Nem a vitória pacifica
Nem a vitória pacifica
Amagra vitória do candidato único à presidência do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), mostrou ontem que a crise no Senado não se encerrou com a renúncia de Jader Barbalho (PMDB-PA) ao cargo. O placar — 41 votos a favor, 31 em branco e três nulos, um deles com a inscrição "Fora FHC" — expôs a fissura da base aliada e o clima de beligerância do Senado.
Tebet, que ocupava o Ministério da Integração Nacional, elegeu-se graças à intervenção do Palácio do Planalto. Com o apoio até de peemedebistas, o PFL e a oposição votaram em branco, dispostos a forçar uma nova eleição. Anunciado o resultado, a oposição ficou para ouvir o discurso de Tebet. Mais radical, porém, a bancada do PFL, praticamente inteira, deixou o plenário , o que foi interpretado como uma declaração de guerra ao PMDB.
A reação de pefelistas — entre eles, o presidente do partido, Jorge Bornhausen (SC), e o líder, Hugo Napoleão (PI) — acirrou o ânimo dos peemedebistas, que contra-atacaram:
— Temos que parar com essa mediocridade! Fiquei muito triste de ver o PFL se juntar à oposição pelo branco da paz — disse, em tom irônico, o líder do PMDB, Renan Calheiros.
PFL não segue orientação de FH
Armado desde a véspera — quando tentou viabilizar a eleição de José Agripino Maia (PFL-RN) — o PFL chegou a descumprir determinação expressa do presidente Fernando Henrique Cardoso ao votar, maciçamente, em branco. De tarde, numa reunião com a bancada, Bornhausen foi o porta-voz da orientação dada por Fernando Henrique, minutos antes. Na conversa, o presidente pediu que o partido votasse para eleger Tebet. Mas, atendendo à reivindicação dos carlistas, a maioria do PFL optou mesmo pelo voto em branco. Somadas, as bancadas do bloco de oposição e do PFL chegavam a 37 senadores. Os votos nulos e em branco totalizaram 34.
Como pelo menos três integrantes da oposição — Ademir Andrade (PSB-PA), Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e Roberto Freire (PPS-PE) — votaram abertamente em Tebet, além de pefelistas como Francelino Pereira (MG), a conclusão do PMDB é de que boa parte do PFL se opôs à eleição de Tebet:
— Não recebo esses votos com outro sentido se não como uma mensagem de paz. Porque é isso que o branco significa! — apelou Tebet, em seu discurso de posse, pouco depois de se benzer.
A tirada lhe rendeu aplausos dos senadores que permaneceram no plenário. A cizânia contaminou o próprio PMDB. A cúpula do partido, que estimava em 45 os votos destinados a Tebet, não tem dúvidas de que peemedebistas votaram contra sua eleição e nem sequer é capaz de assegurar que José Sarney (AP) tenha apoiado Tebet, como prometera. Sarney também não assistiu ao discurso do novo presidente do Senado.
— Tenho 70 anos. Com a boa vontade de Deus, tenho mais dez pela frente. Não vou querer passar 20% do tempo que me resta sentado à mesa, ouvindo os discursos que ouço há 40 anos — disse Sarney antes de votar.
Ele, José Fogaça (PMDB-RS), Gerson Camata (PMDB-ES), Paulo Hartung (PPS-ES) e José Eduardo Dutra (PT-SE) foram estimulados pelo PFL ontem para que entrassem na disputa. Mas ninguém aceitou:
— A crise continua estacionada no Senado — disse Hartung.
Mas não é só a base que sofre. A oposição também não está imune. O próprio Hartung protagonizou um duelo com Roberto Freire em plenário. Indignado com os ataques de Freire — que, sem participar de uma reunião, criticou a omissão da oposição — Hartung declarou seu voto em branco no plenário. Depois, foi alvejado pelos peemedebistas, que o acusam de ter descumprido acordo em favor de Tebet. Hartung nega.
Ontem, assustado com a repercussão de seu protesto, o PFL desapareceu. E até Antonio Carlos Magalhães Júnior (PFL-BA) amenizou o tom. Segundo Júnior, os três baianos já estavam decididos a deixar o plenário. Mas não contavam com a adesão de outros 13 senadores do partido. Bornhausen e o líder Hugo Napoleão lideraram a debandada.
— Nossa oposição é a Tebet. Não ao presidente do Senado — disse Júnior, prometendo apoio institucional.
Nasci virado para a lua’, diz Tebet, o algoz de ACM no Conselho de Ética
BRASÍLIA. Não é à toa que o novo presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), se benze e ergue as mãos aos céus em agradecimento a Deus. Mas concorda com o ditado popular: nasceu virado para a lua. Nascido no Mato Grosso do Sul, filho de mascate, garçom na adolescência, Tebet ascendeu graças a muitos golpes de sorte. Foi assim em vitrines como a CPI do Judiciário, o Conselho de Ética, o Ministério da Integração Nacional e, agora, o Senado.
