O sentido oculto do passivo de Ciro
O sentido oculto do passivo de Ciro
O fraseado do candidato à Presidência da Frente Trabalhista, Ciro Gomes, cheio de ziguezague, vem driblando o entendimento até de economistas. O professor do Ibmec Antonio Assumpção, ao analisar a proposta do político para a Previdência Social, não tem bem certeza do que Ciro quis dizer ao falar em “passivo oculto” no debate da TV Bandeirantes.
— Acho que se referiu a um percentual do PIB que ajudaria a tornar a Previdência um sistema de capitalização. Não estou certo. Nunca vi tal termo em questões da Previdência — disse o economista.
Candidato criticou “manejo ruidoso do governo”
Quando falou algo como “a refundação do tipo de inserção do Brasil no cenário internacional”, o candidato levou o filólogo Mauro Villar, que ajudou a fazer o “Dicionário Houaiss”, à dúvida.
— Refundar é tornar mais fundo. Mas não sei se ele usou nesse sentido — disse Villar.
O filólogo não vê problema no modo de falar de Ciro. Analisou outros exemplos de sua participação no debate e não percebeu impropriedades. “Ética testemunhal”, por exemplo, diz o filólogo, pode ser mesmo o comportamento ético de alguém observado por outros, como Ciro pareceu querer expressar.
A dúvida é se vocabulário tão hermético é adequado à televisão. Ou não teria algo mais coloquial para o que ele chamou, ao criticar o governo federal, de “manejo ruinoso da economia brasileira nos últimos sete anos”?
De ACM para Garotinho via fax
BRASÍLIA. Usado como arma para constranger Ciro Gomes (PPS/PDT/PTB) no debate da TV Bandeirantes, o ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) enviou ontem um indignado fax ao candidato do PSB, Anthony Garotinho. Nele, Antonio Carlos chama Garotinho de tímido e sem caráter.
No debate, Garotinho disse a Ciro ter ficado chocado ao ver, nos jornais, fotos dele beijando a mão de Antonio Carlos, em visita a Salvador. Lembrando que Garotinho telefonou para ele várias vezes pedindo apoio, o ex-presidente do Senado ironizou no fax:
“Será que a queda nas pesquisas, que é maior do que a do palanque, lhe afetou a memória? Você se esquece que me telefonou várias vezes pedindo meu apoio e dizendo que retiraria Lídice da Mata ou qualquer pessoa do seu partido se eu quisesse? E ainda adiantou que sua digna esposa, dona Rosinha, era minha fã de carteirinha”.
No fax, de agressivos três parágrafos, Antonio Carlos duvida ainda da fé de Garotinho.
“Na sua idade isso é muito grave porque eu vou verificar, se Deus me der vida, o quanto de falta de caráter você ainda vai demonstrar no futuro. Com comiseração, peço a Deus, (em) que você fala e não acredita, que lhe dê juízo e caráter”.
Ao comentar a participação de Garotinho no debate — em que chamou de espúrias as alianças dos adversários da oposição — Antonio Carlos contou ainda que o candidato tinha proposto um pacto a Ciro.
— Ele propôs um acordo, uma troca de apoio no segundo turno. Mas nem falei com Ciro porque sei que Garotinho não o cumpriria — disse Antonio Carlos.
Ser ou não ser governo
BRASÍLIA. O fato de o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, ter se associado apenas ao presidente Fernando Henrique e não ao governo deixou contrariados integrantes da administração federal, especialmente da equipe econômica. A declaração de que era candidato do “seu” governo e não do de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, provocou mal-estar no Palácio do Planalto. Isso após a demonstração de apoio do presidente e de dona Ruth Cardoso a Serra, no Palácio da Alvorada, semana passada.
Coordenador político da campanha de Serra, o ex-ministro Pimenta da Veiga até reconhece que o ideal seria que o candidato fizesse a defesa do governo de uma única vez, mas nega qualquer ambigüidade no discurso dele.
— Não há dubiedade. Ele esclareceu isso ao dizer que tem muita honra de ser o candidato apoiado pelo Fernando Henrique. Seria melhor se ele tivesse falado tudo o que falou sobre o governo junto, mas tem ainda a questão de tempo e não existe debate ideal — disse Pimenta.
