Nível dos advogados brasileiros é ruim







Nível dos advogados brasileiros é ruim
Exame da OAB para habilitação profissional reprovou, no ano passado, 55,9% dos formados pelas faculdades do país

BRASÍLIA - No ano passado, a maioria dos bacharéis em direito não conseguiu passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Considerado pré-requisito para o exercício da profissão, o chamado exame de Ordem produziu um balanço assustador, divulgado semana passada. No ano de 2000, 55,9% dos inscritos ficaram abaixo do mínimo de pontos exigido. Dos 47.600 portadores do diploma que fizeram as provas, apenas 20.997 conseguiram nota suficiente para se habilitar à profissão de advogado.

Em São Paulo, o índice de reprovação chegou a alarmantes 71,8%. Dos 18.919 inscritos, só 5.329 superaram a pontuação mínima estipulada. Pior do que o péssimo resultado dos paulistas, só o dos mato-grossenses. O Estado é o campeão em reprovação: 73,1% dos formados nas escolas de lá continuam sem poder ostentar o broche com as iniciais OAB. Entre os primeiros do ranking negativo estão, ainda, Santa Catarina, com 63,1% de reprovados, e Bahia, com 53,6%.

Ceará - A lista dos bem-sucedidos é encabeçada pelo Ceará, onde existem apenas duas faculdades de direito. Lá, 84,9% dos recém-formados passaram no exame. A seguir vem o Acre, com 84% de aprovação; Amapá, com 70,5%; e Amazonas, onde 65,9% dos inscritos superaram a média. No Rio de Janeiro, 62,2% dos bacharéis conseguiram o diploma de habilitação.
O presidente do Conselho Federal da OAB, Rubens Approbato, tem uma explicação para o alto número de reprovados. ''É a proliferação de faculdades de direito sem qualidade'', diz. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Paulo Costa Leite, concorda. E aponta para a ''indústria do canudo'', fruto da abertura de diversas novas escolas sem requisitos mínimos de qualidade.
A afirmação de Costa Leite se sustenta números. Em 1995, existiam 235 cursos de direito no país. Ano passado, eles haviam se multiplicado para 482 - um aumento de 105%. Desde janeiro de 2001, 68 novos pedidos de autorização e reconhecimento de faculdades chegaram ao Ministério da Educação (MEC).

Fechamento - O número de estudantes também aumentou assombrosamente. Em 1995, havia 215.177 matriculados. O censo escolar mais recente é de 1999. Naquele ano, já havia 328.782 estudantes de direito, 52% a mais em quatro anos. ''O MEC não deve ter pena de fechar escolas se elas não estão formando bons alunos'', afirma Costa Leite.
As provas da OAB não são o único indicador da baixa qualidade na formação dos advogados. Outro exemplo claro pode ser encontrado nos concursos para juiz federal. Das 1.103 vagas existentes, apenas 850 estão preenchidas. O presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe), Flávio Dino, diz que o déficit é fruto da incapacidade dos candidatos. Há menos de uma semana, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região - formada pelos 13 Estados do Norte e Centro-Oeste, mais o Distrito Federal - empossou 19 juízes. Restaram 51 vagas não preenchidas por falta de qualificação dos pretendentes.

A tese da queda de qualidade causada pelo aumento desmedido do número de escolas é dominante entre juízes, promotores, juristas e professores. Essas categorias não precisam do certificado da OAB - basta-lhes ter o diploma de bacharel para fazer o concurso. Advogados veteranos, que passaram pelo exame de Ordem, também defendem mais seriedade na liberação de registros para as escolas.
Um deles é o criminalista Raul Livino, defensor de dois dos quatro jovens de Brasília que mataram o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos ateando fogo em seu corpo. ''O MEC não deveria autorizar a abertura de mais nenhum curso de direito'', critica.

Conselho - Os defensores do aumento do número de escolas são poucos. Desse grupo reduzido fazem parte os integrantes do Conselho Nacional de Educação (CNE), que concede as autorizações para abertura de faculdades. Arthur Roquete de Macedo, presidente da Câmara de Ensino Superior do CNE, rebate as críticas à baixa qualidade das novas escolas de direito. Acha que é prematuro classificá-las como ''instituições ruins''.

