Sem perder charme, MIS muda ambientes e programação



Após as reformas, Museu da Imagem e do Som é reinaugurado com tecnologia atualizada

O Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo ingressou numa nova era ao ser reaberto no último sábado (9), após período de reforma e readequação que durou oito meses. Nesse espaço de tempo, mesmo fechado, foi fonte de grande produção. Além da que garantiu a ampla modificação de suas instalações, fruto de projeto concebido pelos arquitetos Álvaro Razuk e Camila Fabrini (escolhidos em concurso), houve a que gerou as novidades na linha de programação do museu paulista, fundado em 1970.

“Estamos num momento de passagem”, define a crítica de artes visuais Daniela Bousso, que assumiu a diretoria-geral da instituição estadual encarregada da missão de reestruturá-la. Ela recebeu a incumbência diretamente da Secretaria de Estado da Cultura, que investiu até agora cerca de R$ 3 milhões no objetivo. Mais R$ 4 milhões foram destinados para manutenção e custeio neste ano e R$ 1,2 está previsto para a construção do restaurante. Além disso, a direção conta com algumas parcerias, garantidoras, por exemplo, da maior parte do mobiliário e de cabos de fibra óptica. Ganhou também o apoio da Imprensa Oficial do Estado, que colocou a gráfica à disposição do museu e montará uma livraria no local.

Bousso atua à frente da Organização Social Paço das Artes, que é a entidade responsável pela administração do espaço, assim como pela do Paço das Artes (Cidade Universitária), que também tem a curadora no comando. Estabelecidas as mudanças físicas, o foco fixou-se na criação de uma formatação atualizada para o conjunto de atividades do MIS, com o intuito de inseri-lo no século 21. Para isso, a proposta foi conceber o uso das várias tecnologias integradas, além da incorporação das mais recentes, num processo realizado em conjunto com diretora técnica, Priscila Arantes.

“Nos anos 1970, quando o museu foi criado, já havia no mundo um boom de diversas mídias, como a fotografia, vídeo, cinema, televisão, rádio, áudio, música experimental. Tudo já estava lá. Mas, naquele momento, configuraram esse e os vários MISs com cada coisa em seu lugar, e não em conjunto, como ocorre hoje em dia”, explica Daniela. Essa meta, de intersecção das diversas formas de produção, define o perfil do museu em quatro eixos principais: acervo, website, LabMIS e programação cultural.

Acervo variado – Considerado a maior riqueza da instituição por seus dirigentes, o acervo (com mais de 350 mil itens entre fotografias, filmes, vídeos, cartazes, discos, depoimentos e registros sonoros) passa por diagnóstico e análise. Repleto de jóias sintonizadas com a vocação da casa, tem entre os destaques depoimentos em vídeo de Tarsila do Amaral e Tom Jobim, registros em áudio sobre a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, da Memória do Rádio e Memória Paulo Emílio Salles Gomes. Possui também registros relacionados a áreas diversas, e não à artística, que podem ser redirecionados a outros museus do governo do Estado.

“É o caso, por exemplo, dos filmes de posses de governadores, que figuram muito melhor numa instituição de memória histórica,”, explica a gerente editorial e de comunicação, Angélica de Moraes. Para determinar o que fica e o que sai, foi criada uma comissão de especialistas, responsável também por analisar o estado de conservação do material. Daniela estima que, terminada a verificação, um terço das obras pode deixar o local.

Ao mesmo tempo, uma nova atração da programação leva essa avaliação para o público. Trata-se de acervo vivo, no qual convidados escolhem filmes da coleção para exibição em ciclos. O primeiro chamado para a curadoria é o professor de arte e cinema Arlindo Machado, cuja mostra Paradigmas do Experimental estreou domingo, com filmes de Charles Atlas e Bruce e Norman Yonemoto. É resultado da idéia de oferecer um contraponto à estética do cinema comercial.

Na seqüência, até 28 de dezembro, serão exibidos 180 dos 300 filmes selecionados por ele (todos restaurados). São películas em Super 8, curtas em 16 milímetros, cinema underground, animação, videoarte, entre outros, que abrangem desde obras de videoartistas pioneiros como Júlio Plaza, Regina Silveira, Letícia Parente, Walter Silveira e Gabriel Borba até as realizadas por cineastas da atualidade, a exemplo de Sérgio Bianchi, Sandra Kogut, Éder Santos, Jorge Furtado e Fernando Meirelles.

“Numa época marcada pela submissão aos modelos de consumo, trazer essas obras à vida pode ser entendido como um gesto político de resistência e de resgate de éticas e estéticas de não-conformismo”, considera o curador. As exibições acontecem no Auditório MIS, com entrada gratuita às terças e quintas-feiras, às 20 horas, aos sábados, às 16 horas e aos domingos, às 15 horas.

Museu em casa – O site do MIS também foi reinaugurado e o projeto da nova versão tem a intenção de fazer com que o museu extrapole as próprias paredes. Por isso, além de informar programação cultural e educativa, em breve oferecerá acesso a obras digitalizadas do acervo, espaço de criação de novas linguagens, como blogs, plataforma de programação para a apresentação de palestras e outras atividades em curso na sede, em tempo real, e discussão virtual. “A gente trabalhará o site como uma interface de diálogo”, diz Angélica de Moraes, que cuida da gestão do conteúdo.

