Veja a íntegra do voto em separado do senador Demóstenes Torres



Perante o CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR, sobre a Representação nº 1, de 2007. 

I - RELATÓRIO 

Submete-se ao exame deste Conselho de Ética de Decoro Parlamentar a Representação nº 1, de 2007, formulada pelo Partido Socialismo e Liberdade, objetivando apurar denúncias veiculadas pela imprensa, destacadamente pela Revista Veja, que, se confirmadas, constituem crime de corrupção e ato de improbidade administrativa.

Dirimida questão processual acerca da competência deste Conselho para apreciação da matéria, o senhor Presidente designou relator o eminente Senador Epitácio Cafeteira.

O representado formulou, em prazo hábil, defesa escrita, acompanhada de diversos documentos que, a seu ver, provam cabalmente sua inocência e improcedência das acusações. Ao final, requer o arquivamento da representação, nos termos do art. 15, da Res. Nº 20, de 1993.

A Corregedoria do Senado, por conta própria, instaurou procedimento anômalo onde ouviu testemunhas, recebeu documentos e realizou diligências. Os resultados foram enviados a este Conselho.

Analisando exclusivamente a defesa apresentada pelo Senador Renan Calheiros, o relator apresentou seu relatório enxergando "absoluta ausência de provas ou indícios que, ao menos em tese, pudessem justificar a abertura de um processo por quebra de decoro parlamentar." Concluiu manifestando-se pelo arquivamento do feito por entender dispensáveis quaisquer diligências, até porque, segundo seu equivocado entendimento, o processo disciplinar não foi sequer aberto.

II - ANÁLISE

Cabe a este Conselho de Ética e Decoro Parlamentar o processo e o julgamento dos atos atribuídos a Senador da República, praticados desde a expedição do diploma, no exercício do mandato ou em função dele, que possam significar prejuízo político à imagem do Senado Federal ou seja considerado incompatível com a ética e o decoro parlamentar. (arts. 4º e 22 da Resolução 20, de 1993).

A presente Representação imputa ao Senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional, condutas que, se verdadeiras, ensejam a perda do seu mandato, nos termos do art. 55, da Constituição Federal.

A iniciativa do relator do Conselho de Ética do Senado, senador Epitácio Cafeteira, de decretar a absolvição sumária do presidente Renan Calheiros remete minha atenção aos ensinamentos de Aléxis de Tocqueville para quem todo homem que queira impor à força a verdade absoluta está quase certo em um estado de erro ou mentira.

Com este voto em separado não busco classificar condutas, mas apelar para os fundamentos básicos da democracia que não permitem que o processo político evolua com a verdade fragmentada, escamoteada ou contida.

Depois da conquista da liberdade, o maior bem que a democracia fez ao Brasil foi a persecução da transparência. Ainda que vigore no País corrupção sistêmica, os escândalos que eclodem a cada semana não são um indicativo de uma Nação que se decompõe. Ao contrário, sinalizam a purgação de uma sociedade que não admite mais as escusas da calada da noite e a acomodação com ajuste prévio. Por mais doloroso que seja a assunção de que há algo de muito pobre no espaço do poder de Pindorama, a imperiosidade da transparência afeiçoa-se como benignidade e alívio.

Se é verdade que a imputação criminosa sem a substância material do elemento probatório é uma iniqüidade, não menos abominável é a absolvição sumária, pois ela pode até expedir um ato formal de inocência, mas vai também amalgamar a culpa e desmoralizar o juízo.

O Senado é uma instituição à qual todos os demais Poderes se miram em razão do seu status constitucional e da sua posição política, que acaba por ser de aconselhamento à Nação. Aqui vigora a prudência, o debate de alto nível, os posicionamentos bem-fundamentados e a paciência. Agora, que não se confunda a educação com a pusilanimidade, o cordato com a covardia, a lhaneza com o corporativismo.

É reconhecível que sempre será uma missão delicada o julgamento de um fato concreto ter resultado ou não na quebra do decoro parlamentar. O procedimento em si traz inúmeros desgastes para a já desgastada "classe política". Não fazê-lo ou estruturar um arremedo de investigação, seria ainda mais pernicioso. A tarefa exige cuidado maior quando se trata do presidente da Casa, vez que lá no alto está em questão a própria instituição Senado. Fugir da tarefa, buscar atalhos processuais, sonegar depoimentos e negligenciar perícias parece ser um conjunto omissivo que necessariamente vai produzir um tremendo mal-estar.

