Oposição diz que Sarney falhou ao não explicar a origem do dinhe









Oposição diz que Sarney falhou ao não explicar a origem do dinheiro
BRASÍLIA. O tom das críticas e dos ataques feitos ao candidato do PSDB à Presidência, senador José Serra, e ao presidente Fernando Henrique Cardoso foi elogiado pelos parlamentares de oposição, principalmente os do PT, mas eles consideraram que o senador José Sarney (PMDB-AP) falhou ao não conseguir explicar a origem do dinheiro (R$ 1,34 milhão) encontrado na empresa Lunus, da governadora Roseana Sarney (PFL) e de seu marido, Jorge Murad.

— Sarney não conseguiu explicar a questão do dinheiro, mas não se pode negar que, politicamente, foi um discurso muito forte — afirmou o líder do PT na Câmara, João Paulo Cunha.

— Foi um discurso contundente porque evidencia com múltiplos fatos a ação coordenada do governo contra Roseana. Ficou evidenciado que houve uma ação política. Mas, em relação às empresas, não houve esclarecimentos suficientes — acrescentou o senador Eduardo Suplicy (SP).

O senador Jefferson Peres (PDT-AM) também considerou fracas as explicações sobre o dinheiro:

— O senador não deu explicações sobre o ponto principal: o dinheiro. É inverossímil que não tenha havido o dedo do governo, mas, para milhões de brasileiros, também é inverossímil que a governadora não soubesse do dinheiro.

Com exceção do PPS, presidido pelo senador Roberto Freire (PE), toda a oposição apoiou a idéia de convocar observadores internacionais da ONU e da OEA para acompanhar as eleições de outubro.

PFL: Sarney falou com autoridade de ex-presidente
O PFL se apressou a dizer que não cabia a José Sarney dar explicações sobre o dinheiro encontrado na Lunus, mas sim a Roseana e a Murad. Os líderes do partido disseram que Sarney falou com a autoridade de um ex-presidente da República.

— É importante porque vai advertir o Brasil para que ele não se torne um país arapongado. Ele fez um discurso de estadista e não cabia a ele explicar a questão do dinheiro — afirmou o senador Edison Lobão (PFL-MA).

Parlamentares do PMDB e do PPB também elogiaram o teor do pronunciamento feito por Sarney.

— Foi um discurso brilhante e objetivo. Mas o impacto na candidatura de Roseana vai depender da repercussão na sociedade — disse o deputado Delfim Netto (PPB-SP).


Serra: “Denúncias são alopradas e inconsistentes”
BRASÍLIA. O candidato do PSDB à Presidência, senador José Serra, classificou de alopradas as denúncias feitas contra ele pelo senador José Sarney (PMDB-AP). Em nota divulgada pelo partido, Serra afirmou: “As insinuações que o senador Sarney fez a meu respeito foram todas, sem exceção, inconsistentes, irrelevantes e mesmo alopradas”. Segundo ele, as denúncias foram baseadas em “fantasias ou mexericos”. Em entrevista ao “Jornal Nacional”, o pré-candidato tucano disse que Sarney falou como pai e não esclareceu nem acrescentou nada ao que já se sabia.

— Não tenho nada a ver com esses episódios do Maranhão. O que quero é que a campanha tenha nível e debata propostas — disse Serra.

Serra não compareceu à sessão do Senado em que Sarney fez seu discurso por orientação do PSDB e do Palácio do Planalto. Ele permaneceu em São Paulo e só chegou a Brasília no fim da noite. A estratégia de Serra foi acertada pelo líder do governo no Senado, Artur da Távola (PSDB-RJ), e pelo secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio.

O candidato tucano acompanhou o discurso pela televisão, telefonando duas vezes para Artur da Távola: uma quando Sarney discursava e outra no fim do pronunciamento do ex-presidente.

— O Serra não foi porque não queria estimular um bate-boca — disse Virgílio.

