Nova tabela não vale para a próxima declaração







Nova tabela não vale para a próxima declaração
Governo anuncia que vai vetar projeto de lei e editar MP com correção de 17,5%, mas mudança não atinge IR referente a 2001

BRASÍLIA – O ministro da Fazenda, Pedro Malan, anunciou ontem que o governo vetará o projeto que corrige em 17.5% a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física e editar em seu lugar uma medida provisória que manterá o porcentual de reajuste definido pelo Congresso. A MP, porém, altera o texto, deixando claro que a correção não vale para a declaração de IR referente a 2001, que terá de ser entregue até 30 de abril e deverá ser feita com base na tabela antiga, mais salgada para os contribuintes.

O projeto aprovado pelo Congresso não era claro nesse aspecto, abrindo brecha para a interpretação de que a declaração deve levar em conta a nova tabela. A visão do governo é de que sobre os ganhos de 2001 se aplicam as regras em vigor naquele ano e a nova tabela vigora apenas para fatos geradores ocorridos a partir de janeiro de 2002. De qualquer forma, quem recebe salário sentirá o efeito positivo da mudança já no contracheque de janeiro, que terá o desconto na fonte menor.

A equipe econômica alegou que o texto aprovado pelo Congresso deixava margem para ações na Justiça que poderiam provocar queda na arrecadação. E, ao prever genericamente que “todos os valores expressos em reais” na lei que regula o IR seriam corrigidos em 17,5%, teria malterado valores referentes a tributação de ganhos de capital, bens a serem declarados e tributação de pessoas jurídicas, que não foram abordados na negociação com o Congresso.

O especialista Antoninho Marmo Trevisan, presidente da Trevisan Auditores e Consultores, acredita que a MP trará dores de cabeça para o governo. Para ele, o projeto dos parlamentares permitia, sem dúvida nenhuma, a aplicação da nova tabela já na declaração referente a 2001. “Vai ser um desgaste político muito grande. Vai gerar ações na Justiça.”

Na sua avaliação, o texto do Congresso estendia a coreção a todos os itens da lei do IR. “Todos os limites deveriam ser atualizados”, disse. “O Executivo restringiu o ajuste exclusivamente à pessoa física. Optou por ser pragmático.”

A alteração no texto aprovado pelo Congresso motivou protestos na oposição. O líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA), disse que durante as negociações com o governo ficou claro que a nova tabela valeria já para a próxima declaração do IR. “Houve um contrabando”, afirmou ele, que pretende procurar o PMDB em busca de apoio para modificar a MP.

“Vitória” – Ninguém mais no Congresso manifestou contrariedade. “É a primeira vitória do contribuinte nestes últimos sete anos”, comemorou o senador Paulo Hartung (PSB-ES), autor do projeto original. “Espero que isso abra caminho para a reforma tributária.”

“O Congresso tomou a decisão de corrigir a tabela em 17,5% e ela terá de ser inteiramente respeitada”, afirmou Malan. Ele contou ter explicado o veto e a MP aos presidentes da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), e do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MT): “Houve total compreensão das razões que levaram o governo a essa decisão e o objetivo do Congresso está assegurado.”
Aécio, de fato, reagiu a princípio com otimismo. “O presidente reafirmou seu compromisso de preservar o espírito do legislador”, disse. “Ninguém quer criar problemas para o País.”


Roseana e Tasso reforçam negociações
Após encontro de seis horas, aliados especulam sobre abertura de uma dissidência no PSDB

BRASÍLIA - Às vésperas do ano-novo - dia 28, sexta-feira - os governadores do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), e do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), tiveram uma conversa de seis horas, no Palácio dos Leões, sede do governo maranhense. Tasso desembarcou em São Luís às 13 horas e deixou o local após as 19 horas. O encontro foi a sós, numa sala reservada, onde eles almoçaram e passaram a tarde. Roseana confirma a conversa, mas não entra em detalhes.

A especulação em torno do encontro aumentou após a informação de que nem Tasso nem Roseana vão participar de uma reunião prevista para hoje - entre o presidente Fernando Henrique Cardoso e os governadores do Nordeste - para discutir o abastecimento de água. Segundo políticos ligados ao tucano e à pefelista, estaria em discussão a possibilidade de uma dissidência no PSDB, para que o governador cearense desse apoio a Roseana na eleição presidencial.

