PFL radicaliza e começa a agir como oposição









PFL radicaliza e começa a agir como oposição
Cúpula fecha questão contra duas propostas do governo e ameaça quem desobedecer de expulsão

BRASÍLIA – O PFL radicalizou e fechou questão contra duas propostas enviadas pelo governo ao Congresso: o aumento das contribuições pagas pelas empresas prestadoras de serviços e a medida provisória que aumenta o preço da energia. A cúpula do PFL ameaça expulsar quem votar contra sua orientação – punição que, consumada, impedirá o parlamentar de concorrer a qualquer cargo nesta eleição.

A decisão, tomada ontem pela executiva nacional, vale enquanto durar o governo Fernando Henrique Cardoso. “O PFL é um partido independente e vai mostrar isso”, disse o presidente da legenda, senador licenciado Jorge Bornhausen (SC).

O objetivo é derrubar o aumento da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as prestadoras de serviços, previsto na MP que reajusta a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física em 17,5%. O partido votará a favor da correção e contra a compensação prevista pelo governo para a queda de receita.

No caso da medida que aumenta a energia, o PFL trabalhará para alterar o texto. Segundo o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), relator da MP e secretário-geral do partido, explicou que o consumidor isento deve passar de 30 kWh para 120 kWh a 240 kWh, dependendo da região.

Total – A partir de agora, toda MP e toda proposta de emenda constitucional ou de projeto de lei originária do Executivo será examinada pela direção nacional, que fechará questão contra sua aprovação, se não a considerar relevante para o País. “A punição para quem desobedecer à orientação partidária pode ser a advertência, a suspensão ou a expulsão”, disse Bornhausen. A radicalizão é também uma reação à aliança entre PSDB e PMDB para a chapa presidencial. O PFL teme ser isolado.

A decisão é tão drástica que hoje só PT e PDT a adotam. Na própria direção pefelista há os que a consideram radical demais – embora acreditem que pode manter a unidade partidária. “Com isso, estamos dando um alívio para deputados e senadores próximos do governo, que ficam constrangidos em votar contra projetos que normalmente apoiariam”, afirmou Aleluia. Assim, podem dizer que foram obrigados a seguir a orientação. O governador do Piauí, Hugo Napoleão, que esteve na reunião, acha que é uma questão de sobrevivência partidária, pois ninguém duvida de que o assédio do governo sobre parlamentares do PFL será grande. Amarrados na decisão da cúpula, eles poderão alegar que correm o risco de ser expulsos. Bornhausen não vê na decisão um risco para a existência do PFL. Acha que todos obedecerão.

Saúde – O PFL decidiu ainda convocar (não está certo se na Câmara ou no Senado) o ministro da Saúde, Barjas Negri, para explicar por que a pasta gastou mais de R$ 1,8 milhão para contratar sem licitação uma empresa para verificar a existência de escuta nos seus telefones. Para Bornhausen, nada justifica a dispensa da licitação, pois o senador Romeu Tuma (PFL-SP) informou que a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) têm condições para fazer o trabalho. O ministério alega que nem a PF nem a Abin ofereciam freqüência satisfatória nas varreduras.

Bornhausen classificou de “absolutamente insatisfatórias” as explicações que o diretor da PF, Agílio Monteiro Filho, deu ao Senado, quarta-feira, sobre a operação de busca e apreensão na Lunus, empresa da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL). “Ele disse que soube da ação pelo presidente da República. Deveria ser demitido, porque é incompetente.”

O novo atraso na votação da CPMF levou o governo a adiar o ajuste adicional no Orçamento para compensar a perda na arrecadação. O ministro do Planejamento, Martus Tavares, disse que o Executivo preferiu esperar o fim da tramitação da emenda para dimensionar o tamanho do rombo nas receitas.

O governo teria de editar até amanhã o decreto de revisão bimestral das estimativas de receitas e despesas deste ano, já incluindo a queda potencial na arrecadação da CPMF e como será coberta. Ele estava pronto, mas diante da indefinição na Câmara, foi adiado, em reunião no Ministério da Fazenda com líderes do governo. Em seu lugar, o Diário Oficial publica hoje uma exposição de motivos assinada por Martus e pelo ministro Pedro Malan (Fazenda), justificando o adiamento.


