Pressa na Câmara



Pressa na Câmara O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), antecipou-se à reunião de líderes marcada para hoje e enviou ontem ao corregedor Barbosa Neto (PMDB-GO) pedido de abertura de sindicância para apurar denúncia contra Damião Feliciano (PMDB-PB), presidente da CPI das Obras Inacabadas. Ele é acusado de tentar extorquir dinheiro de empreiteiras responsáveis por obras públicas sob suspeita de irregularidades. A denúncia contra Damião levou os líderes dos partidos a extinguir a CPI. Diante dos indícios de que houve ingerência política para barrar os trabalhos da comissão, Aécio pediu pressa nas investigações. A oposição pretende reforçar o trabalho da corregedoria, propondo a criação de uma comissão da Mesa para analisar os passos da CPI. — O presidente Aécio garantiu toda a transparência possível na apuração desse caso e já autorizou o acesso a todos os documentos da CPI — disse o secretário-geral da Mesa, Mozart Viana. Os indícios de que houve uma operação para dificultar as investigações poderão ser encontrados nas atas das reuniões da comissão. João Coser (PT-ES), integrante da CPI, afirmou que na última sessão da comissão, dia 18, houve pressão de deputados governistas para impedir a aprovação de requerimentos de quebra de sigilo bancário e fiscal de empresas investigadas. — O deputado Luciano Pizzato (PFL-PR) apresentou-se na condição de vice-líder do governo para encaminhar contra a aprovação dos requerimentos. Com o fim da CPI, as empreiteiras devem estar morrendo de dar risadas. Estávamos começando a chegar perto das obras públicas superfaturadas — disse Coser. Deputados se retiraram para não dar quorum Autor dos requerimentos de quebra de sigilo, Norberto Teixeira (PMDB-GO) disse que houve uma verdadeira manobra para proteger os empresários. Ele queria a abertura do sigilo fiscal e bancário das empresas Bolognesi Engenharia, responsável por obras na BR-386, no Rio Grande do Sul; e CBPO, Sultepa, Carioca, Christian Nielsen e Ivaí, consórcio para recuperação do Porto de Rio Grande. Na prestação de contas da Bolognesi, segundo ele, foram apresentadas 27 notas inidôneas, de R$ 116,9 mil, com fortes indícios de fraude. — Não posso falar pela maioria, mas os deputados que estavam na comissão e se retiraram para prejudicar o quorum não queriam quebrar esses sigilos — acusou. A pressão agora é para identificar o autor das denúncias contra Damião. Deputados de vários partidos apontam o líder do PSDB, Jutahy Magalhães (BA), como a pessoa que teria recebido informações de empresários sobre a tentativa de extorsão. Jutahy diz que tudo que ouviu sobre o assunto lhe foi passado pelo relator da CPI, Anivaldo Vale (PSDB-PA). — Não recebi denúncia de ninguém. Só relatei ao líder os rumores freqüentes na comissão de que estava havendo tentativa de extorsão — afirmou. O líder do PDT, Miro Teixeira (RJ), que vai propor a criação da comissão para acompanhar os trabalhos da corregedoria, pede a Jutahy que esclareça se foi ou não procurado por empreiteiros: — O depoimento dele é fundamental, porque é reconhecidamente um homem de bem — disse Miro. — O deputado ou líder que recebeu a denúncia tem que aparecer e contar exatamente o que houve. O anonimato só reforça a tese de que há um esquema por trás disso tudo — disse o líder do PT, Walter Pinheiro (BA). Não é a primeira vez que a Câmara se depara com denúncias de extorsão envolvendo parlamentares. Há cinco anos, Pedrinho Abrão (GO), então líder do PPB, foi acusado de ter cobrado comissão de 4% (que na época equivalia a R$ 10 milhões) para manter no Orçamento os recursos previstos para a barragem do Castanhão, no Ceará. A diferença é que o acusador tinha nome: Alfredo Moreira, diretor da empreiteira Andrade Gutierrez. A denúncia resultou num processo de cassação do deputado. Apesar de o diretor da empreiteira confirmar a acusação em depoimento à Câmara, prevaleceu o espírito de corpo. Um ano e meio depois, Abrão foi absolvido no plenário por 247 votos a 164, 30 abstenções e oito votos em branco. Hoje o presidente do Tribunal de Contas da União, Humberto Souto, entregará ao presidente da Comissão Mista de Orçamento, senador Carlos Bezerra (PMDB-MT), a relação das obras em situação irregular que não podem receber recursos para o Orçamento de 2002. O número subiu de 90 para 121. Articulação pode perder força no comando do PT SÃO PAULO. Além da demora na totalização dos votos, o PT poderá sair das eleições para a escolha de seu novo presidente e do diretório nacional com mais um problema. Com a frustração da