"Nós temos mantido vários encontros como esse", revelou Roseana. "Eu tenho ido a Fortaleza e o Tasso tem vindo a São Luís." Segundo fontes ligadas aos governadores, eles teriam feito uma análise profunda do quadro político atual e das formas de se conseguir apoio para a candidatura de Roseana.

Itamar - Na quinta-feira, os presidentes do PFL, Jorge Bornhausen, do PMDB, Michel Temer, e do PSDB, José Aníbal, voltam a se encontrar. Desta vez, no Restaurante Mássimo, em São Paulo. No último almoço que tiveram, no mês passado, em Brasília, os três políticos fizeram um pacto de não-agressão. Com isso, procuram deixar abertas todas as portas para acordos ainda no primeiro turno.

Na costura do acordo pró-Roseana trabalham Bornhausen, o senador José Sarney (PMDB-AP), pai da governadora, o secretário-geral do PFL, Saulo Queiroz, e a própria candidata. Os contatos não param por aí.

No dia 31, Roseana conversou com o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG). O pretexto foi falar sobre o ano-novo. E atendeu, ainda, a um telefonema do ministro da Saúde, José Serra (PSDB), que lhe desejou felicidades em 2002. Já Sarney cuida para buscar, senão o apoio, pelo menos a neutralidade do governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB).

Apesar dos seguidos encontros dos presidentes dos maiores partidos da base do governo, existe um fator que impede que se consolide a aliança agora.
Bornhausen lembra, por exemplo, que até 17 de março nada poderá ser feito, porque naquela data o PMDB fará a sua pré-covenção para decidir se lança ou não candidato a presidente. "Não podemos prejudicar nenhuma possibilidade de ajustes políticos num segundo momento."

Destaque - Roseana começa a gravar hoje, em São Luís, os programas políticos do PFL que vão ao ar em janeiro. Serão 30 inserções - das 80 a que o seu partido tem direito. As demais ficam para depois do carnaval. O PFL acredita que janeiro é um mês em que Roseana se manterá bem na mídia, porque pesquisas de opinião continuarão sendo feitas e divulgadas.

Durante o carnaval, ela tornará a aparecer muito. É foliã e carnavalesca.
Irá para as ruas do Maranhão. No Rio, o carnavalesco Joãosinho Trinta escolheu o Maranhão como tema do desfile da Grande Rio.
Se a escola vencer a disputa do Grupo Especial, Roseana decidiu que também vai sambar no Rio. E, no fim de fevereiro, o PFL exibe as inserções restantes, o que torna a manter a governadora próxima do público pela televisão.


Serra precisa ouvir eleitor, diz Ermírio
O empresário Antonio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, afirmou ontem que o ministro da Saúde, José Serra, pré-candidato do PSDB à Presidência, tem de se aproximar mais dos eleitores. "(Serra) é competente, mas precisa de mais paciência com os seus eleitores, ouvir mais eles. Ele é pouco paciente, e isto não favorece muito sua posição." Ermírio disse não saber muito sobre a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), mas a considera uma boa opção para vice.

"Ela me parece uma moça simpática, inteligente. Pode carrear bons votos, mas numa posição de vice ela seria muito bem-vinda." Ermírio se disse decepcionado com o pré-candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva. "Depois que foi a Cuba e à Venezuela e fez aquelas declaraç ões, achei que ele não evoluiu coisa alguma. Ao contrário involuiu." Ele enfatizou não ter gostado de ver Lula ao lado do presidente venezuelano, Hugo Chávez.


Kandir e Dória podem assumir secretarias de SP
O gabinete do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), está movimentado desde o sábado, quando foi anunciada a saída de sete secretários para disputar as eleições. Nos bastidores já se cogitam nomes de deputados federais do PSDB como Antonio Kandir, ex-ministro do Planejamento, e Sampaio Dória. Segundo tucanos próximos de Alckmin, os nomes dos substitutos ainda não foram definidos por ele.

Sem agenda externa desde domingo, o governador tem recebido deputados e nomes fortes do governo para "trocar idéias". De acordo com o deputado Sidney Beraldo, líder da bancada tucana na Assembléia, Alckmin determinou um perfil para os sucessores: "Pessoas com qualidade técnica específica para a pasta e experiência política."

