Vencer a pobreza em liberdade é possível, diz FHC









Vencer a pobreza em liberdade é possível, diz FHC
Presidente afirma, em Fortaleza, que justiça social pode ser buscada sem autoritarismo

FORTALEZA - Em um discurso feito ontem, na abertura do seminário "O Desafio Democrático nas Américas", o presidente Fernando Henrique Cardoso abordou os desafios da democracia no continente e ressaltou que "o que se vê é que está havendo, efetivamente, um enraizamento da democracia" e na velha contenda entre se atingir a igualdade e manter a liberdade "hoje em dia essa dúvida foi desaparecendo". Na sua fala, tendo ao lado na mesa o presidente peruano Alejandro Toledo e o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Enrique Iglesias, Fernando Henrique afirmou que, quando senador, dizia que o sistema político brasileiro estava atrás da sociedade. "Isso eu dizia antes, agora eu acho o sistema uma maravilha. O Congresso, maravilhoso."

O presidente enfatizou ser possível combater a pobreza e a desigualdade dentro do regime democrático, mas ressaltou a necessidade cada vez maior de o Estado ser competente. "Realmente, nós temos um problema de um certo desequilíbrio entre o que a sociedade demanda, o que ela já é capaz de se propor e a capacidade de processar essas demandas pelo nosso sistema político."

Fernando Henrique destacou o papel central reservado à universidade e, em especial, à educação, como ferramentas capazes de assegurar o desenvolvimento. "É essencial para que a própria economia possa acrescentar riqueza suficiente, para que possamos dar conta da nossa agenda política e social."

Bem-humorado, em terno branco e gravata azul, Fernando Henrique brincou com o presidente do BID. Iglesias teria sido nos últimos dias, segundo o presidente, aclamado imperador do Brasil, dada à sua intensa participação no evento. Fernando Henrique estendeu a brincadeira ao governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), apresentando-o como o "marquês Jereissati".

Populismo - Toledo lembrou que o grande desafio da democracia é conviver com a desigualdade e a pobreza e, por mais difícil que seja, os governantes devem evitar ações populistas que levem à ruína econômica. Ele contou que, por agir assim, enfrenta queda no seu índice de popularidade. "Estou acostumado", emendou Fernando Henrique, em espanhol.

Ele sublinhou que a luta contra a desigualdade em cada país passa também pelo combate às assimetrias internacionais.

Ao final do seminário, o presidente brasileiro resumiu o debate da seguinte forma: "A liberdade é fundamental, a democracia não se restringe à institucionalidade partidária e eleitoral - se estende à sociedade, requer um Estado mais ágil e mais competente", disse. "E é possível sim, dentro da democracia, levar políticas sociais que diminuam o nível de pobreza."


PFL ameaça retaliar e Carazzai se demite
Se presidente da Caixa não deixasse cargo, em pleno domingo, partido não votaria a CPMF

BRASÍLIA - O presidente da Caixa Econômica Federal, Emílio Carazzai, não resistiu às pressões da direção do PFL e demitiu-se ontem, no fim do dia, em Brasília. Ele ficará no posto até a escolha de seu substituto. O pedido para que anunciasse a saída, em pleno domingo, foi feito pelo vice-presidente da República, Marco Maciel, que é do PFL.

A saída foi imposta pela cúpula do PFL. Ontem pela manhã, Maciel informou ao presidente Fernando Henrique Cardoso que seu partido não votaria a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) nesta semana, na Câmara, caso Carazzai permanecesse no governo. A disposição foi comunicada a Maciel pelo presidente do partido, senador licenciado Jorge Bornhausen (SC), por telefone.

Em nota encaminhada ontem ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, Carazzai fez questão de ressaltar: "Recebi do vice-presidente Marco Maciel apelo pessoal neste sentido. Por lealdade, revejo minha decisão. (...) Com este gesto, espero contribuir para a harmonia política e para o engrandecimento do País."

A direção do PFL via na permanência de Carazzai uma provocação do Palácio do Planalto e do PSDB. Na semana passada, a legenda rompeu formalmente a aliança com a base governista e recomendou a todos os filiados ou indicados pelo partido que ocupam cargos federais - caso de Carazzai - a apresentarem suas cartas de demissão.

A única exceção admitida foi o Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. Como Carazzai, ele foi indicado pelo vice-presidente, de quem é primo. Mas Everardo é funcionário de carreira da Receita e considerado um técnico competente. Além disso, explica Bornhausen, o secretário não tem vinculação partidária nem "a cara" do PFL.

'Pendência' - Na quinta-feira, após sucessivas reuniões, os três ministros do PFL - Roberto Brant, da Previdência, José Jorge, das Minas e Energia, e Carlos Melles, de Esporte e Turismo - pediram demissão. Carazzai, pelo contrário, divulgou uma nota oficial, dizendo que não é filiado ao PFL e permaneceria no cargo. Atendeu a um pedido do próprio Malan.

