O plano duplo do PT
O plano duplo do PT
Petista apresenta projeto radicalizando o tom contra o governo e dizendo que ‘foi bom não ter passado por uma máquina pública corrompida como a brasileira’
Sob a ameaça de ter sua bandeira roubada por Ciro Gomes (PPS-PDT-PTB), o PT recrudesceu o discurso de oposição ontem, durante a solenidade de apresentação do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Num discurso previamente escrito, e traduzido simultaneamente por uma especialista em linguagem de sinais,
Lula fez severas críticas ao que chamou de subserviência do governo federal aos interesses internacionais e ao alto nível de desemprego no país. De improviso, atacou um dos principais argumentos de campanha de Ciro e do tucano José Serra: o de que têm experiência administrativa.
— Os preconceitos persistem e os adversários persistem com o mesmo velho e surrado argumento, o da falta de experiência. Pelo que conheço de administração pública, com raríssimas e honrosas exceções, nas quais meu partido está inserido, foi muito bom não ter passado por uma máquina pública corrompida como a brasileira — disse Lula, no Auditório Nereu Ramos, do Congresso Nacional.
O discurso de Lula também embutiu uma crítica sutil à atuação de Ciro à frente do Ministério da Fazenda, quando foram adotadas medidas de abertura da economia:
— Ainda somos uma nação industrial, mesmo depois da abertura indiscriminada dos anos 90, que destruiu setores importantes de nossa economia.
Seguindo uma nova estratégia de campanha — endereçada ao povo, depois de meses de discussão sobre política econômica — Lula e seus aliados adotaram um tom mais emocional nos discursos, fazendo homenagem a correligionários mortos como Chico Mendes e Celso Daniel, prefeito de Santo André. Ao falar sobre a dívida pública, Lula prometeu:
— Temos que pagar as dívidas sociais com os índios, os negros, com as crianças, com os portadores de deficiência, com as mulheres e com os que morreram na luta pela liberdade. É com esse compromisso que vamos ganhar e governar.
Lula reconheceu as dificuldades que o próximo presidente enfrentará para conter a crise econômica.
— Sei que os obstáculos existem e são poderosos, mas isso não significa que o Brasil deve render-se à crise.
Basta de passividade e de fatalismo. O Brasil tem margem de manobra. Vamos fazer o que a elite brasileira não conseguiu nos últimos anos — discursou.
Dirceu prevê “cenário dificílimo”
Minutos antes, o presidente nacional do PT, José Dirceu (SP), previu um “cenário econômico dificílimo” no ano que vem, inclusive com ameaças de guerra no mundo. Para o ano que vem, o deputado Aloizio Mercadante (SP) admite que há uma previsão de perda de receita de R$ 10,7 bilhões em relação a este ano.
Dirceu, que se encontrará amanhã com o governador de Minas, Itamar Franco, encerrou seu discurso afirmando que o programa do PT é fruto do sonho de companheiros mortos, de Chico Mendes a Henfil. E, para caracterizar o PT como o porta-voz da oposição, afirmou:
— Somos herdeiros desses sonhos. Reivindicamos essa herança e não vamos renunciar a ela. Vamos à luta. Vamos eleger Lula.
— Não há estabilidade se não houver mudança no modelo econômico. Não aceitamos a idéia de que o Brasil está fadado a ser, historicamente, um país subdesenvolvido — endossou o coordenador do programa, o prefeito de Ribeirão Preto (SP), Antonio Palocci.
A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, fez críticas veladas a Ciro e ao tucano José Serra ao discursar.
Condenou o uso eleitoral da imagem feminina sem uma história de compromisso com as lutas das mulheres.
— Não é a mera utilização da figura da mulher como cabo eleitoral que traduz a luta por seu progresso — disse ela, referindo-se indiretamente à atriz Patrícia Pillar, mulher de Ciro.
Marta também recorreu a um tom oposicionista mais duro:
— Nossa escolha é muito clara. Ou Soros e os especuladores, ou Lula e o Brasil.
Em seu discurso, Lula acusou o governo de ter acentuado a crise brasileira ao dizer que o resultado das urnas poderia transformar o país numa Argentina. Lula chamou o governo de servil aos interesses internacionais e omisso no combate à pobreza, ao desemprego e à criminalidade. Prometendo governar pelo povo, criticou:
— O povo brasileiro não aceita mais a dependência atual e a atitude subalterna do governo. Por todo lugar onde vou, sinto que o orgulho nacional renasce. E não há nisso nada de xenofobia nem de nacionalismo estreito, sectário. A população exige que recuperemos a soberania para decidir de modo autônomo a política econômica e os destinos do país. O governo cedeu a absurdas exigências externas e deixou o país estagnado.