— É mesmo. Nasci virado para a lua. Tenho que agradecer ao bom Deus — admitiu ele, já no gabinete de presidente do Senado, após chorar ao telefone enquanto comemorava a vitória com os filhos gêmeos, Ramez e Rodrigo.
Tebet assumiu o posto disposto a ignorar o clima de beligerância que domina o Senado. Ele jurou não ter reparado que não havia mais senadores do PFL no plenário quando iniciou seu primeiro discurso.
— Vamos trabalhar para pôr fim à crise. Vou me esforçar para que o Senado volte à sua rotina, superando os momentos difíceis — disse.
Tebet quase abandonou a política em 1990
Tebet teve, em Brasília, uma carreira meteórica. E, hoje, ninguém acreditaria que quase abandonou a política em 1990, quando queria concorrer ao Senado. Mas seu partido, o mesmo que ontem o elegeu presidente do Senado, só oferecia uma vaga na Câmara. Naquele ano, Tebet trocou a vida pública pelas aulas na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Elegeu-se quatro anos depois, mas manteve-se por muito tempo no anonimato.
Nos primeiros anos de Senado, só despertava atenção pelo hábito de caminhar sobre o tapete azul da Casa assobiando e com as mãos no bolso. Vaidoso, escolhe os tecidos — de textura e cores nem sempre discretas — de seus ternos. Já fez implante de cabelo e aplicou botox no queixo e nos lábios.
Sua naturalidade, porém, supera a vaidade. Tebet foi capaz de aparecer no comitê de campanha de Fernando Henrique, em 1998, dias após o implante de cabelo. Com a cabeça ainda ferida, anunciou a todos a intervenção cirúrgica.
Simples, Tebet trabalhou de garçom no Rio para garantir os estudos e se formar em direito. Do Rio, voltou para a cidade natal, Três Lagoas. Lá, trabalhou como advogado, promotor, elegeu-se prefeito, fez fortuna. Em 1979, foi o deputado estadual mais votado de Mato Grosso do Sul. Em seguida, foi secretário estadual de Justiça e vice-governador (1982-1986). De 1987 a 1990, dirigiu a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste.
Em 1994, elegeu-se senador. Na Casa, ganhou notoriedade na presidência do Conselho de Ética, comissão sem grande movimento até o processo de cassação do mandato de Luiz Estevão. Caiu nas graças do governo ao presidir o conselho durante a investigação da violação do painel eletrônico, que levou à renúncia de Antonio Carlos Magalhães e de José Roberto Arruda.
Foi então que ganhou de Antonio Carlos o apelido de "rábula do Pantanal". Sua atuação também chegou a contrariar o amigo Jader Barbalho (PMDB-PA), ontem um de seus cabos eleitorais. Ao se recusar a cumprir uma determinação de Jader, Tebet teve de ouvir:
— Se eu soubesse disso, não teria indicado você.
Pantaneiros farão festa para comemorar eleição
A eleição de Tebet será comemorada pelos pantaneiros com uma grande festa. Ele será recebido hoje à noite em Campo Grande com carreata e foguetório pelas ruas da cidade. Prefeitos e artistas regionais, tendo à frente o cantor e compositor Almir Sater, participarão da homenagem. Antes de cair nos braços dos pantaneiros, entretanto, ele se encontra com o presidente e passa por Cuiabá, onde fará uma palestra.
Eleição deixa Antonio Carlos furioso
BRASÍLIA. O ex-senador Antonio Carlos Magalhães não escondeu sua fúria ontem ao ver seu principal algoz no processo que o levou a renunciar ao mandato ser eleito presidente do Senado. Para ele, ficou clara a aliança do presidente Fernando Henrique com o que chamou de “banda podre do PMDB”, que agora estaria tentando salvar Jader Barbalho de um processo de cassação.
— Não foi por outro motivo que ele (Fernando Henrique) trabalhou para levar à presidência do Congresso o rábula do Pantanal: Ramez Tebet, cuja incapacidade e ausência de qualquer virtude o presidente pôde comprovar nesse curto período de convivência no Ministério da Integração Nacional — disse Antonio Carlos.
A reação do ex-senador se deve à atuação de Tebet no Conselho de Ética nas investigações sobre a violação do painel, que favoreceu a aprovação do relatório recomendando sua cassação e a do ex-líder governista José Roberto Arruda. Para Antonio Carlos, a participação do Planalto nas articulações para eleger Tebet desmoraliza o Congresso:
— Esse grupo pensa que o Senado é uma casa de tolerância, em que os senadores são eunucos. Enganam-se. O Senado um dia vai reagir, assim como o povo reagirá em 2002.
Ele não poupou Fernando Henrique e pôs em dúvida a chance de a aliança que dá sustentação ao governo ser reeditada em 2002:
— O presidente não é confiável para uma aliança. O PFL deve ficar atento para não aceitar as imposições de um falso democrata — disse.