Segundo amigos, Serra queria assistir ao discurso de Sarney do plenário, mas foi dissuadido pelo partido. O tucano ficou aliviado depois do discurso de Távola em sua defesa, que considerou muito bom. Foram registradas as presenças de 64 dos 81 senadores no pronunciamento de Sarney.


Falta de quórum adia votação da CPMF
BRASÍLIA. O governo não conseguiu ultrapassar uma etapa importante na batalha para garantir a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até dezembro de 2004. Mesmo com muita negociação política, a sessão foi encerrada por falta de quórum e ficou pendente um destaque (emenda supressiva) que faltava para concluir o segundo turno na Câmara.

Segundo o líder do governo, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), só no meio de abril a votação será concluída na Câmara.

— Quando votamos o texto em primeiro turno, todos davam a prorrogação da CPMF como favas contadas e que o problema maior era o Senado. Mas ainda tinha o segundo turno, os destaques e a redação final. Foi um grande erro de avaliação — lamentou.

Mas os governistas garantiram a manutenção da isenção total da CPMF nas operações das Bolsas de Valores. Foram 311 votos favoráveis, 99 contrários e uma abstenção.

No Senado o jogo será ainda mais duro. Lá, a proposta de prorrogação pode amargar uma tramitação de até 80 dias, se o PFL confirmar a disposição de não apoiar a redução de prazos na apreciação do texto. O líder do partido, senador José Agripino (RN), voltou a afirmar que o PFL pode apresentar emendas, o que levaria o projeto novamente à Câmara. O governo calcula que a cada dia sem cobrar CPMF perde R$ 56 milhões.

— Essa aprovação (da manutenção da isenção de CPMF na bolsas) foi muito importante, porque, além do sinal positivo para o mercado, todos os candidatos à Presidência saem ganhando. Eles vão precisar da CPMF para governar — comentou o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio, antes de saber que a falta de quórum tinha adiado todo o projeto.


Denúncia contra Inocêncio deixa PFL irritado
BRASÍLIA. Ex-trabalhadores da Fazenda Caraíbas, do líder do PFL na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE), denunciaram na Delegacia do Trabalho do Piauí que receberam só R$ 20 por quase dois meses de trabalho e ainda estavam sendo obrigados a pagar pelas roupas e ferramentas, que pela lei o empregador deveria fornecer. O Ministério do Trabalho enviou uma equipe de fiscalização à fazenda, no Maranhão, e abriu uma investigação.

Segundo nota oficial do ministério, “a fiscalização não encontrou elementos que caracterizassem a existência de trabalho escravo, quais sejam: a coação moral ou física, o cerceamento da liberdade de ir e vir e, principalmente, a presença de pessoas armadas no ambiente de trabalho”. A nota diz ainda que a fiscalização terá continuidade, mas que será “respeitado o princípio do sigilo da ação fiscal e garantindo sempre o amplo direito de defesa”.

Inocêncio defende rigor nas investigações da denúncia
Inocêncio disse que está com a consciência tranqüila e que pedirá rigor na apuração:

— Quem não deve não teme, mas vou pedir o aprofundamento das investigações para se chegar à verdade. Minha vida é transparente.

Segundo reportagem publicada ontem no jornal “Folha de S. Paulo”, os trabalhadores eram obrigados a pagar R$ 12 pelas botas e R$ 6 pela foice, o que, na prática, fazia com que sempre estivessem devendo aos administradores da fazenda. Eles disseram ainda que pagavam pela comida.

A ação provocou nova onda de reclamações dos pefelistas e nova ameaça de incêndio na base. Após anunciar que votaria pela prorrogação da CPMF, a bancada do PFL ameaçou se rebelar, por acreditar que os fiscais foram enviados à fazenda por motivos políticos. Pelo menos 20 deputados anunciaram que mudariam o voto caso o governo não explicasse o motivo da operação.

Os bombeiros do governo entraram em ação: às 7h, o ministro do Trabalho, Francisco Dorne lles, ligou para Inocêncio e se comprometeu a divulgar uma nota, explicando que o ministério não tinha confirmado a denúncia. Ao ler a nota, o pefelista ficou mais calmo.