Responsável pelo processo de autorização para o funcionamento das escolas, ele afirma que a análise documental feita pelos conselheiros para a autorizar a abertura de novos cursos é ''rigorosa e sem corporativismo''. Roquete é diretor da Fundação Cesgranrio e defensor de uma tese discutível. Na sua opinião, deve-se expandir o ensino superior porque o caminho da qualidade passa, antes, pela quantidade. ''É desejável ter um número de acadêmicos superior ao de profissionais'', sustenta.


Ministro acusa juízes de tolerar racismo
BRASÍLIA - A maioria dos juízes de primeiro grau não aplica a Lei 7.716, que tipifica e pune o crime de racismo. Para não condenar os infratores a penas de reclusão entre três e cinco anos, preferem classificar como injúria - delito que prevê detenção de três meses a um ano - casos flagrantes de discriminação racial.
A acusação é do ministro Carlos Alberto de Paula, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), único negro do país a integrar um tribunal superior. Ele é o coordenador do Seminário sobre Discriminação e Sistema Legal Brasileiro, que será realizado amanhã no TST, em Brasília. O ministro Carlos Alberto de Paula, 57 anos, viúvo, três filhas e uma neta de sete, diz que a discriminação racial no Brasil é sobretudo cultural. ''E cultura não se muda com lei'', lembra.

Aplicação - Também faz parte da cultura nacional, observa Carlos Alberto, dizer que um problema é estrutural quando não se quer resolvê-lo. ''Faz-se uma nova lei, e a lei não pega.'' Os princípios relativos a cidadania, sociedade solidária e condenação do racismo, por exemplo, estão na Constituição. ''Mas a aplicação da lei depende da cultura que cada juiz carrega''.
A Lei 7.716, conhecida como a Lei Caó, foi aprovada em janeiro de 1989. O ministro pergunta: ''Quando é que se lê nos jornais que alguém foi sentenciado por crime resultante de preconceito de raça ou de cor?''.

Entre os crimes tipificados pela lei (que são inafiançáveis e imprescritíveis) estão negar emprego em empresa privada e impedir acesso a estabelecimento comercial de ensino ou hotel, clubes e entradas sociais de prédios por motivo racial. Carlos Alberto já foi barrado em um clube na terra natal, Minas Gerais, mas não diz onde e quando porque não gosta de assumir a posição de vítima. ''Nunca fui pobre. Nasci em Pedro Leopoldo, de família de classe média. Meu pai era engenheiro agrônomo, especializado em zootecnia. Fui seminarista, formei-me em direito e comecei minha carreira de juiz em junho de 1979'', conta.

Conquista - Onze anos depois, foi nomeado ministro do TST. ''Os negros têm de conquistar seus direitos por si mesmos, lutando pela igualdade de oportunidades'', afirma. ''Não integro nenhum movimento negro.'' O único clube a que pertence, e do qual é torcedor fanático, é o América mineiro. ''Negro não quer esmola, mas oportunidade. Eu tive de abrir as portas, embora às vezes tenha sido difícil encontrar as chaves.''
O Seminário sobre Discriminação e Sistema Legal Brasileiro não tem pretensão de resolver nenhum problema imediato dos negros. ''O que queremos é problematizar, colocar a questão para a sociedade, aproveitando o palco privilegiado do TST e o apoio do ministro Almir Pazzianotto, seu presidente'', esclarece.

O que mais preocupa Carlos Alberto é o ''atalho'' que a maior parte dos juízes vem tomando para driblar a lei específica que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou cor. ''O problema cultural faz com que a maioria deles desclassifique o crime de racismo para crime contra a honra (injúria), porque muitos não têm coragem de sentenciar alguém a tr ês ou cinco anos de reclusão, sem direito a fiança ou prescrição.''

Desigualdade - O ministro lamenta que o Brasil seja ''um país em que afirmamos princípios de igualdade e vivemos, diariamente, a realidade da desigualdade''. Discriminação que atinge tanto negros como crianças, pobres e deficientes físicos.
A questão básica, ressalta o ministro, é que Justiça não deve ser cega, mas imparcial. ''Não existe Justiça cega, como está nas suas estátuas. O juiz não pode ser neutro. O Brasil desrespeita o princípio relativo à cidadania quando discrimina''.