estimativa de que 350 mil filiados votariam — não passaram de 200 mil — a corrente majoritária na atual executiva, a Articulação, que tem à frente o deputado federal José Dirceu (SP), já reeleito, poderá perder espaço na direção nacional para integrantes das outras chapas que disputaram a eleição. A participação de correntes não alinhadas com a direção nacional pode trazer problemas à política de alianças e ao tom moderado que a executiva nacional defende para a eleição presidencial de 2002. O ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont, segundo colocado na eleição, calcula que a Articulação, que obteve cerca de 54% dos votos, ocupará, além da presidência, nove das 18 vagas da executiva nacional. — O resultado mais significativo desse processo é que a composição vai ficar mais representativa — afirmou Pont. Já na avaliação do deputado José Genoino (SP), presidente interino do partido e representante da Articulação, a nova configuração não oferece risco de grandes alterações na condução política do PT. Crescimento de Roseana Sarney nas pesquisas anima caciques pefelistas BRASÍLIA. O crescimento da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), nas pesquisas para a disputa presidencial do ano que vem será confirmado esta semana. Ela deve aparecer pela primeira vez no segundo lugar da preferência do eleitorado em pesquisas de dois institutos. — O partido já pode dizer que tem candidato à Presidência. Vice não tem sentido, levando em conta o desempenho dos candidatos governistas — afirmou o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, que até há pouco tempo defendia abertamente a candidatura do tucano Tasso Jereissati, governador do Ceará. Em pesquisa realizada pelo Ibope, a governadora aparece em segundo lugar em pelo menos dois cenários. Num deles, está à frente do ex-governador Ciro Gomes (PPS); do governador de Minas Gerais, Itamar Franco (PMDB); e do ministro da Saúde, José Serra (PSDB). Roseana fica um ponto atrás de Ciro em uma simulação feita sem Itamar. Na pesquisa do Instituto Sensus para a Confederação Nacional dos Transportes, que será divulgada hoje, Roseana também deverá aparecer em segundo lugar. — Quem tem esse índice merece ser tratada como uma candidata titular e não como uma vice — disse ontem o senador Agripino Maia (PFL-RN). No Rio, o presidenciável do PPS, Ciro Gomes, elogiou a governadora pefelista. — Ela tem feito um governo com algumas virtudes no Maranhão. É uma pessoa muito delicada, muito hábil. Acho que é uma boa presença no debate. Ela tem valor — disse Ciro Gomes. TRF mantém quebra de sigilo de Maluf SÃO PAULO. O Tribunal Regional Federal (TRF) negou ontem o pedido dos advogados do ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) para que o sigilo bancário dele e de seus parentes na Suíça não seja quebrado. Os advogados ainda poderão recorrer ao próprio TRF. Mas, ao indeferir o pedido, o juiz Erik Gramstrup adiantou que, embora os parentes tenham direito à vida privada, como alega Maluf, no caso do ex-prefeito a quebra é possível por se tratar de supostos crimes contra o sistema financeiro e a administração pública e os parentes podem ter sido usados para abrir as contas. A quebra foi determinada pelo juiz da 8 Vara Criminal da Justiça Federal, Fernando Moreira Gonçalves, no dia 14. Gramstrup disse, em seu despacho, que “é certo que os parentes do ex-prefeito não são réus da acusação de fraude na emissão de títulos públicos, porém, também é seguro que a 8 Vara pretende obter provas de supostas camuflagens do dinheiro desviado”. Também ontem, o juiz do Departamento de Inquéritos Policiais, Maurício Lemos Porto Alves, recebeu do Ministério Público do estado os pedidos de documentos e de informações às autoridades da Ilha de Jersey, já traduzidos. O juiz deve enviar o pedido nos próximos dias. Dois dos advogados de Maluf mandaram uma carta para a imprensa afirmando que o Ministério Público tem violado os direitos do ex-prefeito e vazado informações sigilosas para a imprensa. O promotor Sílvio Marques disse que ele e seus colegas não responderão a Maluf e seus advogados. — Não vamos mais perder tempo respondendo a essas cartas. Estamos guardando esse material, para, quem sabe, representar no futuro — disse o promotor. Procuradoria denuncia Estevão e sua mulher por crime de evasão de divisas BRASÍLIA. O Ministério Público Federal pediu ontem abertura de processo na Justiça contra o ex-senador Luiz Estevão e sua mulher, Cleucy Meireles, por crime de evasão de divisas. Eles teriam contas bancárias no exterior não declaradas à Receita