Tratamento de feridas dá ênfase à qualidade de vida



Nos casos crônicos, a equipe do CRI da zona norte busca a adoção de hábitos saudáveis

A ulceração na perna direita de Mariana Aparecida de Assis, 78, surgiu há 30 anos. Desde o final da década de 1970, Mariana convivia com dois extremos: intensas dores e manifestações mais brandas. Durante 18 anos cuidou do marido doente, o que a impedia de repousar. As varizes da senhora, responsáveis diretas pelas ulcerações, exigiam intervenção cirúrgica, que era sempre adiada por causa de problemas cardíacos. Após a morte do companheiro, há quatro anos, a viúva decidiu procurar ajuda e cuidar da lesão.

Uma Unidade Básica de Saúde a encaminhou ao Ambulatório de Feridas do Centro de Referência do Idoso, na zona norte da capital. O médico a orientou que os curativos deveriam ser feitos em dias alternados. Ela diz que aprendeu a lidar melhor com o problema: “Antes eu enrolava de qualquer jeito e enchia a área comprometida de pomada. As enfermeiras ensinaram que um pouco já é suficiente. Sigo a recomendação”. Mariana destacou o carinho e a dedicação da equipe, “que faz tudo para a gente se sentir melhor”. Conta que das duas lesões que tinha, uma já “está curada”.

Apesar do progresso e possível cura do problema físico, este não é o principal papel do Ambulatório de Feridas, já que para muitos idosos o problema é crônico, frisa a cirurgiã-plástica da equipe, Pamella Veríssimo.

“Resultado positivo é a melhora global do paciente, que inclui a retomada da auto-estima e a adoção de cuidados corretos para a saúde”, enaltece a médica.Multiprofissional – Oferecer melhor qualidade de vida é a palavra-chave do atendimento, proporcionado por equipe multiprofissional de vasculares, dermatologistas, cirurgiões-plásticos, fisiatras, cirurgiões-dentistas, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, farmacêuticos, podólogos e fisioterapeutas.

O serviço existe há três anos para cuidar da terceira idade (60 anos ou mais). Em 2007, foram 4,5 mil atendimentos. Desse total, 98% tinham chagas nos membros inferiores. Pouco mais da metade (65%) convive com o problema no mínimo há dez anos. A média de consultas mensais soma 40 atendimentos. Os pacientes têm insuficiência vascular, hipertensão arterial, diabetes, doenças de pele ou obesidade.

A lesão antiga nem sempre cicatriza porque pode estar contaminada por bactérias ou fungos, ou pode evoluir para outras doenças, como câncer de pele. A dermatologista Andrea Sayaka Masada informa que é comum às pessoas desta geração acreditar em curandeirismo e em benzedeiras para a solução de seus problemas. Difunde-se que passar fumo, terra, grama, plantas medicinas, vaselina, mertiolate, iodo, álcool ou água oxigenada no local afetado promove a cura.

“Eles adoram as crendices populares que não promovem efeitos positivos. Ao contrário, apenas pioram o quadro. Água oxigenada, por exemplo, abre a ferida e a vaselina é tóxica”, afirma a médica. O uso incorreto destas substâncias resulta em alergias e dermatites (tipos de inflamação da pele). Viver de novo – As práticas indevidas não param por aí. A enfermeira Denise Schuller, coordenadora do Ambulatório de Feridas do CRI, diz que muitos pacientes tiram o curativo para se banhar. A contaminação é certa. O correto é proteger a lesão com plástico e/ou tecido limpo antes da higiene pessoal.

 “Todos da equipe multiprofissional falam a mesma língua. Não existe contradição”, sustenta Denise. O tratamento vai muito além de orientar sobre cuidados físicos.

“Nós enxergamos o problema de forma integral. Além da doença, muitas vezes os pacientes trazem problemas nutricionais, sociais e familiares”, conta a coordenadora. Como a ferida persiste durante muitos anos, alguns idosos “se maltratam fisicamente”, pela não-aceitação do problema. Daí, surge a depressão.

