Veja a íntegra do voto em separado do senador Marconi Perillo



Dos Senadores Marconi Perillo, Marisa Serrano, Arthur Virgílio e Sérgio Guerra no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, ao parecer do relator, Senador Epitácio Cafeteira, sobre a Representação em desfavor do Senador José Renan Vasconcelos Calheiros.

AUTORES: Senadores MARCONI PERILLO, MARISA SERRANO, ARTHUR VIRGÍLIO e SÉRGIO GUERRA

I - RELATÓRIO

O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar recebeu, para análise e parecer, a Representação n.º 1 de 2007, do Partido Socialismo e Liberdade - PSOL, em desvafor do Senador José Renan Vasconcelos Calheiros, por quebra do decoro parlamentar, nos termos da Resolução n.º 20, de 1993, do Senado Federal.

O relator, Senador Epitácio Cafeteira, apresentou o seu parecer concluindo pela inexistência de conduta incompatível com o decoro parlamentar por parte do Representado, opinando pelo arquivamento da Representação n.º1, de 2007.
 
Este é o relatório.
II - ANÁLISE


1. ASPECTOS GERAIS


O Poder Legislativo Brasileiro vem sofrendo nos últimos anos um processo contínuo de desgaste perante a opinião pública nacional e internacional. A atual legislatura tem como missão resgatar a imagem deste Parlamento perante a nação. Nestes termos iniciamos considerações sobre o parecer do relator, Senador Epitácio Cafeteira.

Em estrita consonância com os termos regimentais, condizentes com a boa norma democrática, os signatários dessa manifestação, a título de Declaração de Voto em Separado, não descartam o fundamento em que se baseia o parecer do relator da Representação do Partido Socialismo e Liberdade - PSOL que sugere o julgamento do Presidente da Casa pelo seu Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

Na sua bem elaborada peça, o ilustre Senador Epitácio Cafeteira conclui com a sustentação da tese de que os fatos por Sua Excelência examinados evidenciam não existir nada que possa ser caracterizado como conduta incompatível com o decoro parlamentar, pelo que o Voto sugere o arquivamento da Representação n.º 1, de 2007.

Em função desse parecer, suscitou-se amplo e acalorado debate ao longo da reunião em que acabou sendo concedida vista coletiva aos membros do Conselho e marcada uma nova reunião para que o assunto tivesse a continuidade da discussão.

Desde logo, deve-se ressaltar que prevaleceu o bom senso, ou seja, a dilação do prazo para que o parecer seja levado a voto.

Nesse proveitoso debate, chegou-se ao consenso de que o adiamento da deliberação é meritório. As 48 horas a mais permitiriam análise mais detida dos aspectos que cercam o momentoso caso.

O ponto mais significativo para tal sugere a conveniência da tomada de depoimentos, notadamente com vistas a uma ampla transparência. Ao revés, a votação do Parecer sem essas preliminares ensejaria, sem sombra de dúvida, vulnerabilidade ao Congresso, com prejuízo para sua imagem.

Essa preliminar foi sustentada pelo PSDB e pelo Democratas, mas, inobstante o empenho com que foi defendida pelos dois partidos, a tese não foi aceita, levando as agremiações à formulação desse Voto em Separado, em que é repetida a solicitação oferecida na reunião de quarta-feira, dia 13.

A tomada de depoimentos objetiva, sobretudo - repetimos - a suspensão da votação, a fim de que haja tempo suficiente para que sejam ouvidas as testemunhas e periciados os documentos.

Os signatários estão convencidos de que o episódio não envolve apenas aspectos negativos ao Presidente Renan Calheiros; obnubila também a imagem do Senado Federal e, conseqüentemente, a do Congresso Nacional.

Não se trata de mera estratégia para ocultar eventuais falhas. Simplesmente, não há falhas, pelo que as sugestões que as oposições propuseram e reafirmam visam o oposto, ao assegurar transparência na condução do pretenso processo intentado contra o Presidente do Senado. Como está, a situação não é nada confortável. De um lado, coloca-se a instituição, contra a qual nada pesa no tocante a sua honorabilidade. De outro, a opinião pública, à qual devemos respeito e consideração, que, inegavelmente, pede a complementação que sugerimos.
A prevalecer o que propõe o ilustre Relator, cuja atuação é respeitável, seu Voto fica prejudicado, aos olhos da Nação, por uma diretriz inadequada, que pode ensejar interpretações equivocadas. Nada disso interessa à imagem da Casa e muito menos à imagem do segmento político que tem sido relegada a segundo plano, segundo pesquisas de opinião divulgadas recentemente.