Federal e ao Banco Central. Estevão e Cleucy são apontados como titulares de quatro contas abertas com os nomes fictícios de Leo Green e James Towers no Delta Bank em Miami e nas Ilhas Cayman. O crime pelo qual Estevão foi denunciado prevê pena de dois a seis anos de prisão. Estevão teria repassado US$ 1 milhão ao juiz Nicolau Segundo levantamento do Ministério Público, essas contas teriam movimentado cerca de US$ 20 milhões no período de 1992 a 1996. Como prova da ligação de Estevão com as contas descobertas a partir do rastreamento bancário do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, o Ministério Público incluiu na ação cópias de mensagens enviadas por fax ao Delta Bank. As mensagens conteriam autorizações assinadas por Estevão a créditos e débitos em suas contas. Uma delas teria sido usada para repassar US$ 1 milhão a Nicolau dos Santos Neto. Na ação, os procuradores Adriana Brockes, Luiz Francisco Souza e Marcelo Serra Azul citam ainda o depoimento de um ex-diretor do banco OK, de propriedade de Luiz Estevão. Jairo Torres confirmou que recebia ligações do Delta Bank pedindo que fossem confirmadas ordens enviadas por fax. Jairo disse que, nessas ocasiões, avisava a Estevão e que o empresário respondia dizendo que entraria em contato com o banco. Em outras ocasiões Estevão confirmava o envio do fax e Torres ligava para o Delta Bank, retransmitindo a confirmação. O ex-senador admite que já teve contas no Delta Bank, mas não em nome de Leo Green e James Towers. — O Ministério Público já inventou 27 contas minhas em todas as partes do mundo. Não tenho nada a ver com essas contas — disse Estevão. Ex-senador contratou advogado nos EUA O ex-senador afirmou ainda que o depoimento de Jairo Torres é a melhor prova de que não estava envolvido na movimentação das contas em nome de Green e Towers no exterior: — Essa história de que eu mandava o fax para o banco e eles ligavam para outra pessoa para confirmar é uma coisa maluca. Por que não ligavam para mim? Estevão afirmou ainda que contratou advogado nos Estados Unidos e está processando o Delta Bank. Ele diz que quer saber de quem partiu a ordem para batizar as contas com os nomes de Leo Green e James Towers e quem fez as movimentações. — Nunca neguei que já tive conta do Delta Bank. Mas essa movimentação que o Ministério Público encontrou é esdrúxula — disse. PMDB nomeia Jader para a CCJ, que julgará recurso sobre caso Banpará BRASÍLIA. Sem levar em conta o desgaste, a cúpula do PMDB atendeu a pedido do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e o indicou para integrar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Pefelistas, oposicionistas e até peemedebistas protestaram contra a nomeação, feita pelo líder do PMDB, Renan Calheiros (AL). Como membro titular da CCJ, Jader participará amanhã da votação do recurso apresentado por ele mesmo para ampliar o prazo de sua defesa no Conselho de Ética antes mesmo da abertura do processo por quebra de decoro parlamentar. Discurso de Jader já dá pistas da renúncia O ex-presidente do Senado, ao que tudo indica, não vai se submeter ao processo. O senador faz questão de se defender, em um novo depoimento à comissão criada para analisar o caso, justamente porque deve renunciar ao mandato antes do processo, como fizeram Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (PSDB-DF). Com a renúncia, Jader manteria seus direitos políticos e poderia disputar as eleições do ano que vem. O senador não admite isso claramente, mas seu discurso nos últimos dias aponta para essa saída. — Em última análise, quem vai decidir meu futuro político é a população do Pará. Ela é que vai dizer se concorro a uma cadeira no Senado ou ao governo estadual. O Senado não vai dizer o que vou ser no ano que vem — disse Jader. Os aliados de Jader asseguram que ele é candidato ao governo do Pará. Por isso, pretende usar a tribuna da CCJ para se defender. — É um absurdo que a comissão tenha juntado depoimentos e documentos novos e não queira me ouvir sobre eles. Onde está o contraditório? — disse Jader. Antes de renunciar, porém, o senador poderá usar cartas que ainda teria na manga. Enigmático, não diz quais serão seus próximos passos, mas recomenda a leitura do Eclesiastes, um dos livros da Bíblia. — Leia o Eclesiastes, tudo tem o seu tempo — afirmou. Embora dificilmente a decisão de Renan vá modificar a tendência do Senado de abrir processo contra o senador, a atitude foi interpretada como provocação e classificada como antiética por senadores de quase todos os partidos. — Ele pediu e não pude negar — disse Renan para os colegas de bancada. O líder do PMDB disse que Jader apenas quis ter certeza de que lhe seria assegurada a palavra na sessão. Porém, entre os senadores que acreditam que ele está se preparando para renunciar, predominou a opinião de que Jader vai aproveitar a sessão para apresentar sua defesa. Oposição e PFL agem para impedir que Jader vote Outros companheiros de bancada de Jader reclamaram da decisão de Renan. — Não soa bem. Parece coisa encomendada, para votar em causa própria — afirmou José Fogaça (RS). A oposição e o PFL estão se mobilizando para tentar impedir que Jader vote, na CCJ, o parecer do relator Osmar Dias (PDT-PR) sobre o recurso para ampliar o prazo de defesa. Um senador do bloco de oposição vai questionar o direito de o peemedebista votar em causa própria. Esse senador pretende invocar o mesmo artigo do regimento utilizado pelo então presidente do Conselho de Ética, Ramez Tebet (PMDB-MS), para impedir que José Roberto Arruda, que integrava o conselho, votasse no caso da violação do painel eletrônico. — É uma provocação barata do PMDB, que vai apenas aumentar a indignação da Casa e da sociedade contra o partido — disse a petista Heloísa Helena (AL). Toninho do PT: polícia investiga crime político SÃO PAULO. Duas semanas depois do assassinato do prefeito de Campinas, Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, a Polícia Civil começa a investigar a tese de crime político. Documentos desapareceram da prefeitura logo depois do assassinato e ainda não foram encontrados. Ontem, a prefeita da cidade, Izalene Tiene (PT), políticos e sindicalistas se reuniram com o governador Geraldo Alckmin (PSDB), pedindo mais empenho nas investigações e reforço na segurança em Campinas. À noite, no Centro da cidade, cinco mil pessoas participaram de um ato pedindo justiça e mais segurança, com a presença de líderes nacionais do partido, entre eles Luiz Inácio Lula da Silva. Izalene disse acreditar na elucidação do crime. A prefeita estava acompanhada da viúva de Toninho, Roseana, e da filha deles, Marina, de 14 anos. Elas levaram a Alckmin uma lista de projetos para Campinas preparados pelo prefeito assassinado. O governador prometeu estudar parcerias com a prefeitura. Segundo policiais, as investigações em Campinas não avançaram até hoje. Só na semana passada secretários e funcionários da prefeitura começaram a ser ouvidos. Quadrilhas de assaltantes foram investigados, mas nenhuma pista foi encontrada. Artigos As conseqüências econômicas do terror PAULO RABELLO DE CASTRO É preciso lembrar onde estávamos, ainda ontem, na virada do velho milênio, para realizarmos a efetiva grandeza da frustração psicossocial que hoje domina o mundo. A partir daí, talvez seja possível chegar a algumas ilações preliminares sobre como sofrerá o Brasil as conseqüências do terror. Ontem, ainda na virada de 1999 para 2000, só se falava em “nova economia” e do admirável mundo novo que se abria aos olhos dos incluídos nos benefícios das fantásticas tecnologias do novo milênio. Muitas foram as “certezas” assumidas por observadores convictos do fim da era das instabilidades. A passagem incólume pelo bug do milênio — que poderia haver trazido a paralisação dos computadores e dos negócios mundo afora — reforçava em quase todos a sensação de certeza absoluta sobre o futuro. A bolsa de ações Nasdaq chegou ao seu pico no início de 2000, refletindo uma condição quase delirante (ali o delírio parecia realidade para a grande maioria) de um mundo cujos fundamentos de avaliação de negócios não estariam mais assentados apenas em lucros presentes e projetados, mas em curvas sempre ascendentes de receitas futuras. A constatação da frustração em relação às certezas da nova economia antecipou-se ao choque psicossocial dos últimos acontecimentos. Os analistas econômicos dos países avançados, majoritariamente, previam um pouso suave, sem recessão, das economias maduras, neste segundo semestre de 2000. Nas últimas semanas, esta visão otimista já passava a considerar adiado o horizonte da bonança até os primeiros meses do próximo ano. Agora sobreveio o terror. A partir dele, e de seus efeitos poderosamente paralisantes, já não se pode prever pouso suave, nem mesmo quando (ou onde) o avião da economia mundial pousará. A analogia aeronáutica, da economia associada a um objeto voador, é incompleta e inadequada. Economias não pousam, no sentido da suspensão absoluta de suas atividades. Ainda bem. Trata-se, pelo contrário, de antecipar como serão as condições do tempo na rota da contínua viagem à frente. Somos