O Senado tem o dever moral de espelhar os bons costumes à sociedade e nada mais garantidor da conduta exemplar que a apuração consistente dos fatos que estão sobre a mesa deste Conselho.

Aqui não há lugar para os métodos de um Tomás de Torquemada e tampouco para os rituais próprios de uma confraria. O que se pretende é a realização do dever moral de alcançar a verdade por intermédio da realização de um procedimento na forma regimental. O que se objetiva é a consagração da transparência.

Esta Casa já experimentou situações muito mais graves. Houve o caso extremo da perda de mandato e de renúncias. Hipóteses que, neste instante, não são cogitadas até porque não se cumpriu a condição necessária de investigação que poderá indicar o caminho de se arquivar o feito ou do seu prosseguimento até uma eventual punição.

Repito: somente a devida apuração dos fatos, com a oitiva das pessoas envolvidas e o periciamento das provas apresentadas pela defesa do presidente Renan Calheiros, possibilitará chegar a um juízo de valor adequado, elemento essencial à definição de rumo do procedimento.

A sociedade brasileira não é dada a motins e sublevações, mas tem contabilizado cada providência simulada que o Parlamento brasileiro vergonhosamente realiza. É uma ilusão perigosa apostar na escassa memória histórica do nosso povo, como se um escândalo substituísse o outro e uma absolvição indevida encobrisse a malversação indubitável. A metáfora da pizza se tornou uma legenda justificável da atividade política no Brasil. E não adianta imputar à imprensa a motivação dos nossos males já que a impunidade é a nossa pior companhia.

Está quase a virar uma verdade convencional que o espetáculo midiático é a saúva do Brasil quando a improbidade, a dissimulação dos procedimentos e a farsa ostensiva são a razão da nossa autofagia.

Mas, além da sociedade brasileira, o Regimento Interno do Senado Federal, a Resolução nº 20, de 1993, que instituiu o Código de Ética e Decoro Parlamentar, e o costume procedimental deste Conselho, também clamam por respeito.

Este processo disciplinar está eivado de vícios que precisam ser saneados ou explicados por afrontarem diversos dispositivos legais.

Primeiro, entendo ser indispensável que não haja dúvida, por parte de qualquer conselheiro, sobre a natureza jurídica do procedimento instaurado. Nas conclusões do senhor relator está disposto que não há sequer indícios que autorizem a instauração de processo disciplinar.

Ora, o processo disciplinar já está devidamente instaurado.

E não se trata da apuração preliminar prevista no art. 17 da Resolução 20, de 1993.

A representação foi feita por partido político e encaminhada ao Conselho pela Mesa do Senado. Tudo em obediência ao que determina o art. 13 da mesma Resolução.

"Art. 13. A perda do mandato será decidida pelo Plenário, em escrutínio secreto e por maioria absoluta de votos, mediante iniciativa da Mesa, do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ou de Partido Político representado no Congresso Nacional, na forma prevista nos arts. 14 e 15 (Constituição Federal, art. 55, § 2º)."

E o procedimento a ser adotado não pode ser outro que não o previsto nos art s. 14 e 15 do mesmo Estatuto, que transcrevo a seguir.

"Art. 14. Oferecida representação contra Senador por fato sujeito à pena de perda do mandato ou à pena de perda temporária do exercício do mandato, aplicáveis pelo Plenário do Senado, será ela inicialmente encaminhada, pela Mesa, ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ressalvadas as hipóteses do art. 17, quando o processo tem origem no Conselho.