Ao expor suas metas — de crescimento de 5% ao ano e conseqüente geração de dez milhões de empregos — Lula reconheceu:
— O desafio é enorme. Mas assumo o compromisso de perseguir essa meta com todas as minhas forças. Criar empregos será minha obsessão.
Serra: propostas para o mínimo são eleitoreiras
O candidato tucano à Presidência, José Serra, classificou ontem de inviáveis, irreais e eleitoreiras as propostas dos outros adversários sobre o reajuste do salário-mínimo. Em visita a conjuntos habitacionais em Irajá, na Zona Norte do Rio, Serra prometeu uma melhora do mínimo firme e gradual. Os outros candidatos propuseram aumentar o mínimo, em 2003, para R$ 240 (proposta do PT), R$ 280 (do PSB) e US$ 100, hoje cerca de R$ 290 (PPS).
— Todos os salários-mínimos que os outros candidatos propuseram até agora não são factíveis. O do Lula é até o mais moderado, para ser sincero, embora também não seja factível pelos custos que tem na Previdência.
Vamos melhorar o mínimo com firmeza e gradualmente. Não vou fazer promessa mirabolante. Sempre penso nos meios para se fazer as coisas porque a população não pode ser enganada. Todas as propostas são irreais — disse Serra, acrescentando:
— A do Ciro é mais do que a do Lula, porque US$ 100 hoje são R$ 290. Isso aí vai custar mais de R$ 10 bilhões por ano.
Serra promete uma melhora no mínimo incentivando o crescimento econômico e reduzindo a informalidade na Previdência.
Plano do PT propõe ‘desprivatizar o Estado’
Partido propõe fazer uma reforma tributária para reduzir o número de impostos de 40 para até cinco e reduzir a carga sobre bens de consumo e assalariados de renda média
BRASÍLIA. Num tom nacionalista, o programa de governo do PT destaca que será “indispensável promover um gigantesco esforço de desprivatização do Estado, colocando-o a serviço do cidadão, em especial de setores socialmente marginalizados”. O PT antecipou que pretende manter no setor público as geradoras de energia elétrica — Chesf, Eletronorte e Furnas — as universidades federais e o setor de saneamento. Mas diz que admitirá parcerias com a iniciativa privada.
A reforma tributária será o primeiro e grande desafio a ser enfrentado, diz o PT. Caso Lula seja eleito, a meta será simplificar o sistema tributário, reduzindo para cinco ou seis o número de impostos, que hoje chega a 40.
O programa do PT, não detalha, mas promete reduzir a carga sobre bens de consumo e assalariados de renda média.
ICMS seria substituído por Imposto de Valor Agregado
Com essa reforma, o PT planeja acabar com a cobrança em cascata do PIS/Cofins e da CPMF e a substituição do ICMS por um Imposto de Valor Agregado (IVA). As grandes fortunas e as heranças também serão taxadas, diz o PT, afirmando que a cobrança está prevista na Constituição.
Nas 72 páginas do documento divulgado ontem, que traça as linhas gerais do programa, o nome do presidenciável petista Luiz Inácio Lula da Silva só aparece uma vez e depois é substituído por “nosso governo”. No programa, o PT evita detalhar propostas consideradas delicadas para o mercado financeiro, como política de taxas de juros e renegociação de dívidas interna e externa, embora tenha feito severas críticas às taxas de juros do atual governo.
Um segundo desafio para o PT, depois da reforma tributária, é a reforma da Previdência. O partido afirma que existem distorções no valor das altas aposentadorias de funcionários públicos e sugere um pacto para que essas aposentadorias sejam revistas. A proposta inclui ainda, a aprovação de uma emenda constitucional que está no Congresso que cria a previdência complementar para servidores públicos. A proposta contempla a criação de um órgão, incluindo representantes do Estado, dos trabalhadores da ativa, dos aposentados e dos empresários para discutir a questão Previdenciária.
‘Congresso não será obstáculo para ninguém, nem para mim’, diz Lula
SÃO PAULO. O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem que governará sem problemas, caso seja eleito, mesmo sem ter maioria no Congresso Nacional. Ele criticou o ex-presidente Fernando Collor e o presidente Fernando Henrique por terem mantido, segundo Lula, “relações promíscuas” com o Congresso. O petista fez as afirmações a cerca de 350 empresários associados ao Instituto Ethos, organização que defende a responsabilidade social das empresas.
