Segue a caça à maracutaia



Segue a caça à maracutaia Os casos de corrupção continuam dominando a pauta dos assuntos políticos. Alguns, como o senador Luiz Otávio, estão bem encrencados. Outros, como o governador José Ignácio, tentam preservar o mandato a qualquer custo A renúncia do ex-senador Jader Barbalho não significa o fim do processo de faxina ética no Congresso e no país. Na próxima semana, mais um senador terá de optar entre renunciar ao mandato ou enfrentar um processo de cassação. Desta vez, será o senador Luiz Otávio (sem partido-PA). Já está pronto o relatório da senadora Heloísa Helena que conclui pela quebra do decoro parlamentar. O relatório será votado pelo Conselho de Ética. Se for aprovado e recebido pela Mesa, Luiz Otávio não poderá mais renunciar. O caso Luiz Otávio é um dos que estão narrados nas reportagens abaixo. Além do Senado, o foco anti-corrupção vai se voltar também para a Câmara: na próxima semana, o recém-criado Conselho de Ética começará a analisar as denúncias de achaque na CPI das Obras Inacabadas e os indícios de que o deputado Luiz Antonio Medeiros (PL-SP) enriqueceu desviando recursos da Força Sindical. O governador José Ignácio tenta escapar no Espírito Santo da abertura de seu processo de impeachment. No governo federal, a Advocacia Geral da União criou duas comissões para investigar denúncias surgidas em reportagens do Correio. Abaixo, os casos de corrupção: Mais uma cassação A tranqüilidade que o Senado desejava vai durar apenas uma semana. Na próxima quarta-feira, mais um senador se verá diante do mesmo dilema do ex-senador Jader Barbalho: renunciar ao mandato ou enfrentar um processo de cassação. A senadora Heloísa Helena (PT-AL) recomendou a abertura de processo contra o senador Luiz Otávio (sem partido-PA) junto ao Conselho de Ética. Indiciado pela Polícia Federal por crime contra o sistema financeiro, Luiz Otávio é apontado como responsável pelo desvio de R$ 37 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dono da empresa Rodomar, o senador conseguiu a liberação, em 1992, de recursos destinados à construção de 13 balsas, para navegar pelos rios amazônicos. As balsas nunca foram construídas. Apesar de o fato ter ocorrido antes de ter se tornado senador, Otávio corre o risco de ser cassado e perder os direitos políticos pelos próximos oito anos. Heloísa Helena disse que, em tese, não há porque preservá-lo de um eventual processo. ‘‘Entendo que existe jurisprudência no STF para superar o hiato entre o que é ética e o que é decoro parlamentar’’, disse. ‘‘Não estou preocupada com penduricalhos legalistas’’. Segundo a relatora do caso, todos os personagens da história foram ouvidos, inclusive a Polícia Federal e dirigentes do Banco do Brasil e do BNDES. O próprio Luiz Otávio prestou depoimento perante o conselho e confirmou a fraude de alguns documentos. ‘‘Ele confirmou que assinou notas fiscais falsas’’, lembrou a relatora. Caso seja aprovado o parecer de Heloísa, a Mesa Diretora é quem irá decidir se abre ou não o processo, permitindo a Otávio optar pela renúncia para preservar os direitos políticos. O senador deverá ser ouvido na próxima segunda-feira pelo Conselho de Ética. ‘‘Ele poderá falar, mas não existe mais precedente para questionar o cerceamento de defesa, tal qual fez Jader Barbalho. O processo está pronto para ser votado no conselho’’, disse. Faxina também na Câmara Os escândalos no Congresso começam a ultrapassar os tapetes azuis do Senado. Além do senador Luiz Otávio, uma das próximas bolas do bilhar ético brasileiro deverá ser o deputado Luiz Antônio Medeiros (PL-SP). O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), terá nos próximos dias a dura missão de evitar que o lamaçal a que o Senado foi exposto este ano não se transfira para o salão verde da Câmara. Ele instalará o Conselho de Ética com pelo menos dois casos já na fila de suspeitas a serem averiguadas. A primeira refere-se a Medeiros, apontado em reportagens publicadas no final de semana como suspeito de desvio de recursos da Força Sindical, quando angariou recursos para a fundação da central. O deputado Jair Meneguelli (PT-SP) apresenta hoje uma representação contra Medeiros. ‘‘Será o nosso teste para ver se o Conselho funcionará mesmo para valer’’, disse o deputado petista. Medeiros já contratou advogado para defendê-lo. ‘‘Sou a bola da vez’’, comentou. Ele confirmou parte da notícia. Disse ter procurado empresários pedindo as doações para fundar a Força. Contou que arrecadou ‘‘algo em torno de US$ 934 mil’’. Afirmou ter quase certeza de que não havia prestação de contas. ‘‘Era outra época, ninguém controlava direito, e para quê os empresários iriam querer saber do dinheiro?’’