Representantes dos indígenas pedem revogação do decreto que reformula Funai
O decreto presidencial que reformulou a estrutura da Fundação Nacional do Índio (Funai) e extinguiu administrações regionais da entidade (decreto 7.056/09) é ilegal e inconstitucional e deve ser revogado. Essa é a opinião dos representantes indígenas e de servidores da Funai que participaram de audiência pública que discutiu na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) os problemas gerados ao indígenas a partir de edição do decreto.
Eles informaram que será criada comissão representativa de indígenas de todo o país para consolidar as propostas relativas ao decreto. O presidente da CDH, senador Cristovam Buarque (PDT-DF) se comprometeu a intermediar suas reivindicações com o presidente da Funai, Márcio Meira, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, e com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso.
Ao editar o decreto sem consultar os povos indígenas, argumentou o vereador de Campinápolis (MT), Jeremias Pinita'Awe, o presidente da República desrespeitou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tal documento exige observância dos interesses dos povos envolvidos quando decisões legislativas ou administrativas possam afetá-los diretamente. Ele disse que os povos indígenas esperavam desde 2003 que o governo promovesse uma discussão "aberta e séria" com eles sobre implementação de políticas indigenistas, bem como relativa a reformulação da Funai, o que não aconteceu.
Alem de desrespeitar a convenção da OIT, afirmou o vereador, o decreto alterou a finalidade da Funai, o que deve ser feito apenas por Emenda Constitucional. Em sua avaliação, há violação dos direitos humanos dos indígenas, que ficaram numa situação de vulnerabilidade após a edição do decreto.
- Não podemos interferir na conveniência e oportunidade da administração pública ao editar normas, mas o aparato estatal não pode ser usado contra uma população em situação de vulnerabilidade - disse Jeremias Pinita'Awe.
Também o representante da população indígena do Maranhão, cacique Raimundo Guajajara, observou ser inconstitucional o decreto por violar os direitos humanos desses brasileiros. Ele criticou o Parlamento por permitir que a Carta Magna seja desrespeitada.
- Estão pisando na Constituição, se eu fosse parlamentar eu me envergonharia. Verifiquem melhor a nossa lei. A Funai deve dar assistência aos índios, não aos interesses políticos. O decreto é cruelmente criminoso - ressaltou o cacique.
Na avaliação do líder indigenista, Carlos Pankararu, o decreto "é mal intencionado", uma vez que foi editado no último dia do ano passado, quando o Congresso Nacional estava em recesso e sem consultar a população indígena. Segundo ele, o presidente da Funai teria afirmado que o decreto sairia mesmo se os indígenas fossem ouvidos.
- Isso é ditadura. Se há democracia nesse país, que se coloque em prática - disse Pankararu, ao afirmar que os bandeirantes mataram os índios com armas e hoje eles são mortos com a caneta, referindo-se à edição do decreto presidencial.
Governo
O responsável pela Procuradoria da Funai, Antonio Marcos Guerreiro Salmeirão, representando o presidente da Funai, afirmou que a entidade precisava ser reformulada, pois a Constituição de 1988 passou a tratar os indígenas como capazes. Antes da promulgação da Carta atual, o índio era considerado incapaz e necessitava da tutela do Estado. Esse antigo modo de ver as populações indígenas, observou Guerreiro, ainda se encontra entre alguns servidores da Funai, que não assimilaram o novo conceito.
Antônio Guerreiro disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou o decreto para melhor distribuir servidores nas coordenações regionais e nas unidades. As medidas, destacou o representante da Funai, vão aprimorar o atendimento aos indígenas, bem como melhor alocar os recursos públicos.
O secretário de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Rafael Lopes Torres, informou que o tribunal realizou auditorias na Funai nos anos de 2002 e 2003 e encontrou problemas, especialmente ligados à estrutura do órgão. Entre os problemas apontados, explicou, estão a falta de condições para desenvolvimento dos projetos, a carência de instalações e equipamentos adequados e falta de critérios definidos para definir o que seja posto indígena e núcleo de apoio. Tais observações, destacou o representante do TCU, podem não estar mais presentes na atualidade.
Ele também fez questão de informar que o TCU não apresentou nenhuma recomendação no sentido de extinguir unidades, atribuição, conforme lembrou, que cabe ao Poder Executivo. O tribunal, em seu parecer, destacou a importância do trabalho realizado nos postos em benefício das populações indígenas, apesar dos problemas estruturais que enfrentavam. O TCU também sugeriu a qualificação da Funai como agência Executiva e não mais uma fundação.
O senador José Nery (PSOL-PA) lamentou a ausência do presidente da Funai à audiência, que justificou já ter compromisso previamente agendado em Manaus. O senador defende a observação das demandas indígenas para realizar reformulação do decreto.
Já o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) disse ser indispensável que o presidente da Funai explique ao Parlamento, aos servidores da Funai e à população indígena a motivação do decreto. O senador também sugeriu a criação de uma comissão de servidores para acompanhar as discussões entre os indígenas e a presidência da Funai.
Denúncias
O indigenista e geógrafo especialista em Gestão e Ordenamento Territorial, da Universidade de Brasília, Wagner Tramm, pediu que sejam investigadas denúncias de nepotismo na Funai, bem como as relacionadas a fraude nos processos de licenciamento ambiental. Ele também afirmou que os servidores estão sofrendo assédio moral. Coordenadores competentes são afastados de suas funções e substituídos sem nenhum critério técnico.
- A Funai está entregue às baratas, o patrimônio está abandonado, os servidores estão impedidos de atuarem e o pior é presenciar o Estado, que tem a função de estabilizar conflitos, fomentar conflitos. O decreto vai estimular a guerra inter-étnica, entre garimpeiros e indígenas - disse Tramm.
12/05/2010
Agência Senado
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