— O Congresso Nacional nunca foi e não será obstáculo para ninguém nem para mim. Por quê? Porque as principais propostas de reforma que quero fazer não serão oriundas de uma equipe privilegiada de técnicos.
No dia em que o presidente mandar uma proposta dessa para o Congresso, ele vai querer ir pessoalmente, junto com vários representantes da sociedade, e dizer para o presidente da Câmara: isso aqui é um projeto da sociedade e nós gostaríamos que vocês votassem — disse Lula.
Ao lado do candidato a vice em sua chapa, senador José Alencar (PL-MG), e do presidente do Ethos, o empresário Oded Grajew, que participou da elaboração do programa de governo lançado ontem pelo PT, Lula convocou os empresários a participar do governo, caso seja eleito, e criticou a relação de Fernando Henrique com o Congresso:
— Poucos presidentes desprezaram o Congresso Nacional como Collor e Fernando Henrique. Um Congresso subserviente que aprovou mais medidas provisórias em oito anos do que os militares aprovaram decretos-leis durante 23 anos do regime militar.
Lula afirmou que o presidente “tinha uma relação de soberania com o Congresso”, que pôs a perder na campanha pela reeleição:
— Em vez de aproveitar o crescimento da renda do povo por causa do fim da inflação para retomar o crescimento da economia, o que ele fez? Resolveu priorizar a sua própria reeleição. Permitiu que fosse criada uma relação promíscua entre Poder Executivo e Poder Legislativo, quando é sabido por todo mundo que houve compra de voto para aprovar a tese da reeleição. A partir daí o presidente passou a não ter mais o respeito do Congresso.
Garotinho: ‘Não sei até quando vou resistir’
Candidato atribui perda de assessores à crise financeira. Ele nega que pense em renunciar e diz que a falta de dinheiro é prova de que não recebe recursos de banqueiros
BELO HORIZONTE. Sem dinheiro para cobrir as despesas de campanha, o candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, admitiu ontem que passa por problemas financeiros e não sabe até quando poderá resistir.
Ele afirmou que a falta de recursos compromete sua candidatura. Ao discursar, à tarde, para evangélicos da Igreja Quadrangular, no seminário “Ministros labareda de fogo”, no Minascentro, em Belo Horizonte, Garotinho fez um apelo dramático em busca de apoio.
— Minha campanha é muito pobre. Orem por esta candidatura. Não sei até quando vou resistir — afirmou.
Garotinho disse que a crise é tão grande que quatro assessores de seu comitê pediram demissão por não aceitarem a redução nos salários, proposta por ele por causa das restrições no orçamento. Ele voltou a negar, porém, que esteja pensando em renunciar.
— Propusemos a redução de salário e eles não aceitaram. Temos problemas financeiros na campanha, mas isso tem um lado bom. Mostra que sou um candidato independente e não financiado pelos banqueiros — disse Garotinho, que fez corpo-a-corpo pelas ruas do centro de Belo Horizonte de manhã.
Até o fim do mês, venda de bônus em Minas Gerais
Para tentar contornar a falta de dinheiro, o candidato vai ampliar a venda de bônus de um real para financiamento da campanha. Até o fim do mês, Garotinho começará a vender os bônus também em Minas Gerais.
No Rio, o candidato do PSB tomou café da manhã com o comissário de Comércio da União Européia, Pascal Lamy, no hotel Copacabana Palace. Na saída, Garotinho disse que a conversa girou em torno da política de exportação brasileira, do Mercosul e dos subsídios agrícolas dos países europeus.
— Reiterei meu compromisso com a ampliação do Mercosul para outros países da América do Sul, sob a liderança do Brasil. Externei minha preocupação com a questão dos subsídios agrícolas dados aos países europeus. Também falei do desejo de ter um maior entrosamento comercial com a Europa — afirmou.
Lula se desentende com diretor da ‘Folha’
SÃO PAULO. O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, interrompeu abruptamente um almoço na sede da "Folha de S.Paulo", na sexta-feira passada, depois de ter se sentido ofendido por perguntas feitas pelo jornalista Otávio Frias Filho, diretor de Redação do jornal. Lula ficou irritado com perguntas sobre o seu preparo intelectual para governar o país e a respeito da aliança do PT com o PL. O petista se levantou da mesa e foi embora. A assessoria do petista disse que ele se sentiu desrespeitado. Otávio Frias Filho confirmou o episódio.
