PFL faz “tempestade em copo d'água”, diz FHC









PFL faz “tempestade em copo d'água”, diz FHC
Presidente reage e afirma que apreensão da PF em empresa de Roseana não é ação do governo

O presidente Fernando Henrique Cardoso classificou ontem como "tempestade em copo d'água" a crise entre o PFL e o governo. Segundo ele, não houve conotação política nem participação do Palácio do Planalto na apreensão de documentos feita pela Polícia Federal na Lunus Participações, empresa da governadora do Maranhão e pré-candidata do PFL à Presidência, Roseana Sarney, e de seu marido, Jorge Murad. O presidente ressaltou que foi uma decisão só da Justiça: "Não tem nenhuma ação do governo federal."

"Acho que a virtude principal para quem quer governar o Brasil é ter equilíbrio, razão, bom senso, evitar que as emoções entorpeçam a capacidade das pessoas de analisar as situações e ver o que é melhor para si e para o País", comentou, ao ser indagado sobre o que estava fazendo para contornar a rebelião do PFL na base aliada. E desafiou: "Se houver algum indício de que houve manipulação política, me apresentem e eu ajo em conseqüência."

Fernando Henrique achou natural a irritação de Roseana, com quem conversou após a ação da PF, na sexta-feira, mas ressaltou que não vê motivo para "tanta trepidação". "Cada um tem um temperamento. Não posso esperar que as pessoas tenham todas o mesmo temperamento", prosseguiu. "O PFL sempre foi um partido muito equilibrado e não vejo razão para mudarem de posição." As declarações foram feitas em entrevista à seção Parabólica, do site GloboNews.com.

Liminar - Sobre as acusações feitas por integrantes do PFL a respeito da motivação da blitz comandada pela Polícia Federal, insinuando que havia interesse do Planalto, o presidente respondeu:

"Não é político, não tem nada de político. Eu não concordaria com uma ação política."

Fernando Henrique contou que ficou sabendo da apreensão por um telefonema do presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). Depois, obteve as informações com o ministro da Justiça, Aloysio Nunes. Então, voltou a falar com Bornhausen: "É a Justiça que está mandando fazer isso, a pedido da Procuradoria de Palmas. Não tem ação do governo federal."

Na entrevista de ontem, ele não comentou as declarações de Bornhausen de que a operação da PF teria sido irregular. Mas adiantou: "Se houver alguma ilegalidade, os responsáveis serão punidos." E lembrou que o Executivo - a não ser que fosse arbitrário - não teria como frear uma ordem da Justiça.

Lembrou ainda o presidente que a liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal (TRF) - para evitar a transferência para Palmas dos documentos apreendidos no Maranhão - não abordou a legalidade da operação. "Foi apelado a outra instância da Justiça, que diz o seguinte: enquanto não julgar o mérito, não mande a documentação para o Tocantins. Mas não disse que era ilegal."

Alianças - Ao ser indagado sobre a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de verticalizar as alianças partidárias - interpretada por integrantes do PFL como parte da estratégia para desestabilizar a candidatura Roseana -, Fernando Henrique ressaltou, como na semana passada, que sua base de sustentação tem mais de um candidato. "Se este é o meu pensamento, como é que eu iria consentir em, precipitadamente, criar uma situação política embaraçosa para atrapalhar uma candidatura?"

Fernando Henrique assegurou que não sabia antecipadamente da mudança feita pelo TSE. "Eu não tinha idéia. A primeira pessoa que me falou nisso foi o senador Bornhausen. Há algumas semanas, nós estávamos discutindo reforma política e ele me disse que o tribunal iria decidir a questão das coligações."

O presidente fez questão de desmentir notícias, já publicadas, de que ele conversou antecipadamente com o presidente do TSE, Nelson Jobim, e articulou as mudanças nas regras para ajudar o candidato do PSDB, José Serra. "É mentira. Mentira. Não conversei com ninguém. Eu vi isso. Fontes, apuramos...

Apuramos onde? Não diz com quem apuraram, com quem eu conversei.

Simplesmente é mentira."

