Uma tarde de 'campanha' em Bangu







Uma tarde de 'campanha' em Bangu
Ministro da Saúde põe crianças no colo, passeia pelo calçadão do bairro, sorri e aperta mãos de vendedores de loja

Criança no colo, abraços e apertos de mão, poses para fotos e um sorriso permanente no rosto, o ministro da Saúde, José Serra, não se assume como pré-candidato do PSDB à Presidência, mas age como tal. Usou e abusou do figurino de político em campanha ontem, durante solenidade de lançamento do Cartão Nacional de Saúde no Rio. ''Não falo de sucessão'', repetiu centenas de vezes, mas só faltou pedir votos no pátio da Escola Municipal Nações Unidas, em Bangu, Zona Oeste.

Serra estava à vontade no calor de quase 35°C do bairro mais quente do Rio. O discurso, para não quebrar a imagem de exímio caçador de votos, veio recheado de promessas. Garantiu verbas para a construção de uma maternidade no bairro e não poupou elogios a seus feitos na Saúde, como a produção de genéricos. Usou e abusou dos números favoráveis à sua gestão no ministério.
''Não gostaria de ver duas classes sociais na Saúde'', afirmou. ''Registramos aumento de 30% na compra de genéricos em outubro em relação a setembro. Isso é uma vitória.''

Chegou a hora de abandonar o microfone. O ministro foi cercado por crianças da escola. ''Consegui tirar uma foto com ele'', disse sorridente a estudante Juliana Machado, de nove anos.
Após a solenidade, Serra, a convite do secretário muncipal de Saúde. Ronaldo Cezar Coelho, foi dar um passeio no calçadão de Bangu, centro comercial do bairro. O objetivo declarado era conhecer o projeto Rio-Cidade no local. No ambiente empoeirado pelas obras, mais apertos de mão, desta vez no interior de uma loja de eletrodomésticos. Na semana em que registrou o primeiro crescimento significativo nas intenções de voto para presidente da República, Serra, acompanhando de seguranças, conseguiu atrair apenas um discreto olhar das pessoas, que o reconheciam, mas não demonstravam euforia com a presença do ministro tucano. ''Por que ele está aqui, é candidato?'', perguntou a dona-de-casa Regina dos Santos.

Pouco antes, durante o lançamento do programa de cadastramento do Cartão Nacional de Saúde, o ministro Serra anunciou que o projeto vai ''revolucionar'' o sistema público de saúde no país. José Serra chamou a atenção para as principais vantagens do cartão: o agendamento automatizado de consultas e exames e a melhoria no acesso aos remédios fornecidos pela rede do Sistema Único de Saúde.


Uma decisão e várias interpretações
STF desconhece reclamação contra pagamento de salário dos professores em greve. Governo acha que venceu, STJ também

BRASÍLIA - Uma guerra de interpretações jurídicas emperrou qualquer acerto entre o Ministério da Educação e os professores das universidades federais em greve há mais de três meses. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram ontem, por unanimidade, desconhecer a reclamação da Advocacia Geral da União (AGU) em relação ao pagamento dos grevistas. Com a decisão do Supremo, a AGU e o Superior Tribunal de Justiça cantaram vitória. O ministro do STJ , Gilson Dipp, que ordenou o pagamento dos salários e ameaçou punir o ministro da Educação, Paulo Renato, acredita que vale sua decisão. Mas o voto da ministra Ellen Gracie, relatora do caso no STF, deixa claro que Paulo Renato não tem poder para pagar, nem o STJ tem competência para detê-lo.
A atribuição de liberar os recursos é do presidente Fernando Henrique, entendeu a ministra. Assim, o STJ diz que Paulo Renato deve pagar os salários. O STF, porém, acha que ele não tem poder para cumprir a ordem.

Competência - Dipp notificou Paulo Renato duas vezes. Ameaçou processá-lo por crime de responsabilidade se não depositasse R$ 372 milhões para acertar os salários de outubro. ''Cabe ao ministro Dipp examinar as conseqüencias da decisão do STF'', acredita o presidente do STJ, Paulo Costa Leite.
A AGU chegou a entrar com pedido de habeas corpus preventivo no STF para impedir a prisão de Paulo Renato. Mais tarde, depois de ler o voto de Ellen Gracie, os advogados do governo desistiram do pedido. ''A ministra Ellen deixou claro que qualquer ação contra integrante do ministério cabe ao STF, não ao STJ'', afirma o advogado-geral da União, Gilmar Mendes.