Concebida pela artista Patrícia Canetti, com design de layout e arquitetura de interfaces assinados por Cláudia Duarte, a ferramenta criada para transformar o MIS em veículo de comunicação com o público foi desenvolvida pela E-open.

Criação permanente – É no segundo andar do museu que está montada a grande novidade. O Laboratório de Pesquisa e Produção em Novas Mídias do Museu da Imagem e do Som (LabMIS) foi concebido em conjunto por um corpo de artistas de ponta, críticos e pensadores para ser um espaço de criação permanente. Está sob a coordenação da artista midiática e pesquisadora Gisela Domschke, que tem já orientou projetos de mestrado em mídia interativa no LabMídia do Golsmiths College, em Londres.

Segundo ela, trata-se de um projeto único no Brasil. “É um sonho acalentado por várias pessoas, há cerca de sete anos, que agora se torna realidade”, revela. O laboratório é um centro de pesquisa e produção destinado aos artistas, que podem usá-lo na condição de residentes acadêmicos ou comissionados. Anualmente, serão lançados editais públicos para a seleção de três artistas interessados, que receberão uma bolsa-residência para se instalarem durante três meses em São Paulo. Exclusivamente neste primeiro ano, a própria direção convidou o baiano Caetano Dias e o pernambucano Paulo Meira, estreantes das vagas. Pesou a favor deles o fato de serem de fora do eixo Rio-São Paulo, o que, segundo Daniela, possibilita maior acesso aos recursos.

Ainda haverá convite para mais três participantes comissionados ao ano a fim de que criem obras inéditas a serem expostas no MIS. Os escolhidos de 2008 foram os norte-americanos Bill Seaman e Daniel Howe, o paulistano Cássio Vasconcellos e a fluminense Kátia Maciel. O laboratório estabelecerá convênios com instituições do exterior para promover intercâmbios.

Educativo – Como local de realização de cursos, palestras e workshops, o LabMIS poderá ser utilizado por diversos públicos, como o de jovens artistas, estudantes de arte, cinema e fotografia, professores da rede pública, crianças, adolescentes, universitários e terceira idade. Para tanto, sua área está dividida em sala de workshop, estúdio de som, oficina de interfaces, sala de edição de áudio e vídeo, lounge com acesso gratuito à Internet sem fio e auditório para 70 pessoas. Os equipamentos são de última geração e abrangem tecnologias diversas.

As atividades práticas são orientadas por artistas especializados em imagem, som, design de interfaces, conversão entre arte e ciência, contratados por temporadas. Até 15 de dezembro deste ano, os artistas convidados são Luiz Duva, cujo trabalho é marcado pela experimentação no campo audiovisual e o diálogo com as tecnologias emergentes, o multimeios e teórico de mídias emergentes Marcus Bastos e os multimídias Rejane Cantoni e Lucas Bambozzi. Eles darão suporte teórico e técnico aos comissionados e residentes, ministrarão cursos para estudantes e público iniciado.

A programação didática terá, ainda, oficina de construção de interfaces, com Ricardo Palmieri e programa de teoria e críticas interativas, com as especialistas Paula Alzugaray, Christine Mello e Juliana Monachesi.

Programação cultural

Para o crítico de artes Fernando Oliva, uma das mudanças básicas na programação cultural que separa o novo Museu da Imagem e do Som (MIS) do de antes é a maior integração e diálogo entre as diversas áreas e manifestações artísticas. “Antes havia divisão até arquitetônica, com departamentos separados. A readequação física veio ligada ao novo conceito da programação. As áreas de cinema, música, vídeo, fotografia, entre outras, não são mais divididas dentro da organização estrutural”, informa Oliva, novo coordenador do setor.

Ele explica que ao ocorrer uma apresentação de vídeo no auditório, por exemplo, ela ressoará em todo o ambiente. “Haverá uma conversa fina entre os espaços”, diz. Conta que a programação foi elaborada para ser uma espécie de vitrine do museu e permear todos os lugares, atravessando o acervo, o LabMIS e o site.

Destaca dois projetos entre os pensados para breve. Um deles é o Videografias Invisibles, mostra de vídeo que, de acordo com Oliva, chegou ao Brasil de passagem e tem destaque muito forte nos países latinos. Para ele, o envolvimento do museu com os países vizinhos é um ponto bastante importante da programação. “Argentina e Chile, por exemplo, têm uma produção cada vez mais interessante e não aparecem muito na programação paulista”, avalia.

Outra iniciativa importante é o Pingue-Pongue Mis – Memória da Imagem e do Som, ancorada em um ponto chave do novo projeto, a memória. “Resgatar a memória do museu, mas não só de forma nostálgica, e sim na tentativa de dar novo significado a ela, de perguntar o que tem a dizer para o presente e o futuro da instituição”, conta o crítico.

