Saúde: Atendimento especializado para deficientes auditivos é sucesso em Bauru



Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, o Centrinho, mantém quatro unidades especializados na área de audição

Confiança, alegria, esperança, auto-estima... Falar sobre as emoções e sentimentos e dar nome a cada um deles está ficando mais fácil no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), o Centrinho, da USP de Bauru. O hospital, exclusividade brasileira no tratamento de fissuras labiopalatinas e na habilitação ou reabilitação de crianças, adolescentes e adultos deficientes auditivos, mantém quatro centros especializados na área de audição, cada um com sua especificidade de acordo com o público atendido. O Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) destaca-se pelas pesquisas e procedimentos clínicos e cirúrgicos de implante coclear (dispositivo eletrônico inserido cirurgicamente).

O Centro de Distúrbios de Audição, Linguagem e Visão (Cedalvi) realiza diagnóstico audiológico, adapta aparelhos de amplificação sonora individual e demais atendimentos. O Centro Educacional do Deficiente Auditivo (Cedau) e o Núcleo Integrado de Reabilitação e Habilitação (NIRH), sob a coordenação da pedagoga Maria José Buffa, realizam trabalho terapêutico e educacional. Seus alunos são pacientes com diferentes graus de surdez, recomendados pelo Cedalvi e CPA. O objetivo, segundo a coordenadora, não é apenas a reabilitação do deficiente auditivo, mas procurar atender as suas necessidades essenciais, em relação às formas de comunicação.

No Cedau, as habilidades auditivas são desenvolvidas ao máximo, aprende-se a usar o resíduo auditivo por meio de aparelhos ou implante coclear, favorecendo a aquisição e o desenvolvimento da linguagem oral. O NIRH oferece também formas de comunicação aos surdos, com um diferencial: dá ênfase à Língua Brasileira de Sinais (Libras) e auxilia na inserção de seus alunos no mercado de trabalho.

Crianças

Cedau e NIRH têm outras facetas: ajudam os pacientes na construção, aquisição e domínio da língua portuguesa escrita, elaboram programas de capacitação para educadores que atuam com os usuários no ensino regular, mantêm trabalho integrado entre instituição e escola e colaboram para a inclusão social dos portadores de deficiência auditiva. “Buscamos despertar a auto-estima e atentar para o potencial dessas pessoas, resgatando a cidadania de cada uma”, afirma Maria José. O público-alvo do Cedau abrange crianças com necessidades auditivas neurossensorial, sem outros comprometimentos, usuários de aparelhos de amplificação sonora ou com implante coclear, explica a coordenadora. O programa atende em Bauru e mais seis cidades da região, de modo que a criança possa participar assiduamente da reabilitação.

Os pequenos freqüentam o Cedau de segunda a sexta-feira, no período da manhã. Exceção para aqueles de até dois anos de idade, que participam de sessões individuais com fonoaudióloga, duas vezes por semana, acompanhados por um dos pais. Quando completam dois anos, juntam-se às demais do Cedau, onde os atendimentos são mais intensos e sistemáticos, de aproximadamente três horas por dia. Nessa fase, as atividades são em grupos de três a seis crianças, dirigidas por pedagogas especialmente treinadas para lidar com o deficiente auditivo. É uma fase importante, em que a linguagem oral é enriquecida com brincadeiras, dramatizações, coral e passeios. Esse ritmo é mantido, também, para os jovens em idade escolar, acrescentando-se a atividade de leitura e escrita.

Psicólogas, assistentes sociais, pedagogas e fonoaudiólogas têm papel decisivo no processo. Duas vezes por semana, são feitas as revisões dos aparelhos, dos implantes cocleares, dos moldes auriculares e a adaptação dos dispositivos de freqüência modulada FM (amplificação sonora utilizada em sala de aula), supervisionados por fonoaudióloga. As psicólogas, atentas aos aspectos emocionais da criança e da família, promovem aconselhamento e criam programas, entre os quais o Integrarte, que, como indica o nome, visa à integração das mães, por meio de trabalhos manuais. É uma forma de expressar sentimentos, trocar experiências, de integração com os menores e os profissionais – momento propício para intervenções psicológicas, explica a coordenadora.

Final feliz

“Ver alguém aprendendo algo, sem barreiras, me toca muito”, diz Salimar Demétrio, orientadora de pais de crianças deficientes auditivas, tanto na Casa Caracol –onde pais e crianças interagem e os pequenos aprendem a reconhecer os barulhos de uma casa – como no Cedau. “É gratificante vermos a evolução da família e da criança.” É tocante para ela e para pessoas como Antonio Carlos Marar, nascido em Bauru há 41 anos. Advogado e dono de uma agência de publicidade, ele enfrentou reviravolta na vida quando nasceu Gabriel, seu caçula de 5 anos e há um ano paciente do Cedau, com o implante coclear. O menino foi vítima de erro médico ao nascer – uma corrente de ar provocou fortes dores de ouvido, resultando em doses excessivas de antibióticos e a conseqüente perda da audição nos dois ouvidos.

“Na época”, lembra Marar, “procurei o Centrinho, que deu o diagnóstico correto, mas eu me recusava a aceitar. Fiquei revoltado e iniciei peregrinação pelos hospitais de Ribeirão Preto e São Paulo, à procura de especialistas. Por fim, estava quase de malas prontas para os Estados Unidos, disposto a vender casa, carro e outros bens materiais para bancar o tratamento. Voltei ao Centrinho e descobri ali o final feliz para a minha história. Gabriel teve o implante coclear numa cirurgia de sucesso. Hoje, escuta tudo e já escreve o nome. De manhã, freqüenta o Cedau, à tarde, escola particular”.