A caravana deixa CPMF e vai passear em Marrakesh
BRASÍLIA – Uma caravana de 11 deputados ao Marrocos acabou atrapalhando a votação, anteontem à noite, da emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até dezembro de 2004. A excursão para Marrakesh, feita com recursos públicos, saiu de Brasília no começo da noite de anteontem, momentos antes do início da apreciação dos destaques à emenda da CPMF.

Mais preocupados com sua “viagem das mil e uma noites” do que com a proposta, os deputados, em sua maioria da base governista, fizeram falta no plenário da Câmara, que não conseguiu concluir a votação da contribuição por falta de quórum. “Eles foram para o casamento da Jade”, brincou o deputado Duílio Pisaneschi (PTB-SP), numa alusão ao recente casamento da protagonista da novela O Clone.

Animação – Um dos mais animados com a viagem era o líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), que não quis saber de CPMF e deixou ao vice-líder Wagner Rossi (SP) a incumbência de encaminhar a votação pelo partido. “Vou levar minha mulher para que ela aprenda o Alcorão e depois ela vai dar um curso aqui”, alardeou Geddel, sem parar, durante as últimas três semanas.

Os deputados foram participar da 107.ª Conferência Interparlamentar, que começou dia 17 e terminará amanhã. Eles viajaram a convite do Grupo Brasileiro da União Interparlamentar, que tem R$ 743,5 mil do Orçamento da Câmara para gastar em 2002, dos quais R$ 425 mil já foram liberados. Segundo o Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro (Siafi), foram liberados R$ 230 mil, no dia 26 de fevereiro, para a viagem ao Marrocos. No dia 5, houve a liberação de mais R$ 70 mil, a título de complementação.

Também embarcaram para o Marrocos os peemedebistas Benito Gama (BA), Leur Lomanto (BA), Zé Gomes da Rocha (GO) e Ana Catarina (RN). O PFL, que rompeu com o governo e anunciou sua independência, enviou José Thomaz Nonô (AL), Efraim Morais (PB) e Robson Tuma (SP). Participaram ainda da viagem Cunha Bueno (PPB-SP) e João Almeida (PSDB-BA).


Atraso deve levar a aumento de impostos
BRASÍLIA – O presidente Fernando Henrique Cardoso avisou ontem o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), que o atraso na votação da emenda constitucional que prorroga a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até dezembro de 2004 deve levar o governo a aumentar impostos. Aécio reuniu-se ontem com Fernando Henrique para tentar traçar uma operação conjunta com o Palácio do Planalto que apresse a votação da CPMF tanto na Câmara como no Senado.

Para conseguir votar a contribuição, o presidente da Câmara prometeu baixar medidas rigorosas depois da Semana Santa, que obriguem os deputados a ficar em Brasília. As medidas serão definidas quarta-feira, em reunião com os líderes aliados. “Infelizmente, teremos aumento de impostos se a demora na votação da contribuição for enorme e o buraco for grande”, disse Aécio.

Uma das hipóteses em estudo é o aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “É claro que vai ter aumento de impostos”, afirmou o presidente do PSDB, deputado José Anibal (SP), ao informar que conversou ontem com o ministro da Fazenda, Pedro Malan, sobre o atraso na CPMF. O governo também es tuda cortar investimentos previstos na proposta orçamentária deste ano para compensar a perda de arrecadação.

Mas a votação da CPMF não poderá ser finalizada tão cedo. Mais de 20 medidas provisórias começam a trancar a pauta da Câmara a partir do dia 1º, impedindo que qualquer outra proposta seja analisada pelo plenário da Casa antes delas. “Com essa quantidade de MPs, se conseguirmos votar a CPMF antes da segunda quinzena de março será um milagre”, afirmou ontem o líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP). (E.L.)


Câmara aprova aumento de 20% para funcionários
BRASÍLIA - A Mesa da Câmara decidiu ontem dar reajuste médio de cerca de 20% para os 4 mil servidores da Casa. Isso representará aumento de despesa de R$ 200 milhões anuais, elevando a folha de pagamento para R$ 1,2 bilhão este ano. Segundo o diretor-geral da Câmara, Sérgio Sampaio, os salários maiores subirão cerca de 15%, mas os salários menores poderão ter aumento de até 40%.

As mudanças vão permitir também o aumento de todas as aposentadorias dos servidores da Casa, porque os complementos salariais serão transformados em vencimento. Hoje, nos cálculos da mesa, o servidor que se aposentar perde cerca de 40%, porque o benefício é concedido sobre o salário-base.