Além dos sete secretários citados na semana passada, ontem já se cogitava a saída de mais quatro: o titular da Agricultura, José Carlos Meirelles - que disputaria a vaga na Câmara - , a secretária da Educação, Rose Neubauer, o adjunto da Casa Civil, Tião Farias (braço direito do governador Mario Covas, morto em março de 2001), e do secretário de Governo e Gestão Estratégica, Antonio Angarita. O titular da Justiça, Edson Vismona, poderá trocar de pasta.

Os secretários que têm sua saída confirmada são: Ricardo Trípoli (Meio Ambiente), Marcos Mendonça (Cultura) e João Caramez (Casa Civil) - que devem disputar a reeleição para Assembléia -, além de Antônio Carlos Mendes Thame (Recursos Hídricos), André Franco Montoro Filho (Planejamento), Marco Vinício Petrelluzzi (Segurança) e Walter Barelli (Trabalho).


Governo vai pôr administração na vitrine
Idéia é melhorar imagem no ano eleitoral, abrindo diálogo com a sociedade

BRASÍLIA - O governo quer trocar de agenda e melhorar a imagem neste ano de eleições, abrindo diálogo direto com a sociedade. Cansado da briga interminável com o Congresso em torno das emendas parlamentares ao Orçamento da União, em que os recursos federais são sempre escassos para atender às bases eleitorais dos políticos, o Palácio do Planalto está escalando o time de articuladores que vai debater o próprio governo com entidades civis, prestando contas e colhendo críticas e sugestões.

De acordo com o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio Neto (PSDB), o estímulo partiu do presidente Fernando Henrique Cardoso. À frente da investida, Arthur Virgílio já acertou com o presidente que a rodada de conversas vai começar pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), uma das entidades que mais critica o governo, já esta semana.

Diante da avaliação geral de que o governo atua bem e comunica mal, os articuladores políticos do Planalto serão chamados a pôr a administração pública na vitrine. Também estão dispostos a participar o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, e os líderes governistas no Congresso, deputado Heráclito Fortes (PFL-PI), e na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP).

A cada encontro, os articuladores comparecerão munidos de todos os dados disponíveis sobre a atuação do governo. "Não queremos que nenhum dado seja escondido", diz Arthur Virgílio, certo de que o momento é oportuno para a iniciativa. A seu ver, a crise argentina ajuda a abrir os olhos da sociedade em geral, para que possa enxergar melhor o governo que fez uma "administração férrea" da economia, ao mesmo tempo em que investia em programas sociais arrojados.

Detalhes - No almoço que terá com dirigentes da CNBB, Virgílio apresentará um quadro completo da política social do governo.
"Diferentemente da social-democracia tradicional, que pecou no controle das contas públicas, nós estamos provando que é possível conciliar responsabilidade fiscal e social", sustenta.

"Quero mostrar à Igreja que este é um governo que tem sensibilidade social em sua prática, e não na declaração de comoção." Ele vai falar da montagem de uma "rede de proteção social efetiva", conjugando diversas ações e programas. Além de uma prestação de contas detalhada, os articuladores do Planalto também deverão comparar os resultados da administração Fernando Henrique com aqueles apresentados por governos anteriores.

"Também queremos ouvir as críticas e sugestões da CNBB. Da mesma forma, perguntaremos à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o que está achando da nossa política de direitos humanos", diz Arthur Virgílio. Segundo ele, o governo está disposto não só a ouvir eventuais reparos, como a aceitar sugestões que possam ser postas em prática neste último ano de administração.


TJ manda prosseguir inquérito contra Maluf
O desembargador Gentil Leite, do Tribunal de Justiça de São Paulo, mandou prosseguir inquérito policial para apurar suposta lavagem de dinheiro que teria abastecido contas do ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) e familiares na Ilha de Jersey. A decisão foi tomada em mandado de segurança da Companhia Brasileira de Projetos e Obras, responsável pela construção do Túnel Ayrton Senna. Promotores suspeitam que as obras foram superfaturadas. A CBPO queria liminar para arquivar sumariamente o inquérito.


Promotores vão dividir apuração sobre caixa 2
CURITIBA - Os promotores que apuram a existência de caixa 2 na campanha pela reeleição do prefeito de Curitiba, Cassio Taniguchi (PFL), decidiram desmembrar o trabalho de investigação, de acordo com as várias áreas do Ministério Público. Os depoimentos devem continuar sendo realizados no Centro de Apoio às Promotorias de Proteção ao Patrimônio Público, mas serão remetidas cópias de todos os documentos para outros setores.