todos viageiros do tempo. O que se pode deduzir, então, daquela “economia da certeza”, que regrediu, de repente, à conhecida velha economia, pontuada por incertezas de todo gênero? Com todos os seus imensos defeitos, a velha economia das incertezas é bem mais manejável do que a nova economia da felicidade sem sustos. A chave da saída é, portanto, o conhecimento acumulado pelos homens e a força da sua experiência. Relembro a lição de J. M. Keynes, no seu clássico “As conseqüências econômicas da paz”, publicado logo após o término da I Grande Guerra. Neste livro, Keynes trazia uma crítica profunda e amarga às reparações de guerra acertadas pelos aliados de 1914 e impostas à Alemanha de Weimar. Não fazendo justiça ao elaborado pensamento do admirável economista inglês, o resumo da tese diria que o tamanho das reparações exigidas e a dureza dos termos impostos à Alemanha trariam a desgraça econômica ao inimigo derrotado, frustrando tanto a coleta dessas indenizações como, pior, espalhando conseqüências nefastas às economias dos próprios aliados. No delicado momento atual, a lição de Keynes é resgatada com grande oportunidade. Se os EUA, com seu imenso poderio bélico, exigirem reparações além da conta (e que conta será essa? Homem por homem? Dez talibãs por cada americano sacrificado?) estaremos fadados a escalar um processo conhecido de perdas sucessivas, de parte a parte, com envolvimentos inesperados de quem hoje tenta se posicionar com mais racionalidade, embora repudiando e lamentando a barbárie dos atentados terroristas. Nunca antes a vulnerabilidade doméstica dos aliados ocidentais foi tão escancarada. Não se pode fazer comparações razoáveis, mas a retaliação ao terror, uma vez estando este entranhado no tecido das sociedades ocidentais, pode gerar uma escalada de mais horror e ainda maior paralisia econômica. As sociedades capitalistas e democráticas estão sustentadas pela viga mestra da confiança que preside às relações econômicas existentes no mercado, e que mantém a expectativa de cumprimento dos contratos. O terror é a antítese da confiança. Por isso, o que a infausta seqüência de ações terroristas produziu é muito pior do que a soma dos graves prejuízos materiais já calculados. O que trincou no edifício das sociedades livres foi a base da confiança relacional. Mesmo sem considerar as conseqüências supervenientes à próxima retaliação americana, que apenas se iniciou, o prejuízo projetado, em valores de capital, perdido e a perder, nas bolsas de valores, passa de US$ 3 trilhões, em nível mundial, a partir da véspera do atentado. Logo, esse número preliminar ultrapassa qualquer ação fiscal compensatória por parte de governos, por mais ricos e poderosos que sejam. O tamanho final da evaporação de riqueza, obviamente, dependerá do andar de confiança onde estava o mundo, antes desse choque. Portanto, despencar de um andar mais alto produz conseqüências muito mais desastrosas do que resvalar alguns poucos metros até o chão. Dificilmente o conjunto dos gastos militares dos EUA compensará, neste primeiro momento, as reações sistólicas dos empresários e dos consumidores, contraindo investimentos e decisões de gastos, e assim afetando todas as cadeias produtivas em maior ou menor grau. Ninguém sabe ao certo a extensão final do processo contracionista. Só sabemos que não podemos endossá-lo nem reforçá-lo. Mas a certeza de que as contrações ocorrerão já motivou um corte generalizado de juros, à exceção de uns poucos países, como o Brasil, infelizmente. Não se avaliou ainda o impacto resultante da contração mundial sobre o emprego (mal se anunciam os cortes de postos de trabalho em grandes empresas globais). Pode-se, no entanto, enxergar que o mundo já encomendou, sem querer, uma forte desaceleração entre 2001 e 2002. Situamos o Produto Interno americano em 0,5% em 2002 (uma estimativa muito preliminar) contra 2,5% estimados antes da reação ao choque terrorista. O Produto Interno mundial também deve crescer bem menos, algo na faixa de 1,5%. A evolução do comércio global — fator crítico para o Brasil — tende a expandir-se em 2,5% no ano que vem, contra mais de 13% alcançados em 2000. São projeções “heróicas”, despojadas do compromisso da precisão, sobretudo porque a “justiça infinita” pode ainda gerar o “terror interminável”, até que se esgote o poderio financeiro do inimigo invisível. Mas o que significam, na prática, tais sinais para o Brasil? Acenderam-se todas as luzes vermelhas de alerta sobre a economia de um país financeiramente vulnerável como o nosso. O flanco desprotegido do Brasil não é o étnico, nem o técnico, mas o parestésico. Explico. Sofremos de parestesia financeira, uma espécie de dormência crônica dos membros locomotores do nosso corpo coletivo, provocada pela falta de capilaridade do crédito bom e pela alta tensão dos juros e câmbio na corrente produtiva. Crescemos pouco, nossas juntas doem; movimentamo-nos com profundo sofrimento. Se colhidos agora pelas rebarbas paralisantes do terror, estaremos condenados a um par de muletas alugadas, por empréstimo, no ambulatório financeiro do mundo. Temos que sair dessa. Começa a soar a hora da reação. O governo e a sociedade brasileira estarão confrontados, nas próximas semanas, por uma realidade de “guerra econômica”, nem tanto por seus aspectos bélicos ou televisivos, mas sim por seus impactos nos balanços das empresas endividadas em dólar, nas contas do próprio governo, entupido como está, de títulos atrelados ao câmbio, e à retração da demanda dos consumidores. Estas seriam as principais conseqüências do terror sobre a economia brasileira. Fim dos tempos? Pelo contrário. Por causa do tamanho desta guerra, o país terá canais políticos desobstruídos para encampar um movimento pela modernização e pelas reformas deixadas para trás, de fato quebrando as estruturas arcaicas responsáveis por nossa amargosa incapacidade de reagir e crescer, como resposta ao medo. New York, New York FLÁVIO MIRAGAIA PERRI “Stolen spirit”, diriam os índios, se devessem descrever Nova York hoje. Caíram as torres gêmeas, arrebataram-lhe a alma. Tudo voltou ao normal, o abastecimento foi regularizado, o trânsito flui lentamente e as ruas estão novamente cheias, mas faz-se o silêncio da mágoa. Outrora buliçosa e confiante, vaidosa de sua criatividade, a Broadway cancela espetáculos, os cinemas cerram portas, restaurantes e bares ressentem-se do movimento perdido. O Central Park, onde há dias ouviram-se os acordes brilhantes da Orquestra Sinfônica Brasileira, congregando brasileiros e americanos no dia da pátria, está vazio. Cães passeiam sob laço, poucas crianças ainda brincam seus brinquedos alegres. Ouve-se o vento a balançar a ramagem. É o silêncio mudo da natureza só. Nova York não está em si. Há um esforço importante dos poderes públicos, Rudolph Giuliani à frente, com sua objetividade lúcida, mobiliza meios. Estabeleceram-se centros de atendimento a feridos sob a direção da Cruz Vermelha. Mais de seis mil pessoas foram atendidas em hospitais de triagem, e distribuídas a quarenta e seis outros. Cerca de 1.600 pessoas permaneceram internadas. Os negócios devem ser retomados, o emprego não se tornará um índice negativo, visitantes são esperados de volta à cidade. O dinheiro haverá de fluir, novo! O espírito do capitalismo sopra seu reconforto. Estabeleceram-se centros de atendimento a empresas diretamente atingidas, especialistas aconselham pequenos e médios empresários a reconstruir o negócio destruído, projetos são desenhados para o refluir de recursos. Centros de realocação da massa trabalhadora constituem balcões de empregos que coordenam suas informações com as do primeiro; há projetos para reescalonar dívidas de empresas que há pouco contraíram empréstimos confiantes no futuro sem limitações da metrópole: construção, reforma ou modernização de hotéis. Nunca Nova York vira tantos ressurgirem do passado, confortáveis e bem equipados, ora vazios, sem recursos para os pagarem. Motivadas por suas próprias perdas e estimuladas pela rede hoteleira, empresas de turismo renegociam com companhias aéreas para oferecer pacotes de viagem a preços atraentes. Os preços caem, tanto em bilhetes de viagem quanto em quartos de hotéis. O comércio promove oportunidades, novas liquidações, novos lançamentos. O marketing e o advertisement ganham seu lugar necessário. São 40 bilhões de dólares destinados à reconstrução da cidade, dos logradouros, dos negócios, do emprego e da iniciativa, para a recuperação da alma perdida. Volta a imaginação, retoma-se a ousadia, que são o segredo do sucesso empresarial. Levará tempo, dizem os analistas. Nada será natural enquanto não se completarem os trabalhos de remoção dos escombros e recuperação da memória da gente que ali pereceu, que a prefeitura conta pelo número de comunicações de parentes e amigos. Seis mil trezentos e trinta e três no dia 22 de setembro, onze dias passados dos atentados. Não há pânico, não há medo, não há ódio. Há ressentimento. Um desencanto passa como brisa e esfria a alma. Nova York não merecia a perda que sofreu. Vejo entre brasileiros emigrados a crise da insegurança com seus empregos