— Lula abandonou a mesa de almoço para a perplexidade geral dos que estavam presentes. Meu pai (Otávio Frias) ainda o acompanhou de forma educada até a porta do elevador, mas não entendemos por que ele ficou tão irritado — disse Otávio.
Depois de dizer que só estava falando sobre o episódio porque o assunto já havia vazado, Otávio Frias Filho afirmou:
— Como o assunto vazou, a “Folha” analisa a possibilidade de tratar da questão no jornal. Afinal, foram publicadas algumas versões inverídicas. Na verdade, nada perguntei a Lula sobre as propinas de Santo André para o financiamento de campanhas do PT, como uma coluna chegou a divulgar — disse.
Segundo o diretor do jornal, durante o almoço ele perguntou a Lula como vinha se preparando intelectualmente nos últimos 20 anos para governar o país.
— Até lembrei que o ex-presidente americano Abraham Lincoln também foi um autodidata e que isso funcionou com ele. Na primeira vez em que fiz a pergunta, Lula disse que não iria responder porque achava a pergunta preconceituosa. Achei estranho ele não responder, porque, afinal, eu queria saber como o candidato que pode vir a governar 170 milhões de brasileiros está se preparando, o que vem estudando nos últimos 20 anos — disse Otávio Frias Filho.
Lula ficou irritado. O almoço transcorreu, segundo Otávio, e no fim, antes que o café fosse servido, Otávio voltou à carga:
— Perguntei a Lula sobre a aliança do PT com o PL. Disse que era normal o PT se aliar a partidos de centro e mais à esquerda, mas achava estranho o PT optar por uma aliança à direita, já que em São Paulo, por exemplo, o PL está a serviço do malufismo. Quando fui mais incisivo, Lula se levantou e abandonou a mesa de almo ço.
Os jornalistas Clóvis Rossi e Gilberto Dimenstein também estavam presentes. Ricardo Kotscho, assessor de imprensa de Lula, também presente, disse que por uma "questão ética" não comentaria o caso.
— Fomos convidados pela “Folha”. Se alguém tem que comentar é o jornal — disse Kotscho, que confirmou, porém, a informação de que Lula se sentiu desrespeitado por Otávio.
Antes desse almoço, no dia 30 de maio, Otávio Frias Filho já havia escrito um artigo na "Folha" com o título "Lula lá" em que afirmava que, apesar das dificuldades para "decolar", o candidato do governo ainda é o favorito para a sucessão presidencial. E citava o “acanhamento do personagem (Lula), formado na estreiteza do ambiente sindical e que nunca teve de tomar decisões de poder”.
Artigos
Caos urbano e violência
Luciano Oliveira Mattos de Souza
Inegavelmente o Brasil tem demonstrado sua deficiência no trato dos temas relacionados aos direitos sociais básicos, proporcionando um sem-número de infrações aos direitos humanos.
Dentre esses direitos encontra-se o direito à habitação, garantido pela Constituição federal, cuja violação faz aumentar cada vez mais o número de pessoas que buscam moradia nos núcleos urbanos, o que causa transtornos à ordem social. A sociedade e o poder público, especialmente o municipal, ainda não atentaram para a importância da questão urbanística na contenção, melhoramento e quiçá resolução dos problemas sociais gerados com a desorganização urbana, vista em grandes e pequenos centros.
O problema, que se alastra por vários e longos anos, aparece nos dias atuais com conotação diferenciada de outrora, o que poderá acarretar maior cuidado e atenção por parte dos setores sociais competentes.
As ocupações urbanas desordenadas aumentam consideravelmente a cada dia, exigindo constante fiscalização do poder público não somente para coibi-las, em alguns casos, mas também para organizá-las, seja em áreas públicas ou privadas.
E esse é o novo enfoque que se pretende dar ao fato de forma a que, no momento em que surjam as ocupações — desde que elas sejam passíveis de ocorrer segundo a lei — o poder público interfira para organizá-las e, com isso, evite o descontrole urbanístico, cujos efeitos irradiam problemas muitas vezes insuperáveis.
A disciplina de ocupação, projetos de construção de baixa renda previamente aprovados nos municípios, métodos alternativos para o tratamento do esgoto domiciliar, o distanciamento entre as casas, os espaços urbanos, a instalação de mutirões e tantas outras providências poderiam ser adotadas concomitantemente ou logo em seguida à formação daquele grupamento humano. Nada impede que ainda as sejam, embora com muito maiores dificuldades.