Reforma - O porta-foz da Presidência, Alexandre Parola, informou ontem à noite que Fernando Henrique espera que o conflito com o PFL não interfira na composição do Ministério. "O presidente está certo de que a razão e o bom senso evitarão que reações emocionais de primeira hora impeçam o entendimento mais sereno dos fatos", afirmou.

"Declarações recentes de elevadas lideranças políticas nos partidos que compõem a base de sustentação do governo confirmam que já emerge compreensão mais desapaixonada do ocorrido."


Governo tenta assegurar votos do partido para CPMF
Presidente procura dirigentes do PFL para pedir empenho na votação, apesar da briga

BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu a iniciativa de assegurar os votos do PFL aos projetos que o governo considera prioritários, como a emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 31 de dezembro de 2004.

O segundo turno da votação pela Câmara deve ser amanhã à noite.

Fernando Henrique procurou dirigentes do PFL para dizer que, apesar da briga do partido com o PSDB - por causa da ação da Polícia Federal na empresa da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), e de seu marido, Jorge Murad -, é preciso manter a base unida. Com isso, o governo garantiria os cerca de 400 votos que costuma ter em cada votação de emenda. O mínimo para a aprovação é de 308 votos.

O receio do presidente com uma possível rebelião do PFL é justificada. Se não puder contar com os 100 votos do partido na Câmara e os 20 no Senado, não conseguirá aprovar a prorrogação da CPMF. E se a proposta não for votada e aprovada amanhã na Câmara, e em dois turnos no Senado até o dia 18, o Tesouro perderá cerca de R$ 80 milhões por dia útil a partir de 18 de junho.

A atual CPMF vai até o dia 17 de junho. Como as contribuições precisam ser aprovadas 90 dias antes de sua entrada em vigor, o governo tem menos de duas semanas para garantir o sucesso da votação.

O líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), que é um dos principais defensores de Roseana na disputa presidencial, acha que a crise não vai contaminar o Congresso. Ele defende não só a aprovação da CPMF, mas também de outros projetos, como os sete que mudam o Código de Processo Penal.

Conversas - O líder do governo no Senado, Artur da Távola (PSDB-RJ), jantou domingo com Fernando Henrique no Alvorada e contou que ele pediu empenho para aprovar a CPMF: "A maior preocupação do presidente é a CPMF." Fernando Henrique disse-lhe que falou quatro vezes com o presidente do PFL, senador licenciado Jorge Bornhausen (SC), algumas com o senador José Sarney (PMDB-AP), pai de Roseana, o vice-presidente Marco Maciel (PFL), o governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), amigo de Roseana, e o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG).

A Bornhausen ele pediu calma e ajuda nas votações; a Sarney, procurando reafirmar a distância do governo de uma decisão tomada pelo Judiciário.

Chegou a perguntar a Sarney se ele, quando presidente, sabia tudo o que ocorria na área jurídica do País. Aos outros, pediu ajuda. O presidente convocou Aécio para uma reunião na noite de ontem. E atendeu a um pedido de Bornhausen, para um encontro com todos os ministros do PFL, também ontem à noite.

O presidente repetiu aos parceiros do PFL que deseja manter a aliança que o elegeu - PSDB, PMDB, PFL e PPB. Tanto, que aceita a exigência do PMDB de suspender no Senado a urgência para o projeto que altera as leis trabalhistas. A idéia é só voltar a discutir essa proposta depois da eleição. Com isso, o PMDB aceita votar rapidamente a prorrogação da CPMF.


Para Roseana, é “discriminação contra mulher”
Governadora compara sua situação à da candidata seqüestrada na Colômbia

UBERABA - A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), passou a atribuir a apreensão de documentos pela Polícia Federal em sua empresa, sexta-feira, ao preconceito, por ser a única mulher a disputar a sucessão presidencial. "Isso é discriminação com a mulher brasileira e discriminação é o tema que eu tenho abordado em meus programas eleitorais", disse a governadora em Uberaba, após ouvir manifestações de apoio dos políticos locais. Com a mudança no discurso, ela atenuou suas declarações e deixou de pedir a saída do PFL do governo.