— É um fato desagradável, é claro — disse Inocêncio.

Bornhausen vai propor que executiva analise projetos
Em reunião hoje da executiva, o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, vai apresentar o novo modelo para a condução das votações no Congresso. Ele vai propor que todos os projetos do governo sejam submetidos à análise da executiva. Nos assuntos mais importantes, a cúpula fechará questão e punirá os parlamentares que não seguirem as decisões. O objetivo é manter a unidade do PFL que há duas semanas rompeu com o Planalto e se declarou independente.

— Temos que manter nossa unidade e coerência e não podemos permitir que o líder do nosso partido seja retaliado dessa maneira. Agora, a condução em todas as votações importantes deve ser colegiada e submetida à executiva — comentou um líder pefelista.


Investigação sobre Sudam terá mais 18 procuradores
BRASÍLIA. O Ministério Público Federal decidiu ontem criar uma força-tarefa com 25 procuradores para aprofundar as investigações sobre os desvios de verbas da extinta Sudam no Maranhão e no Pará. A decisão foi tomada depois de o procurador da República em Tocantins Mário Lúcio de Avelar ter recebido ameaças de morte.

Um dos procuradores que estão à frente das investigações sobre as irregularidades na Sudam, Mário Lúcio foi o autor do pedido de busca e apreensão na Lunus, empresa da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), e de seu marido, Jorge Murad.

Mário Lúcio foi alertado sobre a ameaça de morte pelo juiz Alderico Rocha Santos, da 2 Vara Federal em Tocantins. Numa conversa com outro magistrado, em Goiânia, no sábado, Alderico foi avisado de que ele e Mário Lúcio estão correndo risco de vida. O magistrado teria dito que estava fazendo o alerta em nome de um político do PFL.

Mário Lúcio diz acreditar que a ameaça partiu de pessoas insatisfeitas com suas investigações sobre as irregularidades na Sudam ou com os desvios de verbas federais em Tocantins.

— Não adianta matar um procurador. Mata um, no dia seguinte tem outro investigando. Esse é o trabalho do Ministério Público — afirmou o procurador Rodrigo Janot.

As investigações sobre os desfalques na Sudam estavam sendo dirigidas por sete procuradores. A partir de hoje, mais 18 procuradores entrarão no caso. O diretor-geral da Polícia Federal, Agílio Monteiro Filho, já determinou o reforço da segurança de Mário Lúcio e de Alderico. Na terça-feira, Agílio e um grupo de procuradores deverão fazer uma visita a Palmas. A idéia é mostrar que as investigações não serão interrompidas em virtude das ameaças.


Itamar desiste de candidatura à Presidência
BRASÍLIA. Após meses de batalha com os governistas do PMDB, o governador de Minas, Itamar Franco, desistiu de disputar as eleições para a Presidência da República e anuncia, no início de abril, se concorre à reeleição ao governo de Minas Gerais ou a uma cadeira no Senado. A decisão de Itamar sepulta a candidatura própria do PMDB e abre caminho para a cúpula do partido fechar uma coligação com o PSDB. O próprio Itamar estaria de olho no apoio do PSDB para concorrer à reeleição.

Durante reunião com os dissidentes do PMDB, ontem, no Senado, Itamar descartou o apoio ao petista Luiz Inácio Lula da Silva.

— Eles, da aliança de esquerda, não contem comigo, porque só me querem como caudatário. Fiquei sozinho quando objetivamente enfrentei o presidente Fernando Henrique — disse Itamar, referindo-se ao fato de ter sido o único governador a declarar moratória da dívida com a União.

Na sexta-feira, Itamar teria conversado com Serra. O líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Júnior (BA), disse que Serra ligou para informar ao governador que tinha interesse no apoio do PMDB e que o processo de aproximação estava em curso. Itamar não confirma ter falado com o tucano. Na reunião, ao ser perguntado sobre o suposto telefonema, o governador disse que se a conversa tivesse ocorrido ele não daria satisfações a ninguém.