Já o petista Luiz Inácio Lula da Silva foi criticado, por empresários, por ter dito que a suposta construção das plataformas P-50, P-51 e P-52 da Petrobras, na Noruega e em Cingapura, não geraria empregos no Brasil. O Estaleiro Mauá-Jurong anuncia hoje que 80% das obras da P-50 serão feitas no Rio e deverão gerar cerca de dois mil empregos em Niterói. De acordo com a empresa, apenas a parte da construção da plataforma feita fora do mar será construída em Cingapura.
O presidente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Eduardo Kappel, também respondeu a Lula dizendo que os estaleiros estão negociando com a estatal a possibilidade de pelo menos parte dos equipamentos da P-51 e P-52 ser construída no país.
O segundo round
Todos os partidos festejam desempenho de seus candidatos no primeiro debate na TV, mas concordam que, poupado pelos adversários , Lula acabou sendo favorecido
A guerra começou anteontem à noite na TV e ontem ficou mais quente com as contestações de informações e afirmações feitas pelos candidatos à Presidência no debate na Rede Bandeirantes. O governo reagiu às propostas de Ciro Gomes (Frente Trabalhista) e Anthony Garotinho (PSB) para a Previdência, o tucano José Serra usou seu site para voltar a dizer, com números, que Ciro mentiu sobre inflação e salário-mínimo, e o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) acusou Garotinho de falta de caráter. Todos os partidos, porém, disseram acreditar que seu candidato venceu o confronto.
Apenas uma unanimidade: o candidato do PT teria sido favorecido, já que foi poupado por todos os adversários. No PT, tanto políticos quanto publicitários comemoraram o desempenho de Lula. Para a área de marketing, o candidato posou de estadista, fazendo perguntas programáticas e evitando temas que pudessem provocar cizânias.
— Lula mostrou que tem preparo e estabilidade para enfrentar os problemas nacionais — disse o porta-voz da campanha, André Singer.
Os efeitos do primeiro debate foram discutidos na reunião da executiva do partido ontem em São Paulo. Para os petistas, Lula cumpriu à risca o programado, mantendo-se acima da guerra entre Ciro e Serra.
Tucanos acham que Serra teve êxito
Para o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), Serra pôde dizer de forma objetiva as razões que o motivam a concorrer à Presidência:
— Serra também pôde mostrar a falácia do discurso e dos programas do candidato Ciro Gomes.
Os tucanos destacam o êxito de Serra na estratégia de mostrar que Ciro não apresenta dados verdadeiros da época em que foi ministro da Fazenda, mas reconhecem que o adversário conteve seu lado agressivo.
Segundo o coordenador político da campanha de Serra, Pimenta da Veiga, o tucano evitou perguntas sobre as denúncias envolvendo o vice de Ciro, Paulo Pereira da Silva, e o seu ex-coordenador José Carlos Martinez por acreditar que não ganharia pontos com o eleitorado se o fizesse.
Aliado de Ciro, o líder do PTB na Câmara, Roberto Jefferson (RJ), disse que seu candidato, apesar de agredido, manteve a serenidade:
— Ciro ficou em segundo lugar. O Garotinho veio com uma conversa de botequim e o Serra estava fantasmagórico. Foi bem preparado para agredir Ciro, mas a imagem não ajudou.
O PSB comemorou o desempenho de Anthony Garotinho. Para o coordenador financeiro do campanha, deputado Alexandre Cardoso (PSB-RJ), ele desmascarou Serra e Ciro:
— Ele acertou no discurso: mostrou que Serra tem vergonha de dizer que é o candidato do governo e que Ciro está aliado ao sistem a, embora seja de oposição ao governo.
FH elogia maturidade política
O presidente Fernando Henrique elogiou a realização do debate entre os candidatos à Presidência. Por intermédio do porta-voz do Planalto, Alexandre Parola, o presidente disse que esse tipo de debate demonstra a maturidade da democracia e do debate político no Brasil:
— O presidente considera que foi uma iniciativa muito positiva e que revela o amadurecimento do debate político no Brasil. E demonstra que, cada vez mais, a democracia dá oportunidades iguais a todos.