Os benefícios seriam sentidos imediatamente pelos ocupantes, que teriam seus direitos respeitados, poderiam almejar mais concretamente a possibilidade do recebimento de serviços públicos essenciais, proporcionando mais dignidade, ao passo que toda a sociedade estaria sendo mediata ou também imediatamente beneficiada.
E o que se tem visto atualmente em todos os cantos do Brasil é justamente o contrário: a verdadeira omissão do poder público, que, sem ser cobrado pela sociedade, que naquele momento ainda não se deu conta do problema, adota a medida eleitoralmente mais eficaz, que não representa qualquer trabalho para o administrador ou custo para a administração: nada. O pior é que muitas vezes o descontrole é mesmo incentivado e orientado pelos próprios políticos locais!
Com o passar do tempo, o caos urbanístico se instala, os serviços públicos essenciais somente podem ser prestados com recursos públicos elevados (o que na esmagadora maioria das vezes significa a sua não-prestação), a comunidade local vive sérias e graves dificuldades, fragilizando-se e abrindo flanco para o domínio da marginalidade, muitas vezes iniciada pelo tráfico de drogas e armas.
O comando paralelo surge, pois, justamente da fragilidade da autoridade pública, que se omite no seu dever de coibir e organizar os assentamentos urbanos, permitindo inicialmente a ocupação que muito provavelmente apresentará inviabilidade urbanística e promoverá agressão a direitos sociais fundamentais dos indivíduos, inclusive daqueles beneficiários. Com essa lacuna, titulares de interesses espúrios ocupam a função estatal e impõem a ordem diametralmente oposta aos legítimos interesses da sociedade.
Medidas urgentes do poder público começam a ser pensadas, a mobilização social começa a surgir, mas seus efeitos mais se aproximam de uma guerra civil, diante da inacessibilidade e descontrole criados naqueles pontos urbanos, que, diga-se, continuam sofrendo com a omissão da autoridade e de serviços públicos.
Talvez o primeiro passo para a diminuição da violência seja a contenção desse crescimento desornado e desgovernado de ocupações urbanas...
Se a devida atenção for dada à regular ocupação do solo urbano, muito provavelmente para o futuro se poderá enxergar o caminho da tão almejada paz social, inobstante outros fatores também não possam ser esquecidos.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel
A hora das idéias
Lula saiu na frente lançando ontem seu programa de governo e será seguido pelos outros candidatos. José Serra está finalizando o seu. As idéias e as propostas chegam documentalmente à campanha, permitindo-lhe a passagem da onda de pesquisas e da troca de farpas para o debate qualificado. Sem recuar dos compromissos com a estabilidade, Lula deu ontem uma ênfase vigorosa à questão da soberania e do crescimento. Uma reação, sem ataques, ao crescimento de Ciro Gomes.
Agora apenas oito pontos à frente do candidato do PPS nas pesquisas, o petista fez um pronunciamento que foi além do programa, apresentando-se como o oposicionista autêntico ao fazer um diagnóstico nada indulgente dos fracassos do atual governo. Como o mudancista responsável, ao apresentar um programa que considera factível, reiterando que o executará sem sobressaltos, econômicos ou institucionais. Como o que agrega o mais vasto leque de apoios, ao exibir no auditório a presença de empresários, artistas, religiosos, índios e outras tribos. A fração rebelde do PMDB estava lá, representada por Marcelo Resende, emissário de Itamar Franco, e pelo governador da Paraíba, Roberto Paulino.
Em resumo, Lula quis apresentar-se como o que representa de fato a mudança, não apenas para evitar, mas para superar a crise e as deficiências do país. Resumiu esta idéia dizendo que a seleção brasileira não teria trazido a taça do penta se tivesse apenas jogado na retranca. Por ora, este parece ser o plano para conter Ciro Gomes.
— Vamos fortalecer o movimento social que vê em Lula o agente das grandes mudanças, e ele vai além dos partidos da coligação — diz Luiz Dulci, secretário-geral do PT.
A carta lida por Lula, intitulada “Compromisso com a soberania, o emprego e a segurança do povo brasileiro”, levantará discussões. Por mais que tenham todos explicado que “desprivatizar o Estado” não tem nada a ver com reestatizar, e sim com a supressão dos interesses privados que sugam recursos públicos, vai se falar em viés estatizante. E ainda que o candidato tenha defendido a inserção cada vez maior do Brasil no mundo, mas guiado pelo interesse nacional, com redução da dependência e da submissão, corre o risco de ser chamado de nacionalista à moda antiga. Mas houve certamente um cálculo nesta mudança de eixo de seu discurso.