Roseana chegou a comparar sua situação à da candidata à Presidência da Colômbia, Ingrid Betancourt, que foi seqüestrada. "Em um país da América do Sul, uma mulher que teve a ousadia de se candidatar à Presidência foi seqüestrada. Eu estive pensando e acho que aqui (no Brasil) eles querem seqüestrar não a mim, mas a minha dignidade."

A candidata foi recebida em Uberaba, reduto do PFL em Minas, com banda, carro de som e centenas de correligionários vestidos com camisetas doadas pelo PFL. O evento, na Associação Brasileiras de Criadores de Zebu (ABCZ), acabou virando ato de desagravo à ação da PF na empresa de Roseana e de seu marido, Jorge Murad.

Após discursar na associação, Roseana voltou a reclamar que sua candidatura vem sofrendo ataques. "Pela primeira vez no Brasil se discutem indicadores sociais. Coisa boa isso, não?", ironizou, numa referência às críticas aos índices de pobreza do Maranhão. Ela deu a entender que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de vincular alianças estaduais e nacionais a prejudicou. "A mudança do TSE: depois de oito anos disseram que estava tudo errado e que tem de corrigir."

Ao contrário do fim de semana, Roseana não repetiu acusações ao governo, preferindo ser menos direta. "Neste momento em que inicio minha caminhada como pré-candidata, quero reverenciar dois estadistas mineiros, Juscelino Kubistcheck e Tancredo Neves, exemplos de conciliação e grandeza", disse ela. "Não se constrói uma democracia com medo nem com golpes que visam intimidar as pessoas. O tempo se encarregará de julgar os procedimentos de falsos democratas e de preconceituosos dissimulados."

A respeito da proposta de que o PFL entregue os cargos que têm no governo, Roseana preferiu não se aprofundar. Ela disse que a decisão sobre ficar ou não com o presidente Fernando Henrique Cardoso só sairá na quinta-feira, em reunião da executiva do PFL.

Economia - No discurso na associação, Roseana esboçou algumas propostas de governo. Afirmou que vai "lutar para derrubar barreiras alfandegárias e os subsídios dos países desenvolvidos, que dificultam a entrada do Brasil nos mercados".

Ela acrescentou que tem restrições à Área de Livre Comércio da América (Alca). "Podemos participar das negociações da Alca desde que os americanos e canadenses estejam de acordo em abrir mercado para nossos produtos agropecuários", afirmou. "Nosso governo não vai permitir que produtos subsidiados em seu país de origem venham a ser importados e com isso promovam uma concorrência desleal." Na entrevista, porém, ela evitou entrar em detalhes. "Não existe um plano econômico ainda, o que tenho é um plano de metas", disse.


Lula, Ciro, ACM e Maluf criticam operação
Todos desconfiam de interesse do goveno na ação da PF; ex-prefeito vê ‘jogo sujo’ do PSDB

De maneiras diferentes, vários políticos demonstraram ontem apoio à governadora do Maranhão e presidenciável do PFL, Roseana Sarney. Os também pré-candidatos à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PPS), além do ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), criticaram a operação da Polícia Federal e desconfiam de ação política na apreensão de documentos na Lunus Participações. Já o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) diz que pode ter havido “jogo sujo” do PSDB – para ele, nesse caso Roseana poderia sair na posição de vítima e crescer nas pesquisas.

Lula, em Campinas, comentou que, se houver conotação política, o governo perderá força. Para ele, a denúncia contra Roseana e seu marido, Jorge Murad, deveria ter sido mantida em sigilo até que houvesse indícios de provas e, só então, ter vindo a público.

O provável candidato do PT estranhou que a denúncia tenha surgido justamente no período eleitoral. “Se foi o PSDB ou não, é muito difícil dizer. Tudo pode ter acontecido, mas o caso deveria ter sido apurado antes de Roseana se tornar candidata”, ressaltou.

Outros petistas também criticaram o ocorrido. “Não podemos ter uma série de pessoas em postos importantes da República com dossiês na gaveta, esperando as circunstâncias para dispará-los”, opinou o líder do PT na Câmara, João Paulo Cunha (SP). Ele insinuou que há participação do PSDB: “Se é verdade que o caso está há tanto tempo à disposição da Justiça, é direito do PFL e de Roseana desconfiarem: por que só agora a Polícia Federal tomou essa medida?”