Arruda se reúne com FH para discutir o futuro
BRASÍLIA. Afastado do Senado há quase quatro meses, depois de renunciar ao mandato por envolvimento no escândalo da violação do painel de votação, José Roberto Arruda se encontrou ontem com o presidente Fernando Henrique. Foi a primeira vez que os dois se reuniram desde que Arruda foi obrigado a deixar o cargo de líder do governo no Senado e a renunciar ao mandato.
Arruda chegou ao Palácio da Alvorada por volta das 10h30m. O encontro, que durou cerca de 40 minutos, aconteceu um dia depois de o presidente anunciar o substituto de Arruda na liderança do governo, o senador Artur da Távola (PSDB-RJ).
O encontro com Fernando Henrique foi intermediado por tucanos como o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, que esteve com Arruda esta semana. Apesar de ter se afastado do PSDB, Arruda, segundo amigos, mantém contato com Pimenta e com o líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM).
Arruda conversou com Fernando Henrique sobre seu futuro político. Ele pediu ao presidente conselhos sobre a qual partido deve se filiar, já que o prazo para filiação acaba em outubro. Arruda está conversando com PFL, PTB, PL e até PPS. A intenção, segundo amigos do ex-senador, é concorrer nas eleições de 2002, apesar do desgaste no caso do painel.
Manobra adia votação de relatório contra Jader
BRASÍLIA. O PMDB montou o roteiro e o presidente do Conselho de Ética, Juvêncio da Fonseca (PMDB-MS), seguiu à risca. Numa manobra protelatória comandada pessoalmente pelo senador Jader Barbalho (PMDB-PA), Juvêncio garantiu uma sobrevida ao colega de bancada por pelo menos uma semana. Atendendo a uma questão de ordem de Jader, que alegou ter tido seu direito de defesa cerceado, Juvêncio adiou para a próxima quinta-feira a votação do relatório da comissão de investigação que propõe a abertura de processo por quebra de decoro parlamentar.
Apesar de ter indeferido o mérito da questão, Juvêncio acolheu o recurso de Jader, solicitando parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Mesmo diante dos protestos dos senadores da oposição, do PFL e do PSDB, Juvêncio não voltou atrás e chegou a cassar a palavra de quem tentou contestar a decisão.
Protestos da oposição não foram levados em conta
Heloísa Helena (PT-AL) e Jefferson Peres (PDT-AM) ainda tentaram propor que Jader fosse ouvido ontem, para impedir o adiamento e o recurso. Mas o ex-presidente do Senado foi mais rápido e deixou a sala logo após a decisão de Juvêncio.
Juvêncio disse que tomou sua decisão consultando, ao longo da sessão, fichas com orientações sobre os passos que deveria seguir. O fato de o presidente do conselho não deixar um minuto sequer as fichas reforçou a tese de alguns senadores de que ele cumpria um roteiro traçado pelos advogados de Jader. Antero Paes de Barros (PSDB-MT) foi um dos que criticaram a decisão do presidente do conselho:
— Ele seguiu o roteiro que estava nos papéis. Isso é antiético. Foi uma tabelinha ensaiada.
Juvêncio garantiu que os roteiros datilografados foram escritos por ele, para se prevenir de possíveis manobras.
— Eu apenas me preparei bem para uma sessão polêmica — defendeu-se Juvêncio.
O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), comandou a tropa de choque em favor de Jader e defendeu a decisão de Juvêncio:
— Isso aqui não é sangria desatada. Temos de garantir o amplo direito de defesa a Jader.
Recurso só será enviado à CCJ na segunda-feira
A oposição e o PFL insistiram em pedir explicações sobre o adiamento da votação. O presidente do conselho se alterou quando Jefferson Peres quis uma garantia de que haverá mesmo votação na próxima quinta-feira e voltou a pedir a convocação de Jader para depor naquele momento.
— Chamar Jader para depor agora é blá-blá-blá. Não quero mais saber de mentirinhas no conselho — disse Juvêncio.
Peres reagiu mal ao saber que o recurso só será enviado à CCJ na segunda-feira. Juvência argumentou que a comissão se reúne às quartas.
Câmara extingue CPI acusada de corrupção
BRASÍLIA. Num fato inédito na história do Congresso Nacional, os líderes de todos os partidos na Câmara dos Deputados decidiram encerrar ontem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar denúncias de corrupção em obras públicas inacabadas. O motivo: denúncias de corrupção contra integrantes da CPI, que estariam extorquindo dinheiro de empreiteiros para livrá-los da investigação.
O alvo das acusações é o presidente da CPI, deputado Damião Feliciano (PMDB-PB), que sequer conseguiu concluir seu pronunciamento ontem, em plenário, em defesa da manutenção da comissão. Este poderá ser o primeiro caso a ser analisado pelo recém-criado Conselho de Ética da Câmara.
— Esse foi um acontecimento inimaginável! Uma CPI criada para investigar corrupção ter que ser extinta por causa de denúncias de corrupção contra seus membros — disse um dos líderes que apoiaram a decisão, votada no plenário da Câmara.