O aumento não beneficia os deputados. A Constituição determina que o reajuste de salário para parlamentares, ministros de tribunais superiores e presidente da República deve ser feito por projeto de lei de iniciativa dos três Poderes.

Regulamentação - O plano de cargos e salários na Câmara, aguardava regulamentação desde 1998. A nova tabela incorpora gratificações e adicionais ao salário. O menor salário-base, de técnico legislativo III, passa a ser de R$ 2,6 mil. O maior, de consultor, de R$ 5,3 mil.

O plano de cargos e salários da Câmara está pronto para ser votado desde 2000. Na decisão tomada ontem pesou muito o argumento do Sindicato dos Servidores do Legislativo, de que no Executivo 223 mil dos 900 mil servidores tiveram reajuste que varia de 30% a 180%. Para que o aumento seja pago, o presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), terá de assinar a autorização e ele já se comprometeu a fazê-lo. (J.D.)


Prestígio de FHC sobe e Roseana cai, revela Ibope
Pesquisa mostra Garotinho em 3º lugar e governadora em 4º, com 50% de rejeição

A opinião dos brasileiros sobre a situação do País e sobre o governo Fernando Henrique melhorou significativamente nos últimos tempos. Essa é uma das conclusões da nova pesquisa CNI/Ibope divulgada ontem - e que ouviu 2 mil pessoas entre os dias 14 e 18. O total de brasileiros que aprovam a administração FHC (soma dos índices "ótimo" e "bom") subiu de 21% para 28%, enquanto a opinião oposta (soma de "ruim" e "péssimo") caiu de 37% para 31% - ou seja, a diferença entre as avaliações negativa e positiva encurtou de -16% para -3%. A percepção sobre a situação do Brasil é a melhor dos últimos quatro anos: 71% dos consultados acham que o ano de 2002 está sendo positivo ("muito bom/bom"), contra 28% que o acham negativo ("muito ruim/ruim").

Os números sobre candidatos presidenciais revelam que o tucano José Serra parou de subir (tem 16%), que o governador Anthony Garotinho (PSB) agora é terceiro (com 14%) e Roseana Sarney (PFL) caiu para 4.o lugar (13%). Como a margem de erro é de 2,2 pontos, os três estão tecnicamente empatados abaixo de Lula, que continua estável em seus 24%. Mas cada um deles apresenta uma evolução diferente.

Serra apresenta um grande crescimento em relação à pesquisa CNI/Ibope anterior, de dezembro (saltou de 5% para 16%), mas caiu na comparação com os 19% que obteve em outra pesquisa do Ibope, feita a pedido do Bank of América, entre 7 e 11 de março.

Queda - A evolução de Roseana ápresenta queda de quatro pontos (17% para 13%). E Garotinho tem boas razões para comemorar: ele vem subindo devagar e sempre, desde dezembro (9%, 11% e 14%).

Abaixo desses quatro favoritos aparecem, na atual pesquisa, Ciro Gomes (PPS) com 6%, Itamar Franco (PMDB) com 4% e Enéas (PRONA) com 2%.

Todos esses índices, na verdade, ainda estão verdes. Na pesquisa espontânea, na qual se pergunta apenas "em quem o sr. votaria para presidente?", sem mencionar nomes, 53% deixaram em branco ou responderam que não sabem - ou seja, uma grande parte do eleitorado ainda não se deu ao trabalho não se interessa pelo assunto.

O curioso é que, embora com números bem inferiores, a pesquisa espontânea reflete com fidelidade os índices da estimulada. Nela, Lula tem 13% e os outros três empatam (Roseana 7%, Serra 6% e Garotinho 5%).

O quadro é quase o mesmo quando sai da lista o candidato do PMDB, Itamar Franco (que acaba de desistir da disputa), pois os cinco primeiros sobem um ponto cada um (Lula 25%, Serra 17%, Garotinho 15% e Roseana 14% e Ciro 7%).

Rejeição - Um dos dados políticamente mais importantes foi o impacto da investigação feita pela Polícia Federal no Maranhão sobre a imagem da candidata Roseana Sarney, que aparece nos índices de rejeição: 50% dos consultados informaram que não votariam "de jeito nenhum" na governadora (contra 44% de Lula, 43% de Serra, 41 de Garotinho e 46 de Ciro). Á rejeição da governadora estava, em dezembro, em 38%.