Alerta – Ciro avaliou que a entrada da PF na empresa da governadora demonstrou total falta de transparência. “Se há uma acusação, ela deve ser pública”, afirmou. E fez um alerta: “Sempre que a polícia sai da delegacia para agir sobre um candidato é bom pôr as barbas de molho.”

Mais tarde, no Rio, Ciro voltou a criticar a PF – seguido pelo presidente nacional do PDT, Leonel Brizola. Ambos acreditam que a operação era de conhecimento prévio de partidários da candidatura do senador José Serra (PSDB) no governo federal. “Na política você já tem uma baixa credibilidade no meio e, se lança a calúnia, a difamação sobre um fato que em si pode não ser ilícito, pode ter um efeito irreparável”, ressaltou Ciro.

O pré-candidato do PPS disse que o certo seria primeiro investigar com cuidado, “presumindo inocência, com as devidas formalidades legais”. “O que me parece difícil de crer é que a PF tenha praticado esse ato sem conhecimento do Ministério da Justiça.”

Brizola disse ter certeza de que o presidente Fernando Henrique Cardoso tinha conhecimento da ação. “Duvido que o presidente não soubesse. Não sabia do aumento da gasolina, não sabia disso, não sabia daquilo. E o ministro da Justiça? Francamente, ninguém comete um ato desses sem um troco. Tem implicações. Quem vai ficar mal vai ser o Serra.”

Caso único – Em entrevista à Rádio Gaúcha, o ex-senador ACM disse que a operação da PF teve orientação do Palácio do Planalto. Ele afirmou, porém, “que o tiro sairá pela culatra” à medida em que nada de grave for apurado. “O Brasil detesta esse tipo de injustiça que o governo federal está fazendo e fará com todos.”

Já Maluf disse que a apreensão de documentos no Maranhão pode ser um “jogo sujo”, se houve “armação do PSDB”. “Se for jogo sujo do PSDB, provoca a reação contrária à desejada. Faz a Roseana de vítima e a faz melhorar nas pesquisas”, opinou o ex-prefeito. Maluf comentou que, em toda a sua carreira política, nunca viu a mulher de um governador ser investigada. “Isso para mim é jogo sujo”, reiterou.


Ex-secretário assume vaga de Sarney Filho
Cargo é de José Carlos Carvalho, nome ligado ao PSDB; Zequinha volta à Câmara dia 12

BRASÍLIA - O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, pediu ontem demissão do cargo ao presidente Fernando Henrique Cardoso, como represália à ação da Polícia Federal, que apreendeu documentos na empresa de sua irmã, a governadora Roseana Sarney, e seu marido, Jorge Murad. Ele foi substituído ontem mesmo por José Carlos Carvalho, ex-secretário-executivo do Meio Ambiente e l igado ao PSDB. Apesar de ter deixado claro que saiu do ministério por causa da ação da PF, Sarney Filho evitou fazer críticas ao governo. "Minha saída é auto-explicativa", limitou-se a dizer.

No domingo, Fernando Henrique a falou por telefone com Sarney Filho, afirmando que precisava do PFL no governo e pedindo-lhe que não tomasse nenhuma atitude precipitada. O irmão de Roseana respondeu que estava saindo do governo por pressões familiares.

Ele foi ao Planalto no início da tarde de ontem para pedir demissão e acabou encontrando Fernando Henrique no elevador. A carta de demissão entregue pelo ministro não foi divulgada. Ele optou por distribuir uma nota de três páginas, com a data de ontem, em que enumera suas realizações no ministério, mas não fala do motivo de sua saída.

Em nota divulgada no fim da tarde, Fernando Henrique lamenta "não poder continuar a dispor dos préstimos valiosos do Ministro do Meio Ambiente". E fez questão de ressaltar que Sarney Filho entregou sua carta de demissão há cerca de dez dias - como os demais ministros que pretendem concorrer às eleições, embora o acordo fosse de que saíssem efetivamente dos postos em abril. Ao elogiar o ex-ministro, o presidente também deixou claro que a escolha de Carvalho foi feita em comum acordo com ele.

O ex-ministro assumirá sua cadeira na Câmara daqui a uma semana, dia 12.