Artigos

Transporte e desenvolvimento sustentável
JOSÉ GOLDEMBERG

A necessidade de ir e vir e a liberdade de se locomover são duas características fundamentais da nossa civilização. No passado, viajar era desconfortável, muitas vezes perigoso e consumia um tempo enorme.
No século 19, contudo, o desenvolvimento do tráfego ferroviário abriu novas perspectivas para o transporte. O desbravamento e a expansão dos Estados Unidos só foram possíveis quando linhas ferroviárias cruzaram o país da costa atlântica ao Pacífico. No tráfego urbano, bondes dominaram o cenário das grandes cidades.

Logo depois, a invenção do motor de explosão interna permitiu a construção de automóveis e caminhões, e Henry Ford revolucionou essa indústria produzindo carros populares acessíveis a amplas camadas da população. Com isso o uso de trens urbanos e bondes praticamente desapareceu das grandes cidades e, ao fazê-lo, desfigurou-as completamente com a construção de rodovias, viadutos e toda a parafernália em que vivemos hoje.
Os aspectos negativos da motorização em massa dos nossos dias são cada vez mais evidentes e particularmente nocivos na cidade de Pequim, na China; em Los Angeles, nos Estados Unidos; na Cidade do México e em São Paulo. Grandes populações urbanas começaram a perceber que, apesar de contribuir para a liberdade de locomoção, a motorização maciça trouxe novos problemas, como a congestão urbana, acidentes, poluição sonora e - mais grave ainda - a poluição do ar, a chuva ácida e o "efeito estufa". Só para dar um exemplo, calcula-se que, somente na Cidade do México, US$ 7,1 bilhões são perdidos, por ano, por causa de engarrafamentos e tratamentos médicos. A poluição do ar, que é péssima para a saúde da população, é causada por 20% dos mais ricos, apesar de o peso maior cair sobre os restantes 80% mais pobres.

Existe no mundo cerca de meio bilhão de automóveis, a maioria dos quais nos Estados Unidos e na Europa. Numa base "per capita", nos Estados Unidos existem 750 carros para cada mil pessoas; na China, 8; e no Brasil, 97. Se todos os habitantes do mundo tivessem acesso a automóveis, como os americanos, haveria no mundo cerca de 5 bilhões de carros, o que tornaria intolerável a poluição do ar.
Apesar destas perspectivas sombrias, a maioria dos países em desenvolvimento considera legítima, e até prioritária, a meta de motorizar a população, sem atentar para os custos futuros. Este não é um tipo de desenvolvimento que se possa considerar sustentável.

Por essa razão, vários estudos têm sido feitos para encontrar soluções para o problema, que vai afetar a todos, inclusive aos que vivem nos países industrializados, em razão das mudanças do clima que decorrem da queima de combustíveis fósseis nos motores dos veículos .
As soluções aventadas são basicamente de dois tipos: técnicas e institucionais.
Na lista das soluções técnicas, a mais importante é a melhoria da eficiência do desempenho dos automóveis. A média de consumo de gasolina nos países industrializados é de 10 quilômetros por litro, mas a nova geração de carros híbridos da Toyota, já em uso comercial no Japão e os Estados Unidos, eleva essa média para 20 quilômetros por litro, reduzindo a poluição à metade. Se álcool for usado - o que é possível no Brasil, por exemplo -, a poluição cairá mais ainda.

Outras medidas envolvem mudanças de hábitos e comportamento. Exemplos são o uso de automóveis menores, o aumento da taxa de ocupação (organizando grupos que viajam juntos), o uso de ônibus, metrô ou até de bicicletas, como é feito em Amesterdã ou Pequim.
O grande problema é descobrir como mudar padrões de consumo sem interferir demasiadamente na liberdade individual. Que instrumentos podem ser usados para promover mudanças?
O que se mostrou mais eficaz para estimular melhorias técnicas, nos Estados Unidos, foi a introdução de regulamentações governamentais, em 1970, obrigando os fabricantes a só pôr à venda carros com desempenho acima de um certo valor (em quilômetros por litro). Em menos de 20 anos, a eficiência média dos carros dobrou.