Decreto - A AGU argumentou que Dipp não poderia ordenar a Paulo Renato liberar os recursos porque o decreto 4.010 concentrou nas mãos do presidente da República qualquer decisão sobre salário dos servidores. Assim, a ação para garantir o pagamento deveria ter entrado no STF, competente para julgar o presidente, não no STJ.
Nesse ponto, as interpretações jurídicas se chocam. NO STJ, existe a convicção de que, ao desconhecer a reclamação da AGU, os ministros do Supremo entenderam que Dipp respeitou os limites, ou seja, ordenou que Paulo Renato, não o presidente, pagasse os salários. O AGU pensa o contrário. Acredita que, se quiserem receber, os professores terão de reclamar ao STF.

Em meio a tantas idas e vindas jurídicas, a maioria das assembléias de professores aceitou ontem a proposta alternativa de negociação apresentada pelo Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes). A sugestão equipara as Gratificações de Incentivo à Docência (GID) e de Estímulo à Docência (GED). Também prevê reajuste de 14,5% aos professores. A idéia esbarra nos recursos federais. Aumenta em R$ 100 milhões a folha de pagamento das universidades.


Pelo direito de ter uma casa
BRASÍLIA - Dez anos depois de chegar ao Congresso Nacional com um milhão de assinaturas, o primeiro projeto de lei de iniciativa popular do Brasil ainda não foi votado. Nem esquecido. Mais de duas mil pessoas participaram ontem de uma manifestação em Brasília para tirar das gavetas o projeto do Fundo Nacional de Moradia Popular. A proposta, feita no Projeto de Lei 2027/92, contém medidas para contornar o déficit habitacional do país. Hoje, 63% dos brasileiros que ganham até 3 salários mínimos não têm casa própria.
Os participantes da 3ª Caravana Nacional pelo Direito à Moradia querem o projeto votado esta semana no Congresso. Chegando em ônibus de diversos estados, decidiram se unir ao protesto organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com o reforço de até sete mil manifestantes pró-moradia, segundo a estimativa dos organizadores, a CUT espera reunir dez mil pessoas em frente ao Congresso por volta das 14h de hoje.

Ao mesmo tempo deverá ocorrer a audiência com o ministro Ovídio de Angelis, marcada depois que a Caravana bloqueou o acesso à porta principal da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano na manhã de ontem. Os movimentos pró-casa própria querem discutir uma política nacional de habitação, mudanças no papel da Caixa Econômica Federal e a criação de um fundo e um conselho nacionais para a questão da moradia, como previsto no projeto de iniciativa popular.

''O projeto está pronto para ser votado, mas a CLT bloqueou a pauta'', diz o deputado Djalma Paes (PSB/PE), presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara. A Comissão esperava votar o projeto até quinta-feira, encerramento da 3ª Conferência das Cidades, que discute em Brasília o déficit habitacional do país, estimado em 15 milhões de unidades.
Mais de 81% da população do país vivem em centros urbanos. Segundo a Comissão de Desenvolvimento, cerca de 50% dos habitantes das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro vivem em favelas ou loteamentos ilegais.

''Não existe hoje uma política nacional de habitação'', critica Edmundo Fontes, da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM). Os manifestantes pernoitaram no ginásio Nilson Nelson para descer o eixo monumental até o Congresso na manhã de hoje.
A caravana pró -moradia esteve em Brasília em 1991 para entregar o projeto de iniciativa popular, que só começaria a tramitar no ano seguinte. Em 1997, voltou à capital para pressionar por sua votação.


Ministro falta ao 'encontro da paz'
BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, não compareceu ontem ao encontro com o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Costa Leite, marcado para celebrar a paz entre Executivo e Judiciário. As relações entre os dois poderes estão arranhadas desde o começo deste mês, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso baixou um decreto invocando o pagamento dos professores universitários e funcionários do INSS em greve.
Na prática, o decreto do presidente anulou uma decisão do STJ que obrigava o ministro da Educação, Paulo Renato, a pagar imediatamente o salário dos profissionais parados. Costa Leite considerou a atitude do governo uma interferência indevida do governo no trabalho do Judiciário.