"Mas no primeiro discurso só vou falar de Meio Ambiente", avisou. Esta semana, Sarney Filho pretende permanecer em Brasília.

Ele não foi o único a irritar-se com a ação da PF. O senador José Sarney (PMDB-AP) pretende registrar amanhã, da tribuna do Senado, sua indignação.

Ele começou a preparar o discurso no sábado. Mas a idéia de defender a filha publicamente foi tomada no dia anterior, após ter conversado com Fernando Henrique sobre o episódio.

De acordo com seus assessores, as palavras do presidente não conseguiram convencê-lo de que o governo não está envolvido na iniciativa da PF. Sarney lembrou a assessores que há duas semanas ele e o senador Edison Lobão (PFL-MA) teriam se queixado a Fernando Henrique sobre a presença de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no Maranhão. Lobão afirma que o presidente e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Cardoso, negaram a informação.

Em Brasília, no fim de semana, Sarney falou várias vezes com Roseana por telefone, e com com parlamentares do PFL e do PMDB. Embora concordassem com a indignação de Sarney, os interlocutores sugeriram que ele fosse tão hábil quanto tem sido em toda sua vida pública. O senador concordou em parte, mas continua disposto a responsabilizar o governo.

Como não representa nem o Maranhão nem o PFL, ele vai manifestar-se como pai da pré-candidata. A dúvida ontem era se iria responsabilizar diretamente Fernando Henrique ou o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira. "Ele vai sustentar que Roseana é vítima de uma ação provocada pelo seu desempenho nas pesquisas eleitorais", informou um assessor.


Tucano quer CPI contra a governadora
SÃO LUÍS - A oposição maranhense à governadora Roseana Sarney (PFL) tentará usar a repercussão da ação da Polícia Federal para ressuscitar a idéia de uma CPI para investigar os negócios dela e do marido, o gerente de Planejamento Jorge Murad. A motivação para a investida seria o fato - só agora revelado - de Roseana ter-se tornado sócia majoritária da Lunus Serviços e Participações, depois de ter assumido como governadora em janeiro de 1999. A empresa foi invadida pela PF na sexta-feira. Em março de 1996, de acordo com dados constantes do registro na Junta Comercial maranhense, a Lunus tinha como sócios apenas Murad e o atual gerente de Qualidade de Vida do governo do Maranhão, João Guilherme de Abre. Seu capital, segundo o mesmo documento, não passava de R$ 115.500,00 Ao tomar posse no governo maranhense, Roseana declarou à Assembléia Legislativa possuir cerca de 4,2 milhões de cotas da empresa, num valor total de R$ 114.083,00. Já em novembro de 2001, no entanto, conforme documento atualizado da Junta, a Lunus aparece com R$ 2.927.600 de capital, dos quais 82,5% nas mãos da governadora.

Pela mesma declaração da posse, o patrimônio de Roseana em bens não ultrapassava os R$ 2 milhões em dezembro de 98. "Seria muito interessante se ela abrisse o sigilo bancário para sabermos se tinha renda compatível para aportar um capital de R$ 2,4 milhões", afirmou o deputado Aderson Lago (PSDB), um dos principais oposicionistas do governo maranhense. Segundo ele, a Lunus é "o típico exemplo de empresa que serve para fazer qualquer negócio".


Artigos

A falência das culturas populares
Júlio Medaglia

No ano de 1923, o antropólogo Roquette Pinto, homem de mil atividades que sempre resultavam em benefícios à cultura nacional, implantou a radiofonia no País. Instalados os equipamentos da primeira emissora, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, e realizada a primeira transmissão, do Hino Nacional, ele fez transmitir uma gravação da ópera Aida. Na cabeça desse grande brasileiro passou, seguramente, uma nobre idéia: no momento em que um milagre eletrônico permitia a onipresença do som na cidade, por que não oferecer à população um dos mais importantes e belos patrimônios da humanidade, uma ópera de Verdi? Seria o mesmo que, mutatis mutandis, um outro milagre de nossa criatividade permitisse colocar, de uma hora para outra, no prato de cada brasileiro a comida do Tour D'Argent ou na porta de sua casa um Mercedes-Benz, tudo de graça! É evidente que, se isso ocorresse, o habitante do morro carioca abandonaria de imediato seu angu de caroço em favor da sofisticada comida francesa e iria trabalhar com o carrão, deixando, com grande prazer, os abarrotados trens da Central. Culturalmente, porém, a coisa não foi tão simples assim. A Rádio Sociedade está no ar ainda hoje, com o nome de Rádio MEC, só transmite música clássica e não significa que a população carioca passe o dia ouvindo maviosas sinfonias. Ou seja, a simples existência do canal de informação não significa que uma experiência cultural possa ser transferida e assimilada de imediato. Apesar disso, a história dos meios de comunicação em nosso país teve momentos de efetiva grandeza, ainda que diferentes daqueles imaginados pelo grande animador cultural carioca.