Uma questão ligada a essa, sobre "quem melhor representa a moralidade e o respeito ao dinheiro público', aparecem, pela ordem, Serra (16%), Lula (15%), Garotinho (13%) e Roseana (7%).


Sarney deveria ter pedido isso nos anos 70’
Ex-presidente não quis observadores estrangeiros durante a ditadura, lembra senador

BRASÍLIA – O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Jefferson Péres (PDT-AM), criticou ontem a ameaça feita pelo senador José Sarney (PMDB-AP) de pedir que observadores internacionais fiscalizem as eleições deste ano. “Foi o momento mais infeliz do discurso”, disse. Para o senador, Sarney deveria ter tomado essa providência durante o regime militar. “Ele errou a data”, afirmou. “Deveria ter pedido isso nos anos 70, quando era o presidente da Arena.”

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que em duas únicas vezes as eleições brasileiras foram acompanhadas por observadores internacionais. Eles vieram como convidados em 1996 e 1998 para conhecer o programa de votação e apuração eletrônica dos votos.

Sarney declarou seu propósito, após responsabilizar o governo pela operação policial que descobriu R$ 1,34 milhão na empresa de sua filha, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e do genro Jorge Murad. “Se não houver eleições limpas, somente me resta, na defesa do processo democrático, bater às portas da ONU, da OEA, do InterAction Council e onde for necessário, pedindo observadores para as eleições, a fim de assegurar a vigilância internacional da nossa sucessão, sobre como o processo decorre, as pressões, legislação e métodos”, discursou o senador na tribuna, na quarta-feira.

Na opinião de Péres, tal iniciativa só seria condizente em países com regimes ditatoriais, “nos quais prevalece o autoritarismo e onde a imprensa vive cerceada”. “Não é o caso do Brasil”, ressalvou. “Por maior que sejam os abusos, vivemos num processo democrático, com a imprensa livre.”

‘Republiqueta’ – O presidente da Comissão de Relações Exteriores acredita que, ao agir dessa forma, o senador comparou o Brasil a uma “republiqueta”. “Espero que ele não insista nisso”, afirmou, lembrando que no discurso Sarney deixou transparecer que iria tomar essa iniciativa como ex-presidente da República.

Logo depois da Páscoa, Péres pretende propor à Comissão de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), encarregada de fiscalizar as atividades da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que convide o senador Sar ney para falar da denúncia de que o órgão teria investigado os negócios da sua filha e do seu genro, conforme declarou na tribuna.

Se ele apresentar indícios da acusação, a comissão ouvirá, então, o ministro-chefe do gabinete da Segurança Institucional, general Alberto Cardoso. Péres justificou a cautela, com a alegação de que não se pode “fazer o general perder tempo por causa de boatos”.

Dois outros parlamentares, o senador Roberto Freire (PPS-PE) e o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) também condenaram a iniciativa de Sarney. Freire entende que a ameaça demonstra que ele “tem uma visão distorcida do País”. “Os Poderes estão funcionando e dispomos de mecanismos para reclamar de eventuais abusos na Justiça”, argumentou o senador do PPS.

Pinheiro afirmou que, “como figura de destaque na ditadura”, falta autoridade a Sarney para se pôr como vítima: “Ele viveu na fase da escuta, do monitoramento da vida das pessoas.” O petista disse ainda que, se o ex-presidente tivesse realmente a intenção de apurar a busca de documentos na empresa de seus familiares, teria assinado a CPI do Grampo, proposta pelo PT para investigar o episódio. “Mas ele não fez isso porque sabe que a água pode chegar ao pescoço e sufocá-lo.”


Artigos

Palavras de ordem da sucessão
Washington Novaes

Embora faltem apenas seis meses para a eleição presidencial, ainda não se delinearam com clareza as palavras de ordem que comandarão o processo, em nenhum dos lados.

Curiosamente, no Brasil pós-redemocratização, em todas as eleições o estado de espírito do eleitorado parece haver-se cristalizado em uma ou umas poucas palavras, sintetizadoras da principal ou principais aspirações. Foi assim com as "diretas já". Foi assim na eleição de Collor, em que a palavra "marajá" pareceu responder a todo o espírito dos eleitores, inconformados com as injustiças sociais, os privilégios. Em 1994, de novo uma só palavra - "real" - teve o condão de atender à aspiração central de uma sociedade recém-egressa dos dramas da inflação descontrolada. Quatro anos depois, pela terceira vez uma única palavra - "estabilidade" - foi capaz de fazer a síntese e abrir caminho para a reeleição.

