Transgênicos serão liberados









Transgênicos serão liberados
Deputado da Comissão de Agricultura afirma que decisão desrespeita o Congresso

BRASÍLIA - O governo abriu caminho para liberar a importação, plantio e comercialização de transgênicos e, de quebra, provocou o protesto de parlamentares que ainda não votaram o projeto de regulamentação dos produtos. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) anunciou que está autorizada a emitir pareceres favoráveis à comercialização. Integrante da Comissão de Agricultura da Câmara, o deputado João Grandão (PT-MS) acusou a comissão de desrespeitar o Congresso com a decisão.

A CTNBio se baseia em instrução normativa publicada esta semana com as regras para avaliar a segurança alimentar de sementes geneticamente modificadas. O texto cobra garantias contra alergias e toxicidade dos transgênicos. Foi redigida para atender à Justiça Federal que, há dois anos, determinou a publicação de normas de segurança para autorizar o plantio de soja pela multinacional Monsanto.

Para a secretária-executiva da CTNBio, Cristina Passos, a decisão colocou por terra as resistências jurídicas à venda de transgênicos em larga escala. Colocar os produtos geneticamente desenvolvidos no mercado brasileiro, diz ela, agora ''é decisão de política agrícola''. O ministro da Agricultura, Pratini de Morais, já disse ser favorável à medida.


Assembléia decide sobre ação de FH
Deputados estaduais mineiros dirão se processo do presidente contra Itamar Franco por calúnia e difamação irá adiante

BRASÍLIA - A Assembléia Legislativa de Minas Gerais vai decidir se concede ou não ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) licença para processar e julgar o governador Itamar Franco, por crimes de injúria e difamação contra o presidente Fernando Henrique Cardoso.

O ministro Nelson Naves, no exercício da presidência do STJ, enviou ontem ofício à Assembléia mineira, depois de ter recebido a denúncia do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. Ela foi feita a pedido do próprio presidente, em setembro do ano passado.

Na ocasião, Itamar acusou o presidente Fernando Henrique de liberar verbas retidas pela União para parlamentares do PMDB, em troca de votos que garantissem a eleição do deputado Michel Temer para a presidência do partido. As declarações do governador foram publicadas em 5 de setembro de 2000 no Jornal do Brasil, em O Globo e na Gazeta Mercantil. Os recortes das reportagens foram anexados aos autos do processo.

Segundo a denúncia do chefe do Ministério Público Federal, o crime de difamação ficou configurado nas acusações a Fernando Henrique de ''manipular'' o processo de escolha do presidente do PMDB, na convenção do partido. O crime de injúria estaria na seguinte afirmação atribuída a Itamar: ''Ele (o presidente da República) não quer perder o poder. E quem não quer perder o poder usa todas as armas, até a arma da corrupção, na tentativa de modificar o processo eleitoral''.

Ontem Itamar divulgou nota oficial desmentindo que tivesse admitido ser candidato a vice-presidente numa chapa encabeçada pelo ministro tucano José Serra. O governador afirma que ''não teria essa ousadia''.
Itamar negou, ainda, que mantenha contatos políticos com representantes do governo federal, e acrescentou: ''Tenho conversado permanentemente com a oposição. Só converso com homens do governo quando eles, por educação, me procuram.'' E concluiu: ''Mesmo assim, são poucos.''


Serra anuncia a continuidade
Ministro da Saúde lança candidatura à sucessão com promessa de renovar a política de Fernando Henrique

brasília - Foram 25 minutos de palavras cautelosas. Olhos fixos no teleprompter que trazia as frases preparadas na véspera, o ministro da Saúde, José Serra, enfrentou o desafio de apresentar-se como o candidato oficial à sucessão de Fernando Henrique Cardoso e, ao mesmo tempo, prometer novidades. Crítico constante da equipe econômica que deu as cartas nos últimos sete anos, Serra evitou mencções ao nome do ministro da Fazenda, Pedro Malan. Não abriu mão, contudo, do Plano Real como cabo eleitoral. Sintetizou as contradições annciando o slogan da campanha: ''Nada contra a estabilidade, tudo contra a desigualdade''.
O ministro escolheu palavras como progresso, esperança, fé, obstinação, compromisso, democracia e competência para conduzir as 14 páginas de discurso. Arrancou aplausos da platéia em um único momento. Serra definiu a ''acomodação'' como uma das características dos ''setores que se consideram de esquerda'' e das ''forças do atraso''. O auditório assimilou a citação como uma referência ao PT de Luiz Inácio Lula da Silva e ao PFL de Roseana Sarney.