Ao contrário, há lisura nas palavras e no conteúdo do Parecer do nobre Relator. Ele, à exaustão, até se adiantou ao exame, oferecendo amplos dados de sustentação da inculpação do Representado. Por que, então, não abrir espaço às oitivas de testemunhas e à perícia da documentação levada ao Conselho? Afinal, se nada está sendo ocultado, o zelo em ampliar a transparência apenas enalteceria o Poder Legislativo do Brasil.


2. ASPECTOS JURÍDICOS

Nos termos do art. 132, § 6º, inciso I, do Regimento Interno do Senado Federal, apresentamos "Voto em Separado" ao parecer do relator, Senador Epitácio Cafeteira, sobre a Representação n.º 1, de 2007, pelos fundamentos a seguir.

Inicialmente é importante observar que a Representação n.º 1, de 2007, apresentada pelo PSOL, cumpriu estritamente todos os procedimentos constitucionais e regimentais observados para a iniciativa do processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar, conforme os dispostos no art. 55, § 2º, da Constituição Federal, combinado com o art. 14, da Resolução nº 20/93, do Senado Federal, que institui o Código de Ética e Decoro Parlamentar.

 Vencida esta preliminar e regularmente instaurado o processo disciplinar contra o Representado, iniciam-se as diligências e a dilação probatória, fase crucial para a avaliação por parte do Conselho de Ética, sobre a legalidade e a legitimidade das acusações oferecidas pelo Representante, e regimentalmente descrita no art. 15, inciso IV, da Resolução nº 20, de 1993:

"Art. 15. Recebida a representação, o Conselho observará os seguintes procedimentos:
 (...)

IV - apresentada a defesa, o Conselho ou, quando for o caso, a Comissão de Inquérito, procederá as diligências e a instrução probatória que entender necessárias, findas as quais proferirá parecer no prazo de cinco sessões ordinárias do Senado, salvo na hipótese do art. 19, concluindo pela procedência da representação ou pelo arquivamento da mesma, oferecendo-se, na primeira hipótese, o Projeto de Resolução apropriado para a declaração da perda do mandato ou da suspensão temporária do exercício do mandato;"

O relator, Senador Epitácio Cafeteira, ao apresentar o seu parecer, não obedeceu às normas usuais, já sedimentadas nos procedimentos disciplinares do Conselho de Ética, de promover a oitivas das testemunhas de acusação e defesa arroladas no decorrer do processo, bem como não procedeu a quaisquer diligências que pudessem elucidar, perante aos membros da Comissão, pontos divergentes na comprovação fática das provas apresentadas. Ao alegar a possibilidade regimental de efetuar discricionariamente tais procedimentos, afastou-se da preocupação maior que permeou todas as ações do Conselho de Ética até então: evitar que todo o processo fosse considerado inconstitucional por colidir com os princípios constitucionais superiores do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Devemos salientar a importância do respeito a essas normas constitucionais, sobrepondo-as a qualquer outra norma regimental, tendo em vista, principalmente, a gravidade da abertura de um processo de perda de mandato de Parlamentar que, independente do seu desfecho, tem graves implicações ditadas pela própria Constituição, conforme o art. 55, § 4º:
"Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
(...)
§ 4º A renúncia de parlamen tar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º."
 
O ato de abertura do processo contra Parlamentar tem uma importantíssima vinculação constitucional, suprimindo até mesmo o livre direito do arbítrio em dispor ou não do seu mandato parlamentar. Em nenhum outro dispositivo da Constituição ficam configurados, com tanta importância e gravidade, os reflexos do início de um procedimento investigatório, o que aumenta consideravelmente necessidade de atender impreterivelmente a todos os ditames constitucionais que dizem respeito ao devido processo legal, afastando de imediato a qualquer dispositivo em contrário, presente em norma legal ou regimental, no ordenamento jurídico pátrio.


2.1. Do descumprimento dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A Constituição Federal dispõe, em seu artigo 5º, incisos LIV e LV, os princípios basilares de todos os procedimentos investigatórios, sem exceção:

"Art. 5º (...)
 LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
 LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;" (grifo nosso).