CPI deveria ser concluída no próximo dia 9
A CPI deveria ser concluída no próximo dia 9 de outubro, mas a presidência da comissão pretendia pedir prorrogação por mais 60 dias.
Informado de acusações de tentativas de cobrança de propina em diversos estados por integrantes da CPI, o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), decidiu articular com os líderes a extinção imediata da comissão.
— Quando a CPI foi criada, entendemos que os objetivos a tornariam uma comissão importante. Mas, com essas denúncias, ficou muito complicado. As denúncias são muito graves e a Câmara terá que investigar isso — disse o líder do PT, deputado Walter Pinheiro (PT-BA).
O relato das reclamações que chegaram de vários estados foi feito ao líder do PSDB, Jutahy Magalhães (BA), e a Aécio, pelo relator Anivaldo Vale (PSDB-PA), que sequer teve tempo de apresentar um relatório sobre as investigações.
Um dos casos de tentativa de extorsão atribuída a Damião, segundo as denúncias encaminhadas aos deputados, teria sido com as empreiteiras responsáveis pela construção do Rodoanel, em São Paulo.
Dirigentes de empresa teriam sido achacados
No Rio Grande do Sul, a empresa Bolognesi Engenharia, responsável pela construção da BR-386, está sendo acusada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de ter usado notas frias na prestação de contas. A denúncia que chegou ao relator dá conta de que Damião teria procurado dirigentes da empresa pedindo dinheiro para não incluir a obra no relatório final da CPI.
— Essa denúncia aconteceu quando tentamos aprovar a quebra do sigilo bancário da empresa — disse Damião, no momento em que subiu à tribuna para tentar defender a manutenção da CPI.
Segundo parlamentares, quando viu que a situação era insustentável e que todos os líderes votariam a favor da extinção da CPI, desistiu de tentar a prorrogação.
— Eu vim aqui para defender a manutenção da comissão, mas não posso fazê-lo por causa de forças ocultas — disse Damião Feliciano.
Desde que começou a CPI, o relator Anivaldo Vale vinha percebendo movimentações estranhas de Damião. Segundo interlocutores do relator, Damião estaria telefonando para empreiteiros, fazendo acordos e tentando extorquir dinheiro para livrá-los da investigação.
Tentativas de extorsão também na Bahia
O deputado José Lourenço (PMDB-BA) teria sido um dos parlamentares que denunciaram ao secretário-geral da Mesa da Câmara, Mozart Viana, tentativas de extorsão de dinheiro de dirigentes de empreiteiras na Bahia.
Outro fato que chamou a atenção de Aécio Neves é que a comissão estava gastando muito dinheiro em viagens. Até agora, os integrante da CPI visitaram seis estados vistoriando obras inacabadas suspeitas de corrupção: Paraná, Santa Catarina, Goiás, Rio Grande do Sul, Bahia e São Paulo. Para apurações em São Paulo viajaram seis deputados.
Incomodado com o rumo que os trabalhos vinham tomando, o relator Anivaldo Vale já tinha pedido ao presidente da CPI que o afastasse da função.
Governo pedirá devassa em contas de Maluf
BRASÍLIA. O Ministério da Justiça pedirá nos próximos dias à Suíça e à Ilha de Jersey uma devassa nas contas e nas movimentações bancárias do ex-prefeito de São Paulo Maluf nos dois países. O pedido foi feito pelo juiz Fernando Gonçalves, da 8 Vara Federal de São Paulo, a partir de investigações dos procuradores da República Denise Abade e Pedro Pereira. O prefeito é apontado como titular de contas na Suíça e em Jersey.
Em julho de 1985, Maluf abriu uma conta no Citibank de Genebra em nome da empresa Blue Diamond Limited, com sede nas Ilhas Cayman. A conta foi fechada em 1997 e transferida para o Citibank na Ilha de Jersey, paraíso fiscal no Canal da Mancha.
Segundo o Ministério Público de São Paulo, ele teria movimentado US$ 200 milhões nessa conta. De acordo com jornais suíços, a quantia pode chegar a US$ 300 milhões.
Os procuradores esperam receber das autoridades da Suíça e de Jersey extratos bancários com depósitos, saques e transferências feitos a partir das contas de Maluf nos dois paraísos fiscais. A conta da Suíça já teria sido fechada, mas os documentos servirão como provas da movimentação de expressivas somas de recursos de origem não justificada. Os investigadores não têm certeza, mas acreditam que boa parte do dinheiro retirado da Suíça está agora numa conta secreta em Jersey.
Os investigadores estão preocupados com a possível resistência das autoridades de Jersey em liberar as informações. Há pouco mais de um mês, a procuradora Denise Abade esteve em Jersey e pediu a colaboração do Ministério Público local. Os interlocutores concordaram em ajudar, mas até agora as investigações no paraíso fiscal não teriam avançado.
Por isso, antes de enviar o pedido a Jersey, o governo brasileiro pretende assinar um acordo de cooperação judiciária com a Grã-Bretanha.
