Serra convida Jarbas para compor chapa









Serra convida Jarbas para compor chapa
Governador de Pernambuco é o vice dos sonhos, mas há dificuldades a superar

RECIFE - O primeiro compromisso do ministro da Saúde, José Serra, durante viagem a Pernambuco foi de candidato. Antes de se dirigir ao Centro de Convenções para a solenidade comemorativa dos dez anos do Programa de Agentes Comunitários da Saúde, na qual dividiu as atenções com o presidente Fernando Henrique Cardoso, Serra recebeu logo cedo, no hotel onde estava hospedado, o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB).

Na conversa reservada, repetiu o que já é do conhecimento da cúpula do PSDB e do PMDB: Jarbas é o vice de seus sonhos na corrida presidencial. De público, porém, o discurso foi pela unidade da base de apoio a Fernando Henrique.

O candidato aproveitou o clima de conciliação da cerimônia - em que se viu cercado por cardeais regionais do PSDB, do PMDB e até do PFL - para defender a reedição da aliança nacional entre os três partidos. Ao lado do ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann (PMDB), e do ministro de Minas e Energia, José Jorge (PFL), Serra assegurou que tem tanto interesse no PMDB quanto no PFL. "Não conversei com o Jarbas sobre a vice porque a prioridade é a união das forças da aliança e o engajamento do meu partido na campanha", argumentou.

"Ação unitária" - O ministro contou que o próprio Jarbas, com a autoridade de quem repete em seu Estado a aliança nacional, ofereceu-lhe ajuda para costurar a aproximação com o PFL. "Somos muito amigos e discutimos a importância de uma ação unitária na eleição para que o Brasil continue mudando com firmeza e a gente possa fazer as coisas que faltam fazer", afirmou.

Depois de dizer que o País tem rumo e é preciso seguir na direção certa, o ministro reforçou a necessidade de mobilização de todas as forças políticas que hoje sustentam politicamente o governo. "Devemos estar todos juntos e não ficar desperdiçando energia com fofoca e tititi", pregou Serra. "Mas Jarbas tem nível, tem qualidade para ser muita coisa neste país", salientou, arrematando: "Eu seria vice dele."

O aceno vem em boa hora, uma vez que o ministro Jungmann, um dos três pré-candidatos do PMDB, já deixou claro que não será obstáculo para um acordo de seu partido com os tucanos. Ele se apressou em informar que, no caso de ser acertada uma chapa com Jarbas na vice, abriria mão da pretensão de participar da corrida presidencial.

Mas há outras dificuldades. Jarbas tem uma reeleição considerada relativamente fácil e não conta com um substituto capaz de manter de pé a aliança e manter o favoritismo. Por isso, e até pela questão do prazo, vem se recusando a tratar publicamente da possibilidade de disputar a eleição como vice de Serra. Caso decida compor com o PSDB, terá de deixar o governo em abril, possivelmente sem a segurança de pesquisas eleitorais que atestem a força da candidatura tucana.

Encontro - "O esforço pela unidade inclui o PFL sem a menor dúvida", insistiu Serra, ao afirmar que está disposto a encontrar-se com a governadora do Maranhão Roseana Sarney, candidata do PFL à Presidência. Na semana passada, ela se queixou ao presidente Fernando Henrique da aproximação do PSDB com o PMDB, movimento visto no PFL como uma agressão à aliança governista. No mesmo dia, telefonou para o ministro da Saúde, propondo a conversa. "O encontro vai acontecer, mas não será nesta semana porque eu estou fora de Brasília", disse Serra, que hoje volta a fazer campanha, em Alagoas, e amanhã seguirá para Mato Grosso.


Temer acha que ainda não é hora de definir nome de vice
O presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), afirmou ontem que apesar do convite do ministro José Serra para que o partido ocupe a vaga de vice numa chapa presidencial encabeçada pelo tucano, não é hora de pensar em nomes. "O que houve foi a oferta do vice para o PMDB, e não para o nome a ou b", disse após participar da cerimônia de posse do novo presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Cláudio Ferraz de Alvarenga.