Carlos Alberto critica também a ''democracia racial brasileira'', proclamada pelo sociólogo Gilberto Freyre na década de 30. ''O ideal da mestiçagem é mentira sociológica. O que se quer fazer é o branqueamento do negro. A pobreza tem cor no Brasil. Os negros - como os analfabetos, os deficientes físicos e as mulheres - têm identidade própria. A diferença é indispensável, é uma riqueza'', sustenta. ''O que me espanta é ir a uma churrascaria e ver um único negro sendo atendido. É dar aula numa faculdade e só ver aluno branco nas salas de aula''.


Gloria Trevi irá à Justiça contra expulsão
BRASÍLIA - A mexicana Gloria Trevi vai recorrer à Justiça se, na reunião marcada para hoje, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) não lhe conceder refúgio no Brasil. A tendência do comitê é negar o pedido da atriz e cantora, acusada do crime de corrupção de menores. Se isso ocorrer, Trevi será extraditada. O advogado da cantora, Otávio Neves, vai alegar que a declaração do ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, que se manifestou contra a concessão do refúgio, tirou a independência do Conare para analisar o tema.
Neves disse que o ministro desmoralizou o conselho. Ao tomar posse na semana passada, Aloysio declarou que Gloria Trevi não preenche os requisitos para obter abrigo no país. Sobretudo porque, segundo ele, não há indícios de perseguição política contra a cantora no México.

Votos - O advogado lembrou que, dos sete representantes com votos no Conare, dois são subordinados ao ministro da Justiça e outros quatro estão ligados ao governo. Apenas um representante com direito a voto é de entidade ligada à sociedade civil. Caberá ao próprio Aloysio decidir, no prazo de 15 dias, sobre eventual recurso contra a decisão do Conare.
''O ministro fez igual a um juiz que se manifesta sobre o acusado antes da decisão do júri'', afirmou Neves. O Ministério da Justiça contestou ontem a afirmação do advogado. Aloysio informou, por intermédio da assessoria, que proferiu opinião de cunho jurídico, sem influência sobre o julgamento do Conare.

Angolanos - Já existem no Brasil 2.600 refugiados. A maior parte, pouco mais de 1.600, é de angolanos que alegaram estar sob ameaça devido à guerra civil no país. É reconhecido como refugiado o indivíduo perseguido por motivos ligados a raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Gloria diz que é perseguida no México e corre risco de vida se voltar.
A cantora aponta como inimigo o dono de um grupo empresarial mexicano da área de comunicação. O advogado disse que Gloria sequer deveria estar presa, porque há contra ela apenas uma ordem de comparecimento ao tribunal emitida pelo juiz do Estado de Chihuahua. A convocação judicial, disse, resultou em ''perseguição'' da mídia à cantora. ''Ela está presa por acusações inconsistentes''.
Neves afirmou que a principal testemunha de acusação contra Gloria e o empresário Sérgio Andrade, também preso em Brasília, é a mexicana Karina Yapor. A jovem teve um filho com Andrade quando era menor. Dia 13 de abril do ano passado, já com 18 anos, Karina disse ter sido pressionada pelos pais e por seu advogado a fazer declarações contra Gloria e Andrade. No dia seguinte, o pai de Karina, Miguel Yapor, declarou que sua filha havia mentido na entrevista.
Em 12 de julho do ano passado, Karina voltou à mídia mexicana para denunciar a ''organização'' de Andrade. A jovem afirmou que levava 600 chibatadas quando o desobedecia. O advogado de Gloria disse que tudo não passa de invenção. Argumentou que Karina não apresenta sinais de tortura.

Gravidez - Além do julgamento do Conare, esta semana será marcada por novas investigações sobre a gravidez de Gloria. A cantora engravidou dentro da carceragem da Polícia Federal em Brasília, apesar de não serem permitidas visitas íntimas. O Ministério da Justiça não ficou satisfeito com os resultados da sindicância da PF aberta para apurar como a cantora engravidou. Aloysio achou os resultados insuficientes para esclarecer o caso. Na versão da PF, Gloria fez inseminação artificial com um aplicador de medicamento vaginal.
A PF deverá ouvir nos próximos dias dois agentes apontados como suspeitos de ter engravidado a cantora. Ambos foram citados na carta de um preso. Gloria diz que só contará como ficou grávida na Justiça.