A suspeita sobre a movimentação milionária do ex-prefeito Paulo Maluf em paraísos fiscais surgiu de investigações do serviço de inteligência financeira da Suíça, realizadas a partir de entendimentos com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras brasileiro (Coaf), presidido por Adrienne Senna.
Artigos
O processo de globalização tem mão única
CARLOS BRANDÃO e JOÃO ARY DE LIMA BARROS
Ainda não foram aprovadas, pelo Congresso, as condições para investimentos estrangeiros no Brasil em instituições financeiras nacionais.
Entretanto, a partir do Plano Real, vem o governo autorizando não só a abertura de novas agências de bancos estrangeiros como, principalmente, transferindo para esses o controle acionário de vários bancos até então brasileiros, inclusive bancos conceituados, como se comprova pelo grande crescimento dos depósitos dos referidos bancos estrangeiros e suas filiais em nosso país: até 1996, participavam com 5,98% do total geral dos depósitos em reais; no início de 2001, esse percentual mais do que dobrou, elevando-se para 14,8%, equivalentes a cerca de 40% de participação estrangeira no total de depósitos dos bancos privados. Até o fim deste ano, estima-se que essa participação ultrapasse 50% dos depósitos. Autorizações que não as de reciprocidade transformam em letra morta artigos da Constituição, sem que sejam conhecidas claramente suas justificativas.
Os bancos estrangeiros aqui estabelecidos captam recursos financeiros nacionais para com eles produzir seus lucros (que aliás têm sido notáveis), mas, diferentemente dos bancos brasileiros, “exportam” esses lucros, os quais irão, como é natural, engordar os dividendos de seus acionistas no exterior — agravando as condições já desfavoráveis de nosso balanço de pagamentos. Fica difícil entender quais são os objetivos governamentais ao adotar essa política de transferir parte da capacidade de multiplicação da moeda brasileira (moeda escritural) de bancos nacionais para bancos estrangeiros, sem uma definição clara e prévia, aprovada pelo Congresso, como previsto em nossa Constituição, de quais os limites dessa participação e, mais ainda, sem a aprovação das novas leis necessárias à redefinição das atividades do Banco Central e de nosso sistema financeiro como determina, também, a nossa Carta Magna.
A crise do sistema bancário brasileiro, ocorrida após a implantação do Plano Real, seria motivo mais do que suficiente para apressar a alteração do artigo 192 da Constituição, o que teria evitado a desnacionalização do sistema financeiro. Só agora, depois da porta arrombada, está o governo interessado em agilizar junto ao Congresso, onde o assunto se encontra em segunda votação, nova redação para o referido artigo.
Bancos comerciais e outras instituições financeiras que a eles se equiparem, por receber depósitos à vista, desempenham um papel peculiar, único, na economia de um país capitalista, democrático, qual seja o de repartir com o governo, num sistema de reservas fracionário, a capacidade de multiplicar meios de pagamento. A quantidade de dinheiro em circulação emitida pelo governo, via Banco Central, corresponde apenas a um percentual menor do total dos meios de pagamento, cuja maior parte é composta de moeda escritural em depósito nos bancos comerciais. Daí a delicadeza da situação, quando essa capacidade se transfere, além de um certo limite, de bancos brasileiros para bancos estrangeiros. E é óbvio, também, que esses últimos orientarão os seus empréstimos, com recursos captados internamente no Brasil, preferencialmente para empresas estrangeiras que aqui mantêm filiais, o que irá facilitar, ainda mais, a transferência do controle de empresas e da produção nacional para as referidas instituições, além de tornar o país mais vulnerável às especulações cambiais.
Enquanto se decide, lentamente, o futuro da legislação que regulará o BC e o sistema financeiro, aprova-se a implantação de um novo sistema de pagamentos, que deverá entrar em funcionamento em abril de 2002, o qual alterará toda a rotina dos bancos e de todos os seus clientes, com base em regras emanadas do Banco de Compensações Internacionais (BIS), com apoio do FMI.
Para países como o nosso, a implantação desse sistema é prematura. O Brasil só deveria introduzir tal sistema quando este fosse adotado pela nação líder do continente e do mundo, os Estados Unidos.
Acrescente-se a tudo isso o fato de não serem conhecidas, também, as justificativas para serem autorizados, apenas nos últimos três anos, investimentos de capitais estrangeiros de cerca de US$ 100 bilhões, aproximadamente 21% de nosso PIB, sem o amparo da regulamentação do artigo 172 da Constituição — na maior desnacionalização de nossa história — nas áreas financeira, de telecomunicações, de energia, de setores industriais, comerciais e agrícolas. Por analogia, é um autêntico takeover de empresas brasileiras por empresas estrangeiras, com o agravante de que, na realidade, o fazem com o equivalente aos juros anuais de nossa dívida externa, pagos nos últimos três anos, no total aproximado de US$ 100 bilhões. Não houve, portanto, entrada líquida de recursos em nosso país. Tudo se passando como se nos pagassem com nossos próprios recursos (caso único na atual conjuntura mundial). Ainda mais, as empresas estrangeiras, financeiras ou não-financeiras, vieram se estabelecer no Brasil para auferir lucros, os quais serão remetidos para o exterior, pressionando o nosso balanço de pagamentos nos anos vindouros. Ressalve-se que se as mesmas se ligarem ao ramo de exportação, pelo menos estarão contribuindo para angariar preciosas reservas.