Temer declarou que, embora mantenha conversas com dirigentes do PSDB e do PFL, seu partido continua trabalhando com a tese da candidatura própria. "A proposta foi feita, mas a decisão terá de ser expressão majoritária do partido."

O presidente do PMDB reagiu ao assédio do PT ao governador de Minas, Itamar Franco, um dos pré-candidatos do partido. "O partido tem quem fale por ele."

Segundo Temer, a atitude de Itamar compromete a unidade do PMDB.

Ele reconhece que o partido está dividido entre a candidatura própria e a aliança com o PSDB. "É verdade, essa é uma peculiaridade do PMDB. A manifestação do partido virá na convenção, em junho."

Temer afirmou não ver motivo para uma convenção extraordinária, já que o estatuto do partido garante que o candidato escolhido na prévia será homologado na convenção. "Mas se houver assinaturas suficientes vamos realizá-la."


FHC prestigia cerimônia e faz elogios ao candidato
RECIFE - O presidente Fernando Henrique Cardoso prestigiou ontem a solenidade comandada em Pernambuco pelo ministro da Saúde, José Serra, presidenciável do PSDB, para homenagear os 152 mil agentes comunitários de saúde do País. Foi uma cerimônia política que serviu de palco para que o ministro defendesse a unidade da base aliada na eleição presidencial e, em ato conjunto com Fernando Henrique, assinasse mensagem à Câmara, propondo o projeto de lei que regulamenta a profissão de agente de saúde.

Serra lançou as primeiras metas de sua campanha, convocando os agentes de saúde a ajudá-lo.

Fernando Henrique falou em seguida e foi aplaudido de pé por cerca de 3 mil agentes que lotaram o auditório. "Eu também sempre tive um sonho: sonho de que o Brasil melhorasse as condições de vida para o povo", disse, parafraseando discurso de Martin Luther King sobre o sonho da igualdade racial.

Emocionado com as palmas, o presidente deixou de lado o discurso escrito e improvisou. Ele destacou que a primeira condição para que o sonho de melhorar cada vez mais a vida do povo vire realidade é olhar "um ao outro com confiança", sem medo das diferenças sociais e partidárias. "Olharmos simplesmente como brasileiros que temos de chamar à mobilização, como fez o ministro Serra."

O elogio improvisado ao ministro veio com um toque de humor. O presidente lembrou que Serra sempre repete em seus discursos que é engenheiro e economista. "Mas ele é meu médico particular", brincou o presidente.

Pouco antes de Fernando Henrique falar, os organizadores da cerimônia chamaram ao palco o presidente da Confederação Nacional dos Agentes de Saúde, Roque Honorato Santos. "Não é justo que nós continuemos soltos de maneira que, de quatro em quatro anos, corremos o risco de os novos gestores, em função de situações políticas e partidárias, dizerem que um ou outro não vai continuar", reclamou.

Partidarização - O presidente condenou a partidarização da administração pública e disse que, "quem administra pelo Brasil, administra pelo Brasil, e não para um partido".

Ele garantiu jamais ter permitido discriminação política em seu governo. "Em vez de fazer uma estrutura para favorecer politicamente este ou aquele, com um pistolão ou favor, fizemos o cartão magnético que dá cidadania", disse, referindo-se à transferência direta de recursos a mães carentes, beneficiadas pelo Programa Bolsa Alimentação.

O presidente apontou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungman, na platéria, para dizer que, hoje, 500 mil famílias que não tinham terra, hoje têm. "É sempre pouco - o Brasil precisa de mais, merece mais -, mas é nosso sonho ir progressivamente melhorando o País e cabe a nós a responsa bilidade de fazer com que avance mais."


Ministro articula para repetir aliança nos Estados
BRASÍLIA - O ministro da Saúde, José Serra, desencadeou uma operação para tentar repetir nos Estados a provável aliança entre os tucanos e o PMDB em torno de sua candidatura à Presidência. Segundo o ministro da Integração Nacional, Ney Suassuna, candidato do PMDB ao governo da Paraíba, assessores do presidente Fernando Henrique Cardoso o procuraram para pedir um entendimento com seu rival e inimigo político, o prefeito de Campina Grande, Cássio Cunha Lima (PSDB).