Urgência - Oficialmente, Aloysio não compareceu por causa das duras negociações envolvendo a votação da flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O ministro foi chamado às pressas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para discutir o assunto no Palácio da Alvorada.
Ainda não foi marcada uma nova data para o encontro. Em entrevista ao Jornal do Brasil, no domingo, Costa Leite disse que havia necessidade de um encontro pessoal dele com o ministro para que as arestas com o governo fossem definitivamente aparadas.


MP denuncia outro aliado de Jader
BRASÍLIA - O Ministério Público Federal denunciou outro aliado político do ex-senador Jader Barbalho por estelionato, falsidade ideológica e formação de quadrilha. O ex-prefeito Armindo Denardin, membro do diretório municipal do PMDB em Altamira (PA), é acusado de desviar R$ 3,2 milhões da extinta Sudam para a fábrica de biscoitos e massa Sabisa.

As investigações da Polícia Federal apontaram Armindo Denardin como um dos membros do diretório contemplados com projetos fraudulentos da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), feudo de Jader. Os beneficiados ''foram compelidos a doar vultosas quantias para a campanha política'' do ex-senador nas eleições de 1998, afirma o delegado Hélbio Dias Leite. O ex-prefeito não foi localizado para comentar a denúncia. Jader, também do PMDB, nega a acusação.
Na denúncia à Justiça Federal, o procurador da República Cláudio Chequer relaciona mais cinco acusados: o ex-vice-prefeito de Altamira José Soares Sobrinho, Raimundo de Souza Aguiar, Laudelino Délio Fernandes Neto, Manuel Abucater e Valdecir Aranha Maia. Eles negam as acusações. Segundo Chequer, o grupo atuou como quadrilha para desviar recursos públicos.

Relatório da Receita Federal afirma que os sócios oficiais da Sabisa, Luís Coldebella e Elenir Dalasen Coldebella eram testas-de-ferro e laranjas. Aponta que ''grande parte dos recursos foi desviada em proveito'' de Denardin e de outro ex-prefeito de Altamira, o empresário Maurício Bastazini. Eles receberam R$ 1.066.028,99, ou 33% dos recursos.


Carandiru tem maior fuga da história
Por um túnel, 108 detentos escapam do presídio e conseguem alcançar as galerias de esgoto. Polícia recaptura 15 fugitivos

SÃO PAULO - O Complexo Penitenciário do Carandiru, na Zona Norte de São Paulo, teve ontem a maior fuga de sua história. Cento e oito presos escaparam por um túnel cavado de de fora para dentro da cadeia. Até então, o recorde era de julho deste ano, quando 106 detentos fugiram da Casa de Detenção, prisão que faz parte do conjunto de penitenciárias.
O alarme foi dado por volta de 9h da manhã. Guardas de serviço no alto dos muros da Penitenciária do Estado viram quando presos armados renderam agentes penitenciários no Pavilhão Dois. Em seguida, os detentos entraram no túnel, ligado ao labirinto das galerias de esgoto da região. Até o fim da tarde, 15 presos tinham sido recapturados.

A Polícia Militar, auxiliada pelo Comando de Operações Especiais, a Tropa de Choque e o Corpo de Bombeiros, começou a caçada aos fugitivos. Pelo menos 350 homens vasculharam a região num raio de até cinco quilômetros, fechando ruas próximas. Os policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo para desalojar os presos e entraram nas galerias com tanques de oxigênio. O comando da operação recomendou aos moradores das vizinhanças que fechassem bem as portas e janelas das casas.
Enquanto a polícia tentava recapturar os fugitivos, ironicamente o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), assinava no Palácio dos Bandeirantes um convênio para a construção de centros de detenção provisória (CDPs). ''Tem sempre gente querendo fugir, isso não vai acabar nunca'', disse.

Alckmin reafirmou que o Complexo do Carandiru está com os dias contados. Cerca de dez mil presos serão transferidos de lá para penitenciárias menores. A Casa de Detenção começará a ser demolida em abril do ano que vem.
A construção de túneis tem sido a a forma mais usada pelos presos do Carandiru para fugir. A Secretaria de Administração Penitenciária informou que, apenas este ano, foram descobertos 30 túneis em volta da Casa de Detenção.


