Saturnino diz que há cobiça externa por recursos naturais brasileiros e defende a modernização das Forças Armadas
O presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), senador Roberto Saturnino (PT-RJ), defendeu em entrevista à Agência Senado, a modernização das Forças Armadas. Ressaltando o importante papel que o Congresso poderá desempenhar nesse processo, Saturnino cita estudos de prospecção do cenário mundial realizado por órgãos militares e admite que "há, sim, ameaças para o Brasil".
O senador refere-se às análises das próprias Forças Armadas, segundo as quais, dentro de 20 ou 30 anos, deve crescer intensamente a cobiça internacional sobre recursos naturais brasileiros - as reservas de água, de biodiversidade, as próprias reservas de petróleo e de biocombustíveis -, que se tornarão extremamente escassos e decisivos na relação entre as nações.
- É preciso considerá-las [as ameaças] com seriedade e, na proporção devida, dotar as Forças Armadas dos meios necessários ao seu reequipamento para fazer frente a elas - recomenda o senador que, em junho passado, tomou posse como vice-presidente do Grupo Intersetorial de Apóio às Forças Armadas, criado na Câmara dos Deputados e presidido pelo deputado Alexandre Cardoso.
Em valores reais, em 2006 as Forças Armadas vão receber apenas 52,5% do que recebiam em 1995, diz o senador, salientando que somente forças bem equipadas terão condições de afastar as ameaças por meio do chamado poder de dissuasão, que consiste em elevar substancialmente os custos humanos e econômicos de qualquer tentativa de satisfação das cobiças sobre as reservas brasileiras.
Empenhado em sensibilizar senadores e deputados para a importância de que aprovem, no orçamento geral da União, valores mais condizentes com as reais necessidades das Forças Armadas, Roberto Saturnino também tem defendido maior aproximação entre o Congresso e as instituições que integram a defesa nacional. Foi após a realização de audiência pública proposta e presidida por ele na CRE, da qual tomaram parte os chefes-militares das três Armas e o então ministro da Defesa, o vice-presidente da República José Alencar, que foi criada a Subcomissão Permanente de Defesa Nacional.
- Na medida em que o Congresso se conscientizar sobre este quadro, no momento da votação do orçamento os deputados e senadores vão ter o cuidado de ampliar, sempre dentro dos limites possíveis, a dotação para as Forças Armadas- diz, confiante, o senador.
Agência Senado - Em recente artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o senhor se refere aos riscos que podem significar para o Brasil não destinar recursos suficientes para que suas Forças Armadas, bem aparelhadas, possam atender às futuras necessidades que o país vier a enfrentar.
Roberto Saturnino - O político que quer se preocupar com o destino da Nação, tem de focalizar o longo prazo. Quer dizer, não ficar sempre na resposta ao imediatismo. A pauta do Congresso, por exemplo, é muito marcada pelo imediatismo. Sai uma notícia na mídia, aquela notícia é tratada no debate do dia, no debate da semana. Não se focalizam as questões de longo prazo, cuja preocupação caracteriza o estadista. O que é o estadista? O político que tem a feição do estadista quer ver o que vai acontecer com o país, não amanhã ou no mês que vem ou no ano que vêm, mas daqui a dez ou vinte anos. Ele se preocupa com esse horizonte.
Agência Senado - E dentro dessa perspectiva, como é que o senhor vê o tratamento que o governo vem dando às Forças Armadas?
Roberto Saturnino - O tema da defesa nacional não preocupa no curto prazo. Quer dizer, não há nenhuma ameaça. Nem de vizinho nem de potência mundial nenhuma no Brasil de hoje. Porque o Brasil desenvolveu um relacionamento muito bom com os vizinhos e as grandes potências e, por isso, não se coloca nenhuma ameaça no curto prazo. Então, a questão da defesa tende a ficar num plano inferior e isso se reflete no orçamento. Ou seja: na distribuição dos recursos escassos do país para atender as prioridades. E como a questão da defesa vai ficando numa prioridade inferior, porque no curto prazo não existem ameaças, a tendência é os recursos destinados às Forças Armadas ficarem minimizados.
Agência Senado - Apesar da ausência de qualquer perspectiva de conflito, no curto prazo, há algum indício de que, mais para frente, o Brasil venha a enfrentar dificuldades quanto à sua soberania, por exemplo?
Roberto Saturnino - As Forças Armadas têm os seus serviços de prospecção do cenário mundial. Baseadas nessas análises, elas detectam que, não em um prazo de um ou dois anos, mas em um prazo de 20 ou 30 anos, existem perigos, ameaças graves, possibilidades de agressão ao território brasileiro. Isso porque o Brasil concentra riquezas que vão ser extremamente disputadas nesse prazo de 20 ou 30 anos.
Agência Senado - Que riquezas seriam essas?
Roberto Saturnino - Não há quem não afirme que a escassez de água é um dos problemas graves que o mundo vai viver em um horizonte de dez ou 20 anos. O Brasil tem reservas de água - acho que as maiores do planeta - e uma grande biodiversidade. O desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia a partir da biodiversidade abre um campo de crescimento e desenvolvimento gigantesco. O país que tem mais biodiversidade é o Brasil, na regiãoamazônica. E tem ainda o petróleo. Enquanto as previsões apontam para o fim do petróleo lá fora, em no máximo trinta 30 anos, o Brasil está ampliando a exploração de suas reservas, com o desenvolvimento da tecnologia de exploração submarina. O Brasil está muito bem no que diz respeito ao petróleo: auto-suficiente e sem grandes pretensões de ser exportador, mas de garantir o suprimento interno. Claro que, futuramente, essa situação poderá despertar a cobiça. Sem falarmos nos substitutos do petróleo. Qual é o país do mundo que tem potencial para ter abundância de biodiesel? É o Brasil.