O sonho que acaba em deportação
Brasileiros viram nisseis com documentos falsos para trabalhar no Japão. Quem não é preso acaba na clandestinidade

Agências de turismo estão levando brasileiros para trabalhar irregularmente no Japão com visto de turista. Documentos falsos são usados para obtenção de vistos temporários e de trabalho. O final da aventura é, no entanto, quase sempre infeliz. Só neste ano, mais de 45 brasileiros em situação irregular foram detidos e deportados pelo serviço de imigração.
Os agenciadores forjam documentos para atrair trabalhadores sem ascendência nipônica, o que não é permitido pela legislação local. Apenas descendentes de japoneses podem obter o visto de permanência, que possibilita residir e trabalhar no país.

O Jornal do Brasil teve acesso a três certidões de nascimento adulteradas para mostrar que brasileiros teriam suposta ascendência japonesa. Assim conquistariam o direito de morar e trabalhar legalmente no arquipélago.
A falsificação nos documentos é feita no nome da avó materna - que normalmente não transmite o sobrenome à filha nem aos netos -, de modo a torná-la japonesa. Assim ''nasce'' um falso nissei.
''Filho ou neto de oriental tem cara de oriental, com os olhos rasgados. Mas tinha até um pretinho que dizia que a avó era japonesa entre os cinco deportados daqui de Umuarama. Aí é fácil descobrir'', diz a delegada Rosemari Souza, da Polícia Civil de Umuarama, no Paraná.

As falsificações começam quando os pretendentes tiram visto de turista, com validade de três meses. A maioria não tem renda que permita custear passeio tão caro. A agência que faz o aliciamento dá um jeito, forjando também declarações de rendimento e atestados de residência. Os documentos contêm dados fictícios que transformam os trabalhadores em abastados turistas. A maioria dos vistos é emitida no consulado japonês em Recife.

Chefe - A polícia de Umuarama, no Paraná, identificou como chefe do esquema de falsificação de documentos Bernardo Naoki. Nissei, é dono da empresa WA Turismo, de São Paulo. A delegada Rosemari Souza informou que Naoki vai ser indiciado, porque já foram feitas cinco denúncias contra ele. Recrutar trabalhadores mediante fraude, com o fim de levá-los para país estrangeiro é crime. A pena é multa e detenção de um a três anos.
José Carlos Oliveira, vice-presidente do Labors Union Center (LUC), sindicato de trabalhadores que vivem no Japão, e brasileiros que foram vítimas do esquema acusam o empresário Osvaldo Nakamatsu - dono da Ipanemas Corporation, em Gunma - de cumplicidade com Naoki.

Prisão - Nakamatsu esteve preso durante 21 dias, em janeiro deste ano, no Japão. A acusação era empregar brasileiros com visto de turista. Foi condenado a um ano de prisão, mas ganhou o benefício da liberdade condicional, por não ter antecedentes criminais.
Nakamatsu admitiu ao Jornal do Brasil que empregou trabalhado res sem visto de permanência. Negou, contudo, que tenha participação no tráfico de mão-de-obra. Na semana passada, outros dois brasileiros foram presos por falsificação de documentos.

Os brasileiros recrutados por essas agências dão duro no Japão. São cerca de 12 horas diárias, de segunda-feira a sábado, geralmente em subempregos na indústria. Eles não têm direitos trabalhistas como férias, 13° salário e fundo de garantia por tempo de serviço. Tampouco são protegidos por contrato de trabalho. ''Fazemos o que o trabalhador japonês não quer fazer'', resume Ademir Almeida, há 13 anos no país.

Demissão - Muitos agenciados passam anos trabalhando na mesma empresa, sem ter ao menos um dia de férias. Quando são demitidos, não recebem indenização. Se ficarem doentes, não podem faltar ao serviço, sob pena de ter o dia descontado. Há um ano e meio, Ademir operou uma hérnia de disco, adquirida pelo esforço contínuo no trabalho. ''Fui demitido porque tinha de fazer a operação e não pude tirar licença. Não recebi nenhuma indenização'', relata.
O calvário dos emigrantes começa no Brasil. Dezenas de agências publicam anúncios em jornais oferecendo empregos no Japão. Os principais alvos são os Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, lugares com concentração de descendentes de nipônicos.

Desconto - Os agenciadores prometem visto de trabalho, passagem aérea e moradia, além do emprego. O custo médio para chegar ao suposto paraíso é R$ 7.200, pagos em até quatro prestações. As prestações são descontadas do salário.
Três meses após o desembarque, acaba a validade do visto de turista. A mudança do status do visto para permanente é feita com documentação fria. E não sai por menos de US$ 5.000. Todo o esquema é desenhado para aumentar o lucro dos agenciadores. Sob o pretexto de que cuidarão de um novo visto, eles retêm os passaportes dos brasileiros, o que é ilegal.