Quando se iniciou aqui a efetiva implantação profissional da radiofonia, apesar de ela refletir o espírito de nossas culturas populares, tanto os responsáveis por essas máquinas de comunicação como as equipes de produção e de artistas que a integravam eram dotados de um senso de responsabilidade, de respeito à audiência e de um talento fora do comum. Não tendo o Brasil uma tradição cultural do porte da européia, a qual pressionava os meios modernos a serem seus novos agentes, nossos radialistas foram logo inventando uma linguagem própria para o rádio, em vez de usá-lo, como no Velho Continente, como veículo de outros veículos. Identificando imediatamente o poder mágico do som, sua capacidade de provocar o imaginário humano - daí veículo quente, como dizia McLuhan -, as emissoras desenvolveram com brilho uma linguagem lúdica, sem dúvida, dos mais preciosos exemplos de cultura popular do século 20.

O radioteatro era escrito e apresentado por profissionais que tinham grande habilidade no uso da voz ao microfone, a qual nada tinha a ver com a impostação "declamada" do teatro ou a pouco fluente do cinema de então. O radioator desenvolvia com liberdade uma rica melódica fonética, envolta em farta sonoplastia feita de música clássica, que transformava aquele conjunto de sonoridades numa espécie de ópera popular. As donas de casa deixavam o rádio ligado o tempo todo, ouvindo uma novela atrás da outra, mais pela envolvência sonora que pelo conteúdo ingênuo das historinhas. Essa narrativa microfonada chegava ao êxtase nas transmissões futebolísticas, onde o virtuosismo vocal dos locutores deixava para trás o mais habilidoso tenor rossiniano.

O humor era devastador. Variava da ironia ao deboche, da sátira política ao humor de botequim, passando por obras-primas como a Rádio PRK-30, onde o absurdo era levado às últimas conseqüências, com textos e representações caricatas de fazerem inveja a Ionesco e aos Irmãos Marx.

Mas, se os veículos eletrônicos foram os que mais contribuíram para a divulgação da cultura espontânea, no rádio e nos primórdios da TV, a música foi o tipo de manifestação que teve primazia. Se Hollywood nos mostrou um tipo de produção de entretenimento de massa industrializado de A à Z, elaborado artificial e integralmente pelos produtores, que tudo decidiam naquela magnífica usina de sonhos, nossa indústria cultural eletrônica prestigiava a imaginação popular deixando-a florecer espontaneamente, tornando-a notória em seguida. A música surgia nos redutos mais humildes das cidades, os talentos iam se destacando em clubes ou casas noturnas até chegarem ao rádio através de programas de calouros. Quando o sucesso confirmava o talento, aí entravam as gravadoras, documentando-o e distribuindo-o nacionalmente. Isso é o que poderíamos chamar de processo "romântico" de produção, já há décadas distante. Quando John Lennon vociferava "o sonho acabou!", e George Martin, o arranjador e "intelectual" da trupe beatleriana, respondia afirmando que o grupo de Liverpool era a última manifestação espontânea de cultura popular urbana, estava coberto de razão e não apenas em relação à Inglaterra.
Dos anos 70 para cá, com o barateamento e a proliferação dos equipamentos de audição sonora e o agigantamento em todo o mundo da produção fonográfica, esta tomou as rédeas do processo, neutralizando o vigor criativo regional e espontâneo, fazendo o gosto musical, assim como o nível artístico de suas criações, se subordinar aos ditames do ritmo frenético da chamada indústria cultural - mais indústria que cultural.

