Pesquisa de doutorado detecta 46 bactérias em canais dentários



Estudo foi feito por pesquisador da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp

Daniel Saito, graduado em odontologia pela Unesp/Araraquara, com especialização em endodontia (tratamento de canais) na USP/Bauru, chegou à Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp com o objetivo de identificar as bactérias presentes nos canais dentários, consideradas as vilãs das afecções que ali se desenvolvem e que sempre lhe haviam despertado interesse. O estudo, apresentado em tese de doutorado, o levou a detectar 46 bactérias, das quais quatro novas, e permitiu uma visão bastante abrangente das comunidades bacterianas que habitam os canais dos dentes. O trabalho pode vir a contribuir para um melhor entendimento dos processos microbiológicos envolvidos nas infecções endodônticas.

Saito explica que algumas espécies de bactérias já foram relatadas como potencialmente patogênicas, ou seja, revelam maior capacidade de originar doenças. O estudo se justifica, diz ele, porque o combate à infecção intra-radicular, através de terapias mais eficientes, depende do conhecimento das bactérias ali presentes. E assume particular importância quando se sabe que a permanência de bactérias após o tratamento ainda é a principal causa de falha na terapia endodôntica.

De fato, as bactérias presentes no interior dos canais podem levar à formação de abscessos, destruição do osso em volta do ápice da raiz, perda dentária. Eventualmente, chegam à corrente sangüínea. Neste último caso, bactérias resistentes podem se alojar em diversos órgãos, originando males como a endocardite bacteriana. Entretanto, como se tratam de casos isolados, os estudos desses efeitos nem sempre se mostram conclusivos.

O pesquisador esclarece, entretanto, que quando se faz um trabalho como esse, não se tem, de início, o objetivo de desenvolver uma abordagem terapêutica imediata. “Propusemo-nos a um estudo puramente investigativo. Neste momento, não se pode dizer que dele surjam novas medidas terapêuticas em curto prazo. O caminho é muito longo até lá, mas a pesquisa constitui um ponto de partida porque identificamos bactérias que ainda não tinham sido reportadas na cavidade bucal. É de se esperar que com o aumento do grupo de amostras possam vir a serem identificadas outras bactérias novas relacionadas com casos de insucesso ou falhas de tratamento em infecções persistentes”.

A pesquisa

Por sugestão de seu orientador, professor Reginaldo Bruno Gonçalves, Saito optou pelas técnicas moleculares desenvolvidas e adotadas nos EUA e em países europeus, que à época despontavam no meio acadêmico e possibilitavam trazer informações importantes ao estudo da microbiota endodôntica, assim denominado o conjunto de bactérias presentes no canal do dente. A técnica utilizada por Saito se baseia na identificação de bactérias pelo seqüenciamento do DNA, ou seja, pela leitura do código genético, e não depende do seu cultivo em laboratório.

Saito considera as técnicas moleculares altamente aplicáveis ao estudo microbiológico das infecções orais, porque se revelam relativamente rápidas, eficientes e confiáveis quando comparadas às técnicas tradicionais, que envolvem o cultivo laboratorial, normalmente mais dificultoso e nem sempre passível de ser realizado. Prova disso, diz ele, é que, mesmo com uma amostragem restrita a sete pacientes, foram identificadas 46 espécies bacterianas distintas, das quais quatro novas, que correspondem a 9% do total amostral, o que considera bastante significativo. Cada dente avaliado apresentou uma média de nove bactérias diferentes, em uma faixa que apresentou variação de duas a quatorze por paciente.

O pesquisador já havia realizado parte do mestrado quando, por ocasião do exame de qualificação, lhe foi sugerido passar para o doutorado-direto, o que lhe possibilitou ampliação do projeto.

Assim é que, na tentativa de esclarecer o papel das comunidades bacterianas no desenvolvimento dos sintomas relacionados às infecções endodônticas, o pesquisador acrescentou ao projeto original a técnica de T-RFLP, baseada na variação do tamanho de fragmentos de DNA, e que possibilita a avaliação e composição da totalidade da microbiota presente em cada amostra. A metodologia permitiu correlacionar a composição geral de cada comunidade bacteriana avaliada com o desenvolvimento da dor e da sensibilidade nos dentes acometidos por infecções endodônticas.

Os resultados desta etapa o levaram o concluir que o desenvolvimento da dor independe da composição bacteriana como um todo. Entretanto, ressalva, isto não quer dizer que certas espécies ou grupos específicos possam ter correlação com a dor, mas que normalmente o conjunto bacteriano global não tem peso no desenvolvimento desse sintoma. Além disso, esclarece Saito, fatores não-microbianos também podem desempenhar papéis importantes no processo em questão. Esta fase do estudo o levou a permanecer sete meses no Centro de Ecologia Microbiana da Universidade Estadual de Michigan, nos EUA, um centro com massa crítica e tecnologia necessárias ao desenvolvimento da pesquisa.

Em uma terceira vertente Saito selecionou duas espécies potencialmente patogênicas, a P. gingivalis e a T. forsythia, tentando correlacionar os níveis celulares dessas bactérias com o desenvolvimento da dor de origem endodôntica. As espécies foram selecionadas para estudo porque já haviam sido descritas como patogênicas nas doenças de gengiva e pretendia-se investigar sua possível importância nas doenças do canal radicular. O pesquisador descobriu que a quantidade relativa dessas espécies não possui correlação com a dor ou sensibilidade de origem endodôntica, reiterando resultados de estudos similares conduzidos por outros centros de pesquisa.

Conseqüências

Daniel Saito considera que o mais importante no estudo que realizou é o fato de ele abrir caminho para outras pesquisas, pois a microbiota necessita de uma caracterização mais aprofundada, visto que existem bactérias ainda não cultiváveis, outras desconhecidas e uma alta variabilidade da microbiota em diferentes pacientes, fatores que por si só apontam para a necessidade de estudos posteriores. Conclui pela importância do emprego da investigação microbiológica baseada no DNA em pesquisas odontológicas futuras.

Do Jornal da Unicamp

(I.P.)

 



03/07/2008


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