Como quer - e precisa - de aliados, Serra não esqueceu dos afagos. O governador de Minas Gerais, Itamar Franco, mereceu citação explícita. ''Fernando Henrique Cardoso, levado ao Ministério da Fazenda por Itamar Franco, conseguiu derrubar a superinflação''. A paternidade do Plano Real é que deu início à briga entre Itamar e FH.

Serra deu sinais de como pretende administrar o desafio de defender o governo do qual fez parte e apresentar propostas que agradem o eleitor. ''Quero manter as coisas certas e fazer aquilo que não foi possível fazer'', resumiu. Lançou frases de efeito:''Progresso não deve ser carro de luxo para alguns, nem tecnologia para privilegiados'', definiu. Salientou o combate às desigualdades regionais e aos desníveis urbanos. O primeiro passo, disse, é deixar de encarar as desigualdades regionais como ''um produto do destino''.

Aproveitou para enaltecer o eleitorado nordestino, que vai disputar com as candidaturas de Lula, Roseana Sarney e Ciro Gomes (PPS). Uma tentativa de desfazer a pecha de ''inimigo do Nordeste'', explorada sobretudo pelos pefelistas, como Inocêncio Oliveira e Antonio Carlos Magalhães. ''A esperança, a força de vontade e a competência dos migrantes nordestinos contribuíram muito para erguer o parque industrial de São Paulo''. Há dois dias, no programa eleitoral do PFL, Roseana Sarney criticou os prejuízos que a supremacia política paulista causa ao Nordeste.

A tragédia econômica da vizinha Argentina servirá como exemplo do candidato oficial para amedrontar potenciais eleitores da oposição. ''A principal lição que podemos tirar do sofrimento argentino é a do risco que representa para os destinos de uma nação ser conduzida pela fraqueza de vontade política e com incompetência''. Serra criticou a ''perda de tempo'' com a discussão sobre a participação no processo de globalização. Procurou redefinir o debate : '' devemos pensar a globalidade com a localidade''.

Como a um candidato governista restam poucas opções para esquentar um discurso, Serra recheou a fala de ontem com sua biografia. Desde os tempos de aluno de escola pública, passando pela militância no movimento estudantil e pelo exílio no Chile, até os mandatos de deputado federal e senador.Escolheu personagens de dentro de de fora da política para render homenagens. Falou de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Ulysses Guimarães, tancredo neves e Franco Montoro. Elogios não faltaram a Zilda Arns, indicada ao Prêmio Nobel da Paz.


''Políticos usam agentes de saúde''
Entrevista – Mauro Ricardo Machado Costa

Responsável pelas políticas de combate à dengue no Brasil, o presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Mauro Ricardo Machado Costa, culpa os políticos pela atual epidemia. Segundo ele, estados e município nâo utilizam corretamente os recursos repassados pelo governo federal. Mauro acredita ainda que a proximidade da eleição agrava o problema. Diz que agentes de saúde que atuam nas residências são desviados para panfletagem eleitoral.

- O governo es pera o crescimento nos casos de dengue no Brasil em 2002?
- Sim, por dois motivos. O primeiro é a introdução da dengue-3 no estado do Rio de Janeiro, que atinge a população sem imunidade e suscetível à doença. O Brasil teve até agora as dengues 1 e 2. Quando uma pessoa é infectada com um desses vírus, cria imunidade. Com a dengue-3 é como pegar uma doença nova. Além disso, nada mudou do ano passado para este. A estrutura dos estados para evitar e tratar da doença continua a mesma. Por isso, a tendência é ter mais casos que no ano passado.

- Qual é a principal carência do programa de combate à dengue?
- Tenho preocupação com a falta de pessoal para implementação do trabalho em campo. Faltam agentes para orientar a comunidade em como evitar a doença. No Rio de Janeiro, por exemplo, o governo do estado só contratou 710 pessoas. Outras 750 foram emprestadas pelo governo federal e ainda faltam 1390 agentes. Eles contrataram 500, mas até capacitar essa gente já é final de fevereiro. Com isso, 60% do Rio de Janeiro está descoberto, o que é um complicador muito grande para a região.

- Como contornar esse quadro?
- Espero que os governos estaduais e as prefeituras façam sua parte. É tudo uma questão de estabelecer prioridade. Não sou um profeta do apocalipse. A situação pode ser bem diferente se eles definirem como importante o combate à doença.

- Como classificar a dengue no Brasil?
- A epidemia é um ciclo. No período das chuvas, aumenta em muito a proliferação dos mosquitos Aedes aegypti. Em Minas Gerais, a incidência da dengue diminuiu no último ano. Já no Rio, a doença já é endêmica, ou seja, uma epidemia constante. Os índices são altos constantemente.

- Onde está localizada a dengue no Brasil?
- De 2000 para 2001, houve um aumento de 168 mil casos de dengue apenas no Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Bahia e Goiás. Ao todo, foram confirmados até novembro 370 mil casos da doença em todo o país.

- Qual a principal causa desse aumento?
- Grande parte dessa curva de crescimento se deve ao ''efeito eleitoral''. Os agentes de saúde atuam diretamente nas residências, o que é uma grande tentação para os governantes. Eles desviam os funcionários para panfletagem política.


Estradas de 9 estados em situação ruim
BRASÍLIA - A chuva não deu trégua aos brasileiros que viajam neste início de ano. As rodovias de nove estados brasileiros, segundo levantamento do Ministério dos Transportes, estão em situação crítica. As estradas de Minas, Tocantins e Espírito Santo são as mais prejudicadas. O ministério pediu R$ 10 milhões para a recuperação dos estragos nas pistas onde não há contratos em andamento. A liberação da verba depende de uma medida provisória que pode ser publicada até segunda-feira.

A única rodovia federal que corta Tocantins, a Belém-Brasília (BR-153), tem dois trechos danificados, um na altura de Barrolândia (km 421) outro em Guaraí (km 364). O DNER iniciou a reconstrução do primeiro, mas a obra só deve estar concluída em 30 dias.

As pistas de Minas, estado com o maior número de rodovias federais, estão em situação crítica. As chuvas desta semana causaram sérios danos à BR-040, que liga Brasília ao Rio. A pista está interrompida entre Conselheiro Lafaiete e Barbacena (km 635), mas as obras já começaram e devem terminar na próxima semana. As chuvas estragaram ainda trechos da BR-050, entre Brasília e São Paulo.


Helicóptero resgata presos em São Paulo
Secretário vai instalar telas de aço para impedir fugas aéreas

SÃO PAULO - Numa ação cinematográfica, um helicóptero pousou ontem no presídio José Parada Neto, em Guarulhos (Grande São Paulo), e resgatou dois detentos de alta periculosidade. Houve troca de tiros com guardas. A aeronave foi abandonada num campo de futebol no bairro de Santa Teresa, em Embu das Artes.
O piloto Dato de Oliveira, que trabalha numa empresa de táxi-aéreo, disse que dois homens contrataram um vôo panorâmico pela cidade. Uma vez no ar, sacaram as armas e mandaram que ele pousasse no pátio do presídio, que tem 1.002 detentos. O resgate não demorou mais de um minuto.

Até o começo da noite nenhum dos envolvidos na ação havia sido preso. Os dois fugitivos tinham passagens pela polícia e são considerados perigosos. Aílton Alves Feitosa estava preso por homicídio e atentado violento ao pudor; Dionísio de Aquino Severo cumpria pena por roubo a banco e seqüestro. ''Vamos caçar essa gente'', disse o secretário estadual de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa.

Depois de abandonar o helicóptero, os bandidos fugiram numa van branca, roubada no dia anterior.
O piloto contou que teve medo de morrer. ''Dizia o tempo todo para eles que tinha mulher e filhos. Me mandaram pousar no pátio de um dos pavilhões e quando entrou um preso, comecei a levantar vôo. Mas eles gritaram para voltar, porque tinha que pegar outro.''

Dato disse que estava tão assustado que não ouviu os tiros disparados pelos guardas. ''Só pensava em sair o mais depressa possível.'' A perícia não encontrou marcas de tiros no helicóptero. A Secretaria de Administração Penitenciária informou que instalará telas de aço nos pátios das penitenciárias do Estado, para impedir fugas aéreas.


Artigos

Políticas de drogas
Martinus Felix Mertens

O artigo A maconha é nossa, de Ib Teixeira, aqui publicado em novembro, demonstra desconhecimento a respeito dos fatos da política holandesa de drogas, seus objetivos e resultados. O objetivo dessa política, e nisso ela não difere da política do Brasil e das de outros países, é prevenir e restringir o uso das drogas. A abordagem empregada para alcançar esse objetivo é que às vezes pode diferir em certos aspectos.

O cerne da política holandesa consiste de dois princípios básicos: a) uma distinção entre drogas leves (como maconha e haxixe), cujos riscos são considerados menos graves, e drogas pesadas (como heroína, ecstasy e outras), cujos riscos são considerados inaceitáveis; e b) o usuário é visto antes de tudo como um paciente (e não como um criminoso) que deve ter acesso a acompanhamento e tratamento médico, psicológico e social, para poder reintegrar-se na sociedade.

Como regra, o usuário de drogas não é perseguido, mas o tráfico é combatido severamente. Uma exceção é feita para a venda de drogas leves em volume muito reduzido (por algum usuário), o que tem menor prioridade na perseguição.

Para poder monitorar melhor o uso de drogas leves e evitar que o usuário entre em contato com o circuito criminal e com drogas pesadas, foi decidido aceitar a existência de coffee-shops, pequenos cafés onde é proibida a venda de produtos alcoólicos mas é tolerada a venda de pequenas quantidades de drogas leves. A concentração do uso em coffee-shops permite uma maior vigilância. Mesmo assim, o número de coffee-shops tem sido diminuído, para otimizar o controle.

Em momento algum os Países Baixos querem afirmar que o modelo holandês seja a única solução para uma política de drogas efetiva. No entanto, temos de constatar que a nossa política de drogas tem produzido bons resultados e a população holandesa, na maioria, se mostra satisfeita com o sistema aplicado e os resultados alcançados. Ao mesmo tempo, o modelo é dinâmico, o que significa que ajustes sempre estão sendo feitos onde e quando necessários. Devido aos resultados positivos, a aprovação do método holandês vem crescendo cada vez mais, inclusive no exterior.

Para finalizar, gostaria de retificar alguns dados. Ao contrário das afirmações do senhor Ib Teixeira, o consumo de drogas nos Países Baixos não é maior do que em outras partes do mundo. Ao mesmo tempo, o número de vítimas de Aids por uso de drogas injetáveis, ta mbém devido ao nosso programa de troca de seringas (agora também implantado em outros países e cidades, como por exemplo em Nova York), é muito mais baixo do que em outras partes do mundo, já que a possibilidade de contágio diminuiu.

Com referência aos números sobre a criminalidade ligada às drogas, citados pelo senhor Teixeira, parece que o autor colocou as vírgulas no lugar errado. O total de assassinatos nos Países Baixos é de 1,5 a 1,6 para cada 100.000 pessoas, e não 15 para cada 100.000, número usado pelo senhor Ib Teixeira para fundamentar suas considerações equivocadas, chegando obviamente a conclusões errôneas. Desses assassinatos, 15% são relacionados a drogas, ou seja, 0,20 assassinatos para cada 100.000 pessoas têm alguma relação com drogas.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer

Um elogio ao pragmatismo
Empolgação mesmo, o discurso de José Serra ontem no lançamento de sua candidatura para uma platéia exclusivamente tucana, só despertou quando chamou o PSDB à luta pela conquista da presidência e criticou as ''forças do atraso''. Estas, segundo ele, assim como setores que se consideram de esquerda, alimentam a permanência das injustiças sociais, ora ''pelo radicalismo populista'' ora ''pela inépcia, acomodação, receio de pressões''. Ambas as correntes, ao fim e ao cabo, são partidárias da tese do ''deixa-como-está''.