Na Cidade do México e em São Paulo, o uso do "rodízio" se mostrou benéfico.
Mas muitos burlam esse sistema, adquirindo um segundo carro. Por essa razão, uma solução melhor seria, talvez, adotar um sistema de cotas em que as pessoas que querem dirigir mais comprariam a permissão para fazê-lo de outros que dirigem menos.
Restringir a posse de automóveis é feito sem medidas autoritárias no Japão, onde é preciso pagar uma elevada taxa para adquiri-los. Em Cingapura, o governo faz leilões mensais de autorizações para compra de automóveis, o que garante que a frota total só cresça lentamente.

Há ainda inúmeras outras medidas para desencorajar o uso de carros, como elevadas taxas de estacionamento nas cidades ou pedágios freqüentes nas estradas. Uma combinação de todas elas será indispensável para moderar o "apetite" pelo automóvel, mas não há dúvida que nos próximos anos elas virão.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

A fábula do homem e o seu garrafão
Pelo interior do Brasil é comum a presença de um cara que é chamado de "propagandista". Aqui pelo Estado do Rio, antes da camelotagem desenfreada ele era chamado também de "camelô".
Usava roupa vistosa, por exemplo: paletó xadrez vermelho e verde -, calças bois de rose, gravata azul-bebê. Em geral fazia propaganda de remédios que curam tudo, todos os males do mundo, e até maus pensamentos.

Ouvi que vendia xarope contra sífilis e, referindo-se às doenças "sexualmente transmissíveis", falava poeticamente em "mal de amores".
E foi a propósito de propagandistas que recordávamos ontem, minha irmã e eu, um caso que nosso pai nos contava garantindo que era verdadeiro.
Sucedeu numa cidade cujo nome ele não dava, para "evitar constrangimentos". O sujeito já desceu do trem vestido a caráter: terno de listras coloridas, sapato pampa, camisa roxo-batata, gravata amarela.

Na pensão registrou-se, levou a mala à sua vaga no quarto, e portando um grande rolo de papel debaixo do braço, pediu permissão à dona da casa para expor à sua porta um cartaz, que dizia o seguinte: "HOJE ÀS 16 HORAS, VENHAM VER O HOMEM QUE ENTRA NO GARRAFÃO!"
Dali foi à igreja à procura do vigário, solicitando à Sua Reverência licença para dar uma demonstração estupefaciente, tendo como palco a escadaria da Matriz. O padre ficou meio espantado quando leu o cartaz, mas acedeu.Também queria ver aquilo. Os outros cartazes foram espalhados pelas ruas, saturando todo o lugarejo.

Claro que a curiosidade foi enorme. Fizeram-se apostas, teve gente que rasgava nota de cem em duas, que é a maneira mais popular de registrar apostas sem papel escrito. Quem ganhar vai receber do outro a sua metade da nota.
Logo depois do almoço o nosso homem foi à farmácia, onde negociou o aluguel de um garrafão, de vidro, desses que transportam água destilada. Da pensão, conseguiu ainda uma mesinha, e assim, pontualmente, às 4 da tarde, lá estava ele com seus trajos multicores e os seus apetrechos, pronto para a "demonstração".

A praça pululava de gente. Faziam-se as mais ousadas conjecturas: "O garrafão é de borracha transparente. No que o homem for entrando ele estica, até caber." Outros acreditavam em hipnotismo. "Ele hipnotiza todo mundo, e aí a gente acredita que ele entrou em qualquer coisa." Outros achavam que era só um truque - "Não sei como é, mas tem de ser um truque."
E, assim, ele começou a falar sob aplausos e assobios. Delicadamente pediu silêncio à multidão: ia começar o espetáculo.
Tirou o casaco, tirou a gravata, pôs no chão o chapéu de palhinha, mostrou as mãos vazias. Então, lentamente, lentamente, tentou enfiar a mão direita pelo gargalo do garrafão. Não cabia, claro. Estirou o polegar, introduziu o dedo no gargalo - entrou! Mas parou na junta. Ele suspirava, mas, com a mão esquerda, tentou de novo: não entrou. Descalçou os sapatos, experimentou o pé - quá! Não entrou mesmo - era ainda maior que a mão. Tentou o nariz, até que ralou e minou sangue. Não entrou também.

E diante do silêncio atônito da multidão, o homem abriu os braços de pura impotência e constatou desolado:
- Realmente, foi impossível. Mas vocês bem que viram: EU TENTEI!