O Brasil não está participando da globalização dos mercados mundiais, o que seria normal em face da ideologia econômica vigente, em que pese a existência da Organização Mundial do Comércio. O Brasil está sendo globalizado, usando-se esse termo como eufemismo para desnacionalizado. E é importante ressaltar que essa grande desnacionalização de nossas empresas, como está comprovado, não tem gerado receitas suficientes para reduzir a nossa enorme dívida externa, de US$ 230 bilhões (R$ 598 bilhões), equivalente ao total de nossa dívida pública interna mobiliária federal, em poder do público, em junho deste ano, no valor de R$ 597,3 bilhões. O volume conjunto dessas duas dívidas corresponde ao valor atual de nosso PIB.
A economia brasileira continua excessivamente vulnerável a crises de confiança nos mercados interno e internacional, não atenuáveis mesmo com a abertura que permitiu a investidores externos assumirem o controle de nossas empresas, num processo de globalização em mão única. É uma pena. Terminaremos nos sentindo inquilinos em nosso país.
Os aeroportos brasileiros são seguros
FERNANDO PERRONE
Nos últimos dias a imprensa de modo geral, como acontece com fatos que geram comoção nacional, como os atentados ocorridos nos Estados Unidos, elegeu como pauta principal do seu dia-a-dia a segurança nos aeroportos brasileiros.
O que se viu em muitos enfoques foi uma primeira confusão entre segurança de vôo, que envolve o espaço aéreo e operações no aeroporto, e a segurança do próprio terminal, especificamente quanto ao acesso e revista de passageiros ou a medidas preventivas nas dependências do aeroporto. De outro lado, também, algumas pessoas aproveitaram-se para tirar proveito político, criticando a segurança dos aeroportos brasileiros, com uma dose maior de corporativismo do que de análise técnica.
Não existe segurança absoluta. É impossível cobrir com cem por cento de eficiência todos os riscos possíveis. Por essa razão, é necessário, antes de decidir que medidas de proteção devem ser adotadas, identificar quais são os riscos que se corre ou os riscos prováveis. Sempre haverá uma proporção entre segurança e ameaça.
Os atentados da semana passada foram cometidos com aviões seqüestrados de duas das maiores companhias aéreas dos Estados Unidos, a partir de três dos principais aeroportos americanos, localizados nas mais importantes cidades daquele país.
Até então, não era provável o risco de seqüestradores suicidas, em grande número detentores de conhecimentos técnicos avançados, assumirem o comando de aeronaves sofisticadas, no espaço aéreo mais protegido do mundo, e se atirarem sobre prédios no coração da economia e da defesa americanas.
Os sistemas de segurança mostraram que não são cem por cento eficientes e que estavam dimensionados para outros níveis de ameaça. Agora, discute-se como aprimorar os sistemas existentes para que sejam mais eficientes e que outras medidas de proteção devem ser adotadas para a nova ameaça.
Os Estados Unidos têm inimigos dispostos a tudo, como se viu e, por essa razão, precisam de proteção proporcional às ameaças que sofrem. Os seus investimentos em defesa, que já são altíssimos, subirão ainda mais.
E o Brasil nesse contexto? Que ameaças sofre? Que medidas proporcionais deve adotar? É nesse cenário que a imprensa tem discutido se os nossos aeroportos são seguros.
Primeiro, convém esclarecer que uma coisa é a proteção ao vôo, por meio de equipamentos e pessoas treinadas, atribuição da Diretoria de Eletrônica e Proteção ao Vôo (DEPV), órgão do Comando da Aeronáutica. Outra coisa é a segurança no aeroporto ( security ), que envolve uma série de procedimentos e equipamentos, que, em absoluto, se limitam à simples triagem dos passageiros.
A Infraero — Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, que administra 65 aeroportos no país, responsáveis por 97% do tráfego aéreo brasileiro — tem entre suas funções uma parte da segurança nos aeroportos, em conjunto com a Polícia Federal. E vem exercendo essa função com padrões semelhantes aos dos aeroportos de países mais avançados. São grandes investimentos feitos com recursos próprios, em pessoas e equipamentos e que, até aqui, têm-se mostrado eficientes.
Aproveitar o momento para fazer matéria-espetáculo com a pseudofalta de segurança dos nossos aeroportos, relacionando nosso nível de proteção com os atentados sofridos pelos Estados Unidos, se não for má-fé e ignorância, é um desserviço à população, porque cria um alarmismo desnecessário, que nada contribui para a segurança.
