Novo Código Florestal acirra disputa entre ruralistas e ambientalistas



A atualização do Código Florestal brasileiro, que completou 45 anos este ano, é vista como necessária para que o Brasil disponha de base legal capaz de compatibilizar a proteção da vegetação com o ordenamento de atividades agrícolas e do avanço das cidades. Em tese, os diferentes segmentos envolvidos concordam que o país precisa desse novo marco legal. Mas quando a discussão entra no campo das novas regras a serem previstas na lei florestal, ruralistas e ambientalistas assumem posições opostas.

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Entre os diversos pontos que alimentam a polêmica, três são particularmente críticos: as normas para as Áreas de Preservação Permanente (APP) - que incluem as matas ao longo dos rios e a vegetação em morros e serras -, as definições acerca de Área de Reserva Legal (ARL) - porções de vegetação nativa que devem ser mantidas no interior das propriedades - e a responsabilização por desmatamentos irregulares.

Neste ano, a disputa em torno da revisão desses e de outros aspectos do código em vigor (Lei 4.771/1965) se concentrou na Câmara dos Deputados, que examina substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ao PL 1876/1999 e a outros nove projetos que tratam do tema. Aprovado em comissão especial criada para examinar o assunto, em meio a uma acirrada disputa, o substitutivo agora aguarda votação no Plenário daquela Casa e só depois será submetido ao crivo do Senado.

Defendido pelos representantes do agronegócio, o texto de Aldo Rebelo é criticado pelos ambientalistas, que se articulam em torno de um voto em separado, apresentado por deputados do PT. Conforme assessores do Ministério do Meio Ambiente (MMA), esse texto alternativo reflete a posição negociada em audiências públicas realizadas com setores do governo e grupos organizados da sociedade.

Divergências em torno das APPs

A polêmica em torno das APPs começa já na definição das áreas que precisam de proteção legal e, nessa condição, não podem ser exploradas. Os ruralistas querem retirar desse grupo o topo de morros, terras de encostas e áreas em altitude superior a 1.800 metros - hoje considerados de preservação permanente. O consultor do Senado, Gustavo Taglialegna, explica que a disputa não ocorre sobre a definição técnica do que seja uma área ambientalmente sensível, mas sim pelo fato de existirem no país produções agrícolas consolidadas nessas terras, como o café cultivado em área de declive acentuado.

No artigo "Reforma do Código Florestal: busca do equilíbrio entre agricultura sustentável e preservação do meio ambiente", que compõe o livro Agenda Legislativa para o Desenvolvimento Nacional, a ser publicado em dezembro pelo Senado, ele diz que a existência de culturas tradicionais em situação irregular faz desta uma questão política, "a ser democraticamente discutida pelo Congresso Nacional".

Já a disputa em torno das Áreas de Preservação Permanente na beira de rios é de outro tipo. Aldo Rebelo propõe reduzir para 15 metros a largura mínima da faixa de mata ciliar ao longo de rios com até cinco metros de largura - a lei vigente prevê pelo menos 30 metros de mata para rios com até 10 metros de largura. O MMA quer manter a norma em vigor, mas concorda em reduzir para 15 metros a faixa de vegetação quando da recomposição de APPs desmatadas até 2008, ano em que foi assinado decreto definindo punições para o descumprimento das normas ambientais (Decreto 6514/2008).

Pelo substitutivo de Aldo Rebelo, a largura da mata ciliar seria contada a partir do nível mais baixo do rio, enquanto o código atual prevê que seja definida a partir do leito maior, configuração do rio no período de cheia. Para Gustavo Taglialegna, a mudança proposta é tecnicamente incorreta. Ele explica que, se for contada a partir do nível mais baixo, a APP ficará dentro do rio na época das chuvas: "e mata ciliar não sobrevive à inundação".

Ainda como forma de flexibilizar as regras em vigor, a proposta em exame na Câmara dá poder aos estados para aumentar ou reduzir em até 50% as faixas mínimas de APP nas margens de rios - hoje, esse poder está nas mãos dos órgãos ambientais do governo federal. O voto em separado do PT mantém com o Executivo federal a decisão sobre redução de área de preservação, mas abre a estados e municípios a possibilidade de aumentar faixas mínimas para APP, conforme necessidade de proteção da área.

Reserva Legal

Quanto à Área de Reserva Legal, a principal divergência está em artigo do substitutivo que retira das propriedades de até quatro módulos fiscais a obrigatoriedade de manter reserva. Aldo Rebelo argumenta que a medida visa beneficiar agricultores familiares, mas os ambientalistas afirmam que apenas o tamanho da área não assegura que uma propriedade seja familiar. De acordo com Lei 11.326/2006, agricultor familiar é aquele que, além de deter imóvel rural de até 4 módulos fiscais, utiliza predominantemente mão de obra da própria família, tem renda proveniente das atividades rurais e é ele mesmo ou um membro da família o gestor da propriedade.

Os críticos dizem que a mudança proposta de Rebelo será um incentivo ao fracionamento de médias propriedades apenas com fins de desmatamento, visando à exploração total da área. No substitutivo alternativo, os deputados do PT acabam com exigência de Reserva Legal apenas para propriedades de agricultores familiares com até um módulo fiscal.

Outra questão polêmica é a permissão para computar a APP no cálculo da Reserva Legal, sem os limites do atual Código Florestal. Os ambientalistas querem que isso seja permitido apenas quando não implicar conversão de novas áreas e para imóvel até 4 módulos fiscais. Para imóveis maiores, defendem a manutenção dos limites hoje vigentes.

Regularização

Pelo código em vigor, o proprietário que descumprir a lei e desmatar a Reserva Legal fica obrigado adotar medidas para a recomposição da vegetação, a condução da regeneração natural ou a compensação em área fora da propriedade. O uso não autorizado ou a destruição dessas áreas protegidas também poderá resultar na prisão do proprietário da terra, que ainda será obrigado a pagar multa.

O texto em exame na Câmara condiciona a responsabilização de proprietários em situação irregular à criação de um Programa de Regularização Ambiental, pelos Executivos federal e estaduais. O substitutivo também isenta de multas os proprietários que desmataram Reserva Legal antes de 22 de julho de 2008, data de publicação do Decreto 6.514, de 2008. Essa legislação estipula multa de R$ 5 mil por hectare de reserva ou APP desmatada irregularmente.

26/11/2010

Agência Senado


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