Editorial

O fim da conversibilidade

O presidente Eduardo Duhalde venceu a relutância dos parlamentares que receavam dar-lhe amplos poderes para administrar a economia durante os próximos dois anos. Deputados e senadores estavam escaldados pela experiência que tiveram com o ex-ministro da Economia Domingo Cavallo, a quem haviam, há cerca de um ano, conferido amplos poderes. Mas prevaleceu o medo da anarquia, que possibilitou a união suprapartidária, e Duhalde obteve a aprovação da Lei de Emergência Econômica e de Reforma do Regime Cambial, que revoga a Lei da Conversibilidade. Com isso, pôde pôr fim a 11 anos de paridade da moeda argentina com o dólar, desvalorizando o peso em 29% - 1,40 por dólar - para operações de comércio exterior e criando o câmbio flutuante.

Sem a desvalorização, o novo governo nada poderia fazer para começar a estancar a crise que arruina a Argentina. A conversibilidade era, a um só tempo, causa e fator de agravamento das atribulações do país. Do ponto de vista político, a paridade produziu nos argentinos, junto com a famosa política externa das "relações carnais", a ilusão de que seu país estava entre os grandes do mundo e com eles tratava de igual para igual. Do ponto de vista econômico, criou, numa primeira fase, a ilusão da estabilidade e do bem-estar. Na verdade, a paridade apenas retirava a competitividade dos produtos argentinos de exportação e, com isso, o país não conseguia produzir divis as no volume suficiente para lastrear a conversibilidade e, ao mesmo tempo, atender às necessidades do balanço de pagamentos - daí ter-se endividado no exterior até o pescoço.

A desvalorização do peso é o começo de qualquer programa consistente de recuperação da economia argentina, mas não é a panacéia universal. Não apenas não resolverá alguns dos principais problemas da economia como poderá criar outros. Com a paridade, a dívida pública da Argentina equivalia a apenas 55% do PIB. Com a desvalorização, o PIB encolhe, mas a dívida continuará sendo de US$ 163 bilhões e, portanto, seu peso será maior. A inflação é outro problema. A estabilidade dos preços e a estabilidade cambial estiveram amarradas durante mais de uma década, na Argentina. Bastou que Duhalde anunciasse a desvalorização, em seu discurso de posse, para que se registrassem dois fenômenos dos quais os argentinos já não se lembravam:
a remarcação de preços e o desabastecimento.
O governo fixou, para o ano, uma meta de inflação de 8% a 11%. Pretende conter a carestia através do câmbio duplo - o dólar a 1,40 peso será usado nas transações que têm relação direta e impacto imediato na inflação, inclusive importação de produtos essenciais - e, em última instância, do controle de preços. Essa medida foi autorizada pela Lei de Emergência, mas as autoridades fazendárias declararam que não a usarão, seja porque a experiência mostra que o tabelamento não contém eficazmente a alta dos preços, seja porque, como declarou o secretário de Programação Econômica, Jorge Todesca, "a Argentina não tem nenhuma possibilidade de êxito se não conseguir o funcionamento de sua economia com liberdade econômica".

O governo está claramente empenhado em tirar a Argentina do buraco sem impor sacrifícios adicionais e desnecessários à população - e a inflação descontrolada certamente seria o detonador de mais uma explosão social. Mas somente com a implementação do plano econômico de emergência é que se saberá como serão distribuídos os custos e benefícios da desvalorização da moeda, cuja extensão será determinada pelo mercado. Na semana passada, o presidente Eduardo Duhalde anunciou que seu governo romperá o pacto até agora vigente com o setor financeiro - durante anos falou-se na "pátria financiera" - e passará a privilegiar o setor produtivo. A maior parte das medidas de emergência, de fato, sugere a maior proteção possível aos mutuários, prestamistas e consumidores, ficando em segundo plano os direitos dos agentes financeiros e até mesmo dos investidores. Não foi à toa que o primeiro-ministro José María Aznar teve com o presidente Duhalde, no final de semana, um tenso diálogo sobre o tratamento que a Argentina dispensará aos investimentos espanhóis no país. Depois disso, o ministro da Economia da Espanha telefonou para seu colega argentino para protestar contra a mudança das regras dos contratos de privatização de concessionárias de serviços públicos e ouviu de Jorge Remes Lenicov que, depois dos panelaços, dos mortos nas manifestações de rua e da crise social, o governo estava fazendo o que tinha de fazer.
Com o fim da conversibilidade, a Argentina enterra um modelo que, como disse o presidente Duhalde, "arruinou tudo". Começa, agora, o difícil trabalho de reconstrução do país.


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01/08/2002


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