Mozarildo vê como grande avanço da Constituição a transformação dos antigos territórios em estados
Eleito deputado constituinte em 1986 pelo então território de Roraima, aos 42 anos, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) considera que a transformação dos territórios federais Roraima e Amapá em estados, por decisão da Assembléia Nacional Constituinte, foi um passo fundamental na luta pela eliminação das desigualdades regionais. Em entrevista à TV Senado, ele afirmou que os habitantes daqueles territórios hoje têm, de fato, a cidadania brasileira, e que antes de 1988 eram cidadãos de terceira categoria.
- O território federal era, na prática, uma autarquia federal, não era um estado membro da Federação.Foi exatamente no artigo 14 das Disposições Transitórias da nossa Constituição que nós transformamos em estados os territórios de Roraima e Amapá e também criamos o estado do Tocantins, por desmembramento do estado de Goiás.
A transformação de Roraima e Amapá em estados membros da Federação conferiu aos habitantes dessas regiões o direito, por exemplo, de eleger representantes para o Senado. Os territórios não elegiam senadores. Na opinião de Mozarildo Cavalcanti, esses novos estados conseguiram avançar em decorrência da aplicação da própria Constituição.
- Temos uma representação na Câmara, é a menor, mas é proporcionalmente boa porque temos oito deputados federais; temos hoje no nível local Tribunal de Justiça, Assembléia Legislativa; criamos uma universidade federal, que eu digo, foi decorrente da transformação em estado; e um Centro Federal de Ensino Tecnológico - comentou.
O representante de Roraima, 20 anos após a promulgação da Constituição, observa que até hoje não houve uma regulamentação das normas da Carta que tratam da questão indígena. Na opinião do senador, por falta dessa regulamentação, está nas mãos do Poder Executivo Federal "o direito de, unilateralmente, demarcar terras indígenas e decidir sobre as questões indígenas".
Mozarildo avalia que há distorções na demarcação de terras indígenas porque, por trás da questão, "existem interesses não muito bem esclarecidos". Há casos, por exemplo, segundo ele, em que uma reserva indígena coincide com reserva mineral.
- Então, o que me preocupa é a pessoa humana do índio. Da Constituição de 1988 para cá, a pessoa humana do índio melhorou de vida? Está com mais saúde? Com mais educação? Convive melhor entre si e com a sociedade abrangente? São essas perguntas que, para mim, são fundamentais, porque até as terras não são deles. Das terras, eles têm apenas o usufruto - declarou Mozarildo.
O senador enfatizou ser necessária a elaboração de uma legislação complementar para regulamentar os artigos da Constituição sobre o assunto indígena.
- Garantir os direitos dos índios, dos negros, das mulheres e de outras minorias é perfeitamente compreensível. O que tem que haver é que o direito de um não tire ou não tolha o direito do outro, porque, em síntese, todos nós somos iguais perante a lei - disse.
Parlamentarismo
Mozarido reconhece que a Constituição garantiu ao Brasil a instituição de um Estado democrático. Ele observa, no entanto, que há no texto o que chama de "hipertrofia do Poder Executivo" como resultado do fato de que, na Constituinte, se pensou primeiramente no modelo parlamentarista e só ao final a maioria se definiu por um sistema presidencialista de governo.
- E isso hipertrofiou o Poder Executivo que hoje, na prática, faz o quê? Ele sufoca o Poder Legislativo, tira a capacidade do Poder Legislativo de legislar e fiscalizar, de produzir, realmente, alguma coisa de maneira maior, em benefício do povo. Então, há algumas distorções que precisam ser corrigidas sem que a gente faça profundas modificações na Constituição.
Como exemplo do que precisa ser mudado, Mozarildo citou o rito das Medidas Provisórias, para que haja um equilíbrio entre os Três Poderes.
- Hoje o Poder Executivo, efetivamente, legisla e até julga e até inibe o Poder Judiciário de julgar. Mas isso é perfeitamente corrigível, sem que se precise convocar uma nova Constituinte - disse o parlamentar.
Apesar dessas questões, na opinião de Mozarildo, os brasileiros têm muito o que comemorar na passagem dos 20 anos de promulgação da Constituição. O trabalho da Constituinte, disse o representante de Roraima, consolidou o Estado democrático de direito, garantiu os direitos individuais, reconheceu principalmente o direito das minorias e a livre expressão do pensamento.
- Realmente a democracia se consolidou. Então, a nossa Constituição de 1988 foi um marco da história republicana do país - declarou Mozarildo.
O senador lembrou que a Constituição foi elaborada num momento de muitas demandas reprimidas, depois de duas décadas de regime militar. À época, todas as camadas da população queriam ver suas reivindicações inseridas na Constituição, porque não acreditavam, por exemplo, que elas pudessem ficar para leis ordinárias e leis complementares.
- Muita coisa que foi colocada na Constituição poderia ter ficado para uma lei complementar ou ordinária. No entanto, era uma satisfação que o constituinte tinha que dar à sociedade.
Por isso, segundo o senador, a Constituição ficou muito extensa. Tanto foi assim, avaliou, que os próprios constituintes chegaram à conclusão de que a Constituição tinha que ser revista num prazo relativamente curto, e foi marcada sua revisão para cinco anos depois da promulgação.
- No meu entender, essa revisão é que não foi muito adequada, porque ela deveria ter enxugado melhor a Constituição, complementado em alguma coisa, mas principalmente enxugado. Porque realmente essa Constituinte Revisora, essa Câmara Revisora que foi autorizada pela própria Constituição, foi, no meu entender, muito modesta, porque apenas seis pontos foram atingidos e pontos que não foram fundamentais.
O senador disse entender que o aperfeiçoamento da Constituição não pode ser realizado a cada hora, no dia-a-dia. A Constituição, sustentou o parlamentar, não deve ser uma colcha de retalhos que, a cada momento, de acordo com a maré que esteja predominando, seja emendada. Apesar disso, Mozarildo reconhece que a Constituição foi positiva na garantia dos direitos individuais.
30/09/2008
Agência Senado
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