de Assis, o Senado publicou o célebre texto evocativo O Velho Senado, juntamente com dez artigos produzidos por intelectuais, políticos e conhecedores da obra machadiana. Seus autores apontam aspectos das relações do escritor com a atividade política.

 Assinam esses textos Nelson Carneiro, Afonso Arinos de Melo Franco, Afrânio Coutinho, Austregésilo de Athayde, Carlos Castello Branco, José Sarney, Josué Montello, Luiz Viana Filho, Marcos Vilaça e Raymundo Faoro.

 Em "Lições políticas de Machado de Assis", que integra o citado volume, Sarney discute a vocação política do autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas e conclui que nosso personagem teria tido essa vocação:

 "Apenas, em vez de fazer política, no plano da vida executiva ou parlamentar, ele preferiu fazer a alta política, no plano da vida literária, de que a Academia, com o reconhecimento de sua incontestável liderança intelectual, constituiu o ponto culminante, a realização maior".

 Em 1867, o Diário do Rio de Janeiro foi vendido a Sebastião Gomes da Silva Belfort. Poucos meses depois, Machado deixaria seus quadros. Mas continuou escrevendo para outros jornais e revistas, nos quais viria a publicar, como folhetim, vários dos sues futuros romances.

 Tendo como companheiros de ofício Bernardo Guimarães, pelo Jornal do Commercio, e Pedro Luís, pelo Correio Mercantil, a partir do dia 25 de março de 1860 o jovem Machado passou a freqüentar o Solar do Conde dos Arcos, no antigo campo de Santana, local onde o Senado funcionou entre 1826 a 1925, em demanda das suas novas atribuições como setorista da área.

 Cerca de 40 anos depois, em 1899, Machado de Assis publicaria O Velho Senado. Trata-se, como já foi dito, de um texto evocativo no qual faz admirável reconstituição da instituição e dos homens que a integravam, naquele período.

 Nutrido pelas lembranças de impressões e de conhecimentos adquiridos na época em que suas atribuições o levavam a conviver, diariamente, com os senadores, Machado de Assis, ao escrever O Velho Senado tomaria o jovem repórter que ele havia sido, como fonte para o alto escritor no qual se tornara. A memória saiu publicada em uma coletânea intitulada Páginas Recolhidas, lançada 1899, que viria a ser seu livro de melhor aceitação pelos leitores de sua época.

 Pretendendo assinalar o impacto que significou para ele o início da sua experiência como cronista parlamentar, Machado adverte para que, "diante daqueles homens que eu via ali juntos, todos os dias, é preciso não esquecer que não poucos eram contemporâneos da maioridade (1840), algum da Regência, do Primeiro Reinado e da Constituinte (1824). Tinham feito ou visto fazer a história dos tempos iniciais do regímen, e eu era um adolescente espantado e curioso".

 Sobre O Velho Senado, Carlos Castello Branco, reconhecido como modelo de jornalista político brasileiro a partir da segunda metade do século passado escreve:

 "Obra mestra de evocação que nos repõe viva a instituição do Império e traça para a posteridade retratos imperecíveis dos modelos de sua paisagem humana, entre eles alguns homens excepcionais como Paranhos do Rio Branco, modelo de parlamentar e de homem público que é um paradigma dos grandes vultos que dotaram um país pobre e ainda em formação de figuras titulares."

Trechos de O Velho Senado, de Machado de Assis

Primeiro parágrafo:

"A propósito de algumas litografias de Sisson, tive há dias uma visão do Senado de 1860. Visões valem o mesmo que a retina em que se operam. Um político, tornando a ver aquele corpo, acharia nele a mesma alma dos seus correligionários extintos, e um historiador colheria elementos para a história. Um simples curioso não descobre mais que o pinturesco do tempo e a expressão das linhas com aquele tom geral que dão as coisas mortas e enterradas."

Último parágrafo:

 "E após ele vieram outros, e ainda outros, Sapucaí, Maranguape, Itaúna, e outros mais, até que se confundiram todos e desapareceu tudo, cousas e pessoas, como sucede às visões. Pareceu-me vê-los enfiar por um corredor escuro, cuja porta era fechada por um homem de capa preta, meias de seda preta, calções pretos e sapatos de fivela. Este era nada menos que o próprio porteiro do Senado, vestido segundo as praxes do tempo, nos dias de abertura e encerramento da assembléia geral. Quanta coisa obsoleta! Alguém ainda quis obstar à ação do porteiro, mas tinha o gesto tão cansado e vagaroso que não alcançou nada: aquele deu volta à chave, envolveu-se na capa, saiu por uma das janelas e esvaiu-se no ar, a caminho de algum cemitério, provavelmente. Se valesse a pena saber o nome do cemitério, iria eu catá-lo, mas não vale;todos os cemitérios se parecem."



28/04/2006

Agência Senado


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