Serão convidados artistas e pessoas ligadas à cultura, para que falem sobre a sua relação com o MIS. Dizer o que esperam. Serão 12 horas consecutivas de conversas no auditório, sem o formato de entrevista. A idéia é que esse material, ao final, seja utilizado para produzir conhecimento, isto é, os debates podem ser transformados em DVD ou CD.

Inauguração da nova era

Várias exposições e performances deram as boas-vindas ao público no novo Museu da Imagem e do Som (MIS) em sua reinauguração. Enquanto no espaço expositivo a multissensorial Lights Out: Proposições Fotográficas em Outros Campos dos Sentidos revelava biscoitos com pedaços de ampliações fotográficas que retratam os céus de diversos centros urbanos internacionais, recortados e confinados em ângulos de edifícios, o espetáculo multimeios Celebração estreou o auditório reformado. As principais mudanças ficaram por conta da adaptação do local para os portadores de necessidades especiais e a aquisição de recursos tecnológicos de última geração.

Dos 150 lugares disponíveis foram observadas as diversas ações que Cibelle Cavalli, Paulo César Pereio e o Coletivo Embolex, grupo de VJs pioneiro no Brasil apresentaram, inspirados no poema With Usura (“Com usura”), do poeta norte-americano Ezra Pound. O espetáculo integra poesia, música, interferências sonoras, projeção de imagens e interpretação, sob a direção de Marcos Saboya.

O espaço redondo, formado por uma grande parede curva, teve sua nova concepção exibida na instalação multimídia A Arquitetura de Associação, de Bill Seaman e Daniel Howe, que explora arranjos generativos de texto, imagem e som, a partir de bancos de dados recombinantes. Doze monitores exibem um fluxo de imagens e palavras que surgem em diferentes combinações. E a videoinstalação Mundo em que Vivemos, de Rodrigo Matheus, ocupa o espaço expositivo com imagens geográficas diferentes entre si, capturadas do site Google Earth, para sugerir novas formas de interpretar o mundo.

O Espelho, de Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, também propõe novo olhar, ao amplificar a percepção sensorial do observador, graças a um sofisticado dispositivo ótico interativo. Trata-se de uma superfície espelhada maleável, que se move de acordo com a presença e a movimentação das pessoas no espaço em que está instalada.

A obra é acionada graças a um sensor ultra-sônico, que capta a presença e a aproximação de qualquer pessoa a uma distância mínima de um metro e máxima de quatro metros. As informações são transmitidas a um controlador, que põe em movimento um braço robótico, preparado para puxar ou empurrar o espelho. Na medida em que o observador se aproxima, a superfície assume forma côncava, como se uma força a empurrasse.

As exposições continuam em cartaz até 5 de outubro, ao lado de outras novidades da programação, disponíveis para consulta no site do museu e nas edições da Agenda Cultural (publicada no Diário Oficial toda sexta-feira).

Mais espaço e qualidade

Fundado em 29 de maio de 1970, o Museu da Imagem e do Som (MIS) foi palco do surgimento de eventos como a Mostra do Audiovisual Paulista, o Festival Internacional de Curtas e o Festival de Vídeo Brasil. Em 1975, foi instalado num prédio de 5 mil metros quadrados da Avenida Europa e, desde então, passou por diversas intervenções arquitetônicas.

Nenhuma delas tão significativa como a atual, projetada pelos arquitetos Álvaro Razuk e Camila Fabrini. Segundo a arquiteta, a providência inicial para deixá-lo renovado e mais integrado à cidade foi derrubar as grades que o separavam da rua e providenciar a abertura, durante o dia, das que delimitavam seu espaço e o do museu vizinho, o Brasileiro de Esculturas (Mube). O piso dos dois também foi nivelado para garantir a sensação de continuidade.

Agora, uma convidativa marquise liga a calçada da avenida ao interior do museu, no qual, da entrada, pode-se ter a vista de vários setores. Espaços que não atendiam mais às necessidades deram lugar a locais planejados especialmente para as diversas atividades que integram a vocação da instituição. É o caso do Espaço Redondo e do Laboratório de Novas Mídias (LabMIS).

“Com o projeto, a área de guarda foi ampliada em 40%”, explica Razuk, referindo-se ao espaço expositivo. Isso foi possível graças a iniciativas como a de deslocar o restaurante para a área externa do edifício. O novo, que ainda não foi construído, se localizará no prolongamento do foyer do cinema.

Cuidados especiais com a iluminação e com a lógica de acesso e circulação, além da total adequação do prédio para o uso de pessoas com necessidades especiais, são outros itens marcantes da renovação.

SERVIÇO

Museu da Imagem e do Som (MIS)

Avenida Europa, 158 – tel. 2117 4777

Site www.mis-sp.org.br

Horários de funcionamento geral:

De terça-feira a sábado, da 1 hora às 22 horas

Domingos e feriados, das 11 às 21 horas

Cada setor do museu tem seu próprio horário de funcionamento

Ingresso: de R$ 4 a R$ 16, com meia-entrada

Há também programação gratuita

Simone de Marco, da Agência Imprensa Oficial

(M.C.)



08/14/2008


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