Agora não está clara qual será a trilha. Há quem arrisque dizer que será "segurança". É possível. Mas será preciso dar-lhe um sentido mais amplo que o de segurança física, contra assaltos e seqüestros, apenas. Será indispensável que ela englobe a segurança do trabalho, da renda, dos negócios, da oportunidade de ascensão social. E ainda segurança de uma educação capaz de garantir lugar numa sociedade que se transforma em ritmo vertiginoso. Segurança de contar com um sistema de saúde que responda a desafios que vão das novas epidemias às doenças degenerativas. Segurança de uma velhice que disponha de renda para manter-se com dignidade. Segurança ambiental - contra enchentes, mudanças climáticas, secas, escassez de água.

Segurança alimentar. Muitas seguranças.

Certamente o caminho estará aberto para quem for capaz de enxergar com mais clareza o quadro social e encontrar as propostas unificadoras. E elas parecem passar quase todas, neste momento, pelas questões da renda e do emprego - aqui como em toda parte. Talvez valha a pena então tentar ver o que acontece fora daqui, primeiro.

Segundo a ONU, são hoje 1,2 bilhão de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia, menos de R$ 80 por mês. Ao mesmo tempo, acontece certa radicalização do espectro social, que parece extremamente perigosa, por implicar perda de oportunidade de ascensão social.

Relata Fred Pearce em um dos últimos números da revista New Scientist que no mundo todo os ricos estão ficando mais ricos, os pobres mais pobres. E as classes médias estão desaparecendo, segundo estudo do economista Branko Milanovic, do Banco Mundial, que fez o que parece ser o primeiro levantamento em nível mundial da distribuição de renda por famílias. Segundo ele, os "links" entre os extremos da renda são cada vez mais tênues. E com isso "as sociedades tendem a ficar mais instáveis".

O estudo não se limita a comparar a renda entre nações. Revela também a extrema disparidade dentro de cada país. No geral, entretanto, a renda dos 75% mais pobres da população caiu muito em todo o mundo entre 1993 e 1998.

Os 5% mais pobres, por exemplo, perderam um quarto de suas rendas. Os 5% de maior renda ganharam 12%. E com isso a diferença entre os dois estratos passou a ser de mais de 100 vezes.

A lógica do processo, diz o estudo, é que quem está no meio passa ao estrato superior ou ao inferior. E essa perigosa erosão das classes médias vem desde o início da década de 80. Mais exatamente desde os governos Reagan e Thatcher. No conjunto da América Latina, a renda média voltou ao nível de 1980. Nos países ex-comunistas, caiu 20%, em média.

O autor discute ainda a tese de que, com o tempo, os benefícios chegam também aos estratos menos favorecidos. Pode ser, diz ele. Mas, pela experiência, leva no mínimo mais de duas décadas. E nesse período os perigos se multiplicam. Para os países mais ricos, as grandes questões podem ser o aumento do terrorismo e das migrações.

Talvez o exemplo mais dramático - agora já não é esse estudo quem diz - esteja hoje na Argentina, que teve durante séculos a classe média mais ampla, de maior renda e mais estável da América Latina. E que agora se sente esmagada, no momento em que, com a desvalorização cambial, a renda média cai de US$ 8.950/ano para US$ 3.197, do primeiro para o sexto lugar no continente. A explosão parece à porta.

É da Argentina que vem uma das interpretações mais interessantes sobre um dos ângulos da crise social. No livro Pensar el mundo (Jorge Halperin, edições Planeta), o sociólogo norte-americano James Petras, que lecionou em vários países, inclusive no Brasil, e tem vários livros publicados, procura mostrar - com base em pesquisas que fez em cinco países - as relações da violência com a situação dos jovens desempregados que pertencem a famílias de operários industriais das décadas de 60 e 70. Estes, diz Waters, tinham sólido vínculos com as empresas e os sindicatos. Tendiam, por isso, a uma integração social clara. Seus filhos, não. Com o afrouxamento dos vínculos trabalhistas e sindicais, com o desabamento da rede social de proteção, eles não conseguem emprego, não podem sair da casa paterna nem formar casais estáveis. A autoridade paterna se esvai. A possibilidade maior de ocupação está em serviços precários, de baixa remuneração. Cresce, em todos os países onde isso acontece, a tentação do ilegal.