Clandestinos - Quando a dívida finalmente é paga, muitos empregados são demitidos e deixados à própria sorte. Sem visto e sem trabalho, permanecem como clandestinos. Para sobreviver, passam a fazer biscates. É o caso de X., que mora com a mulher a 120 quilômetros de Tóquio.
Por estarem empregados, muitos desistem de tentar obter o visto permanente e passam a viver na clandestinidade. Há quem prefira pagar até 450 mil ienes (cerca de US$ 9.570) para tentar legalizar a situação. Na maioria das vezes, terminam sendo descobertos pelas autoridades japonesas e deportados.


PMDB se reúne em clima de guerra
Ala governista defende prévia com 5 mil participantes. Itamar insiste em 70 mil e diz que redução será golpe no partido

BRASÍLIA - O governador de Minas Gerais, Itamar Franco, desembarca hoje em Brasília para tentar derrubar a proposta de reduzir o número de participantes da prévia que o PMDB fará em 20 de janeiro. A ala governista quer diminuir de 70 mil para cerca de 5 mil os votantes que escolherão o candidato do partido às eleições presidenciais de 2002. Pré-candidato, Itamar tem a convicção de que a redução é uma tentativa de derrotá-lo. Com menos votantes, teme que fique mais fácil para os adversários controlar o resultado.
''O governador não admitirá a mutilação do número de votantes'', afirmou Paes de Andrade, ex-presidente do PMDB, anfitrião de Itamar na capital. O encontro está marcado para 15h, na casa do presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS). Também estarão presentes o presidente do partido, deputado Michel Temer (SP), e o senador Pedro Simon (RS), ambos também pré-candidatos, além dos líderes das bancadas na Câmara e no Senado.

Intermediário - Como os ânimos estão acirrados entre Itamar e os governistas, espera-se uma reunião tensa. Por isso, Tebet foi chamado para intermediar o encontro. No fim de semana, conversou sobre o assunto até com o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na reunião, Itamar será informado de que as regras serão mudadas. Temer vai argumentar que é impossível fazer a prévia com 70 mil participantes. O governador está pronto para revidar. Vai exibir um documento que Temer assinou na convenção de 9 de setembro passado, concordando com a participação na prévia dos 70 mil integrantes dos diretórios municipais, estaduais e nacional. Também vai lembrar que esse documento foi aprovado por todos os convencionais.

Regras - Pedro Simon não vê problemas na redução no número de participantes da prévia desde que a tese da candidatura própria seja mantida. ''As regras ainda não foram definidas. Apesar de todo o terrorismo da imprensa, vamos chegar a um bom entendimento'', afirmou. Ontem pela manhã, Temer telefonou a Simon para apagar mais um incêndio no partido. Negou ter declarado que a candidatura do senador gaúcho deveria ser descartada.
Itamar faz pé firme: reduzir o número de participantes da prévia é golpe. Se a Executiva Nacional optar pela redução, o grupo do governador pretende convocar o Diretório Nacional. Em último caso, recorrerá à Justiça. ''Querem descumprir um termo assinado. Depois de fraudarem a convenção de setembro (que elegeu Temer presidente do partido), querem trair o PMDB'', exaltou-se Paes de Andrade.

Incêndio - Simon responsabiliza Moreira Franco, ex-assessor da Presidência da República, e o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, pelo péssimo clima dentro do partido. ''Enquanto Ramez Tebet e Michel Temer buscam o diálogo, Moreira Franco e Jarbas Vasconcelos querem o incêndio'', acusou.
A intenção de Moreira, segundo o senador gaúcho, é manter a qualquer custo a aliança entre PMDB, PFL e PSDB. Jarbas também teria intuito de isolar Itamar, entre outros motivos, para conseguir o apoio dos pefelistas e tucanos na campanha para sua reeleição em Pernambuco.
Moreira afirma que apóia a proposta de o partido ter candidatura própria, mas estabelece uma condição: ''O PMDB tem que apresentar um nome de compromisso com o partido, o que não é caso de Itamar''.