Agência Senado - Isso quer dizer que, independentemente de sermos um país que sempre pautou sua política externa por uma estratégia de paz, o Brasil não estaria livre de agressões externas?
Roberto Saturnino - Por tudo isso e vendo como é que as guerras são feitas, vendo a situação no Oriente Médio, em torno do problema do petróleo, isso nos preocupa. Daqui a 20 ou 30 anos, essas agressões podem se dar por causa da água ou da biodiversidade, do biocombustível ou do resto do petróleo. É um cenário que pode acontecer. Ninguém está afirmando que acontecerá. Mas há estudos que indicam que há uma possibilidade de que isso venha a acontecer. Então, é preciso prudência e a antevisão de que isso pode acontecer, para que as Forças Armadas se preparem com antecedência.
Agência Senado - Como presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que medidas o senhor considera prioritárias diante dessa situação?
Roberto Saturnino - É preciso que as Forças Armadas se preparem com antecedência. Isso tem que se dar de forma gradual, ainda mais em um país de poucos recursos. Na medida do possível, considerando a falta de recursos, os problemas sociais e outros condicionantes, é preciso ir dotando as Forças Armadas de recursos para que daqui a 20 anos elas estejam, efetivamente, preparadas para a chamada dissuasão.
Agência Senado - No que consiste, precisamente, essa dissuasão?
Roberto Saturnino - É o poder que têm as Forças Armadas de infligir um custo muito alto a qualquer nação que queira nos agredir. Ainda que essa nação seja muito mais poderosa. Mas, se a gente tiver capacidade de retaliar e infligir um custo alto, isso vai dissuadir qualquer idéia de agressão ao Brasil.
Agência Senado - Em termos de investimentos, qual é a situação das Forças Armadas? As dotações para Marinha, Exército e Aeronáutica se mantêm em torno de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB)?
Roberto Saturnino - Há uma ligeira melhoria em termos reais do que é atribuído ao orçamento das Forças Armadas. Mas os critérios de cálculo dessa percentagem (0,7% do PIB) variam muito conforme você acrescenta pessoal e previdência. Porque a previdência das Forças Armadas é gasto das Forças Armadas. O pessoal, também. Então, quando a mídia internacional faz seus cálculos para ver em que posição se situa tal país em termos de gastos com Forças Armadas, em geral se inclui a previdência. E, aí, o nosso gasto é um pouco mais alto do que o 0,7% do PIB, porque essa percentagem não considera os gastos com pessoal e previdência. Considerando isto, praticamente dobra, vai para 1,45% ou 1,55% do PIB. Mas é uma porcentagem muito baixa, tendo em vista o estado de sucateamento de armas e outras aparelhagens.
Agência Senado - Numa análise dos últimos dez anos, como foram os investimentos para a estrutura da defesa brasileira?
Roberto Saturnino - Nos últimos anos, a partir do Plano Real, em 1995, a inflação cresceu e as dotações decresceram. A partir de 2004/2005 é que houve uma pequena elevação. A defasagem é muito grande. Em valor real, as Forças Armadas estão recebendo 52,5% do que recebiam em 1995. É preciso corrigir isso. É preciso o propósito de, a cada ano, acrescer um pouco para reequipar as Forças Armadas.
Agência Senado - O senhor tem defendido uma maior articulação entre o Congresso e as Forças Armadas.
Roberto Saturnino - Exatamente. Esse diálogo recentemente está ganhando uma nova dimensão, porque foi criado na Câmara Federal o Grupo Intersetorial de Apoio às Forças Armadas, presidido pelo deputado Alexandre Cardoso. Foi instalado há menos de um mês e eu sou seu vice-presidente. Tem representantes da Câmara, do Senado, mas também de outras instituições. Assim como também foi criada a Subcomissão Permanente das Forças Armadas, dentro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, para tratar só das Forças Armadas. O atual presidente [da subcomissão] é o senador Romeu Tuma (PFL-SP). Esse diálogo está se aprofundando e a gente espera que produza bons frutos, porque, na medida em que o Congresso se conscientizar sobre esse quadro, no momento da votação do orçamento os deputados e senadores vão ter o cuidado de ampliar, sempre dentro dos limites possíveis, a dotação para as Forças Armadas.
Agência Senado - O recente reequipamento da Aeronáutica já seria uma medida alinhada com essa consciência da necessidade do aprimoramento das Forças Armadas?
Roberto Saturnino - Ficou muito aquém do projeto original, que previa a compra de aviões modernos. Por escassez de recursos, optou-se por comprar aviões usados, embora ainda em estado muito bom, que são os Mirage. Eles vão começar a chegar proximamente. Mas a Marinha está precisando de reequipamento. A Marinha precisa terminar seu projeto do submarino atômico. Isso é fundamental. Como é que o Brasil vai ter condições de defesa da chamada Amazônia Azul, como é chamada a nossa costa, onde se situa a nossa grande riqueza em petróleo?É claro que um equipamento como o submarino atômico dá um patamar muito mais elevado em termos de poder de dissuasão. Há projetos de reequipamento da Aeronáutica que incluem a transferência de tecnologia. Porque é importante não apenas comprar os aviões modernos, mas saber produzir aviões modernos e criar aviões militares, como já criamos a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer).
Agência Senado - E quanto ao aproveitamento da qualificação técnica e tecnológica dos militares na realização de projetos não militares como uma das atividades que as Forças Armadas poderiam desempenhar em tempos de paz?
Roberto Saturnino - É admirável o nível de excelência do Instituto Militar de Engenharia, no Rio de Janeiro, e do Centro Tecnológico da Marinha, em Aramar. É gente competente, dedicada, de excelência. O importante é dar condições a essas instituições altamente qualificadas.
14/07/2006
Agência Senado
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