De resto, foi quase um discurso de trabalho, desprovido de entusiasmo político - talvez, porque o momento deste seja a pré-convenção de 24 de fevereiro -, no qual o candidato procurou, além de ressaltar sua vontade de ganhar a eleição, pontuar com adjetivos repetidos, as suas linhas mestras de atuação. Num discurso de 14 páginas, referiu-se 52 vezes aos conceitos de vontade política, esperança, obstinação, competência e progresso.

Ao governo Fernando Henrique reservou espaço discreto. De passagem, disse que pretendia ''manter as coisas certas e fazer aquilo que não foi possível fazer'', com apenas duas referências à estabilidade, uma delas francamente dúbia, na forma daquele que Serra disse seria o lema de sua campanha: ''Nada contra a estabilidade, tudo contra a desigualdade.'' Quem não tem ''nada contra'' não quer dizer necessariamente que abrace com afinco uma tese, pois não?

Naquela contabilidade sobre os conceitos que nortearam o discurso, os campeões foram o ''progresso'', com 12 referências, segundo Serra, fundamental que seja para todos, sob pena de tornar-se para ninguém; e a esperança, também com 12 citações, como aquele que deve ser o mote para o avanço de uma nação.

Obstinação, competência e vontade (às vezes acoplada ao substantivo ''política''), tiveram nove, 11, e oito referências, respectivamente, por vezes citadas como características do próprio candidato, outras, na condição de qualidades de figuras históricas, como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek - no quesito desenvolvimento -, e Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Franco Montoro, na luta democrática.

Em sua primeira apresentação como candidato, José Serra deu a impressão de que na campanha não renegará sua condição de representante oficial, mas que também fará esforço considerável para mostrar que representa um passo adiante. Se conseguirá, vai depender da realização de um ponto levantado momentos antes pelo presidente do partido, José Aníbal: a necessidade de a candidatura ''sintonizar-se com a cidadania''.

Houve, logo de início, uma preocupação de despaulistizar a figura de Serra, quando Aníbal o apresentou como ''cidadão do Brasil'' desde que foi presidente da UNE, há 40 anos, e depois, uma substancial exibição de currículo de vida pública, feita pelo próprio candidato, com ênfase nas realizações no Ministério da Saúde.

Da cerimônia de ontem, concebida como ato exclusivamente partidário para mostrar a unidade das facções tucanas, pouquíssimas conclusões podem ser tiradas. Uma delas é a de que Serra procurará apresentar-se exatamente como é: antes de tudo um ''fazedor'', com visão social, mas um pragmático.

Tanto que não deixou de citar a importância de Itamar Franco na ascensão de Fernando Henrique ao poder e apontou para a necessidade de arregimentar o maior número de aliados possível, dentro e fora dos partidos.
Quanto à unidade do PSDB, a presença de todos os governadores, dos ministros e daqueles que também postulavam a candidatura, foi um bom indicativo, mas, a essa altura, nada além disso. Na verdade, a tarefa de unir verdadeiramente o PSDB se dará daqui até o dia 24 de fevereiro, quando então será realizada a pré-convenção com a presença de 800 delegados, este, sim, um ato que requererá boa dose de emoção política para que os tucanos consigam transmitir à sociedade que abraçam com entusiasmo e, não, que carregam, por dever de ofício, uma candidatura.

Roteiro
José Serra admitir, como o fez logo no início do discurso de ontem, que é candidato à Presidência da República foi o primeiríssimo passo desta difícil campanha que, se vitoriosa, dará ao PSDB, seu terceiro período de poder consecutivo.