. Medeiros confirmou o uso dos recursos em viagens internacionais, em que se encontrava com autoridades sindicais de vários países, principalmente, da Europa. ‘‘Andei de limusine muitas vezes, até na ex-União Soviética’’. Negou só a denúncia de desvio. ‘‘Não roubei, não desviei dinheiro público; que eu arrecadava dinheiro com empresas, todo mundo sabia’’. Além do caso Medeiros, o futuro Conselho deverá receber ainda o relatório sobre suposto envolvimento do deputado Damião Feliciano (PMDB-PB). Ex-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Obras Inacabadas, Damião é suspeito de tentar extorquir empresários para tirá-los das listas de irregularidades investigadas. Uma comissão de sindicância ouviu ontem depoimentos de dois empresários, Ronaldo Bolognese e Luiz Carlos Anunciação Araújo, que negaram tentativas de extorsão. Casos do DNER investigados As fraudes no extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) serão alvo de duas novas investigações pelo governo federal. O advogado-geral da União, Gilmar Mendes, assinou portaria designando duas comissões de procedimento administrativo disciplinar para apurar denúncias publicadas pelo Correio Braziliense, sobre irregularidades no pagamento de dívidas da antiga autarquia. Os casos envolvem os ex-chefes da Procuradoria Geral do DNER Pedro Elói Soares e Rômulo Fontenelle Morbach e o engenheiro Bernardo Rosenberg, responsáveis pela autorização do pagamento de indenizações suspeitas. As comissões, criadas por Mendes e também pelo ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, terão 60 dias para concluir a apuração dos casos e aplicar punições administrativas. Não está descartada a demissão dos três funcionários do serviço público federal. Morbach está aposentado e Elói está de licença-prêmio. Rosenberg continua trabalhando na extinta autarquia. Em reportagem publicada em 9 de julho, intitulada ‘‘Dos dois lados do balcão’’, o Correio mostrou que o DNER autorizou a liberação de R$ 8,3 milhões em 1999 para a construtora Viriato Cardoso de maneira suspeita. O acordo foi homologado pela Justiça Federal de Brasília, mas a Corregedoria da AGU concluiu, em maio passado, que ‘‘o processo contém graves irregularidades que devem ser sanadas’’. Elói e Rosenberg são apontados como os resposáveis diretos. O procurador está sob a suspeita de ter atuado dos dois lados da causa, emitindo pareceres favoráveis à empresa ao mesmo tempo que promovia a defesa do DNER. E, segundo a Corregedoria da AGU, teria autorizado, em nome do ex-diretor-geral Genésio Bernardino, o pagamento. Procurado pelo Correio, Elói disse que os seus pareceres estão corretos e que o pagamento não foi feito. O outro caso que será investigado envolve o pagamento de um precatório em benefício do procurador aposentado Rômulo Fontenelle Morbach, indicado à Procuradoria Geral pelo primo, o ex-senador Jader Barbalho (PMDB-PA). Em dezembro de 2000, o Correio mostrou que Morbach recebeu duas vezes do DNER uma mesma indenização trabalhista por perdas salariais provocadas por planos econômicos na década de 90. Ignácio vai para partido nanico O governador do Espírito Santo, José Ignácio Ferreira, tem chances de conseguir manter seu mandato e conter seu processo de impeachment. Mas a carreira política de quem já presidiu no governo José Sarney uma CPI da Corrupção está totalmente comprometida. Para sobreviver na política, Ignácio teve de optar por um partido minúsculo no troca-troca da semana passada. Expulso do PSDB, ele tentou ir para o PMDB e foi barrado pela direção nacional do partido. A assessoria do governador não confirmou seu destino, mas restavam a ele apenas três opções minúsculas. A mais provável era o PGT, do líder sindicalista Canindé Pegado. As outras eram os igualmente insignificantes PMN e PSP. Na semana que vem, a Assembléia Legislativa do estado deverá votar o pedido de abertura do processo de impeachment visando o afastamento de José Ignácio. Segundo o deputado estadual Lelo Coimbra (PDT), o pedido de impeachment está previsto para ser votado na sessão do dia 17, quarta-feira. A decisão de colocar o caso em votação partiu do presidente da Assembléia, José Carlos Gratz (PFL), por orientação da Executiva Nacional do PFL, que resolveu retirar o apoio a Ignácio. A decisão foi tomada depois que Raimundo Benedito de Souza Filho, mais conhecido como Bené, ex-tesoureiro de campanha do governador, disse à Justiça que o deputado federal José Carlos Fonseca Júnior (PFL), ex-secretário de Fazenda do governo Ignácio, sabia que créditos do ICMS do estado com empresas privadas eram desviados para o financiamento de campanhas de prefeitos. Artigos Mundo vulnerável André Gustavo Stumpf O governo dos Estados Unidos colocou todas as suas forças de segurança interna em alerta máximo a partir do primeiro ataque ao Afeganistão. Parece filme, mas não é. Existem imensos riscos dentro do território daquele país. A vulnerabilidade do