— Comuniquei ao PMDB que não serei mais candidato à Presidência. Tenho 15 dias para decidir meu destino em Minas — disse.

Aproximação de Itamar irrita PSDB mineiro
A aproximação entre Itamar e Serra está incomodando o PSDB de Minas Gerais, que deverá lançar o ex-governador Eduardo Azeredo para o governo estadual. Azeredo sempre se queixou da falta do apoio de Fernando Henrique Cardoso em sua campanha ao governo, em 1994, quando venceu, e à reeleição, em 1998, quando foi derrotado. Ele teme que isso se repita agora, com Serra fazendo uma aliança branca com Itamar.

— Vamos disputar o governo e não acredito que, pela terceira vez, faremos campanha pelo candidato a presidente do PSDB e ele não faça a nossa — afirmou Azeredo.

Os defensores da candidatura própria formaram uma comissão para encontrar um candidato que se disponha a disputar a convenção de junho. Mas eles admitem ser uma causa perdida. O senador Pedro Simon (PMDB-RS), que se retirou da disputa em favor de Itamar, informou ontem que não pretende reapresentar seu nome.

— Foi um golpe! — lamentou o ex-governador Orestes Quércia.

Convite do PSDB ao PMDB é formalizado
O PSDB formalizou ontem o convite que já fizera na véspera para que o PMDB indique a vaga de candidato a vice-presidente na chapa de Serra. O pedido foi feito ontem, durante encontro entre o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), e o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP). Ambos fizeram uma declaração pública e o presidente do PMDB convocou uma reunião da executiva do partido para analisar a proposta em 2 de abril.

Com isso, foram cumpridas as formalidades para que em 5 de abril o governador Jarbas Vasconcelos (PE) possa renunciar ao mandato com um mínimo de segurança de que a aliança sairá e de que ele será indicado para a vice-presidência na convenção de junho.


Lula: “Estou maduro e pronto para governar”
SÃO PAULO. Proclamado oficialmente candidato do PT à Presidência pela quarta vez, Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que está mais maduro, a ponto de vencer a resistência de setores da sociedade a seu nome, e que esta é a vez de os petistas governarem o Brasil.

— Estou muito mais maduro, preparado e consciente para governar o país, e o PT também. Esta é a hora do PT. Muita gente que tinha um pouquinho de medo do PT certamente vai perder esse medo — disse, em entrevista ao “Jornal Nacional”, da Rede Globo.

A frase é uma amostra do tom que deverá ser adotado na campanha. Sob a batuta do publicitário Duda Mendonça, Lula quer mostrar uma imagem menos radical, com a intenção de quebrar resistências, ampliar seu eleitorado e, finalmente, derrubar o estigma de eterno segundo colocado — posição que ocupou nas outras três vezes.

Ontem o PT anunciou o resultado oficial da prévia feita para a escolha do candidato à Presidência. Lula teve 84,4% contra 15,6% do senador Eduardo Suplicy (SP). De um total de 172 mil votantes, Lula teve 136 mil e Suplicy 25 mil. A expectativa era que Lula tivesse entre 80% e 90%.

Embora o resultado ainda não tivesse sido anunciado, Lula está em ritmo de campanha desde segunda-feira, quando começou a gravar os programas do horário eleitoral gratuito na TV. O comando da campanha espera que, com as inserções na TV, ele chegue a 34% ou 35% até junho, antes da Copa do Mundo, que deve congelar a corrida eleitoral. Assim, Lula entraria na fase crucial da campanha, em julho, com uma liderança folgada sobre os adversários.

O perfil light, porém, já está enfrentando resistência no partido. O alvo principal dos radicais é a po ssibilidade de aliança com o PL, da Igreja Universal do Reino de Deus e do deputado Luiz Antônio de Medeiros, fundador da Força Sindical. Domingo, Lula teve seu discurso em Poços de Caldas, Minas, interrompido por um protesto contra a aliança com o PL. Ontem, o governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, e o prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, candidato do partido ao governo gaúcho, além do deputado José Genoino (SP), também criticaram a tentativa de coligação.