O segundo estágio agora é mobilizar a base do partido para a pré-convenção de 24 de fevereiro, em Minas Gerais, enquanto o candidato participa de eventos específicos, como um almoço na Associação Comercial do Rio, já na segunda-feira. Nessas ocasiões, Serra irá despindo-se, pouco a pouco, do jaleco que vestiu no ministério e não lhe permitia abordar questões político-eleitorais.

É muito possível que deixe oficialmente o cargo antes do previsto - provavelmente em um mês -, até porque terá de se dedicar em tempo integral ao terceiro e quarto passos para a consolidação da candidatura: firmar as coligações nacionais e montar fortes palanques regionais.


Editorial

NOVOS DESAFIOS

O PSDB entrou, finalmente, na sucessão com o ministro da Saúde, José Serra. O lançamento quase foi atropelado por fatos inesperados como o crescimento de Roseana Sarney nas pesquisas de opinião. Mas há tempo para recuperar o terreno perdido. É importante que o nome de Serra tenha vencido desafios no próprio partido, pois a quebra de resistências só fortalece a candidatura. De outro lado, engatinha na política quem espera que candidaturas sejam automaticamente ungidas. Mesmo no aparentemente inodoro bipartidarismo dos Estados Unidos correm risco os que confiam em cartas marcadas. O atual presidente, George W. Bush, cantou vitória nas primárias do Partido Republicano mas deparou-se com um azarão, o senador John McCain, herói da Guerra do Vietnam, que pregou a ética na política.

Serra custou mas prevaleceu como a opção dentro do PSDB. Isso não significa, porém, carta branca para agir como quiser e bem entender. É candidato da situação e, como tal, lhe será difícil exteriorizar visões críticas sobre a política econômica. É de se esperar que o ministro não caia na tentação de tornar públicas discordâncias em relação a Fernando Henrique e Pedro Malan. O fogo amigo confundiria os eleitores e poderia ser tomado como sinal de fraqueza da candidatura situacionista. Além disso, o ambiente da economia internacional apresenta-se altamente volátil e avesso a aventuras heterodoxas. Deve-se ter muito cuidado. Mais do que nunca, é necessário bom senso.

José Serra tem plena consciência do papel que lhe cabe no tabuleiro da sucessão. Seu mote eleitoral - ''Nada contra a estabilidade, tudo contra a desigualdade, tudo a favor do progresso para todos''- denota prudência e realismo. Deixou claro que vai se dedicar aos temas sociais, porém não pretende mexer nos fundamento da política econômica. ''Quero manter as coisas certas e fazer aquilo que não foi feito'', disse, durante o discurso no qual apontou Fernando Henrique, Getúlio Vargas e Juscelino Kubistc hek como seus inspiradores.

Parte dos 25 minutos do discurso foi gasta com breve biografia. Se algo pesa, e muito, a favor do ministro é exatamente sua trajetória. José Serra é homem público por excelência. Na juventude, foi mentor da Ação Popular (AP), movimento da esquerda católica que se opôs à ditadura, e ocupou a presidência da União Nacional dos Estudantes. Com o endurecimento do regime militar, em 1968, partiu para o exílio no Chile. Ao retornar, já ganhara destaque entre os economistas que atribuíam o milagre econômico dos anos 70 à dependência e à concentração de renda. Deixou marca de competência nos cargos que ocupou, desde a Secretaria de Planejamento de São Paulo, no governo Franco Montoro, passando pelo Ministério do Planejamento no primeiro mandato de Fernando Henrique e agora no Ministério da Saúde.

A biografia trai a vocação de Serra para o poder. Mas existem obstáculos. Por mais qualificado e competente que seja o candidato, é bom ter em mente que Serra não foi feliz nas duas vezes que disputou a Prefeitura de São Paulo, em 1988 e 1996 (teve votação expressiva para o Senado, mas na onda da candidatura majoritária). E mais: Serra construiu, na vida pública, imagem excessivamente agressiva. Não aglutina e nem todos os que o acompanham se sentem no poder. O que pode ser prejudicial numa campanha para presidente da República, na qual todas as forças partidárias são mobilizadas. Se buscar inspiração nos modelos políticos que citou, Serra tem tudo para vencer as dificuldades. E deixar para trás tabus e preconceitos.


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01/18/2002


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