Art. 15. Recebida a representação, o Conselho observará os seguintes procedimentos:

I - o Presidente do Conselho, sempre que considerar necessário, designará três membros titulares do mesmo para compor Comissão de Inquérito, destinada a promover as devidas apurações dos fatos e das responsabilidades;

II - constituída ou não, a Comissão referida no inciso anterior, será oferecida cópia da representação ao Senador, que terá o prazo de cinco sessões ordinárias para apresentar defesa escrita e provas;

III - esgotado o prazo sem apresentação de defesa, o Presidente do Conselho nomeará defensor dativo para oferecê-la, reabrindo-lhe igual prazo;

IV - apresentada a defesa, o Conselho ou, quando for o caso, a Comissão de Inquérito, procederá as diligências e a instrução probatória que entender necessárias, findas as quais proferirá parecer no prazo de cinco sessões ordinárias do Senado, salvo na hipótese do art. 19, concluindo pela procedência da representação ou pelo arquivamento da mesma, oferecendo-se, na primeira hipótese, o Projeto de Resolução apropriado para a declaração da perda do mandato ou da suspensão temporária do exercício do mandato;

V - em caso de pena de perda do mandato, o parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar será encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para exame dos aspectos constitucional, legal e jurídico, o que deverá ser feito no prazo de cinco sessões ordinárias;

VI - concluída a tramitação no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, será o processo encaminhado à Mesa do Senado e, uma vez lido no Expediente, será publicado no Diário do Senado Federal e distribuído em avulsos para inclusão em Ordem do Dia."

Observo também que o comportamento do senhor Corregedor do Senado neste episódio, não obstante o respeito e a admiração que todos nós Senadores dispensamos a ele, foi absolutamente inócuo.

A representação feita nos termos do art. 14 do Código de Ética e Decoro Parlamentar - CEDP (Resolução nº 20, de 1993) não prevê a intervenção inicial do Corregedor.

A Resolução nº 17, de 2003, que dispõe sobre a Corregedoria Parlamentar, não especifica qualquer atribuição do Corregedor nesse sentido, pelo contrário, a sua competência resume-se à promoção de diligências de sua alçada, ou seja, aquelas previstas no art. 2º, incisos I a IV, com vistas à manutenção da ordem e da segurança no âmbito físico do Senado, como a instauração de sindicâncias sobre denúncias de ilícitos que envolvam Senadores, desde que o fato delituoso a ser apurado tenha ocorrido no âmbito do Senado.

É necessário que se registre a nítida e inequívoca distinção entre o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar a Corregedoria do Senado.

São instâncias cujas responsabilidades e atribuições não podem ser confundidas. Explico:

Ao Conselho de Ética, cujas atribuições, natureza e funcionamento são definidas pela Resolução nº 20, de 1993, compete zelar pela observância dos preceitos estabelecidos pelo Código de Ética e Decoro Parlamentar e pelo Regimento Interno do Senado Federal, atuando no sentido da preservação da dignidade do mandato parlamentar no Senado Federal.

O Corregedor, além de suas competências de natureza policial e preventiva, tem assento no Conselho de Ética para o exercício da competência de promover as diligências de sua alçada, necessárias aos esclarecimentos dos fatos investigados (art. 25 da Resolução 20, de 1993).

Portanto, as atribuições do Corregedor, no âmbito do Conselho de Ética são aquelas, e somente elas, que lhe forem formal e expressamente designadas pelo Presidente do Conselho e aprovadas pelo plenário do mesmo.

Não pode nem deve a Corregedoria antecipar-se ou substituir o Conselho de Ética.

Não se deve esquecer que as Casas Legislativas, nos processos internos em que se procure apurar o cometimento de ilícitos por Parlamentares, também devem atender ao devido processo legal - do qual são consectários o contraditório e a ampla defesa -, sob pena de recurso às instâncias judiciais (CF, art. 5º, XXXV). E é por isso que alerto: não será nenhuma surpresa se, acatado o voto pelo arquivamento intempestivo deste processo disciplinar, como desejam alguns, o Supremo Tribunal Federal, caso provocado, decida pela sua nulidade.

Recorde-se, igualmente, que ao funcionamento do Conselho de Ética aplicam-se, enquanto não elaborado regulamento específico, as normas pertinentes ao funcionamento das comissões. Assim, tratando-se de um processo disciplinar, aplicar-se-á, subsidiariamente, o Código de Processo Penal, consoante o art. 153 do Regimento Interno do Senado Federal.

Na espécie, trata-se não apenas de conceder ao acusado o direito formal à defesa no Plenário deste Conselho, como também de propiciar aos acusadores a oportunidade da produção de provas.

O direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa alcança, sobretudo, o acusado, mas é também mandamento essencial à validade do processo e, por isso, igualmente à acusação cabe o direito ao contraditório, o que inclui assegurar a oportunidade de provar o que alega.

Ainda, tratando-se de processo que tramita em conselho de ética de Casa Legislativa, o direito a ver realizado o contraditório - a saber as razões da condenação ou da absolvição de um parlamentar - pertence à sociedade.

O Senado Federal não pode, nesse caso, dar azo a questionamentos judiciais a respeito de seu funcionamento, por negar à parte acusadora (representante) - o partido político PSOL - a oportunidade de um processo regular para provar o que alega.

Saliento que a análise dos requisitos formais da Representação coube à Mesa Diretora do Senado Federal, que opinou no sentido de sua adequação.

Assim, o que se pretende não é a postergação de um suposto escândalo, para que seus personagens continuem expostos às manchetes.

Ao contrário.

Deseja-se que cessem os mexericos. Mas, numa comparação cara aos cultores do direito, o saco de penas já foi aberto no alto do edifício e o vento as carregou. O único modo eficiente de as recolher é, com apuração bem feita e isenta, dizer a cada um que recolheu uma pena que ela é tão leve quanto falsa. Se o caso for encerrado sem que antes de se proceda ampla investigação, as penas serão perenes. A melhor e definitiva maneira de recuperar uma por uma é não deixando margem sequer a novos sopros. Se, no âmbito deste Conselho, for feita profunda apuração, ouvindo-se todas as pessoas envolvidas, conhecendo-se todos os documentos e dissecando-se o que houver para ser lido, checado e observado, a decisão do colegiado terá amplo respaldo da sociedade.

Este egrégio Conselho já demonstrou diversas vezes ter gabarito para produzir suas próprias provas, sem a necessidade de se escorar em evidências ou indícios colhidos de maneira unilateral, às vezes até com o propósito de enxovalhar a honra de representantes do povo e da federação. Para que possa agir, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar precisa de tempo, um tempo que não precisa ser longo a ponto de eternizar o sofrimento dos envolvidos nem tão curto que levante a suspeita de se querer livrar logo do caso.

Depois de tudo apurado, todos ouvidos, todas as diligências efetuadas, todas as perícias efetuadas, a sociedade terá a resposta que aguarda, que não é a condenação ou a absolvição, mas a transparência das con clusões. Aqui é o lugar certo, com as pessoas certas, para fazerem as investigações de maneira aberta, sem prejulgar, sem retardar, sem apressar.

Assim como o Senado Federal, o Brasil não tem sede de condenação, mas de casos encerrados sem o amparo de dúvidas.

Mas, até para que se preserve o senhor Presidente do Senado e seus familiares, é necessário que se esgote logo este caso. E a melhor maneira de o encerrar é agindo de tal modo que não fique pelo caminho o fantasma da proteção, o espectro do compadrio, a sombra do acobertamento.

Ao fim, não ficaria para a opinião pública senão a certeza de que pode contar com o Senado Federal na busca por um Brasil limpo, pois proporcionalmente nenhuma outra instituição do Poder Legislativo, em todos os âmbitos, teria investigado com tanta ênfase seus componentes, mesmo aqueles injustiçados por manchetes, torpedeados pela vilania, rodeados de escarnecedores.

Que não restem sequer motivos para comentários maldosos. O caso será passado, pois o Brasil terá acompanhado de perto, passo a passo, cada etapa da investigação.

O Senado Federal terá cumprido sua missão.

II - VOTO

Diante do exposto, manifesto-me pelo sobrestamento da análise do voto do relator, nos termos do artigo 335, II,do Regimento Interno do Senado Federal,a fim de que este Egrégio Conselho proceda à instrução probatória, na forma prevista no inciso IV, do art. 15, da Resolução nº 20, de 1993, efetuando-se todas as diligências cabíveis e necessárias, como a oitiva de testemunhas, dentre as quais Cláudio Gontijo, Mônica Veloso ou seu advogado, Pedro Calmon Filho, a análise técnico-contábil dos documentos juntados aos autos pelo representado, Senador Renan Calheiros, além de outra que a marcha investigativa necessitar. 

Sala das Sessões, 15 de junho de 2007.

Senador DEMÓSTENES TORRES

15/06/2007

Agência Senado


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