Glória Trevi tem 2 votos favoráveis no STF
BRASÍLIA - A cantora Gloria Trevi conseguiu dois votos favoráveis à prisão domiciliar em julgamento inicia do ontem no Supremo Tribunal Federal (STF). Três ministros votaram contra o pedido da cantora. Outros seis magistrados ainda vão apresentar votos. O julgamento foi suspenso e continua amanhã.
No STF, os ministros analisam uma questão de ordem no pedido de extradição da cantora, incluindo o pedido de prisão domiciliar. O advogado Geraldo Magela afirma que os dois votos favoráveis representam inversão no processo, até então desfavorável aos recursos da cantora.
O ministro Nélson Jobim recorreu aos direitos humanos para votar a favor do pedido de prisão domiciliar. Gloria está grávida de sete meses e aguarda na penitenciária de Brasília, a Papuda, julgamento de pedido de refúgio no Brasil.

Confusão - O ministro Ilmar Galvão seguiu o voto de Nélson Jobim. Néri da Silveira e Maurício Corrêa votaram contra a concessão do refúgio. O resultado do voto da ministra Ellen Gracie confundiu até o STF. Ela disse acompanhar o relator da matéria, ministro Néri.
O presidente do STF, Marco Aurélio de Mello, anunciou terem votado com Jobim a ministra Ellen e o ministro Ilmar Galvão, segundo a assessoria do STF. Em tese, o pronunciamento de Mello dá três votos favoráveis a Gloria. Ontem à noite, o STF tentava pôr fim à dúvida em torno do voto.
Os advogados de Gloria Trevi impetraram novo recurso no STF, desta vez um agravo regimental solicitando a prisão domiciliar. Apesar de insistirem que Gloria foi vítima de estupro carcerário, os advogados disseram ontem que a cantora não vai apresentar denúncia por suposto estupro.

Delegado - Ex-companheira de cela da mexicana na PF, Roberta Menuzo afirma que Gloria engravidou de um delegado, em relações consentidas. ''O que ocorreu foi um romance, namoro mesmo'', disse. O policial conseguiu liminar na Justiça proibindo a citação de seu nome na imprensa.
Gloria Trevi voltou a passar mal na Papuda. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, ela teve enjôo e foi levada ao Hospital Regional da Asa Norte.


Deputados pegam carona em roqueiros
BRASÍLIA - Filhote pop do rock brasiliense dos anos 80, o quarteto Capital Inicial atravessa maré alta. Seu Acústico MTV vendeu mais de 750 mil cópias. Ontem, os quatro músicos da banda receberam títulos de cidadãos honorários de Brasília. Cerimônia na Assembléia Legislativa do Distrito Federal, aberta com o Hino Nacional e fechada com versão de Música urbana ao vivo.
Trata-se da mesma assembléia que negou título ao mineiro Éds on Arantes do Nascimento, Pelé. No entender dos deputados, o ex-craque deveria ser punido porque não assumira a paternidade de uma filha.

Fato raro: o plenário da assembléia lotado. Artífice da homenagem, a deputada petista Maria José Maninha perdeu a paciência com o atraso dos músicos. ''Artista é fogo'', suspirava. Para seu alívio, saltaram da van o curitibano Dinho Ouro-Preto (vocais) e os cariocas Loro Jones (guitarra), Flávio (baixo) e Fê Lemos (bateria).
Ao microfone da tribuna, revezavam-se deputados distritais e o deputado federal Geraldo Magela (PT), candidato ao governo local em 2002, em loas aos roqueiros. A ironia da situação não passou despercebida a Dinho. ''Crescemos tendo problemas com o Estado'', divertia-se. O primeiro disco da banda, de 1986, teve faixas proibidas pela censura.

A tietagem oficial foi liberada. O presidente da Casa, deputado Gim Argello (PMDB), levou o filho para conhecer os músicos. A petista Lúcia Carvalho comentou que ouviu o Acústico MTV antes de sair de casa. ''Meio surreal, né?'', admitiu Dinho, na saída.