— Não existe coligação com o PL. Nossa prioridade, agora, é buscar o apoio de partidos de esquerda, como PSB, PDT e PPS — disse Genoino.

Segundo ele, as conversas do presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), com o senador José Alencar (PL-MG), na segunda-feira, têm como objetivo neutralizar o possível apoio da Igreja Universal ao governador do Estado do Rio, Anthony Garotinho (PSB), que é evangélico, no primeiro turno, e preparar uma possível aliança para o segundo turno.


Artigos

Diferentes, graças a Deus
Luiz Garcia

Está tropeçando no Congresso um projeto que proíbe os meios de comunicação de noticiarem seqüestros em andamento sem aprovação da família da vítima. Foi iniciativa da deputada Laura Carneiro, que a justificou com um argumento que pode funcionar com pessoas distraídas: “Entre a liberdade de imprensa e a vida de uma vítima, optei pela vítima”, disse ela, cometendo o primeiro de três equívocos.

O primeiro, e mais desalentador, é considerar que esse tema tem lugar na comissão do Congresso criada para dar ordem e urgência a um pacote de medidas sobre segurança pública. Era a grande prioridade nacional, lembram-se? É desalentador ver o que os parlamentares começaram a discutir, assim que a gente voltou as costas.

Mas, se é o que eles acham vital para a segurança pública, vamos em frente, expondo o segundo equívoco da deputada. A crônica dos seqüestros no Brasil, principalmente em São Paulo e Rio, não mostra a notícia como fator de risco para o seqüestrado. Pelo contrário: o fato de que a comunidade está informada complica a vida do seqüestrador e atrapalha consideravelmente a segurança do cárcere.

É exemplar o caso de Washington Olivetto: tanto o caseiro que denunciou a quadrilha como a jovem que libertou o refém (trancado num cubículo sem ventilação) possivelmente poderiam ter agido de forma diferente se ignorassem que ocorrera o seqüestro.

Pode-se argumentar, por outro lado, que a notícia do seqüestro do prefeito de Santo André por um jornal local, com grande estardalhaço, convencera os seqüestradores de que era mais prudente eliminar o refém. Essa tese aparentemente reforçaria a posição inicial da deputada. Mas não o bastante: era inevitável que os seqüestradores, ao começarem a negociar o resgate, identificassem a vítima — e a matariam de qualquer maneira.

O retrospecto de anos e anos de seqüestros tem peso considerável. Notícias responsáveis ajudam as vítimas, não os bandidos. É claro que notícias irresponsáveis têm efeito oposto. Mas os meios de comunicação que repelem leviandade e sensacionalismo não ajudam os bandidos a saber, por exemplo, o tamanho da fortuna da vítima, ou os caminhos da investigação policial. Não fazem isso porque uma lei os obriga — mas porque precisam (por razões de foro íntimo ou interesse empresarial, isso a gente discute depois) do aplauso e da confiança da comunidade.

Em resumo, eles há muito tempo fizeram a opção pela vítima, que agora ocorreu à deputada.

O terceiro equívoco de Laura Carneiro foi propor desistir da proibição em troca de um código de ética aprovado pelos próprios veículos. Acontece que a Associação Nacional dos Jornais já tem o seu decálogo, e a Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais tem as suas normas. Os dois documentos enunciam princípios indiscutíveis, rufando os tambores da honestidade e da devoção ao leitor. E ambos têm escassa serventia.

É a velha história: ou se faz uma relação curta de princípios gerais ou uma detalhada lista de regras de conduta. A primeira não funciona porque é complicado decidir como e se o princípio geral se aplica a cada uma das situações específicas que surgem a todo momento, diferenciadas por nuances exasperantes. A segunda não dá certo por ser impossível cobrir toda a gama de dúvidas e encruzilhadas éticas que surgem ao longo do processo de produção jornalística. O melhor caminho é esquecer listas de mandamentos e construir o comportamento ético com base em dois esforços: primeiro, partir do princípio de que cada assunto e cada fato pode ter implicações éticas, às vezes invisíveis a olho nu; segundo, depois de descobri-las, discutir intensamente as opções e os riscos.