"Um grupo do Palácio do Planalto disse que seria boa nossa união (PMDB e PSDB), para marcharmos juntos com a candidatura de Serra", conta Suassuna, ao garantir que a proposta nunca foi feita diretamente pelo presidente Fernando Henrique nem por Serra. "O governo federal gostaria que houvesse um acordo, uma pacificação lá na Paraíba", diz o ministro. Ele explicou que "governo federal" é um grupo do Palácio do Planalto ligado ao secretário-geral da Presidência, ministro Arthur Virgílio.

Segundo Suassuna, além da Paraíba, o Planalto também está preocupado com o clima beligerante entre tucanos e peemedebistas em Goiás e no Pará. Em ambos, as chances de se chegar um acordo também são remotíssimas.


Fiesp desafia candidatos a assumir metas
Entidade apresenta documento em que propõe medidas que garantam competitividade do País

A Fiesp apresentou ontem o esboço de seu projeto para o País - que inclui ações para tirar da pobreza no mínimo 6 milhões de brasileiros até 2006 - com um objetivo declarado: conduzir o debate eleitoral para a discussão profunda de programas de governo. "O processo eleitoral está aberto e não podemos deixar que ele tenha apenas o viés político", afirmou o presidente da entidade, Horácio Lafer Piva.

"Não adianta nos prendermos a alianças políticas. É preciso que os candidatos trabalhem em cima de propostas claras. Em outros momentos talvez tenhamos errado exatamente por deixar que a discussão tivesse apenas o viés político." A Fiesp vai apresentar já a proposta a todos os pré-candidatos e convidá-los a debatê-la a partir de março. A diretoria da entidade deixou claro que não pretende apoiar um ou outro concorrente, mas vai cobrar deles posicionamento diante do programa apresentado.

O documento apresentado traz uma análise realista, na versão do diretor Mário Bernardini, de "aonde o País pode chegar". O futuro governo tem de prioritariamente garantir a competitividade do Brasil no mercado mundial, combater as desigualdades sociais e regionais, avaliando a relação custo-benefício na implantação de cada medida. O tópico fundamental e mais urgente do programa é a redução do déficit da balança comercial, com políticas incisivas de incentivo à exportação.

Piva defendeu a criação de um Ministério de Comércio Exterior ou a reformulação do atual Ministério de Desenvolvimento. A proposta apresenta como metas "ousadas, mas factíveis, a alta acelerada do superávit comercial, chegando pelo menos à faixa de US$ 17 bilhões em 2006, com base na expansão das exportações em pelo menos 10% e num processo competitivo de substituição de importações que mantenha sua taxa de crescimento inferior a 7% ao ano." O importante contudo é o saldo da balança, segundo a proposta.

Para a Fiesp, o próximo governo precisa garantir as condições para "o crescimento médio, sustentável do Produto Interno Bruto de 4% ao ano, no mínimo". Destaca-se nesse item a o crescimento dos investimentos e da agricultura, com ações para desonerar a produção.

A proposta defende a criação de no mínimo 4,8 milhões de empregos no período 2003-2006 e a reversão do processo de "informalização" do mercado de trabalho. As iniciativas na área social tratam da redução da pobreza absoluta e relativa, com porcentagem máxima de pobres na população de 28% em 2006; aumento da escolaridade média de 32,6% para no mínimo 58% até 2006, além da universalização do ensino fundamental e revisão do sistema de ensino profissionalizante; redução da mortalidade infantil e aumento de 15% nos investimentos em saúde per capita.

Reforma - A Fiesp retoma sua principal reivindicação na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, a reforma tributária. Exige a ampliação da base de incidência dos tributos e a redução das aliquotas "de modo a favorecer a competitividade e o emprego". Extinção dos tributos em cascata e política efetiva de combate à evasão fiscal. A proposta defende ainda as reformas previdenciária, política e do Judiciário.

Também recomenda a gestão da política fiscal de forma a conter a dívida pública, reduzir o déficit em infra-estrutura e serviços para o turismo, entre outros. A Fiesp conclui o documento defendendo a redução das desigualdades regionais.

"O mercado não resolve as coisas sozinho", afirmou Horácio Lafer Piva.

"Estado e iniciativa privada têm de trabalhar juntos." Ele ressaltou ainda que a entidade não pretendeu esgotar a discussão sobre o modelo de País que defende, mas provocá-la.


Roseana prepara reação a parceria PSDB-PMDB
Se Serra der vice para peemedebistas, PFL tentará acordos com outras siglas, como PPB

BRASÍLIA - A candidata do PFL à Presidência, a governadora Roseana Sarney (Maranhão), está discutindo com o partido a melhor alternativa para enfrentar a eventual parceria entre o PSDB do ministro José Serra (Saúde) e o PMDB. Se eles fecharem chapa até abril ou maio, a cúpula pefelista vai considerar que todas as tentativas de acordo foram rejeitadas e partir para a articulação com outras legendas, como o PPB. A idéia é não abrir mão da candidatura. Ontem, Roseana disse estar pronta para o cargo. "Estou preparadíssima, porque me sinto amadurecida para enfrentar qualquer dificuldade, qualquer trabalho, qualquer função, inclusive a Presidência."

O ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, pré-candidato do PPB à Presidência, deseja encontrar-se com ela na semana que vem. No Rio Grande do Sul, seu Estado, o PFL é aliado do PPB. Roseana pretende ainda reunir-se com o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), depois do carnaval.

Segundo dirigentes do PFL, Rosena nunca mostrou tanta vontade de disputar a Presidência como agora. Ela assumiu de vez a candidatura e não se importa em dar estocadas até em possíveis futuros aliados, como Serra. Sua animação é motivada principalmente pelas pesquisas, embora ela tenha tomado a decisão de não as comentar.

A Confederação Nacional dos Transportes (CNT), por exemplo, divulga hoje pesquisa do Instituto Sensus que mostra cenário muito favorável a Roseana.

No primeiro turno, Luiz Inácio Inácio Lula da Silva, do PT, teria 26,1% e ela, 22,7%. O governador do Rio, Anthony Garotinho (PSB), teria 15% e Ciro Gomes (PPS), 7,4%. Serra aparece com 7%, seguido do governador de Minas, Itamar Franco (PMDB), com 3,8%.

Numa simulação sem Itamar, Lula teria 26,4%, Roseana 24,8%, Garotinho 15%, Ciro 8,2% e Serra 7,9%. Sem Itamar e Serrra, Roseana bateria Lula: 28,3% a 26,4%. E num segundo turno, Lula venceria a disputa com Serra, por 46,6% a 33,8%. Quando aparece o nome de Roseana, ela vence Lula no segundo turno por 46,1% a 38,4%.

Por isso é que, em vez de mostrar preocupação, o PFL comemora a subida de Garotinho. Segundo seus dirigentes, é um sinal de que Serra terá de correr atrás de dois candidatos e não apenas de Roseana, o que pode ajudá-la. Nessa situação favorável, a cúpula decidiu ontem que fará de tudo para manter a perspectiva de aliança, mas insistirá em sua candidata. O partido dispõe de pesquisa feita pelo Instituto GPP, do Rio, com dados que acha interessantes.

Transferência - Para os eleitores ouvidos, o presidente Fernando Henrique Cardoso não conseguirá transferir para Serra votos suficientes para sua vitória numa eventual disputa com Lula ou Roseana. Dos 4.146 eleitores de 16 Estados entrevistados dias 19 e 20, 43%7% consideram o ministro o preferido do presidente e 5,3% acham que essa pessoa é Roseana.

Mas 50,4% preferiram a governadora, enquanto 23,7% optaram por Serra. O mais animador para o PFL é que a pesquisa revela que Roseana teria 43,7% dos votos de São Paulo e Serra teria 32,7%.

Outro detalhe que estimula o partido é a resposta quanto à preferência de candidatos colados em Fernando Henrique. No geral, 45,8% desejam votar naquele que corrigir os erros do presidente e mantiver os acertos e 27,2% no que mudar tudo o que Fernando Henrique fez. Outros 13,3% preferem o candidato que mudar muito e apenas 4% querem o que for considerado do coração do presidente.


Artigos

Aumento da violência e impunidade
Damásio de Jesus

O aumento da criminalidade no Brasil é assustador. Só na capital de São Paulo, em 1998, houve 4.814 homicídios. Em 1999, ocorreram 5.418 homicídios, um aumento de 12% em relação a 1998, com uma média de 14 por dia. Em 2000, na capital, só em quatro dias, durante o fim de semana de 31 de março a 3 de abril, foram cometidos 72 homicídios. No primeiro trimestre de 2001 ocorreram 6.676 mortes dolosas (26% de aumento em relação ao mesmo período anterior).

No Estado de São Paulo, em 2001 tivemos a prática de 267 crimes de extorsão mediante seqüestro - foram 63 em 2000, um aumento de 324%; 11.327 homicídios dolosos e 495 latrocínios. Em 1999, no interior de São Paulo, o número total foi de 3.790 mortes causadas intencionalmente. É um dos mais altos índices de criminalidade do mundo E as pessoas presas no Brasil? Em 1992, havia 74 para cada 100 mil habitantes. Em 1993, 81. Em 1994, 81. Em 1995, 92. Em 1996, 90. Em 1997, 102. Em 1998, não há estatísticas. Em 1999, o total saltou para 113 pessoas presas por 100 mil habitantes. Em Bauru (SP), cidade de 260 mil habitantes, em 1992 havia 192 pessoas presas e, em 1999, 293.

O sistema prisional é um dos piores do mundo. Em 1992, o Brasil tinha 114 mil pessoas presas. Em 1999, elas já eram 192 mil. E, nessa época, qual era o número de vagas no sistema penitenciário? Somente 107 mil. Hoje, nossos presos passam de 200 mil.

A que se deve esse aumento da criminalidade?

Geralmente, põe-se a culpa no Código Penal, afirmando-se ser necessário sua reforma. Mas notem o seguinte: o País tem hoje uma das maiores legislações penais do mundo. Existe crime ou contravenção para tudo. Até há pouco tempo, dirigir sem carteira de habilitação era contravenção penal. Hoje, embora tenhamos um novo Código de Trânsito, que define exatamente esse delito, há ainda uma parte da jurisprudência afirmando que esse fato subsiste como infração penal - quando em outros países é um simples ilícito administrativo. No Brasil, se alguém tem um animal, um papagaio, por exemplo, que perturbe a vizinhança, está sujeito a ser penalmente condenado.

Até colocar um vaso de flores no parapeito da área externa do apartamento é contravenção penal. Existe lei para tudo: crimes hediondos, tortura, meio ambiente, lavagem de dinheiro, interceptação de comunicação telefônica, furto e roubo de automóvel, receptação habitual, remoção de órgãos, tráfico de crianças, porte de arma, tóxicos, trânsito, defesa do consumidor, crimes contra a ordem tributária, crime organizado, proteção de testemunhas e, tratando-se de menores, o Estatuto da Criança e do Adolescente descrevendo inúmeros delitos. E crimes graves, como homicídio qualificado, seqüestro para fins de extorsão e latrocínio, são considerados hediondos, com severas conseqüências penais.

Por que, com uma legislação tão abrangente, ocorre esse aumento da criminalidade? As razões são muitas. Mas, genericamente, podemos dizer, o motivo é muito simples: o sistema criminal não funciona, da polícia até a execução da pena.

Além disso, há a confusão legislativa. Não é raro um ex-aluno meu telefonar perguntando qual é a lei aplicável a determinado fato. Não é difícil, também, um juiz de Direito, um membro do Ministério Público ou um delegado de polícia telefonar e dizer: "Não sabemos o que fazer!" Há uma confusão tão grande com relação à legislação que eles acabam tendo dificuldades em aplicá-la. Ninguém mais sabe o que está em vigor. Essa situação leva não a uma sensação, mas à certeza da existência de impunidade no nosso sistema penal, porque ele não é sério, efetivo, eficiente, e, conseqüentemente, não funciona.

Faz dezenas de anos que estamos recomendando: é necessário um pacto social entre os níveis federal, estadual, municipal e a comunidade para tratarmos do problema com seriedade, coisa que ninguém parece querer. É necessário pôr a polícia na rua e aparelhar a Justiça Criminal. Estamos cansados de visitar juízes de Direito que não têm nem computador adquirido pelo Estado; delegacias de polícia em que o delegado diz: "Não tenho combustível. Se a vítima de furto quiser uma diligência, ela tem de ir com o motorista até o posto de gasolina para encher o tanque da viatura."

O Direito Penal desemboca na cadeia. Se ela não é segura, não adianta alterar um milhão de vezes a legislação penal. Nem agravar as penas. Nem instituir a prisão perpétua.

Nas discussões e propostas referentes à prevenção da criminalidade, nota-se claramente a presença de dois grupos antagônicos. O primeiro deles é o denominado Movimento de Lei e Ordem. Seus adeptos postulam penas altas - quando não a própria pena capital - para os delitos mais graves e repressão policial intensa à criminalidade. Seu grande modelo é o adotado em Nova York pelo então prefeito Rudolph Giuliani, com a sua política de "tolerância zero", que, sem dúvida, reduziu substancialmente a criminalidade naquela cidade. Ocorre que a tolerância zero estava agregada a um estupendo progresso da base da própria economia norte-americana, o que muito concorreu para o sucesso do programa.

Sob outro aspecto, surge o chamado "grupo dos direitos humanos".

Estigmatizado por parte da mídia por "defender bandidos", na verdade propõe um entendimento da prática do crime a partir de uma visão eminentemente social, justificando-o a partir da ausência de políticas públicas e das inevitáveis demandas que elas passam a apresentar, como a carência de saúde e educação, além da péssima distribuição de renda. Entendemos que a discussão extrapola o simplismo sociológico de querer atribuir a responsabilidade apenas aos órgãos dirigentes da coletividade, já que envolve todos os seus membros.

Acreditamos que numa discussão que demanda tantas considerações não se pode, sectariamente, restringir o debate a um ou outro ponto de vista, sob pena de se pauperizar o próprio parecer. Ressaltamos que todas as medidas que forem tomadas em prol da melhoria das condições de segurança da população só surtirão efeito se acompanhadas de ações de alcance social. É incontestável que medidas estritamente de segurança pública sem uma política social de geração de empregos, de lazer, de alimentação e estudo estão fadadas ao fracasso. Quando muito, atuarão na superfície, cosmeticamente, por breves instantes. O enfrentamento da epidemia da violência há que ser estrutural, e não momentâneo ou ao sabor apenas de acontecimentos dramáticos como os que ocorreram nos últimos dias.

Não cremos acertado, por fim, um rígido planejamento centralizado de prevenção da violência, uma vez que cada região tem uma peculiaridade criminal e, por conseguinte, a respectiva polícia. Quando muito, as esferas administrativas superiores podem fornecer apoio financeiro e estratégico, mas não podem forçar a adoção de uma política só, para o País todo. Cada local precisa identificar suas peculiari dades criminais, por assim dizer, e preveni-las.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Assim caminha a humanidade
Há muito que penso nisso e muitas pessoas devem ter pensado a mesma coisa.

Mas ninguém fala, ninguém diz nada. Por que, não o sei. Trata-se do automóvel. Essa maravilha mecânica, o veículo revolucionário que acabou com os carros de tração animal e expulsou o trem urbano para os longos percursos. E agora esse totem da nossa era, o AUTOMÓVEL, também chega ao seu fim, transforma-se num veículo obsoleto. Não serve mais. A finalidade a que se destinava, nas áreas urbanas: transporte individual, rápido, seletivo, perdeu o sentido. Você, hoje, para transpor alguns poucos mil metros, da sua casa para o centro, leva o mesmo tempo que gastaria se fosse caminhando a pé. As ruas de todas as cidades do mundo - pequenas, médias, grandes (ou imensas como São Paulo ou Nova York) vivem atravancadas por essas tartarugas ninjas, andando a passo de - sim, de tartaruga mesmo, cada uma ocupando um espaço que vai de 10 a 12 metros quadrados, e transporta na sua grande maioria só uma ou duas pessoas, no máximo três, se houver o motorista.

Arrogante. Nas suas janelas de cristal, na pintura luzidia, nos metais polidos, o automóvel é, acima de tudo, um monstro de egoísmo. A área que ele exige para si, na via pública, em vez de dois personagens lhe ocupando os assentos, daria para, no mínimo, três bancos de três pessoas, folgadamente instaladas. Para quem vem, aqui no Rio, da Barra da Tijuca ao centro, tem de se inserir, logo na Avenida das Américas, num imenso, compacto cortejo, andando em velocidade de enterro (qual enterro, já vi enterro marchando em muito maior velocidade!) e carregando todos juntos, um contingente de pessoas que caberia folgadamente dentro de um trem suburbano. E em meio de buzinadas, palavrões, batidas de pára-choques ou outros incidentes mais graves, só vai alcançar o seu destino - se der sorte - dentro de, no mínimo, hora e meia. É, temos de livrar as ruas disso que Macunaíma chamava "a máquina veículo automóvel". O carro puxado a cavalos também não desapareceu, por obsoleto? Hoje nem a rainha da Inglaterra o emprega, prefere os seus reluzentes Rolls Royces. Tal como não se podia mais suportar o atropelo e sujeira dos cavalos, das lerdas carruagens do fim do século 19, assim também o automóvel acabou.

Há que substituí-lo por um transporte coletivo de qualidade, rápido, limpo, confortável. Metrôs, ou mesmo grandes veículos de superfície, sei lá. A cabeça dos técnicos já deve estar trabalhando, a dos urbanistas, a dos chamados cientistas sociais. Hoje em dia, se leva mais tempo viajando de casa para o trabalho, do que no trabalho propriamente dito. E como os patrões exigem as suas oito horas, tem-se de sair de casa em plena madrugada e chegar em casa depois das 10 da noite. Quem mora em subúrbio conhece bem essa tragédia. Os ônibus mesmo, que poderiam ser um grande recurso, têm os seus espaços disputados furiosamente pelos carros, e se embaralham, retardam e engarrafam, na confusão geral.

Quem sabe vai-se recorrer ao transporte aéreo, grandes helicópteros que seriam como ônibus voadores, pousando em heliportos arranjados nos tetos dos grandes edifícios? Não sei... Porque logo apareceriam helicópteros particulares, cada executivo teria o seu, de luxo, importado. O que, aliás, já está acontecendo. Eu mesma já viajei num desses, a convite de um amigo.

Ou será que os engarrafamentos vão continuar por mais anos e anos, como os assaltos, os seqüestros, os meninos de rua, as favelas e demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos? Então, a solução seria mesmo acabar com os próprios grandes ajuntamentos urbanos. Voltar todo mundo a se espalhar pelo campo, só procurando os centros quando a natureza do seu trabalho o exigisse.

Até que o campo se deteriorasse também - já que esse é o destino do homem sobre a Terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou.


Editorial

ÁS MARGENS DO HUDSON E DO GUAÍBA

De quinta-feira até o começo da próxima semana, em Nova York e em Porto Alegre, algumas das questões mais importantes da atualidade, como pobreza, segurança, racismo, comércio, direitos humanos, participação política - e outras nem tanto, como a relação entre preferências alimentares e identidade nacional -, serão focalizadas pelos mais de 10 mil convidados e debatedores inscritos nas centenas de painéis, conferências e oficinas da primeira reunião em 31 anos do Fórum Econômico Mundial fora de Davos, Suíça, e da segunda edição da sua pretendida antítese, o Fórum Social Mundial, que deixará de ter sede fixa a partir de 2003. A diversidade de assuntos e perspectivas desse "supermercado de idéias" - os céticos falam em "circos de mídia" - não garante, evidentemente, a qualidade do produto final: um entendimento lúcido do que é possível fazer para melhorar a vida humana.

Os críticos de Davos condenam o exclusivismo desse clube de elites políticas, econômicas e acadêmicas, cujas organizações pagam ao Fórum US$ 17.647, a título de anuidade, mais US$ 7.353 por membro participante de cada reunião, e a sua complacência diante das diferenças abissais de renda entre países ricos e pobres, e dentro de muitos deles. Os críticos de Porto Alegre, por outro lado, deploram a "ideologização", o simplismo passional de suas catilinárias contra o sistema econômico globalizado, o pendor de uma parte de seus adeptos para o autoritarismo e, em especial, a incapacidade do Fórum de produzir projetos efetivamente capazes de transformar as realidades denunciadas como iníquas, demonstrando assim, objetivamente, que "outro mundo é possível" - a sua palavra de ordem. As críticas, de parte a parte, têm fundamento.

Nos próximos dias, cada Fórum terá a necessária oportunidade de demonstrar que as acusações de que é alvo já não se sustentam. A rigor, antes mesmo de começar, o evento transferido excepcionalmente dos Alpes nevados para as margens do Hudson, em homenagem à metrópole vítima das atrocidades terroristas do 11 de setembro, deu mostras de reagir construtivamente aos disparos de seus adversários. No ano passado, em Davos, o megainvestidor George Soros promoveu um teledebate com participantes do encontro da capital gaúcha, que reagiram com insultos aos argumentos apresentados. Agora, a pauta do Fórum Econômico incorporou temas caros aos seus detratores - desenvolvimento sustentável, redução das desigualdades mundiais, combate à aids nos países pobres, entre outros -, tendo em vista a "fragilidade dos dias de hoje", nas palavras do suíço Klaus Schwab, criador do evento. Além disso, o Fórum passou a contar com conselhos de ONGs e de sindicatos.

Essa evolução ainda está por surgir às margens do Guaíba. É de desejar ardentemente que, ao contrário do ano passado, desta vez o Fórum Social consiga promover debates sérios, objetivos e racionais, descontaminados de parti pris ideológicos, sobre os assuntos que dão legitimidade à sua existência e que giram em torno do que se pode chamar "os malefícios da globalização". Mas são pertinentes os receios de que, sob o impacto da quebra da Argentina, da retração econômica generalizada e dos desdobramentos do 11 de setembro, as justas denúncias contra as assimetrias da ordem global se degradem em um antiamericanismo raivoso e estéril, sobretudo nas inescapáveis discussões sobre o terrorismo. Razões para criticar políticas passadas e presentes de Washington não faltam. Nenhum chefe de Estado tem insistido tanto quanto o presidente Fernando Henrique, por exemplo, em verberar o protecionismo comercial americano. Nada, porém, poderia ser mais devastador para o autoproclamado humanismo do Fórum Social do que, para todos os efeitos, outorgar a um facínora como Osama bin Laden a condição de d efensor público das vítimas dos erros e da soberba americana, a exemplo da atitude imoral de um número desalentadoramente grande de esquerdistas, para quem os EUA "fizeram por merecer" o ultraje do terror.

Na próxima semana, o mundo estará melhor se, de Nova York, vier o reconhecimento de que a globalização gera conseqüências perversas que precisam ser corrigidas o quanto antes, e se, em Porto Alegre, for descartada a falsidade de que o sistema global é uma conspiração do "imperialismo yankee". E ainda, se o Fórum Social condenar inequivocamente o fanatismo terrorista, e o Fórum Econômico admitir que as causas materiais profundas do terrorismo devem ser combatidas com o mesmo vigor empregado no combate às suas manifestações.


Topo da página



01/29/2002


Artigos Relacionados


Presidente prestigia chapa Serra-Jarbas

Raupp convida Simon e Jarbas Vasconcelos a voltarem à CCJ

Jarbas sem pressa para Serra

Tasso encontra Roseana e Jarbas para "barrar" Serra

Serra tenta atrair Jarbas Vasconcelos para sua candidatura à Pre

Convite de Serra a Jarbas irrita o PFL