O limite para a ousadia na apresentação de programas e metas. O de Lula e seus aliados pode ser completo e articulado mas sua consistência passará agora pelo teste do debate e da crítica dos adversários, dos especialistas, da sociedade, do eleitor principalmente. Já é mesmo chegado o momento de cada um dizer o que pretende fazer, pois a campanha eletrônica, reduzida a 19 programas, não será suficiente. Sem contar que os senhores do marketing não deixarão que todo o tempo seja consumido nesta discussão racional. Uma fração eles vão usar para mexer com o emocional dos eleitores.
Devagar com o andor democrático
O relatório sobre desenvolvimento humano que o PNUD divulgou ontem mostra que a democracia brasileira formalmente vai bem, com eleições regulares e outros ritos sendo observados, mas que ainda não foi capaz de traduzir-se em maior igualdade de oportunidades. Oportuníssimo o estudo neste momento da disputa eleitoral.
Mas mesmo na observância formal, dois candidatos escorregaram nas palavras nos últimos dias. Ciro Gomes, com a proposta, de fato preocupante, de um sistema de governo parlamentarizado, que permitiria ao presidente e ao Congresso convocar eleições. Na verdade, tal poder ficaria só para o presidente, mas num sistema em que ele não compartilha o poder com o Legislativo. Presidente que pode dissolver o Congresso a qualquer hora estará sempre a um passo da vertigem autoritária.
Lula também escorregou ao dizer que não teme governar sem maioria. Sua intenção pode ter sido dizer que a maioria nem sempre tem que vir das urnas, podendo ser construída no processo de governar. Como fez o próprio Fernando Henrique, que não tirou sua maioria das urnas de 1994. Completou-a depois, somando o PMDB, o PTB e o PPB à aliança PSDB-PFL. Mas governar sem maioria é perigosíssimo, como a História nos tem mostrado. Lula sabe disso. Se for eleito sem maioria parlamentar, terá que buscá-la. E pensa fazer atraindo setores do PMDB e do PSDB.
JOSÉ SERRA reúne-se hoje com os governadores aliados. Já sabe: vão dizer que não vieram todos. Um está viajando (Lerner) e outro doente (Siqueira Campos).
JOSÉ DIRCEU fez relato minucioso para a cúpula petista das conversas que teve nos EUA. Mas são todos túmulos, embora digam que o resultado foi altamente positivo.
Editorial
SINAL AMARELO
Eleições abrem espaço para saudáveis debates sobre o projeto de nação que se quer. Faz bem, portanto, o candidato Ciro Gomes em não guardar nas gavetas de campanha a controvertida proposta de um regime híbrido, uma mistura entre parlamentarismo e presidencialismo. Seria a “parlamentarização do regime presidencial”.
Do regime presidencialista, o candidato sugere manter a concentração de poderes no chefe do Executivo. Do parlamentarismo não seria importada a figura do primeiro-ministro. Mas o presidente absorveria desse sistema a faculdade de dissolver o Congresso e, assim como o chefe do Legislativo, convocar eleições, caso haja “impasse programático” ou “em resposta à desintegração de uma base partidária capaz de sustentar um projeto forte de governo”. Para completar, essa mistura de regimes seria condimentada com plebiscitos, convocados para romper impasses entre os poderes.
Ao experimentar essa receita, entretanto, o candidato estará fermentando uma crise institucional. Na prática, Ciro Gomes propõe um regime inédito, que não foi testado em qualquer país com as dimensões e complexidades do Brasil.
Além disso, seria um regime em que a necessária interlocução entre os poderes da República, mantida a independência de cada um deles, poderia ser rompida, a qualquer momento e unilateralmente, por um superpresidente. No ato seguinte, esse superpresidente estaria livre para convocar plebiscitos, chamar as massas a deliberar, à margem do Congresso, sobre temas cruciais (não é a primeira vez que o candidato defende esses plebiscitos). Ciro realizaria, assim, o sonho de João Goulart e da linha-dura do general Costa e Silva. Duas vias que levaram o país a impasses.
O debate remete para um importante pano de fundo dessa eleição: a governabilidade. Seja quem for, o próximo presidente terá de negociar com o Congresso o avanço das imprescindíveis reformas tributária, da previdência e política. E, para que tenham legitimidade, as mudanças precisam ser ungidas pelo regime de democracia representativa. O Brasil é maduro o bastante para não precisar de homens providenciais.
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07/24/2002
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