Valter Pereira: Constituição de 88 elevou status de direitos sociais a mandamento constitucional



Na Legislatura 1983/1987, Valter Pereira ocupou a cadeira de deputado estadual na Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, eleito pelo PMDB. Pelo mesmo partido, foi deputado federal constituinte (87/91). Na Assembléia Nacional Constituinte, foi titular da Comissão da Ordem Econômica e membro da Subcomissão da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. Em entrevista à Agência Senado, Valter Pereira teceu considerações sobre a conquista de direitos sociais, salientou o status adquirido pelo Ministério Público e a maior transparência dada à administração pública, bem como as emendas aplicadas à área econômica, tendo em vista a necessidade de o Brasil acompanhar a modernização, empenhando-se em investir e abandonando práticas protecionistas.

Agência Senado - Quais as conquistas mais importantes asseguradas pela Constituição de 1988 à época de sua promulgação? Quais os avanços? E o que poderia ter sido assegurado pela nova Carta? 

Valter Pereira - Não foi por acaso que o saudoso presidente Ulysses Guimarães cunhou a Carta de 1988, de 'Constituição Cidadã'. No seu texto, o que se observa como traço marcante é a elevação de direitos sociais a status de mandamento constitucional. A partir de sua promulgação, o ordenamento jurídico ordinário foi compelido a garantir a universalização da saúde, da educação e do meio ambiente saudável, bem como o respeito ao ser humano em sua plenitude. É bem verdade, que muitas dessas conquistas ainda não se materializaram totalmente. É o caso da saúde, por exemplo, onde a qualidade está distante do ideal constituinte, mas a permanência desse ideal é a ferramenta para melhorá-la. Os avanços, entretanto, não pararam no campo social. Na Constituição de 1988, o município ganhou abrigo na concepção federativa, o Ministério Público conquistou status de poder, a administração pública tornou-se mais transparente e as relações de trabalho tiveram melhorias significativas.

Agência Senado - Alguns artigos do Título VII (Ordem Econômica e Financeira) da Carta de 1988 foram alterados por nove emendas constitucionais. Qual a sua avaliação dessas modificações? 

Valter Pereira - A Assembléia Nacional Constituinte sofreu as influências do momento em que fora convocada. Sua principal tarefa era formalizar a transição do regime ditatorial para a democracia. O desejo de demolir todo o arsenal jurídico do autoritarismo às vezes revelava-se passional. E, com isso, acabava-se mudando o que não precisava mudar e inovando no que era dispensável inovar. O resultado é que muitas normas introduzidas no texto constitucional estavam em descompasso com a evolução do país e exigiram mudanças. 

Agência Senado - As mudanças tiveram início com a Emenda Constitucional nº 6, de 1995, que alterou o inciso IX do artigo 170, estabelecendo, como um dos princípios da Ordem Econômica, o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Antes da modificação, a norma previa tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. A mudança foi acertada? 

Valter Pereira - A norma alterada trazia um traço nacionalista que marcava o período anterior à ditadura e talvez por isso estivesse na alça de mira de ponderável parcela dos constituintes. No entanto, a volta daquela tendência chocava-se com a nova realidade do mundo. E nesta nova realidade, o Brasil já estava na disputa por investimentos. A manutenção da restrição contrariava os interesses econômicos do país. Portanto, a mudança foi acertada.

Agência Senado - Qual a importância da quebra do monopólio na exploração do petróleo pela União? O artigo 177 da Constituição, antes de ser modificado pela Emenda Constitucional nº 9/95, vedava à União ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural.  

Valter Pereira - O Estado não pode manter um monopólio absoluto sobre a exploração do petróleo até porque não tem recursos suficientes para fazê-lo. A flexibilização aprovada garantiu novas fontes de investimentos e maior expansão do setor. 

Agência Senado - O senhor poderia comentar a importância da Emenda Constitucional nº 6/95, que modificou o artigo 176 da Constituição, permitindo que empresa constituída sob as leis brasileiras, e que tenha sua sede e administração no país, possa participar da exploração de jazidas minerais e dos potenciais de energia elétrica? Antes da alteração, a atividade era permitida apenas às empresas de capital nacional.  

Valter Pereira - A norma modificada também era preconceituosa contra o investimento estrangeiro. Ela abrigava ingênuo conceito de nacionalismo que não compatibilizava as necessidades de capital com a vontade de crescer.

Agência Senado - Os congressistas constituintes receberam mais de 72 mil cartas com sugestões da população, conforme banco de dados do Senado, com propostas que desejavam ver asseguradas na Constituição. Qual a importância dessa participação? O senhor lembra-se de como essas sugestões foram trabalhadas? 

Valter Pereira - Os corredores do Congresso pareciam procissões. Eram legiões de representantes da sociedade organizada para entregar suas propostas e discutir suas demandas. Muitas delas bem fundamentadas, outras até bizarras. Grande parte da sociedade não percebia o caráter estrutural da Constituição e queria embutir na Carta Magna matérias próprias da legislação infraconstitucional. Antes das discussões e votações em Plenário, tais matérias passavam pelo crivo das subcomissões e das comissões temáticas. Antes mesmo das deliberações nesses colegiados, muitas delas eram debatidas individualmente ou com grupos que se reuniam em apartamentos de constituintes ou em gabinetes. A participação da sociedade foi fundamental, pois ela estabelecia o link entre a Assembléia e o povo.

Paulo Sérgio Vasco e Cristina Vidigal / Agência Senado



07/10/2008

Agência Senado


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