Artigos

Clonagem e valores humanos
William Saad Hossne

Estamos diante de nova façanha na área da biologia: a clonagem de embriões humanos, auge provisório de uma seqüência de conquistas, tudo promissor e preocupante. Espera-se o balizamento - o que é bom e mau nisso tudo, salvaguardas para nosso benefício e proteção de malefícios. E que sejam superados os confrontos com convicções religiosas, culturais e espirituais.
A evolução exige respostas. Proibir pesquisas ou proibir fundos públicos para pesquisas? Proibir uso de embriões produzidos no país, mas permitir uso de embriões importados? O perigo não está no conhecimento. Deve-se, antes, temer a ignorância, o obscurantismo. O traço que distingue o ser humano dos demais animais é justamente a sua capacidade de fazer perguntas à natureza e obter respostas - verdades científicas, teorias, hipóteses, mitos, deuses -, respeitando valores humanos. A ética e a moral lidam com valores humanos.

Ética é juízo crítico sobre valores. Ética implica enfrentar conflitos e fazer opção. No exercício da ética, cada um de nós vai pôr em jogo seu patrimônio genético, sua racionalidade, suas emoções. A reflexão crítica se baseia em referenciais como a não maleficência, a beneficência (riscos x benefícios), a autonomia (respeito ao ser humano), a justiça, a igualdade, a eqüidade, a solidariedade. O que gera tensão, frente aos avanços da revolução da biologia molecular, é que não houve tempo para ''usos e costumes'' ou para valores estabelecidos específicos, para a ética que deve balizar a aquisição do conhecimento e sua aplicação. Alguns países proíbem certas pesquisa, outros estimulam. Prestígio científico, ambição, poder, altruísmo e interesses econômico-financeiros estão em jogo.

No Brasil, a Lei de Biossegurança caracteriza como crime ''a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível''. É também vedada a manipulação genética nas atividades com humanos, bem como experimentos de clonagem radical.
Quero crer, porém, que o importante é o fato de o Brasil dispor hoje, de normas éticas nas pesquisas envolvendo seres humanos (Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde ). Como presidente do grupo executivo de trabalho que elaborou o projeto da Resolução 196/96, não tenho dúvidas em afirmar que tal resolução é uma salvaguarda para a defesa da dignidade do ser humano, na medida em que se constitui peça de bioética (ética sob visão pluralista, incluindo o controle social) que cria condições para o devido equacionamento das pesquisas envolvendo seres humanos.

No específico das pesquisas na área da biologia molecular (clonagem, células-tronco etc.), sou de parecer que não é o caso nem de proibir nem de permitir tais pesquisas a priori. Cada proposta de investigação deve ser apresentada, nos moldes exigidos pela Resolução 196/96, e ser apreciada por comitês de ética e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Tais órgãos colegiados são de natureza bioética em sua composição (no máximo a metade de seus membros pode pertencer à mesma categoria profissional e devem contar obrigatoriamente com, pelo menos, um representante da comunidade de usuários).

Qualquer uma das propostas de pesquisa, como a clonagem de seres humanos agora anunciada na mídia, para que pudesse ser realizada no Brasil (superadas limitações legais), teria de ser analisada e aprovada previamente frente ao disposto na Resolução 196/96. A Resolução prevê essa situação e outras, no item III.2. quando estipula: ''Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja aceitação não esteja ainda consagrada nas literaturas científicas, será considerado como pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da Resolução''.
Assim, não se acende nem a luz vermelha nem a verde. Mas toda pesquisa deve ser, antes de mais nada, cientificamente embasada e criticamente analisada (e, aí sim, permitida ou proibida) à luz da análise bioética.


Colunistas

COISAS DA POLÍTICA – DORA KRAMER

Menos luz no fim do túnel
O atual e o ex-ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira e José Gregori, respectivamente, fizeram questão de se manifestar a respeito do artigo publicado no domingo, cobrando das autoridades públicas uma satisfação a respeito da obscuridade - e de algumas flagrantes injustiças - que envolvem as investigações(?) do caso da cantora mexicana, Gloria Trevi, engravidada na carceragem da Polícia Federal, em Brasília. Infelizmente, nenhum dos dois contribuiu decisivamente para esclarecer o que quer que fosse.
Aloysio Nunes, cuja preocupação alegada seria a de esclarecer se houve agressão aos direitos humanos nas dependências da Polícia Federal, estava mais interessado em desmentir a informação - saída de dentro do próprio governo - de que o superintendente da PF, Agílio Monteiro, seria demitido caso não esclarecesse o caso com urgência.