Por uma questão não saudosista, mas de compreensão dos labirintos cultural e humano, é bom dar uma lida nos 2 volumes do livro A Canção Popular, de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. Seus relatos e letras musicais do início do século 20 aos anos 80 nos mostram que nenhum outro processo documental registrou com tanta profundidade e precisão de detalhes a beleza da alma brasileira como o fez nosso cancioneirismo, quando dialogando com uma máquina de comunicação sensível e não mercenária. Sim, pois se Roquette Pinto ressurgisse nos dias atuais e quisesse comprar um disco de sucesso ou ouvir uma estação de rádio ou TV, certamente iria optar pelo mesmo e trágico fim de Santos Dumont quando viu seu deslumbrante engenho despejando bombas nos céus do culto e Velho Continente...


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Soberania
Sim, a gente vai aprendendo. Aos trancos e barrancos, às vezes até lutando contra si mesmo: pois não há propriamente limites traçados, e ao mesmo tempo há uma profusão de limites, cuja legitimidade é difícil de discernir. A própria palavra democracia, como traduza-la literalmente? Vai-se ao dicionário: o velho Cândido de Figueiredo assim reza: "Soberania popular; governo do povo; influência do povo na governarão pública; classe social compreendendo o operariado e a população ínfima."

(Grego: demokrateia. Já Laudelino Freire diz: DEMOCRACIA (do grego demokratia) 1) governo em que o povo exerce a soberania; 2) A influência do povo no governo de um Estado. 3) Sociedade livre em que prepondera a influência popular. 4) O povo, as classes populares. 5) O partido democrático; a política ou a doutrina democrática.

O nosso inesquecível Aurélio repete a raiz grega, as definições dos livros mais velhos, e diz mais: "Doutrina política baseada nos princípios da soberania popular, e a distribuição eqüitativa de poder, ou seja: regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade, i.e., dos poderes de decisão e execução." E, ainda o Aurélio: "Democratismo, ditadura. 3) País cujo regime é democrático. As classes populares, povo proletariado. Democracia autoritária (Ciência política) Sistema de governo surgido após a Primeira Grande Guerra, em geral anticomunista, firmado na supremacia do poder executivo em relação aos demais poderes. Democracia popular. Designação comum aos regimes políticos monopartidários, dominantes nos paises da área socialista."

São definições de gramáticos, claro. Mas mestre Aurélio, mais politizado, já fala de deformações de conceito de democracia, tais como a autoritária e a popular. Assim, como se vê, as definições não correspondem bem à realidade, a realidade é que tenta se adaptar às definições. D. Pedro II, o imperador democrático, convivia legalmente com a escravidão e, quando a aboliu, foi derrubado. E Getúlio, com a sua constituição "polaca", também se dizia democrata. Stalin, o mais sinistro tirano do século, se pretendia chefe de uma democracia popular.

Assim mesmo a gente insiste. Tergiversa num ponto, avança demais em outro, mas há sempre a intenção de acertar.

É, de vez em quando há um escorrego; esse assunto de censura, por exemplo, é justamente um dos mais delicados na convivência com a democracia. Até onde vai o seu direito de falar e a sua obrigação de calar a boca? Há aquela definição excelente que diz: "O direito do cidadão acaba onde começa o direito dos outros." Contudo, essa fronteira é vasta, porque, muitas vezes são fluidas, ou colidem. Como no caso de se recolher, ou não, em abrigos, durante a noite, os chamados meninos de rua. Eles têm o direito à liberdade de ir e vir; mas, sendo menores, não estarão sob a tutela dos pais ou do Estado? E o cinto de segurança? O cidadão não tem o direito de correr riscos, se assim quer? Mas a obrigação da lei é impedir o suicídio. E então? E o voto obrigatório? Será democrático obrigar o cidadão a votar? E o voto do analfabeto? Sendo o voto secreto e o eleitor analfabeto, como obrigá-lo a escolher numa lista impressa, o nome e o número do seu candidato - se é que ele tem candidato.