Ciro errou mesmo o cálculo
Na batalha dos números travada entre os candidatos Ciro Gomes e José Serra, no debate de anteontem, o presidenciável tucano fez a conta certa ao calcular o valor médio do salário-mínimo em US$ 82 na gestão do hoje candidato da Frente Trabalhista no Ministério da Fazenda. Ciro afirmara que o salário-mínimo no período — setembro a dezembro de 1994 — tinha sido de US$ 100.
Cálculos feitos por economistas, com base na cotação do dólar mês a mês no mesmo período, mostram que o salário-mínimo — que permaneceu em R$ 70 de setembro a dezembro daquele ano, segundo um economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) — era equivalente a US$ 82, confirmando as informações dadas por Serra.
Outro motivo de divergência entre os dois candidatos foi o índice de inflação na época da entrada em vigor do Plano Real. Enquanto Serra defendia que a inflação estava em 0,6%, Ciro dizia que o índice era de 3%.
Pelos dados do IBGE, em setembro de 1994, mês em que Ciro assumiu o Ministério da Fazenda, a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), era de 1,53% em setembro; 2,62% em outubro; 2,81% em novembro e 1,71% em dezembro. Já pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), os percentuais são respectivamente 1,40%; 2,82%; 2,96% e 1,70%.
Em entrevista ao “Jornal da Globo”, Ciro insistiu ontem que manteve o salário-mínimo no patamar dos US$ 100, durante os quatro meses em que foi ministro, porque ao valor efetivamente pago na época deve ser acrescentado o percentual de inflação americana acumulada até hoje.
Lula na Bolsa: ‘O Brasil não tem como quebrar’
‘ O único caminho possível num momento de crise internacional é otimizar os poucos recursos disponíveis dos bancos do governo, que devem somar R$ 126 bilhões em 2003
SÃO PAULO. Embora considere as causas das crises do Brasil e da Argentina muito parecidas, como disse ao jornal “La Nación”, o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou ontem que, ao contrário dos nossos vizinhos, o Brasil não vai quebrar. Lula fez essa afirmação duas vezes em palestras na Associação Brasileira de Desenvolvimento da Indústria de Base (Abdib) e na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
— O Brasil, um país tão grande, não tem como quebrar — disse Lula aos 130 investidores que lotaram o auditório da Bovespa para ouvi-lo, à tarde.
— O Brasil é potencialmente muito maior do que a Argentina em tudo, absolutamente tudo — afirmou o candidato na Abdib, de manhã.
Segundo Lula, as causas das crises argentina e brasileira estão na aplicação das “políticas neoliberais” impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), “principalmente na estratégia cambial falsa”, que tentava manter a paridade das moedas locais com o dólar:
— Um real nunca valeu um dólar do mesmo jeito que um peso nunca valeu um dólar.
Candidato pede reforma tributária
Apesar de ter se manifestado a favor de um novo acordo do Brasil com o FMI durante o debate entre os candidatos à Presidência realizado pela Rede Bandeirantes anteontem, Lula afirmou que é contra o aumento das taxas de juros e do superávit primário. As duas medidas podem fazer parte das exigências do Fundo em contrapartida à liberação de mais dinheiro para o país.
— Sempre digo que só o acordo com o FMI não adianta. É preciso fazer uma minirreforma tributária, que desonere a produção e as exportações, e aumentar o crédito do Proex (programa de incentivo às exportações) — disse.
O candidato, porém, admitiu que a redução das taxas de juros é um impasse cuja saída ainda não foi encontrada nem pelos economistas do PT.
— Para reduzir os juros, teremos que fazer a economia crescer. Para isso, precisaremos de um milagre — disse.
De acordo com Lula, o único caminho possível para uma economia fragilizada num momento de crise internacional é otimizar os poucos recursos disponíveis do governo, como as verbas de BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco do Nordeste. Segundo o candidato, o total desses recursos deve somar R$ 126 bilhões em 2003.
Lula entusiasmou operadores, investidores e corretores da Bolsa de Valores.
— Já tinha essa expectativa do candidato. Não podemos nos furtar da importância do compromisso dele e da importância da Bolsa de Valores — disse o presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho.
O presidente da Bovespa ficou elogiou a presença de Lula na sede da entidade:
— Trabalho há 44 anos na Bolsa, o símbolo do capitalismo. No momento em que um representante socialista vem aqui, você diz: “Poxa, o Brasil está melhorando mesmo” — disse Magliano.
O presidente da Associação Brasileira de Mercado de Capitais (Abamec) em Minas Gerais, João Lanza, declarou que não poderia ter tido impressão melhor.
— Lula fala em incentivar o mercado de capitais, que é o que pleiteamos. Queremos capitalizar empresas, fazer o indivíduo poupar e o mercado crescer via capital forte e não pelo endividamento como tem acontecido — disse.
Artigos
Não funciona
Carlos Lessa e José Carlos de Assis
O principal legado do neoliberalismo na América do Sul são as mais elevadas taxas de desemprego, a mais generalizada queda da renda do trabalho e as menores taxas de crescimento em sua História. A discussão, pois, não é mais se o sistema neoliberal imposto sob o rótulo ideológico da globalização funciona. Não. Ele não funciona, no que diz respeito aos interesses centrais da população regional. A questão é se há alternativa. Respondemos afirmativamente, com ênfase.
A política macroeconômica neoliberal está centrada em três esteios: superávit orçamentário (primário), restrição monetária (juros altos), câmbio flutuante. Isso foi aplicado generalizadamente em toda a América do Sul. O modelo neoliberal, ao contrário do que muita gente imagina, não está voltado prioritariamente para o controle da inflação. Está voltado para gerar excedentes exportáveis, de forma a pagar o serviço da dívida externa, segundo os acordos com o FMI. Os juros elevados — cuja justificativa real não é o controle da inflação, mas evitar a fuga de capitais para o exterior — são o outro componente da política neoliberal recessiva. Nesse contexto, as empresas se limitam a manter o nível da atividade, sem qualquer estímulo maior ao investimento, a não ser para exportações.
Vejamos isso pelo ângulo do emprego, que é simplesmente ignorado no modelo do FMI. Um alto desemprego indica que o dispêndio total da economia (público e privado) é inferior a sua capacidade de produção (claro, se há recursos ociosos!). Só o Estado pode, autonomamente, aumentar o dispêndio para que a produção real atinja o nível da produção potencial, absorvendo os desempregados. Como? Simplesmente fazendo déficit.
Em resumo: se baixar os juros e aumentar o déficit público (ou se, no caso brasileiro, eliminando gradualmente o superávit primário), o governo relançará a economia e acabará com o desemprego, sem inflação — como aconteceu nos Estados Unidos com o New Deal e, mais recentemente, com a política de Clinton. Claro, haverá um problema pelo lado externo, pois, num primeiro momento, o déficit em conta corrente com o exterior pode aumentar. Para isso, só há um remédio: exportar. Mas exportar com aumento de produção, e não com queda de consumo, de renda e de perspectivas.
Editorial
A FALSA ALTERNATIVA
O vendaval devastador sobre as economias da América do Sul tem posto em xeque a eficácia das reformas que liberalizaram os sistemas econômicos da maior parte dos países do continente. Os defensores do modelo liberal argumentam que, na verdade, as reformas foram feitas pela metade, de modo que não é possível responsabilizar o processo de abertura e redirecionamento do papel do Estado pela frustração dos resultados.
Mesmo admitindo-se que os países não fizeram direito o dever de casa, é preciso reconhecer que a abertura das economias emergentes não teve a devida contrapartida nas nações de renda mais alta. O protecionismo até recrudesceu nos Estados Unidos, anulando grande parte do esforço feito com a criação da Organização Mundial do Comércio.
A volatilidade dos capitais financeiros, por sua vez, tornou os mercados mais instáveis, condicionando as políticas econômicas ao curto prazo.
Esse ambiente tem fomentado uma nostalgia em relação aos sistemas fechados que prevaleceram no continente no passado, e que encontraram respaldo doutrinário na Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (Cepal). A própria Cepal evoluiu e não emana mais esse tipo de pensamento, pois o que se rotulou como onda neoliberal foi exatamente uma reação a modelos que se mostravam visivelmente esclerosados e que, na prática, só agravaram o problema da desigualdade. O mercado tem suas falhas, que podem ser superadas por intervenções do Estado sob absoluto controle da sociedade. Os sistemas fechados não são alternativa.
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08/06/2002
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