É fácil dizer, por exemplo, que o interesse público tem prioridade sobre o interesse pessoal. Mas quantas vezes o sofrimento pessoal que uma notícia pode provocar não será maior do que as vantagens para a coletividade? Quantas vezes o que parece ser interesse público não passa de interesse do público — ou seja, pura e desavergonhada curiosidade sobre a vida alheia?

Tem mais: os meios de comunicação prestam melhores serviços à sociedade na medida em que cada um segue sua própria cabeça. Decisões éticas são tão subjetivas quanto a escolha de uma manchete ou do espaço que um assunto merece. Todos os veículos terem a mesma orientação ética (fora aquilo que é universal por ser elementar) é tão ruim quanto todos terem iguais primeiras páginas ou assuntos de capa. O interesse público é alimentado pela variedade e pelas diferenças, inclusive entre as decisões éticas.

Isso permite ao cidadão escolher a imprensa, o rádio e a TV que melhor servem aos seus interesses legítimos; ou seja, aqueles que ajudam a sociedade a sobreviver e a prosperar. Nenhuma lei substitui essa forma simples e direta de nos manter honestos.

Agora, se todos estiverem de acordo, que tal começarem a discutir temas importantes de segurança pública?


Colunistas

PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel

Certa vez no Brasil
Em sua narrativa de ontem no Senado sobre a grande conspirata que estaria em curso para eliminar concorrentes e eleger um presidente, se for preciso recorrendo à fraude eletrônica do pleito, o senador e ex-presidente José Sarney lamentou que esse clima “tenha sido criado num governo comandado por pessoas que combateram o arbítrio”. É mesmo lamentável que um governo de democratas tenha que ouvir pitos de quem apoiou o arbítrio.

O comentário acima é do petista José Genoino, que, como quase todo o Congresso, viu na dúvida lançada sobre a lisura do pleito o ponto mais grave do discurso de Sarney. Fora isso, a história em sua totalidade parece crível mais pela estruturação do que pela demonstração das acusações. Quem leu “Saraminda” ou “O dono do mar” conhece a qualidade narrativa do escritor José Sarney, de que se valeu ontem o senador para lançar sobre o governo Fernando Henrique a suspeita de fujimorização, e sobre o candidato Serra a marca de um arrivista disposto a chegar ao poder a qualquer preço, sem medir meios e escrúpulos. A eficácia política do discurso virá da opinião pública, a ser traduzida em pesquisas, em particular, nos índices de Serra e de Roseana.

Dos fatos novos e antigos que Sarney enumerou, pairou a ameaça de convocar organismos internacionais para vigiar o pleito e a suspeita de que a Abin, que não é mesmo santa, possa montar uma sofisticada fraude da apuração de votos. E de fato só ela, como disse Sarney, tem a chave criptográfica do programa da urna eletrônica. Os partidos tentaram convencer o TSE a adotar um outro software, sobre o qual teriam controle técnico, mas o tribunal recusou. Insistiu-se muito na prova impressa do voto, para possíve l necessidade de recontagem. O TSE optou por fazer apenas uma experiência piloto. Na eleição municipal de 2000, a urna falhou em muitas localidades, obrigando à posterior anulação de um pleito. Lançada como foi a suspeita, o TSE tem a obrigação de demonstrar a segurança do pleito. E os partidos, a de cobrá-la.

Construída ao longo da narrativa a idéia de que estamos todos hipnotizados por um grande olho autoritário, Sarney encerra com o poema do pastor Niemoller sobre a omissão dos que nada fizeram quando o nazismo perseguiu os comunistas, depois os judeus e por fim os católicos. “Então vieram me prender e não havia mais ninguém para protestar”.