Império do Norte mostrou-se por inteiro no episódios dos ataques contra as torres gêmeas e o Pentágono. O despejo de bombas sobre Cabul, Jalalabad e Kandahar pode provocar retaliação. Os jornais explicam que um míssil Tomahawk custa US$ 1 milhão. Os norte-americanos jogaram algo em torno de 50 dessas máquinas de morte sobre um Afeganistão miserável, pobre, esfomeado e sem a mínima chance de ganhar a guerra. A vitória de Washington é questão de tempo. Esmagar o terrorismo e suas células espalhadas pelo mundo, no entanto, é outra história. A primeira guerra do século XXI exibe com clareza capaz de atingir até olhos menos sensíveis o contraste do conflito entre o muito rico e o muito pobre. Pode ser a metáfora da globalização. Ganham mais os que têm mais. O norte-americano médio teve a sua vontade de ver sangue satisfeita. O afegão famélico pagou pela ousadia de existir. O terrorista está escondido sob alguma montanha. Este sabe se defender. Os impérios acabam na medida em que demonstram pouca eficiência na solução de seus problemas. O reich, nazista, estava muito à frente dos aliados na produção da bomba atômica e na construção de aviões a jato. Não soube acelerar as pesquisas nos dois campos e foi vencido pelos norte-americanos que produziram o cogumelo atômico nos céus de Hiroxima e Nagazaki. O jato puro apareceu muito tempo depois. Em verdade, Hitler perdeu a guerra quando não soube selecionar prioridades. O terrorismo lança o mundo em outra dimensão. Os excluídos do processo econômico passam a ter face. No primeiro momento são os fundamentalistas. Mas o princípio pode se aplicar a todos os grupos que dissentirem da ordem vigente. Outros grupos devidamente satanizados aparecerão. Argumentos mudam ao sabor da conveniência. O ataque feroz e até irracional, já se viu, não poupa ninguém. Nem os paupérrimos. Em outro nível, à medida que a guerra se prolonga, o tecido da aliança tende a ficar comprometido. Afinal de contas são árabes contra árabes. E a população muçulmana é grande em várias partes da Europa e nos Estados Unidos. A vulnerabilidade também é globalizada. Nenhum país está absoluta e totalmente protegido contra ataques terroristas. E quem admite a inevitabilidade de sua morte não tem piedade de seu vizinho. Seu destino está traçado. Crises passam e deixam, além de sangue e sofrimento, um rastro de ensinamentos. Neste momento, parece que, quanto maior a exclusão dos povos árabes, maior será a tentação do recurso à guerra. Mais bomba poderá significar mais terror. Editorial Entre a cruz e a espada É pouco invejável a situação atual do Paquistão, país que abriu seu espaço aéreo ao sobrevôo dos mísseis e aviões norte-americanos que se encaminham para bombardear o vizinho Afeganistão. O apoio aos atacantes ocidentais traz o risco de uma reação violenta das massas islâmicas radicais e de militares simpatizantes dos talibãs contra o governo do general Pervez Musharraf. Musharraf e governos anteriores sempre apoiaram os talibãs e a guerrilha islâmica que expulsou as tropas soviéticas do Afeganistão. Cerca de sessenta mil paquistaneses lutaram ao lado dos talibãs, oficiais do exército paquistanês deram assessoria militar aos estudantes radicais afegãos, e boa parte das madrassás, as escolas religiosas onde se formam as tropas de choque do fundamentalismo islâmico, fica em território paquistanês. Agora, forçado pelas palavras do presidente George W. Bush — quem não estiver com os Estados Unidos estará com os terroristas — Musharraf faz uma reviravolta completa. Apóia ativamente a ofensiva americana, enfrentando o ressentimento de uma população que se sentiu abandonada pelos Estados Unidos no momento em que seu país deixou de ser útil à estratégia global de Washington, uma vez derrubados os comunistas afegãos e desmoronada a União Soviética. Os riscos da manobra de Musharraf são enormes, como demonstram as manifestações de islâmicos simpatizantes de Osama bin Laden e dos talibãs que a televisão mostra há alguns dias em território paquistanês. O Paquistão pode dividir-se ao meio se o presidente não conseguir controlar as facções militares islâmicas e manter o difícil equilíbrio entre uma elite simpática ao Ocidente e aos EUA e a massa islâmica. Rompido o equilíbrio, o próprio Musharraf poderia ser a primeira vítima. Seu governo, de legitimidade contestada — o general chegou ao poder num golpe contra o governo anterior — corre o risco de ser levado de roldão. O país e suas elites aceitaram tornar-se peça da guerra fria, instrumento dos interesses em choque das superpotências do século 20. Nunca mais retomaram o controle do próprio destino. Parecem condenados a viver entre a cruz e a espada, obrigados a escolher entre alternativas igualmente perigosas. Topo da página

10/09/2001


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