Na verdade, a conquista da democracia é quase tão árdua e inacessível quanto a conquista do Reino dos Céus. O mérito único do cristão e pecador é esforçar-se por alcançá-lo; mas chega a ser até presunção pecaminosa petender tê-lo obtido. Assim, no plano social, será democracia. A virtude está no esforço, na luta constante contra os abusos, as violências, no respeito ao ideal social. Como dizia o nosso hoje tão esquecido brigadeiro Eduardo Gomes: "O preço da democracia é a eterna vigilância..."


Editorial

EDUCAÇÃO ESTRATÉGICA

Não restam dúvidas quanto ao papel da educação como fator fundamental para o desenvolvimento de um país, e já não faltam dados para demonstrar que é mais barato investir no ensino para abrir perspectivas a crianças e adolescentes do que gastar com estruturas correcionais como a Febem. O Estado mostrou ontem que um jovem infrator custa pelo menos R$ 1.600 mensais, enquanto um aluno no ensino fundamental requer R$ 700 por ano.

Faltam, entretanto, dois passos para que este conhecimento se reverta em transformações efetivas no País: a disseminação de investimentos por todas as esferas do Poder Público, sobretudo a municipal, e a concentração de esforços na educação infantil, com recursos para o desenvolvimento integral de crianças de zero a 6 anos. Esta é a faixa de maior importância estratégica para a formação das futuras gerações, de jovens e adultos criativos, competitivos e socialmente integrados.

Autoridades que regat eiam verbas para a educação básica ignoram os benefícios em cadeia obtidos com investimento adequado. Cada US$ 1,00 aplicado em serviços de educação e saúde de crianças gera economia de US$ 7,00 em gastos futuros nos sistemas de saúde e bem-estar social, revela pesquisa norte-americana.

Com cuidados qualificados, crianças de zero a 6 anos têm oportunidade de formar a estrutura psíquica indispensável para aprender e gostar de aprender ao longo da vida. Mais que isso, podem desenvolver a capacidade de se relacionar com o mundo de forma respeitosa, solidária, produtiva e cooperativa. Os mais recentes estudos sobre a infância, aliados à experiência de quem lida com distúrbios de comportamento de crianças e adolescentes, demonstram que está na atenção às experiências cotidianas dos pequenos a matriz de uma vida bem-sucedida nos estudos, no trabalho, na relação com as leis, da cidadania plena, enfim.

Não é demais afirmar que uma boa formação integral na infância é poderosa vacina contra o fracasso escolar e a violência que explode na delinqüência, no alcoolismo e no consumo de drogas ilegais, seja na classe D ou A. Até os 3 anos se criam bases emocionais que, se atrofiadas, causarão déficits na capacitação para situações futuras, muitas delas relacionadas à própria subsistência. Entre 4 e 5 anos desenvolvem-se noções diretamente ligadas ao respeito às leis; até por volta dos 9 abrem-se e fecham-se janelas de absorção de habilidades, como o raciocínio lógico e outras línguas, e estas oportunidades permitem menos esforços e gastos na adolescência e vida adulta.

É importante, pois, mobilizar recursos para que os pais sejam minimamente orientados desde a gestação de cada filho, em postos de saúde e centros comunitários, e para que a rede de creches e escolas seja capacitada a assumir missão tão fundamental. O País está apenas no início desta jornada, considerando-se que a formação de grande parte dos 22 milhões de crianças nesta faixa etária está entregue a irmãos mais velhos, vizinhos e escolinhas clandestinas. Mesmo a classe média não escapa à baixa qualidade da pré-escola particular, que confunde desenvolvimento infantil com sobrecarga de atividades pedagógicas e alfabetização precoce.

Custa relativamente pouco investir neste núcleo de desenvolvimento das futuras gerações. Basicamente, é preciso formar educadores com esta visão e envolver as famílias nas escolas, para que a vacina seja inoculada na convivência afetiva da comunidade. É bem menos do que se gasta com os remédios usados para aliviar as dores do atraso brasileiro.


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03/05/2002


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"TEMPESTADE" É A ATRAÇÃO DA PRÓXIMA QUARTA-FEIRA NO CULTURA AO MEIO-DIA

Vítimas da tempestade no Haiti recebem ajuda da força militar brasileira

Tempestade de poeira cobre Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes