Rascunhos do Congresso desmontam ideia de que obras nasciam sem esforço



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Quando falava do processo criativo, Oscar Niemeyer por vezes dava a entender que as grandes ideias simplesmente batiam à sua porta, que nasciam com a mesma naturalidade dos rabiscos despretensiosos de uma criança.

— O museu de Niterói surgiu espontaneamente por ser um promontoriozinho à beira do mar, e o projeto tinha de ter só um apoio central. Então, surgiu feito uma flor, um cálice. O Memorial da América Latina surgiu também de repente. Uma vez, lá na França, estava pensando na mesquita de Argel e fiz. Levantei de madrugada e desenhei — disse, numa entrevista.

Quando se observam os croquis, a explicação chega a convencer. As linhas se mostram livres, leves, simples até. Uma análise mais cuidadosa, porém, revela que não era bem assim. A genialidade de Niemeyer não advinha só da mera inspiração. Embora não costumasse admitir — aparentemente por modéstia —, os projetos também eram ¬resultado de trabalho hercúleo.

O Congresso Nacional é o melhor exemplo. Antes de chegar à silhueta definitiva, com as duas grandes cúpulas e os arranha-céus gêmeos, Niemeyer passou pelo menos cinco meses de 1957 obstinadamente debruçado sobre o projeto. Desse período, sobreviveram nada menos do que 130 folhas de papel com as mais diversas concepções.

Clássico

Ainda que à primeira vista não pareça, Niemeyer resgatou princípios de sua formação clássica, na Escola Nacional de Belas Artes, para projetar esse exemplar da arquitetura moderna. Decidiu que o Congresso teria cúpulas e colunas — símbolos inequívocos do poder. O Parthenon, em Atenas, e o Senado de Roma não teriam a mesma força simbólica sem as colunas. Tampouco o plenário da ONU, em Nova York, e o Capitólio, em Washington, sem as cúpulas.

Tendo em mente os ¬elementos básicos, Niemeyer sentou-se diante da prancheta. Fez versões em que as duas cúpulas não existem. Versões em que estão voltadas para baixo. Versões em que elas, em vez de repousarem sobre o prédio envidraçado horizontal, brotam à frente dele, no ponto onde hoje ficam a rampa e os espelhos d’água. Versões em que, no lugar das torres gêmeas, há um único arranha-céu. E até versões em que as atuais torres estão deitadas no chão, com as duas cúpulas em lados opostos do prédio comprido — visto do alto, o conjunto lembra o símbolo de porcentagem.

As colunas também se apresentaram como um desafio. Os primeiros esboços retratam o Congresso ostentando a mesmíssima colunata pontiaguda do Palácio da Alvorada. Elas surgem ora no edifício envidraçado horizontal, de ponta a ponta, ora nas torres  gêmeas, de alto a baixo. No final, o arquiteto achou por bem abandonar essas colunas. Elas, por serem tão especiais, acabariam tirando a atenção dos traços monumentais do conjunto. Adotou colunas de formato cilíndrico, na fachada do prédio horizontal — simples e discretas.

— As mais de cem pranchas do Congresso desmistificam a ideia de que a arquitetura de Niemeyer era fácil. Os acertos vinham depois de incontáveis tentativas. Ele errava, errava e errava, até acertar. Havia não apenas inspiração, mas também muita transpiração, o que torna sua obra ainda mais genial — explica Elcio Gomes da Silva, arquiteto da Câmara e autor de uma tese de doutorado sobre os primeiros palácios da capital.

Até mesmo a assimetria foi pensada. Niemeyer aumentou uma das cúpulas (a da Câmara), virou-a de cabeça para baixo e a afastou das duas torres. É isso o que dá harmonia ao conjunto arquitetônico. Quando as torres ficam perto da cúpula menor, esses elementos juntos ganham o mesmo peso visual da cúpula maior sozinha. Niemeyer cria equilíbrio não pela simetria, mas pelo complexo jogo de formas e volumes.

Nas entrevistas, o arquiteto explicava que essas formas eram puramente estéticas. Ainda assim, várias hipóteses populares tentam explicar as diferenças entre as cúpulas. A mais difundida diz que a da Câmara é maior porque abriga muitos parlamentares e está virada para cima porque eles, representantes do povo, estão abertos para escutar os anseios populares. E que a do Senado é menor porque é composta de poucos parlamentares e está voltada para baixo porque eles, mais velhos e representantes dos estados, ouvem a própria experiência. Satisfeito de ver sua obra mexendo com as pessoas, Niemeyer não se atrevia a desmentir as interpretações.

O Congresso foi inaugurado juntamente com Brasília, em 21 de abril de 1960. Os parlamentares nunca deixaram de pedir mudanças, principalmente novos espaços para gabinetes e comissões. Para garantir que a estrutura jamais fosse desfigurada, Niemeyer se encarregava pessoalmente das reformas. A maior intervenção foi a que ampliou o prédio horizontal, aproximando-o das torres logo atrás. Niemeyer fez a mudança a contragosto, pois o Salão Verde perdeu a vista para a Praça dos Três Poderes. No lugar das vidraças, ergueram-se paredes. Atrás delas, construíram-se gabinetes.

No papel

Outras reformas acabaram ficando no papel. Para recuperar a vista para a Praça dos Três Poderes, o arquiteto fez um croqui em que as Presidências do Senado e da Câmara seriam transferidas para gabinetes construídos atrás das torres, separados do conjunto arquitetônico. Outra de suas ideias era criar um Plenário só para os momentos em que os senadores e deputados se reunissem no Congresso Nacional. O novo Plenário ficaria no gramado que dá acesso à Esplanada dos Ministérios, debaixo da terra, conectado ao Senado e à Câmara por túneis.

— Esse novo Plenário ficaria enterrado para não comprometer as formas originais da sede do Poder Legislativo. Niemeyer era muito zeloso com as obras e seus conceitos — diz Adriano Bezerra de Faria, engenheiro do Senado.

Zeloso e fiel a princípios. Quando parlamentares lhe propuseram uma parede de vidro que delimitasse a fronteira entre o Senado e a Câmara, Niemeyer recusou-se. Respondeu que as duas Casas eram, sim, independentes, mas que precisavam estar juntas para dar vida ao Poder Legislativo. Quando lhe pediram um espelho d’água que servisse de obstáculo para uma hipotética multidão decidida a invadir o Congresso, também disse que não. Mas acabou cedendo, sob a condição de que no ponto mais alto do terreno se fizesse uma concha acústica capaz de projetar os gritos dos manifestantes para dentro do prédio. O espelho d’água foi aberto, mas a concha acústica jamais foi construída.



07/12/2012

Agência Senado


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