No Brasil, são conhecidos os números da queda do emprego formal, da participação da indústria na geração de postos de trabalho. Um em cada dez chefes de família não tem rendimento, diz o IBGE. E os trabalhadores com mais chance de manter a ocupação são os jovens com mais de 8 anos de estudo - minoria ínfima.

Os dados da equação parecem claros, portanto. Resta ver quem será capaz de transformá-los em propostas - e motes - capazes de convencer o eleitorado.

Segurança, sim. Mas muito além da segurança física.

Quanto à segurança ambiental, ainda não freqüenta a pauta eleitoral. Talvez possa ser uma das chaves do êxito para quem se dispuser a acioná-la.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Estamos quase ultrapassando a linha divisória
Apesar da banalização atual das cirurgias para transplante do coração, a gente ainda não deixa de se perguntar: será que a natureza previa a transplantação de órgãos? Se a não previa, por que teria imposto ao organismo animal tantas e tão intolerantes defesas, essa quase espécie de xenofobia, essa cortina de anticorpos a fechar as fronteir as da carne, tentando proibir qualquer promiscuidade orgânica com outro indivíduo, seja embora o doador da mesma espécie, da mesma raça, do mesmo tipo de sangue do receptor? Promiscuidade, diz a natureza, só mesmo para os fins de reprodução - e pelos canais competentes. Fora disso, nada.

O que é evidente é que Deus Nosso Senhor considera o animal a sua obra-prima por excelência. Cada indivíduo, cada série, tudo ótimo, não são suscetíveis de alteração. Chega-se mesmo a duvidar da teoria da evolução, na qual se acredita mais por uma questão de fé, pois ver de verdade nunca vimos; nunca fomos, que eu saiba, testemunhas de nenhum processo de evolução em marcha num organismo vivo. Tanto quanto me deixa saber a minha ignorância, tudo ainda são teorias. As alegadas provas que se apresentam a respeito, são fósseis. E depois do bicho virado pedra, passados milhões de anos - trata-se pelo menos de um testemunho por demais longínquo, não?

No reino vegetal não há tanto rigor. Milhares de vegetais pegam de galho e recebem enxertos de variedades diferentes. A glória da jardinagem, da horticultura e da floricultura está mesmo na criação desses híbridos por enxertia. E há organismos animais, como a ameba, que se dividem; e há lagartixas que conseguem fazer crescer outra vez a cauda decepada. E os jornais sensacionalistas tentaram fazer crer que em laboratórios já se criam cães de duas cabeças, mas cadê esses cães?

Por ora, a regra velha ainda vinga: Deus considera perfeitos os homens e os bichos, tais como os criou, e não admite alterações na sua morfologia. E até mesmo os híbridos por cruzamento, a natureza permite mas não gosta deles, tanto que os faz estéreis.

Realmente, se e quando o homem puder interferir na morfologia das espécies, mal se pode pensar a que fantasias loucas se entregará a humanidade desvairada. Aliás, o processo já anda muito adiantado com clonagem. Desde que apareceram na mídia as comoventes fotos da ovelha Dolly e sua breve peregrinação por este mundo, o caminho ficou aberto e até a novela de televisão já trouxe o clone humano - aquele patético Leo - para um simulacro da vida real.

Freguesia é que não vai faltar. Os patrões gananciosos que pagassem a criação de operários com quatro braços, para que pudessem trabalhar a quatro mãos? E a cantora riquíssima que pretendesse obter uma garganta tipo Maria Callas? Ou, pior de tudo, o ditador megalomaníaco que exigisse dos clonadores uma espécie de supersoldados, para os seus exércitos, homens com couraça de jacaré, estômago jejuador de camelo, força de cavalo; e, além disso, miolos de burro para que obedeçam cegamente ao seu senhor?

E não se diga que o homem não faria isso, porque tem amor ao seu corpo tal como ele é; o homem não tem amor a nada, o homem é doido. Tanto quanto pode, ele já se desfigura com tatuagens, brincos, batoques, cicatrizes - e operações plásticas de efeitos duvidosos. E só achar quem faça.


