Sarney fala sobre 1964 à TV Senado



O presidente do Senado, José Sarney, gravou nesta sexta-feira (19) depoimento para um programa da TV Senado sobre os 40 anos da tomada do poder pelos militares em 1964, no qual revela que não sabia e nem participou das articulações do golpe. Segundo Sarney, ele logo passou a integrar, na área política, o grupo que apoiava a volta à normalidade democrática. Sarney também falou sobre o impacto da ditadura na arte e a cultura brasileiras.

- Foi um período de grande sombra, um período de obscurantismo, que matou a cultura - disse o senador, lamentado o vazio deixado pela ditadura, especialmente na literatura.

Na avaliação do senador, o que levou à ruptura institucional em 1964 foi a perda de autoridade do então presidente João Goulart (Jango), que não contava com apoio político ou militar que lhe garantissem condições de resistir, pois o grupo que o defendia era pequeno e a radicalização muito grande no Congresso Nacional. Diante desse quadro, a própria opinião pública respaldou o movimento que o depôs.

- Jango não tinha densidade política própria, era uma cria de Getúlio Vargas, levado à Presidência pela renúncia de Jânio Quadros, de quem era vice, e foi contestado já na hora de assumir o cargo. Ele não tinha condições de reverter o quadro - afirmou.

Sarney apontou também o contexto internacional de divisão ideológica do mundo em dois blocos, típico da "guerra fria", entre Estados Unidos e a então União Soviética, como fator que contribuiu para o rumo dos acontecimentos, e lembrou que, prevendo o acirramento dos ânimos, fez um pronunciamento como deputado, em 19 de março de 1964, apelando pela preservação das instituições.

Mas as raízes mais antigas de 1964 estão, para o senador, no suicídio de Getúlio Vargas, dez anos antes: "foi um gesto dramático, que comoveu o país e inverteu o processo que levaria à sua renúncia ou deposição, mas acabou em 64", avalia. Para Sarney, Getúlio, antes político hábil e competente, mostrou-se incapaz de negociar e conviver com os ventos democráticos do pós-guerra, apegando-se ao velho caudilhismo, cujas práticas deram a seus opositores munição para as acusações de corrupção da campanha do "mar de lama" comandada pela UDN, o mesmo partido que depois articularia o golpe.

Segundo Sarney, desde o início houve uma divisão entre os militares que queriam a volta à democracia, como o marechal Castello Branco, e os que pretendiam manter a ditadura, "uma luta interna que marcou os vinte anos da Revolução". Vencidas em 1968, com a edição do Ato Institucional nº 5, as idéias de Castello retornariam com a abertura ao estilo autoritário do general Geisel, que tinha sido chefe do gabinete militar do marechal.

Como conseqüência dessa contradição, os militares brasileiros acabaram produzindo fatos insólitos e sem paralelo no continente, conforme assinalou o senador, tais como o ditador eleito a cada quadro anos, o Congresso aberto mas restrito, a imprensa funcionando mas com censura.

Único governador de estado a protestar contra o AI-5, Sarney foi o relator no Congresso da medida que o extinguiu, e durante o período de exceção alinhou-se aos políticos que trabalhavam pela volta da democracia, tendo destacado, entre outros, Petrônio Portella, Daniel Krieger, Jarbas Passarinho, Nelson Marchezan, Aloísio Chaves e Marco Maciel.



19/03/2004

Agência Senado


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