Roseana - Enquanto a briga entre itamaristas e governistas segue acesa, o senador José Sarney (AP) lidera um movimento de aproximação com sua filha, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, pré-candidata do PFL. Para irritação da direção do partido, a dissidência liderada por Sarney já conta com apoio aberto do senador Gilvam Borges (PMDB-AP).


Artigos

Mudança de cenários

Os embaixadores dos Estados Unidos andam sobrecarregados e alguns extrapolam em seu zelo como representantes da Doutrina Bush. Caso do embaixador em Brasília, que bateu de frente com o governo brasileiro em torno da fronteira tripartite. O ministro do Exterior paraguaio acaba de dizer que ''não há terrorismo islâmico na região''. O embaixador na ONU, John Negroponte, que impôs a Doutrina Reagan à América Central, tornando Honduras cabeça-de-ponte dos ''contras'' nicaraguenses, quase invadiu a delegação do Iraque a murros.

Anne Patterson, em Bogotá, tem a tarefa de ajustar o Plano Colômbia aos novos tempos. No formato da Doutrina Clinton, pelo menos no confessado, se tratava de erradicação da droga e não de contra-insurgência. As ligações da guerrilha com traficantes nunca foram segredo. Elas caíram em atos de bandidagem, mas os cenários de ação militar, segundo o plano, não juntavam as duas coisas (narcotráfico e subversão) num mesmo saco. Os americanos, dizia-se, não queriam meter-se numa guerra civil de 40 anos, problema dos colombianos.

Nada de outro Vietnam. Agora o Plano Colômbia, informa Patterson, se enquadra na Doutrina Bush e dará mais atenção à ''luta contra o terrorismo''. Assessores e dólares ajudarão a enfrentar seqüestros e atos de sabotagem em instalações de petróleo e mineração. As duas guerrilhas colombianas, as Farc e o Eln, estão na lista de grupos terroristas editada pelo Departamento de Estado. Idem paramilitares da ultradireita armada. A Doutrina Bush legisla que seus chefes, envolvidos com narcos, podem ser extraditados e julgados nos Estados Unidos.

Um deles, Jorge Briceño, já está na alça de mira. Patterson diz que os terroristas do Afeganistão e da Colômbia têm a mesma hipocrisia e igual ausência de idéias. Há preocupação com presença de terroristas estrangeiros na área desmilitarizada em mãos da guerrilha. Desaparece a separação, embora tênue, entre antinarcótico e contra-insurgência inscrita no Plano Colômbia.

O texto é revisado, de modo unilateral, bem ao estilo da Doutrina Bush, e o campo de intervenção americana se alarga. Guerrilheiros colombianos e talibãs do Afeganistão são a mesma desgraça e merecem igual tratamento. Como reage o governo da Colômbia ? Ele negocia ou tenta negociar com as Farc, implicitamente agraciadas com o status de parte beligerante. O ministro do Interior, Armada Estrada, admite que pedidos de extradição podem criar ''dificuldades''. Alguém observou que a não entrega de Bin Laden deu no que deu.

Já o ministro do Exterior, Fernandez de Soto, avisa que ''todos os grupos operando à margem da lei precisam entender que não é mera retórica dizer que o mundo mudou depois do 11 de setembro''. Ou se dissociam do narcotráfico e deixam de agir como têm agido ''ou serão tratados como simples terroristas''. Há ''novas realidades internacionais''. A embaixadora Patterson deixou isso claro. Resta saber se a atmosfera pós-11 de setembro sepultará de vez ou não um processo de paz paralisado e agônico. Mesmo assim a esperança de colombianos cheios de violência.

Nesse mundo mudado, o que pode ser chamado de terrorismo? Ele surgiu na Revolução Francesa, na Europa, portanto, como instrumento do Estado. Os atentados nos Estados Unidos foram atos brutais de terrorismo ensandecido. Bin Laden é terrorista ao quadrado. O Talibã é um horror. Estão em jogo, numa guerra já iniciada, a seleção de alvos pós-Afeganistão e as formas que essa guerra assumirá de agora em diante. A Doutrina Bush garante que ela não acabará enquanto ''houver gente aterrorizando governos estabelecidos''.