Editorial

A DIATRIBE DO PAI DE ROSEANA

A violência retórica nunca foi o forte de José Sarney. Afável por temperamento, as maneiras cativantes, o gosto pelo diálogo ameno e a falta de pendor para a contundência fizeram do senador e ex-presidente um personagem raro na vida pública brasileira - um político sem inimigos jurados, a antítese de um Antonio Carlos Magalhães, por exemplo. Essa peculiaridade se torna ainda mais sugestiva quando se tem em mente que Sarney é o fundador de um clã que há quatro décadas se aferra ao poder no Maranhão, como uma ostra à pedra, o que não se consegue apenas com a cooptação dos adversários, mediante a distribuição de prebendas: o exercício do afago requer também, se não que se use, ao menos que se mostre o chicote.

Na Presidência da República, esse afável oligarca, ao mesmo tempo que contribuía efetivamente para a consolidação da democracia recém-restabelecida, escancarou o governo ao fisiologismo e ao favorecimento. No afã de estender o próprio mandato a cinco anos, levou ao pé da letra a deplorável prática do "é dando que se recebe". A denúncia desses procedimentos e a promessa de moralizar a administração, como se recorda, foram decisivas para a eleição de Fernando Collor. Mas, com o passar do tempo, o atributo da bonomia acabou prevalecendo sobre os aspectos menos louváveis da trajetória de Sarney. Fixou-se assim uma espécie de manto protetor sobre um telhado de vidro conhecido da grande maioria das brasileiras e brasileiros.

Pois essa "biografia que se recuperava bem", no dizer da colunista Dora Kramer, sofreu uma recaída talvez irreversível quando - por uma combinação de amor paterno e interesse político - o senador Sarney foi à tribuna para cobrir com uma intoxicante cortina de fumaça o escândalo que praticamente alijou da sucessão presidencial a sua filha Roseana. Numa constrangedora agressão ao seu estilo recatado, Sarney embaralhou verdades e mentiras, disparou a torto e a direito acusações sem fundamento, brandiu artigos de jornais e revistas que apenas exprimem o que os seus autores gostariam que fosse a realidade, fez insinuações sibilinas sobre o presidente Fernando Henrique e transformou o ex-ministro e candidato tucano José Serra numa espécie de gênio do mal, dotado de superpoderes que lhe permitiriam manipular, como marionetes, procuradores federais, delegados, juízes, ministros de tribunais superiores - tudo para remover quem quer que se interponha no seu caminho.

Nessa desatinada diatribe, fulminada logo em seguida pela arrasadora argumentação - porque alicerçada, esta sim, em dados objetivos - do líder do PSDB no Senado, Artur da Távola, Sarney tentou tornar crível a existência de uma colossal urdidura palaciana contra a governadora do Maranhão, por ter ela querido ir além do papel de vice que lhe pudesse ser oferecido na chapa governista. Como se a legítima ação da polícia, que recebeu da Justiça a incumbência expressa de cumprir um mandado de busca e apreensão, visasse "à governadora" - e não à empresa Lunus, de que ela é sócia com o marido Jorge Murad, suspeita de envolvimento em fraudes na Sudam e cujos cofres abrigavam a soma de R$ 1,34 bilhão, de origem nebulosa. Desde que começaram as investigações sobre desvios de recursos na autarquia, em 1998, "mais de setenta" mandados do gênero foram emitidos e executados, informou Artur da Távola.

O líder tucano desmoralizou também a denúncia de que Serra é alvo de um processo para "reparação de danos ao erário". Sarney omitiu que o processo - uma ação popular - se refere a pagamentos recebidos pelo candidato por sessões a que não teria comparecido no Senado. Omitiu também que, entre outros acusados na mesma ação popular, figura ele próprio, José Sarney. A importância dessa passagem menor do discurso está em que ela serve de amostra fidedigna da infeliz peça oratória do ex-presidente. De qualquer forma, dissesse ele o que dissesse para mascarar o infortúnio da família, a fábula da conspiração já se tinha esvaído.

Mas ele foi adiante, insistindo em que "planejou-se o escândalo com o objetivo de afastar Roseana da sucessão" e ameaçando pedir observadores internacionais para garantir a lisura das eleições que, segundo Sarney, o presidente Fernando Henrique estava disposto a ganhar ainda que tivesse de recorrer aos métodos do ex-presidente Fujimori, do Peru. Foi fácil para o líder do governo, senador Artur da Távola, completar o estilhaçamento do seu telhado de vidro - que começara com a descrição dos seus padrões político-administrativos - lembrando quem esteve com a ditadura militar e quem lutou pela democracia durante aquele período.


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03/22/2002


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