Ao contrário, está mais firme do que nunca. Segundo o ministro, ante tantas negativas e do silêncio da própria Gloria Trevi, ele não vê outra solução a não ser esperar a criança nascer, em janeiro, para que se façam exames de DNA nos suspeitos de terem se valido do poder que tinham sobre uma pessoa presa.
Já o ex-ministro, José Gregori, assegurou ter recebido de Agílio Monteiro a informação de que todos os policiais, incluindo delegados, que tiveram qualquer tipo de contato com a cantora estariam dispostos a fornecer material para os exames de paternidade.

Mas Gregori também tinha outra preocupação central: desmentir uma informação também originária do próprio Ministério da Justiça. Diz ele que jamais, em tempo algum, pensou em avalizar a versão da inseminação artificial por meio de uma caneta esferográfica. Quanto ao fato de a PF, sob seu comando, ter oficializado essa versão como verdadeira, Gregori diz apenas que essa ''era uma das possibilidades apontadas nos depoimentos colhidos durante a sindicância''.

Ora, se era apenas ''uma das possibilidades'', por que razão a PF deu por concluída a sindicância 008, assumindo como verdadeira a história da caneta?
Aloysio mandou reabrir o caso e instaurar inquérito, segundo ele, por iniciativa do próprio Agílio. Já Gregori alega que não teve tempo de concluir as investigações antes de deixar o ministério.
O atual ministro não sabe explicar - ou não pode ou não quer - as razões que fazem de Gloria Trevi uma prisioneira, há dois anos, sem acusação formalizada. Diz ele que é um caso diretamente ligado ao Supremo Tribunal Federal, deixando a impressão de que sua prioridade não é o destino das acusações, mas a investigação sobre a responsabilidade do Estado na guarda da cantora.

Já Gregori, que também não sabe explicar por que o Supremo não concede a ela prisão domiciliar nem toma alguma atitude sobre a extradição para o México, diz ter sofrido ''enormes pressões'' daquele país, que estranha qual a desconfiança que o Brasil tem para não mandá-la de volta. Segundo Gregori, ele recebeu pessoalmente da embaixadora do México garantias de vida e inviolabilidade de direitos para Gloria Trevi e, recentemente, o próprio presidente do México disse o mesmo a Fernando Henrique Cardoso. Que, óbvio, não tinha resposta satisfatória para dar a Vicente Fox.
Fato é que, neste caso, quanto mais se busca explicar, mais obscura fica a situação.

Policiais federais
Além dos dois ministros, manifestou-se também a Federação Nacional dos Policiais Federais, por meio de mensagem enviada pelo seu presidente, Francisco Carlos Garisto. Segundo ele, ''todo o efetivo'' da PF não aceita o resultado das investigações feitas até agora e considera que Gloria Trevi está sendo vítima de ''execração'' injustificada, uma vez que nem aqui nem no México ''existe um processo de culpa completo e formalizado, mas apenas uma investigação do Ministério Público local''.

''Gloria Trevi pode até ser culpada dos crimes no México, mas tem direito a um apuratório aqui e lá. A versão da canetinha Bic, com pontinho de leite, não é aceita pela maioria esmagadora dos policiais federais. A estratégia de ficar grávida é uma tentativa desesperada de quem não acredita na Justiça, de quem não vê ninguém investigar com seriedade a verdade do delito, e a cantora está presa há dois anos, sendo que, no Brasil, uma pena dessa envergadura é considerada perpétua até para assassinos, corruptos e seqüestradores.''
O presidente da federação considera revoltante que a ''instituição como um todo seja responsabilizada pelas asneiras de seu dirigente e seus incompetentes auxiliares''.

Os policiais não questionam ''quem se relacionou sexualmente com a cantora, mas questionamos a veracidade do ato que, se tiver sido praticado por um policial que tinha o dever de protegê-la, a lei é clara quanto à punição''. Finalmente, o presidente da federação pede que seja formada uma comissão de investigação diretamente ligada ao ministro da Justiça, ''fora do controle de Agílio Monteiro, responsável pelas investigações até agora'', que concluíram pela responsabilidade da caneta esferográfica.