O devido processo legal, segundo jurisprudência do Supremo, diz respeito ao fiel cumprimento de todas as fases processuais, determinando como fatores de nulidade a supressão ou omissão de qualquer procedimento, seja por iniciativa das partes, do Juiz ou Relator, para o equilíbrio e transparência da investigação em sua totalidade formal e material. Neste posicionamento:

"Defesa: devido processo legal e contraditório (CF, art. 5º, LIV e LV): manifesta nulidade decorrente da abertura de prazo para alegações finais antes de encerrada a instrução, tendo sido, após a apresentação delas, inquiridas outras testemunhas, sobre as quais, por isso não foi dada oportunidade à Defesa para manifestar-se: demonstração de prejuízo concreto: prova impossível. Conseqüente anulação do processo a partir da audiência em que inquirida a última das testemunhas, abrindo-se novo prazo para requerimento de diligências e alegações finais (L. 8.038/90, art. 10 e seg.)." (RE 467.658, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 20-5-06, DJ de 25-8-06)

É de tal alcance este importante postulado, que todos os atos do poder Legislativo devem, obrigatoriamente, obedecer ao princípio do devido processo legal independente de norma regimental em contrário, imputando a sua obrigatoriedade não obstante nos processos disciplinares como também em todos os processos legiferantes:

"Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV, do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo - substantive due process - constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual - procedural due process - garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa." (ADI 1.511-MC, voto do Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-10-96, DJ de 6-6-03)
 
No que diz respeito ao contraditório e a ampla defesa, os dispositivos constitucionais alcançam todas as espécies de processos judiciais ou administrativos, ou seja, estes últimos abrangendo qualquer modalidade de processo disciplinar poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, como assim dispõe a jurisprudência do STF:

"A garantia do direito de defesa contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processos judiciais ou administrativos." (RE 426.147-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-3-06, DJ de 5-5-06).

Por ampla defesa a doutrina entende como a garantia que é dada às partes para que tragam ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo, pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de a ele se opor , de dar a versão que melhor lhe pareça ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo Autor.
O contraditório é constituído por duas dimensões, uma formal que garante do direito de participar e ser ouvido e outra substancial que garante o poder de influir na decisão. Em suma, as partes devem ter as amplas condições de estar presentes aos atos processuais, de participar na dilação probatória e de influir na decisão do processo.

O Relator, Senador Epitácio Cafeteira, apesar de receber toda a documentação pertinente ao processo, não respeitou a regularidade do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, ao não esgotar por completo todos os meios de dilação probatória, não realizando diligências e acareações que pudessem dirimir integralmente as dúvidas dos membros da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. O Relator não se poderia contentar apenas com os fatos apresentados e sobre ele emitir os seus esclarecimentos, ainda que contundentes. Tinha o dever, em face dos ditames constitucionais, de esclarecer todos os pontos controversos e de buscar com tenacidade e obstinação os meios para que membros do Conselho de Ética, na oitiva as testemunhas de acusação e defesa, formassem com mais segurança os seus juízos de valor.

2.2. Da necessidade do exame pericial das provas obtidas e a possibilidade da anulação processual por contaminação de provas ilícitas.

O conjunto probatório apresentado pelas partes ao Relator revelou uma enorme quantidade de documentos, que diante da subjetividade dos seus elementos, carece de uma comprovação pericial para que lhe garanta uma incontestável autenticidade material e produza os desejáveis efeitos jurídicos no processo.

O Relator e os integrantes do Conselho de Ética e de Decoro Parlamentar não dispõem da possibilidade técnica para legitimar a licitude de todas as provas apresentadas. É indispensável, para que se confirme a veracidade das provas, a análise por peritos qualificados, dos quais, inclusive, dispõe o Senado Federal em seu quadro de funcionários.

É gravíssima a influência de uma prova ilícita na apreciação do juízo de valor por parte dos Senadores, junto ao parecer final do relator. O Supremo Tribunal Federal tem decidido - acompanhando o corolário da inadmissibilidade da utilização das provas ilícitas no processo - que a existência de uma prova ilícita nos autos pode contaminar todas as outras delas derivadas, invalidando toda instrução probatória e em muitos casos, anulando todo o processo.
Nesse sentido, a jurisprudência do STF, no brilhante voto do Ministro Celso de Mello, dispõe:

"A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de viola


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