Em 2000, a Infraero processou dois milhões e cem mil pousos e decolagens nos 65 aeroportos. Este ano, até julho, já foram feitas um milhão e 264 mil operações. Não houve qualquer ocorrência que colocasse a vida dos passageiros e tripulantes em risco. Exceto no caso do assalto ao avião da Vasp, no Paraná, quando a arma da quadrilha não passou pelo detector de metais que estava em operação no aeroporto de origem, e os ladrões levaram o malote do compartimento de bagagem, abandonando o avião. No Brasil, a ameaça é o crime patrimonial. São os ladrões, que não querem morrer, mas melhorar de vida.
Querer transformar os aeroportos brasileiros em uma fortaleza ou estimular um estado de tensão, apenas porque se acredita que um aparelho de raios X resolveria tudo, é simplificar uma ação, que não é a mais importante e nem se esgota na simples checagem da bagagem de mão.
A segurança dos aeroportos envolve toda a comunidade aeroportuária, principalmente as companhias aéreas e empresas que operam nos pátios ou estão instaladas no terminal de passageiros. Tem a ver com identificação e credenciamento de passageiros e empregados; rigor nos acessos a pátios, pistas e aeronaves, por parte de pessoas que ali prestam serviço; implica instalação de câmeras nas dependências dos terminais; fiscalização em todos os compartimentos do aeroporto, verificação de bagagens de mão, etc. Enfim, é uma série de procedimentos que visam a dar tranqüilidade aos passageiros para embarcar e às empresas aéreas para operar as aeronaves com segurança.
O resultado de todo esse trabalho, que não envolve só a Infraero, mas vários órgãos federais e estaduais, tem permitido um nível de segurança nos aeroportos brasileiros adequado ao padrão de ameaça a que o país está submetido.
Como o Brasil não sofre o mesmo nível de ameaça que outros países, como os Estados Unidos sofrem, por exemplo, isso no que diz respeito à competição acaba sendo um diferencial a nosso favor. Por isso, nós não precisamos fazer o que os Estados Unidos fazem, até porque com toda a sua eficiência mostrou nos acontecimentos recentes sua vulnerabilidade.
O que nós precisamos e iremos fazer é contribuir com a necessidade de os Estados Unidos se protegerem cada vez mais, aumentando as medidas de segurança nos aeroportos que têm vôos para aquele país. O resto é uma discussão oportunista por parte de uns e sensacionalista por parte de outros. Nenhuma delas procurou analisar o problema na sua verdadeira dimensão.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO – TEREZA CRUVINEL
Agora chega
Foi ainda sob o clima beligerante dos últimos 17 meses que o Senado elegeu ontem seu novo presidente, Ramez Tebet, dando-lhe metade mais um dos votos (41) contra 30 em branco e três nulos, vindos da oposição e do PFL. Mas agora a disputa passou e a Casa, apequenada por vendetas e escândalos, deve pôr fim ao revanchismo se quiser mesmo resgatar a auto-estima e a normalidade.
Em seu discurso de posse, o novo presidente parece ter ido ao encontro desse anseio pelo fim da contenda. O que mais se tem visto ali nos últimos tempos é o silêncio embaraçoso ao fim dos discursos — discursos de denúncia, de insultos, de defesa e de renúncia. Apesar dos 30 votos em branco, ontem as palmas voltaram ao plenário azul.
A renúncia de Jader Barbalho não o redimiu nem o livrou do processo, foi um gesto em favor da redenção política da Casa. Mas a escolha do sucessor resultou em nova discórdia interna, que agora não deve prosseguir, como aconteceu depois da eleição de Jader. Repetindo o que fez naquela época, sob o comando de ACM, o PFL mais uma vez tentou escolher e vetar nomes da bancada que tem direito regimental ao cargo, o PMDB. Isso agora acabou, deve acabar.
O PMDB também deve refletir sobre o amplo protesto, traduzido em 30 votos em branco, ao nome que acabou indicando por exclusão, depois da disputa interna e dos vetos externos, sem contar as preferências palacianas. O PMDB ganhador é o governista, que, tendo vencido a convenção e conservado a presidência do Senado, está forte e suficientemente afinado com o presidente da República para tentar manter o partido na aliança governista para a sucessão. Para tentar, pois prometeu às bases fazer prévias e ter candidato próprio. Sem contar que a convivência com o PFL vai de mal a pior.
Vitória inteira mas pessoal foi a de Tebet, um senador sem maior tradição na política nacional que angariou o respeito de seus colegas depois de presidir a CPI do Judiciário e o Conselho de Ética, de onde saiu apelidado por ACM de rábula do Pantanal. A bancada carlista, por sinal, retirou-se do plenário quando ele discursou. Do PFL, só três o ouviram: Romeu Tuma, Francelino Pereira e Edison Lobão, que, apesar das manobras de seu partido para tomar o cargo do PMDB, cumpriu a contento a transição entre a licença e a renúncia de Jader.