Editorial

A Ética e o Clone

O admirável mundo novo está cada vez mais perto. Uma fronteira crítica foi transposta com o anúncio do primeiro clone humano. Ainda não se trata de duplicar uma pessoa, como nos folhetins de TV, mas de uma experiência que durou pouco: seis dias, e, no caso mais bem sucedido, chegou a um embrião de apenas seis células antes de morrer. No óvulo substituiu-se o material genético existente por uma célula que se pretendia clonar. Cultivado em meio próprio, o óvulo começou a multiplicar-se como se tivesse sido fecundado.
Para dar uma idéia da dificuldade de clonar seres humanos basta considerar que a experiência da empresa americana Advanced Cell Tecnology utilizou 72 óvulos femininos, dos quais apenas oito se dividiram por partenogênese, nome que se dá ao desenvolvimento de uma célula sexual sem ter havido fecundação (método de reprodução de algumas plantas e artrópodes). Desses, apenas dois resultaram em embriões com quatro e seis células.

O objetivo da pesquisa é chegar a um embrião com 100 células, ocasião em que deverão aparecer as chamadas células tronco que têm a capacidade de diferenciar-se e dar origem a órgãos como a pele, cérebro, pulmões, pâncreas, coração, sangue, fígado, rim, músculos, ossos e até óvulos e espermatozóides. No dia em que os cientistas aprenderem a lidar com essas células tronco será possível fabricar, em laboratório, órgãos inteiramente compatíveis com o receptor e resolver o problema dos transplantes, sem precisar tomar drogas imuno-supressoras ou recorrer a doadores mortos ou vivos, como se faz hoje.

Uma novidade dessas desperta logo um debate ético além da ciência. Para a religião, a partir do momento que ocorre a concepção o óvulo deixa de ser o que era até então: mera célula que - se não usada - será abortada pelo organismo, todos os meses, na menstruação durante a vida fértil da mulher. No momento da fecundação o óvulo torna-se um embrião e aí começa a discussão dos teólogos e cientistas. Para os religiosos (nem todos), esse embrião já teria uma alma no momento mesmo da fecundação.
Como é fácil perceber, o debate passa à margem da ciência. Se aceitarmos que um embrião com duas células já é um ser humano, matá-lo ou usá-lo em experiências seria contrário à ética. Mas quem pode determinar isso? Ética e fé nem sempre estão juntas ou têm a ver uma com a outra. E o que acontece quando a célula óvulo, não é fecundada e começa a multiplicar-se bioquimicamente estimulada num laboratório?

No estagio atual da ciência não é possível clonar alguém assim e o próprio embrião morrerá após algumas semanas no máximo. Não há qualquer perspectiva de resultar num ser humano. Nesses casos continua valendo a ''sacralidade'' do embrião? Nem a religião tem respostas para isso.
Mas, o fato é que essas questões e suas implicações éticas e morais devem ser discutidas por todos, dos religiosos aos cientistas, do homem da rua aos políticos, intelectuais e formadores de opinião. Somos todos seres humanos, com o mesmo patrimônio biológico e isso nos diz respeito, assusta muitos, e maravilha outros tantos.

Não se trata de criar seres humanos ''estepe'', que serviriam de depósito de órgãos a serem usados pelo ser matriz. Nem tampouco de gente ''especializada'', para sobreviver ou trabalhar em certos ambientes. A ficção científica está cheia de exemplos. Mas é preciso tomar cuidado com essas aplicações, pois a ética pode ser mortalmente ferida em alguns casos, aparentemente inofensivos e até desejados por muitos, como a manipulação genética pré-natal não para prevenir doenças (o que é obviamente bom), mas para gerar filhos ''perfeitos''. Essas práticas, algumas já possíveis, se aproximam perigosamente das teorias de eugenia nazista.

É preciso estabelecer limites, mesmo para a ciência. Do ponto de vista ético não perece errado usar embriões humanos para gerar órgãos de reposição. Afinal, hoje em dia, na maioria dos transplantes é preciso que alguém morra para que outro viva. É claro que não se mata um ser humano para tirar seus órgãos, mas é difícil entender a alegria de quem se salva às custas da desgraça de outro. Não seria mais lógico e mais seguro aprofundar a pesquisa das células tronco usando óvulos, mesmo que seja preciso clonar material humano?


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11/27/2001


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