Entre muitos protestos tucanos contra o discurso, Alberto Goldman fixou-se no poema:

— Ele não deveria ter dito isso. Sou obrigado a recordar que nada fez quando a ditadura cassou os oposicionistas e democratas, prendeu os estudantes e torturou os comunistas.

Tudo isso é mesmo muito lamentável.

Os órfãos de Jarbas e o sonho de Itamar
A escolha de Jarbas Vasconcelos como vice de José Serra parece irreversível, mas se a questão regional, ainda não resolvida, a inviabilizar, por incrível que pareça a bola pode correr para os pés de Itamar Franco. Além da conversa telefônica com o próprio Serra, ele tem outras linhas de comunicação com o PSDB.

Sobre os órfãos de Jarbas: a salvação de seus aliados em Pernambuco estaria em sua candidatura à reeleição. Até do PFL, para eleger Marco Maciel. Em nome do PPB, o deputado Severino Cavalcanti protestou em nota contra a saída de Jarbas. Pensa na reeleição da bancada. Os tucanos temem a entrega do governo ao PFL.

— Disputando a reeleição, Jarbas reproduziria a coalizão local, PMDB-PSDB-PFL-PPB. Agora teremos de resolver a situação local, por difícil que seja encontrar um candidato que tenha apoio do PSDB e do PFL — diz o deputado e secretário tucano Sérgio Guerra.

Itamar, então, chegou tarde ao entendimento que lhe poderia dar a vice. Aliás, Jarbas teria pedido pressa ao perceber seu movimento. Apesar da resistência da cúpula do PMDB, há tucanos que apontam as vantagens da composição em torno dele. Serra teria um esteio forte no segundo maior colégio eleitoral, o PMDB teria uma chance de se unificar e FH, a de não levar na biografia o rompimento com quem o levou ao píncaro.

Mas Minas agora depende de Pernambuco.

Sinais de guerra em Haia
Pergunta que não cala o deputado Paulo Delgado (PT-MG) sobre o apoio da Europa aos EUA na manobra para derrubar o embaixador brasileiro Maurício Bustani da direção da Opaq:

— A União Européia está atuando como bloco num organismo em que os países participam individualmente. Nós, por exemplo, não votamos como Mercosul. Isso tem uma explicação. Os europeus estão agindo como membros da Otan. Este é o indício de que haja mesmo um plano de guerra contra o Iraque.

DO PETISTA Carlito Mers sobre a volta dos pefelistas ao ninho governista. “Queimaram os navios e agora estão voltando de jangada nordestina”.


Editorial

BOM INVESTIMENTO

Em meados deste ano o projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) põe em operação seu primeiro Centro de Vigilância Regional, em Manaus. Logo depois entrarão em funcionamento os centros de Porto Velho e Manaus. Com grande parte dos seus radares em fase final de instalação, o projeto Sivam vai não só garantir mais segurança aos vôos sobre a Amazônia — região que corresponde a mais da metade do território nacional — mas também possibilitar um acompanhamento minucioso do meio ambiente.

O Brasil tem uma extensa fronteira com países que são alvo da ação do narcotráfico e de grupos armados, a exemplo da Colômbia. Sem apoio de um moderno sistema de acompanhamento por radares, como o do Sivam, não há como se controlar fisicamente essa enorme fronteira.

O projeto foi criticado pelo valor do investimento necessário para montagem do sistema e pela escolha dos fornecedores de equipamentos (empresas americanas ganharam a concorrência para os radares principais). Mas o Sivam vem passando por todos os testes a que tem sido submetido, e o trabalho inicial já proporciona avanços importantes no monitoramento ambiental.

O Sivam é a melhor resposta para todos aqueles que sempre temeram a perda da soberania brasileira sobre a Amazônia. O Brasil não podia continuar dependendo do acaso para impedir que a região fosse usada como passagem para o tráfico de drogas ou pela exploração ilegal de madeira e minérios. O investimento no Sivam está se mostrando cada vez mais válido, pois o retorno já começa a aparecer.


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03/21/2002


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