O PSDB fez o que devia, apoiando o nome indicado pelo PMDB, honrando o acordo de reciprocidade que garantiu a eleição de Aécio Neves na Câmara. Fazer o contrário agora seria o fim. Tratou o presidente José Aníbal de aprovar uma nota da executiva não deixando dúvida sobre isso. A oposição exerceu o legítimo direito ao protesto, mas poderia ter se envolvido menos com as disputas entre os governistas.
Mas tudo isso, se ficar para trás, passado será, se não persistirem os senadores na beligerância e no jogo da bola da vez. Do contrário, como diz o primeiro-secretário Carlos Wilson, “nós não saberemos mais o que fazer, mas os eleitores saberão o que fazer conosco”. E em breve.
O PMDB reuniu-se ontem para escolher seu novo ministro. Ministro de três meses, no máximo seis, pois a reforma ministerial não passa de março. Ainda assim, todos querem.
Não era bem isso
Armínio Fraga, presidente do Banco Central, frustrou ontem as seis comissões do Congresso que o convidaram para falar sobre a política monetária e cambial. O que o Congresso pretendia, e continua querendo, é estabelecer um sistema semelhante ao que funciona nos Estados Unidos, onde Alan Greenspan, presidente do FED, comparece semestralmente ao Congresso para debater o relatório previamente enviado. Ontem mesmo, Greenspan falou aos congressistas americanos sobre o efeito econômico danoso dos atentados.
Armínio foi polido e elegante mas não levou qualquer documento. Avaliou o cenário internacional com realismo, prevendo maiores dificuldades para o Brasil fechar suas contas mas tangenciou o debate procurado pelos parlamentares. Sergio Miranda, Ricardo Berzoini e Miro Teixeira, e mesmo alguns governistas, queriam discutir coisas como crescimento da dívida lastreada em dólar e o peso cavalar dos juros pagos pelo Banco Central, que saltaram de R$ 8 bilhões no ano passado para R$ 18 bilhões no primeiro semestre deste ano. Armínio ficou mais interessado em saber onde Miranda levantara a informação de que o BC foi responsável por 90% do déficit nominal do setor público no primeiro semestre. Convidou-o para uma conversa no BC.
UMA no cravo, outra na ferradura. A Câmara aprovou a admissibilidade da prorrogação da CPMF mas em compensação garantiu urgência para a correção da tabela do Imposto de Renda, projeto que horroriza o secretário da Receita, Everardo Maciel.
FH despacha cada vez mais no Alvorada e menos no Planalto. Como ontem, dia livre de solenidades. Não é fastio da cadeira. É para fugir dos chatos, garante um assessor.
CAETANO VELOSO na trilha, Lula sorrindo e uma mensagem de paz. Depois do programa do PT levado ao ar ontem, até os xiitas que eram contra a contratação do publicitário Duda Mendonça passaram a dizer que ele é o máximo.
Editorial
Como semente
Não muitos dias atrás, a violência em Israel — de parte a parte — parecia ter atingido uma aceleração incontrolável. Era quase impossível determinar, em muitos episódios, o que era agressão e o que era represália. Era visível que palestinos e israelenses tinham desistido inteiramente da possibilidade — que sempre foi tênue — de um pacto de convivência, ou estavam muito perto desse ponto sem retorno.
Na última terça-feira, o atentado sofrido pelos Estados Unidos teve um efeito que ninguém esperava: mostrou a líderes israelenses e palestinos que tinham algo em comum: a responsabilidade de contribuir para o isolamento dos terroristas responsáveis pelo ataque ao World Trade Center e ao Pentágono. Principalmente para os seguidores de Yasser Arafat era crucial mostrar que nada os aproximava dos liderados de Osama bin Laden. O próprio Arafat foi um dos primeiros chefes de governo não ocidentais a condenar o atentado da forma mais enfática possível — chegando ao gesto teatral de doar sangue para as vítimas.
Por seu lado, o governo israelense tinha motivos óbvios para fazer frente comum com quem quer que condenasse bin Laden. O ministro do Exterior, Shimon Peres, disse que o mundo enfrentava um perigo inacreditável e concluiu: “Temos de deixar de lado confrontos secundários.” Assim, de um momento para outro, passa para segundo plano, na visão de seus protagonistas, um conflito que envolve profundas divergências políticas, sociais e religiosas e já custou vidas sem conta.
Deve-se reconhecer que é uma trégua frágil. O cessar-fogo foi decretado pelo presidente Yasser Arafat e pelo primeiro-ministro Ariel Sharon, mas extremistas, principalmente no lado palestino, ameaçam violá-lo. A qualquer momento posições radicais podem prevalecer; além disso, o que vier a acontecer na operação Justiça Infinita tanto pode contribuir para reduzir as tensões como para revivê-las, agravadas.
Mas, na pior hipótese, israelenses e palestinos guardarão na memória esse momento em que se descobriram repudiando juntos a violência desumana do terror. Pode ser algo muito pequeno — mas assim são as sementes.
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