arduamente conquistados. A perda de ritmo da economia, que precedeu à tragédia, acentua-se e muitos temem sua sorte imediata. São lutadores, têm determinação e já começam a supor um reinício mais distante da metrópole que aprenderam a amar na peleja. Alguns falam no interior distante, o Texas, Utah e Minnesota. É uma possibilidade, não uma necessidade. Será um recomeço, mas para isso trouxeram em sua bagagem um item único, indispensável: a coragem, que é apanágio dos fortes. Tenho intenso contato com muitos. Dizem o que lhes pesa hoje junto à saudade. Pesa-lhes a angústia sem propósito de pais e mães que, distantes, sabem incertamente pouco e assustam-se com as notícias de guerra. O conceito dessa guerra é outro, está por ser conhecido, é novo, e a ninguém ocorre vê-lo disseminado em território americano. O terror tem suas garras e as estendeu bastante, mas a segurança é máxima, os controles redobrados e há grande fé. Pedem a parentes e amigos no Brasil que confiem. “Não temam, pois se crêem é porque há fim!”, diz um pregador. Esse é seu grito. O futuro lhes dará o que buscam. Serão felizes. Colunistas PANORAMA POLÍTICO – TEREZA CRUVINEL Saltos ornamentais Entre os presidenciáveis governistas, a melhor pontuação na pesquisa CNT/Sensus a ser divulgada hoje será de Roseana Sarney, do PFL. Mas sendo verdadeira a premissa de políticos e analistas, de que mesmo na impopularidade todo governo é capaz de garantir a seu candidato um mínimo de 20% dos votos, na fase de escolha o desempenho nas pesquisas é secundário e irrelevante. O PFL voltará a soltar fogos, mas sabe que neste momento o que mais pesa é a capacidade de aglutinar aliados, e este parece não ser seu objetivo quando abre fogo contra o PMDB. Voltando à tese dos 20% de votos inerciais, o próprio pai de Roseana, o ex-presidente José Sarney, confessa seu arrependimento por não ter lançado um candidato à própria sucessão em 1989. Com 20% dos votos ele chegaria ao segundo turno e enfrentaria Collor em lugar de Lula, que no primeiro turno teve pouco mais de 17%. Essa capacidade de transferência inerente ao Executivo, segundo os especialistas eleitorais, deriva em parte da existência de um “governismo inercial” na sociedade, correspondente a um mínimo de 5% dos votos. Um nicho composto por gente que, em qualquer circunstância, vota sempre no governo. O resto seria alcançado com o benefício da máquina federal, somada ao desempenho das máquinas locais (governadores e prefeitos) numa eleição casada. Sendo assim, para a escolha propriamente dita do candidato não importa muito que ele tenha hoje, a um ano da eleição, 10% ou 12%. Sob a proteção do governo, e não cometendo erros fatais, chegará aos 20% quando a campanha estiver no pique. Nessa fase seletiva, peso maior deve ter a capacidade de articulação e aglutinação tanto do pretendente como de seu partido. Nesse aspecto, apesar dos índices crescentes, que culminam na pesquisa de hoje, Roseana continua sendo a mais frágil dos candidatos governistas. O PFL investiu em seu nome, deu-lhe todo seu tempo de TV, não partiu para a busca de aliados. Contra o PMDB, um aliado potencial, partiu para a guerra há algum tempo. E dos tucanos é que o PFL não deve esperar adesão, apesar da cortesia do presidente quando diz que o candidato pode ser de outra sigla da coalizão. Segundo tais critérios, a candidatura governista mais forte continua sendo a do ministro José Serra. Seus índices, bem melhores do que os dos demais tucanos, podem chegar aos 20% com o impulso do governo. E se o que importa hoje é apoio partidário, ele o tem tanto no PSDB como no PMDB. Por tudo isso o PFL blefa quando ameaça com candidatura própria. Diferentemente do PMDB, que, apesar de sua maioria governista, sofre a cobrança forte das bases para enfrentar a disputa com um nome e projeto próprios. O senador Ney Suassuna pode enfim realizar o sonho de ser ministro. Como candidato do PMDB a governador da Paraíba, teria três meses de visibilidade. FH decide esta semana.Olhos postos Esta é uma semana decisiva para o futuro do mundo, que desde os ataques terroristas do dia 11 espera com apreensão pela reação militar dos Estados Unidos. Apesar do deslocamento de tropas para a região do Golfo Pérsico, a prioridade americana agora é a consolidação de sua ampla aliança contra o terrorismo. Se o apoio político e a solidariedade internacional foram infinitos, a disposição para uma guerra no vespeiro da Ásia parece não ser a mesma. A União Européia e a Otan querem provas do envolvimento de Osama bin Laden, prometidas pelos EUA para quinta-feira. A