Blair fala em ''grupos de oposição violenta a qualquer regime, legal ou ilegal''. Seumas Milnes lembra que a mutação de terroristas em estadistas foi um dos ''clichês'' dos últimos 50 anos. Num filme, um policial francês prende delicadamente um exilado político acusado de terrorismo contra a ditadura em seu país. ''Pode tornar-se presidente'', murmura. O direito de resistir à ocupação é reconhecido por leis internacionais e convenção de Genebra. Os heróis da resistência francesa praticaram terrorismo.
E o Congresso Nacional Africano, da África do Sul? Mandela seria incompatível com a Doutrina Bush.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER

''Continuísmo com mudança''
A grande vantagem de Lula e a tendência oposicionista do eleitorado mostradas pelas atuais pesquisas retratam sobretudo o efeito ''recall'' e a vantagem ''natural'' das oposições. Antes de se chegar à conclusão de que é inevitável a vitória de um político oposicionista em 2002, é preciso levar em conta que o candidato governista ainda não está definido; que a maioria do eleitorado ainda está indecisa ou não se interessou pelo pleito que irá escolher o sucessor de Fernando Henrique; e que o eleitor costuma se decidir três ou quatro meses antes do pleito.

A advertência foi feita pelo economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola em encontro com empresários do setor de medicamentos genéricos em Hortolândia, no interior de São Paulo, no último dia 9. Loyola fez avaliação sobre o quadro eleitoral que merece divulgação para um público mais amplo. Não só porque contraria prognósticos predominantes no mundo político, mas também por causa do rigoroso estudo em que baseou suas conclusões, realizado pela empresa de consultoria comandada por ele e o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, a Tendências Consultoria Integrada.

Dois gráficos exibidos por Loyola não deixam dúvidas em relação à sua afirmação de que o eleitor só se define poucos meses antes do pleito, influenciado pelo horário eleitoral gratuito na televisão. Em janeiro de 1994, Lula tinha 30% das intenções de votos, ante 8% de Fernando Henrique. Em maio, um mês após o começo do horário eleitoral, FH iniciou sua arrancada nas pesquisas e Lula despencou a partir de junho. Resultado das urnas: FH 54% e Lula 27%.
No pleito de 1998, a largada eleitoral foi exatamente o contrário da de 1994, com FH disparado na dianteira: em março de 1997 ele tinha quase 50% das intenções de voto e Lula pouco mais de 10%. A partir de janeiro de 1998, a vantagem de FH sobre Lula foi diminuindo progressivamente, até ficar perto de um empate, em junho. Nos últimos quatro meses da campanha, FH subiu e Lula despencou, numa inversão de tendências claramente influenciada pelos programas de televisão. Resultado das urnas: FH 53% e Lula 32%.

Entre os fatores determinantes das eleições de 2002, segundo o estudo da Tendências, destacam-se a existência de seis ou sete grandes partidos consolidados e as transformações sociais ocorridas nos últimos anos (a era do Real) que afetaram o perfil e o comportamento do eleitorado. O desejo de continuidade do avanço do país, mas com algumas mudanças, encabeça lista das demandas sociais que influenciarão o pleito presidencial.
De acordo com o estudo, o eleitorado quer ainda crescimento com face social e estabilidade econômica. Também pede avanços nas áreas de emprego, educação, segurança e ética e mostra sensibilidade às questões relacionadas com o ''interesse nacional''. Por conta desse diagnóstico, a Tendências prevê que atingirão os corações e as mentes dos brasileiros em 2002 os candidatos que se identificarem com a ''continuidade com mudança'', demonstrarem coerência e convencerem os eleitores da viabilidade de seus programas.

O candidato do governo chegará ao segundo turno, prevê o estudo da empresa de Loyola e Maílson, respaldando a conclusão em seis pontos: o voto indefinido representa um potencial para persuasão de amplo segmento do eleitorado; as oposições estão divididas no primeiro turno; um candidato precisa de baixo percentual de votos para chegar ao segundo turno e esse percentual é compatível com os indicadores de avaliação do governo; o governo dispõe de recursos políticos que afetam o cenário eleitoral; o candidato governista terá mais de 40% do tempo do horário eleitoral; o presidente da República é um eleitor estratégico.

De acordo com o estudo, o candidato da aliança PPS-PTB, Ciro Gomes, disputará o eleitorado do centro com o candidato do governo e com Lula, mas terá dificuldades em se impor devido a fatores que estão fora do seu alcance, como o fato de concorrer por partidos pequenos, o que significa reduzido espaço no horário eleitoral e poucos palanques estaduais. O trabalho também descarta as chances do governador Itamar Franco, em razão do seu alto índice de rejeição e das dificuldades que terá no próprio partido, o PMDB, caso consiga viabilizar sua candidatura.