Ver o filho atendido dessa forma entusiasmou o advogado. “Virei garoto-propaganda do Centrinho, como diz a coordenadora. Participo de tudo lá: grupos de pais, cursos para pais, sou amigo de toda a equipe. O Cedau me acolheu, deu e dá respaldo não só ao Gabriel, mas a toda a minha família. Vivemos no sítio, muito felizes. E pensar que essa felicidade estava tão próxima da gente”, afirma Marar.

Geração de emprego

Incluir jovens com surdez e pleno domínio da língua de sinais (Libras) no mercado de trabalho são os principais desafios do NIRH. Com o lema “respeitar as diferenças individuais e atuar em grupo na busca do resgate de cada cidadão”, o núcleo desenvolve atividades culturais, recreativas e educativas com a finalidade de reabilitar e ressocializar crianças, jovens e adolescentes, entre 2 e 24 anos, com grande perda auditiva. Em 2004, 48 alunos de Bauru receberam tratamento. Dezoito educandos foram contratados por empresas da região e outros 18 participaram de curso preparatório para ingressar no mercado de trabalho. Em 2005, o número de pessoas inseridas nas empresas da região saltou para 28. “Neste ano, dez alunos foram contratados”, diz a psicóloga do NIRH, Oleana Maciel de Andrade.

Desde 1993 no programa, ela conta que o núcleo começou a funcionar em 1991. Até 1999 promovia atividades direcionadas aos jovens com fissura labiopalatina, deficiência auditiva, visual ou mental. Só em 2000, depois de ser reavaliado, passou a ter como público-alvo prioritário o indivíduo surdo. “Nesse ano, a Maria José assumiu a coordenadoria e o NIRH deu um salto de qualidade no que se refere à educação e à inclusão social do surdo”, lembra. “A partir daí, começamos a nos especializar, com afinco, na língua de sinais de modo a ter abordagem bilíngüe. No Cedau se trabalha a oralidade: a criança aprende a ouvir e a falar com o uso dos aparelhos.

No núcleo, a ferramenta é a Língua Brasileira de Sinais. Aprender Libras é fundamental, porque a linguagem escancara portas para o surdo. No caso do adulto, significa acesso ao trabalho. Para as crianças, representa conviver em sociedade, serem aceitas nas brincadeiras dos colegas e comunicarem-se plenamente com a família.” Os alunos do NIRH, com idades entre 18 e 20 anos, estão empregados nas melhores empresas da região – Volvo, Unimed , Posto Graal, McDonald’s, Tilibra, Unip, Supermercado Confiança e Multiservice. Segundo Oleana, a legislação que determina que empresas com mais de cem funcionários tenham no seu quadro 5% de pessoas deficientes estimula ainda mais o trabalho desenvolvido no núcleo. “Minha maior alegria é quando colocamos um deles numa empresa”, diz.

Rompendo barreiras

O perfil profissional do aluno surdo é traçado antes, para ver em qual ofício melhor se encaixa, e é feito o acompanhamento do ingresso nas firmas. “Não basta conseguir o emprego, é preciso saber mantê-lo”, explica. Nesse aspecto, os resultados são positivos, já que o desempenho dos empregados é considerado ótimo, segundo pesquisa feita com as empresas parceiras do programa. A coordenadora comenta que muitas barreiras foram rompidas com o NIRH, a principal delas relativa ao preconceito: “A maioria não acreditava no potencial dos deficientes. Provamos o contrário. Não é tarefa simples. Requer paciência, preparação, mudança de mentalidade. Para isso, são ministradas aulas teóricas, lições práticas, treinos em escritório simulado, com computadores, chefes, enfim, reproduzimos aqui o que o surdo vai encontrar nas organizações”.

Capacitação

Para desenvolver trabalho mais efetivo com os educandos e seus familiares, o núcleo dispõe de equipe multidisciplinar de peso: psicóloga, pedagoga, fonoaudióloga, educadora artística, assistente social e instrutor de Libras. Outro destaque é o curso de qualificação para educadores que trabalham com alunos surdos no ensino regular, oferecido desde 2000. Mais de 800 professores de Bauru e região foram habilitados em cursos de 32 horas, nos quais aprenderam desde estrutura organizacional do Cedau e NIRH, trabalho terapêutico e educacional, conceitos básicos sobre a deficiência auditiva e surdez, língua de sinais. “O curso facilita a comunicação entre a pessoa deficiente auditiva ou surda e a sociedade”, observa Maria José. “Acreditamos na inclusão e na capacitação dos professores”, completa.

Histórias de êxito

São muitas as histórias de sucesso entre os alunos do NIRH. Renato Paulino Lira é exemplo de como os surdos podem evoluir profissionalmente. Aos 32 anos, trabalha no núcleo como instrutor de Libras. Anteriormente, havia sido estudante na instituição. Dedicado, trocou o trabalho com computadores pelo de instrutor. Sua esposa também é surda e o casal tem dois filhos não-surdos. Em casa, costuma dizer, a educação das crianças é bilíngüe, já que dominam o português e a Libr

05/25/2006


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