O psicólogo Fernando Genaro Júnior, coordenador do Serviço de Psicologia do CRI, esclarece que o seu trabalho consiste em mostrar a importância do autocuidado e incentivar os pacientes a aumentarem a auto-estima, o que só funciona quando o idoso se conscientiza que qualquer mudança só depende dele.

Para ilustrar a importância do trabalho, o profissional relata o caso de um senhor bastante ativo e trabalhador. Este mesmo senhor, por sinal, um artesão, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), o que resultou em muitas feridas. Com a invalidez, se auto-excluiu de qualquer atividade “porque se considerava inútil”.  “Nas terapias, percebeu que podia fazer amizades no bairro e repousar, já que antes sobrava pouco tempo para descanso”, relata. A doença inviabilizou a realização de trabalhos manuais, mas não impediu que repassasse seu conhecimento aos demais colegas artesãos. “E assim se sentiu vivo de novo, a partir de sua própria conscientização”, afirma o psicólogo. Autonomia – O paciente também é orientado sobre higiene e alimentação adequadas. Mesmo que não haja cicatrização, a dermatologista conta que existe a alta médica quando o idoso adquire capacidade de se cuidar sozinho.

“Muitos só querem visitar a família quando estiverem livres das lesões. Orientamos sobre o fato de que as feridas podem ser cuidadas em qualquer lugar”, conta a técnica de enfermagem Djanira Rodrigues Evangelista. Quem segue o conselho, viaja e retorna recuperado, afirma.

O psicólogo Fernando Genaro Júnior diz que no final do tratamento presenciou a ocorrência de pacientes que cutucam a ferida de maneira proposital apenas para lesioná-la e com isso receberem atenção. “É um jeito tirano de obter afeto”, frisa. Talvez uma forma de suprir a distância afetiva dos parentes – atitude que o psicólogo afirma ser comum.

As causas do distanciamento são diversas: o filho pode ter sobrecarga de tarefas ou vem ao CRI, quando é convidado, por obrigação. Às vezes, o idoso mora sozinho ou chega ao ambulatório com a ajuda de vizinhos. “Um de nossos trabalhos, durante todo o tratamento, é agregar os demais familiares ao paciente. Temos obtido sucesso em aproximá-los”, sustenta a cirurgiã-plástica Pamella.

No ambulatório, idosos e a equipe criam vínculos afetivos. “Na hora da alta, alguns pacientes até choram porque não querem a separação”, conta a dermatologista. O serviço social contata os familiares para sensibilizá-los sobre a importância do apoio para a continuidade do tratamento, agora em casa, e também sobre as atividades culturais e educacionais do Centro de Convivência do CRI, instalado no mesmo local, no Conjunto Hospitalar Mandaqui. 

Clara aprendeu a se cuidar

Há quatro anos, a portuguesa Maria Clara Almeida notou feridas em sua perna direita. Procurou médico particular e durante seis meses fez sessões de escleroterapia (dissecação de vasos). “Da pele, começou a sair um negócio amarelo, duro, parecendo pedra ou dente quebrado. Ele acabou com minha perna. Doía e coçava muito”, recorda. Só dormia se tomasse analgésico.

Clara procurou um posto de saúde que a encaminhou ao CRI. Lá aprendeu a cuidar corretamente das lesões. Ao tomar banho, protege a pele lesionada com saco plástico e toalha e faz os curativos segundo instruções recebidas. Não consome alimentos ácidos, enlatados, maionese e refrigerantes. Guarda repouso sempre que necessário. “Não tenho do que me queixar. Sou muito bem atendida aqui, tanto que as feridas estão melhorando”, avalia. SERVIÇO

Ambulatório de Feridas do CRI atende via

encaminhamento dos postos de saúde

Local – Avenida Voluntários da Pátria, 4.301 – Mandaqui

Da Agência Imprensa Oficial



05/20/2008


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