OEA, reunida por iniciativa do Brasil, impôs limites para a ação militar: respeito ao estado de direito e aos direitos humanos. A expectativa brasileira, diz uma fonte diplomática, sempre foi essa, nunca o alinhamento automático. A adesão dos Estados árabes também é fundamental para os EUA e parece depender de alguma ação efetiva para solucionar o conflito entre Israel e os palestinos. Na opinião pública mundial (e mesmo aqui no Brasil), o sentimento único de apoio irrestrito aos EUA começa a dar lugar a manifestações pela paz. Talvez sejam os primeiros sinais de que a serenidade vai substituindo a cólera que se seguiu ao ultraje do ataque.Veneno no ar A Comissão de Relações Exteriores da Câmara examina amanhã requerimento do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) convocando o prefeito Mohamad Kassem Jomaa (PFL), da cidade gaúcha de Chuí, a explicar supostas ligações com o terrorista Bin Laden. O deputado não tem provas ou indícios de tal envolvimento. Baseia-se em notícias da imprensa sobre obscuras ligações do prefeito com o terrorismo. Os membros da comissão estão cautelosos. O tempo é de intolerância e caça às bruxas.Ponte da Discórdia Se algum ganho o Brasil pode ter com a cruzada antiterrorista é a remoção do estorvo da tríplice fronteira, por onde circulam contrabando, drogas, armas e, segundo os americanos, terroristas. A Ponte da Amizade, que já não merece esse nome, foi fechada ontem dos dois lados por trabalhadores brasileiros e paraguaios em disputa pelo mercado de trabalho. Em busca de solução, a representação brasileira na Comissão Parlamentar do Mercosul reúne autoridades do Brasil e dos demais países hoje no Congresso.INCLUÍDO na pesquisa CNT/Sensus, o ministro Pedro Malan teve índices irrisórios de intenção de voto. Não deve se importar. Tudo o que deseja é que não se fale mais na candidatura que sempre negou. Editorial Ações concretas O debate mundial sobre a forma e a profundidade da reação militar dos Estados Unidos aos atentados terroristas inclui argumentos de todos os tipos — os mais serenos e os mais exaltados, os mais honestos e os mais oportunistas. Talvez não pudesse ser diferente numa discussão que mistura ética, estratégia bélica, ideologia e uma quase absoluta ignorância sobre o que realmente os EUA pretendem fazer. Mas há medidas que o governo americano já tomou ou anunciou, como as duas conhecidas ontem; sobre ambas não há muito espaço para divergência: só adeptos declarados do terrorismo podem negar-lhes apoio. A primeira e a mais importante foi a ordem executiva assinada pelo presidente George W. Bush congelando as contas bancárias de 27 pessoas e organizações associadas a Osama bin Laden. A medida só será realmente eficaz caso todos os sistemas bancários do mundo atendam ao apelo de Bush para que imitem o seu gesto — e deve fazê-lo. Se Bin Laden ficar limitado aos recursos que tem em países amigos, como o Iraque, a mobilidade de seus agentes no Ocidente — onde estão seus alvos — estará bastante limitada. Os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono mostram que ele pratica um tipo muito caro de terrorismo. Fechar-lhe as portas dos bancos não extinguirá o risco de atentados, mas é, sem dúvida, algo que deve ser feito por todos os países que se dizem dispostos a agir contra o terrorismo. Na verdade, a rede bancária internacional já deveria há muito tempo ter tomado medidas para identificar e repudiar o dinheiro sujo que chega a seus cofres. No caso dos bens das organizações ligadas a Bin Laden, seria uma forma de justiça poética — e também politicamente eficaz — se o dinheiro capturado fosse entregue a programas assistenciais legítimos no Terceiro Mundo. A outra iniciativa de Washington, em preparo, visa a provar a responsabilidade de Bin Laden no atentado do dia 11 e no ataque a duas embaixadas americanas em 1998. Haverá um relatório público, e um secreto, a ser enviado diretamente a governos. Dependendo da confiabilidade de cada destinatário, os dossiês serão mais detalhados ou menos. Mas fontes do governo americano asseguraram ontem que de qualquer forma será provada sem sombra de dúvida a culpa de Bin Laden. As informações serão distribuídas antes da iniciativa militar dos EUA: representam munição para os governantes muçulmanos que apóiam a retaliação. A ofensiva financeira e a campanha da informação poderão ter papel importante no enfraquecimento da mais ameaçadora organização terrorista do mundo. São ações legítimas e pertinentes. Topo da página

09/25/2001


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