O Lula versão 2002, o ''Lula light'', diz o estudo, consolidará sua candidatura em razão de sua disposição em conquistar o eleitorado de centro, que optou pelo adversário do PT nas eleições de 1989, 1994 e 1998. O ''cenário provável'' em 2002, aponta o estudo, será o segundo turno com Lula e o candidato do governo. O vencedor? ''Vitória do candidato do governo com programa de continuidade e de mudanças parciais'', aposta o estudo da Tendências. A conferir em outubro do próximo ano.

Cenário econômico
O levantamento da Tendências Consultoria Integrada também avalia o impacto da economia no cenário eleitoral, prevendo pouco risco de descontinuidade na política econômica e maior pressão na área fiscal, em razão do ano eleitoral.
Segundo o estudo, a economia brasileira continuará afetada pelo fator ''Argentina'' ao longo de 2001 e 2002, e o Brasil corre o risco de aumento exagerado da aversão ao risco dos investidores em razão dos atentados nos Estados Unidos.
Mesmo assim, a previsão é de maior taxa de crescimento da economia brasileira em 2002 (2,5%, ante 2% este ano) e menor taxa de inflação (4,9% em 2002, ante 6,6% este ano).


Editorial

Culpas e Culpados

Só pode ser o próprio PT o maior interessado em esclarecer todos os pontos da questão que levou o governador Olívio Dutra a ser o foco político da CPI da Segurança Pública no Rio Grande do Sul. Para a oposição estadual, quanto mais se prolongar a divergência, e não o esclarecimento, melhor. Quem tem a perder são o governo e o seu partido. O ano que se aproxima do fim, com o esfriamento do período de sessões da Assembléia Legislativa, deveria levar o PT - por estar no governo - a se empenhar no sentido de identificar as culpas e punir os culpados. É o caminho mais curto para encerrar o episódio.

No entanto, em vez de tomar a frente da apuração, a direção nacional do PT anuncia um programa, estritamente político, de defesa pessoal do governador Olívio Dutra. A mobilização da militância petista vai concentrar em comícios, em escala nacional, a resposta oficial. Nas palavras do deputado José Dirceu, presidente do partido, ''o relatório da CPI confirma a farsa contra o PT''. O presidente de honra, Luiz Inácio Lula da Silva, não pode ser apenas espectador. A exploração faz parte do jogo político mas não é tudo. E não adianta responder com retórica a argumentos levantados pela comissão de inquérito.

O fato relativo à ligação com o jogo do bicho existiu. Não é farsa e é grave. O Clube de Seguros da Cidadania também saiu dos trilhos e não encontrou uma explicação adequada à suspeita que o envolveu. Tanto que o PT vai desfazer o negócio irregular feito pelo seu presidente Diógenes de Oliveira. A confissão de que procurou autoridade policial para pedir tratamento amigável ao jogo do bicho abriu a porta, por onde passou também o filho do governador Olívio Dutra. A circunstância de ser filho não o exime de responsabilidade. Portanto, deve ter igualdade de tratamento.

Esse clube é uma afronta: pelo próprio nome, autoriza a desconfiança de picaretagem grossa. A arrecadação de dinheiro para o PT, por fora da responsabilidade do partido, foi um erro político. Depois que a polícia apanhou os documentos em casa de Diógenes, ficou evidente que não houve um episódio mas um longo hábito do qual o PT deveria ter sido o primeiro a desconfiar. Quem não desautoriza concorda. Dessa responsabilidade o PT não escapa. A rocambolesca figura de Diógenes Oliveira confundiu o seu passado clandestino com a legalidade e registrou doações e nomes - de autoridades públicas, líderes políticos, policiais e empresários - com técnica de código. Mas a polícia levantou todos os personagens reais. Não há segredo, falta apuração até o fim.

A CPI pediu o impeachment do governador e, com isso, o PT se perturbou porque ficará vulnerável no próximo ano na campanha presidencial e nos estados (inclusive no Rio Grande de do Sul). A única maneira é poupar retórica e argumentar com fatos, mas sem querer defender quem estiver comprometido. Porque além de Diógenes, deve haver outros. Ao PT sobrou a obrigação de prestar os esclarecimentos que os cidadãos merecem, e não apenas no Rio Grande do Sul, mas em todo o país.


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11/19/2001


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