O presidente do PFL considerou o fato uma manobra para "desmoralizar e enfraquecer" o partido, mostrando à opinião pública que alguns indicados do PFL permanecem empregados. Ele procurou o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), deixou claro que a saída havia se tornado "questão de honra".

Outra pendência a ser resolvida é a do presidente do INSS, Fernando Fontana, indicado pelo governador do Paraná, Jaime Lerner (PFL). O partido exige que ele deixe o cargo já, providência endossada por Brant, que o nomeou.


Tasso alerta que crise na base pode fortalecer oposição
Para ele, os atritos vão se refletir na eleição e o melhor é evitar 'radicalismos'

FORTALEZA - O governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB), avaliou ontem que o rompimento do PFL com a base governista e o clima de hostilidade entre os ex-aliados beneficia a oposição. "Claro, quanto mais desagregado, mais fortalece a oposição", afirmou, ao comentar a repercussão da crise política na eleição para a Presidência.

Tasso voltou a defender o diálogo e enfatizou a importância de se evitar radicalismos e "abrir portas". Às 17 horas, ele deveria estar na Base Aérea de Fortaleza, onde recepcionaria o presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem agenda na cidade até hoje à tarde, na Reunião Anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Na entrevista, Tasso negou a possibilidade de ele próprio se tornar um candidato presidencial de consenso, capaz de unir os dois partidos numa espécie de plano B para as eleições. A opção é avaliada por alguns políticos como uma saída diante dos crescentes atritos entre tucanos e a a candidata do PFL à Presidência, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney.

"Não passa pela minha cabeça essa hipótese. Nunca conversei com ninguém sobre essa hipótese, nem pretendo conversar", afirmou o governador, descartando um eventual plano B - tanto em torno dele como do presidente da Câmara, deputado Aécio Neves (PSDB-MG). "Sem dúvida nenhuma, Aécio é a liderança jovem que tem se destacado mais e tem mais futuro, mas a questão não está em jogo."

Novamente, o governador cearense criticou o nível da campanha pré-eleitoral, particularmente a informação de que haveria um dossiê contra Roseana. "Isso transparece uma ansiedade de poder sem limites. E a população não entende nem aceita." Mais uma vez, ele condenou também a operação da Polícia Federal na empresa Lunus Serviços e Participações, de Roseana: "Foi uma violência."

Encontro - O senador e candidato do PSDB a presidente, José Serra (SP), também desembarcou ontem em Fortaleza. Ele já esteve na cidade na sexta-feira, para um seminário sobre as ações de combate à aids. Ontem, mudaria de tom e assunto, para um encontro com banqueiros internacionais promovido pelo banco de investimentos Salomon Smith Barney, em evento paralelo à reunião anual do BID.


PF acha pista sobre dinheiro apreendido no MA
Um dos pacotes de notas que estvam em empresa de Roseana pode ter vindo de construtora

SÃO LUÍS – A Polícia Federal encontrou indícios de que pelo menos uma parte do R$ 1,34 milhão apreendidos no escritório da Lunus Serviços e Participações, empresa da governadora Roseana Sarney (PFL) e de seu marido, Jorge Murad, pode ter vindo de uma das maiores construtoras nordestinas, a Sucesso, que já fez várias obras para o governo maranhense. De acordo com o auto de apreensão, um dos pacotes onde parte do dinheiro foi encontrado era revestido por um envelope com as inscrições: “Construtora Sucesso, remet: Aldemi. Para setor de tesouraria. ATT: Sr. Auciles.”

A descoberta de tamanho valor em espécie nos cofres de uma pequena empresa como a Lunus espantou os delegados da PF e despertou o interesse por sua origem. De acordo com um dos sócios de Murad, Luiz Carlos Cantanhede, o dinheiro foi obtido com a venda antecipada de chalés de uma pousada que eles estão construindo nos Lençóis Maranhenses, em Barreirinhas, e teria sido guardado em espécie para efetuar a compra de madeira – uma exigência dos fornecedores.

Ontem, o advogado de Roseana e Murad, Vinícius de Berrêdo Martins, negou qualquer relação do numerário com os negócios da construtora, mas confirmou que R$ 150 mil do montante apreendido provinham da Sucesso e teriam sido pagos pela compra de duas cabanas do empreendimento turístico. “Houve sete compradores, entre eles a Sucesso”, disse Martins, prometendo apresentar hoje um relatório completo sobre a origem do dinheiro.

Piauí – A Sucesso pertence ao Grupo Claudino, que tem sede no Piauí, e é conhecido por controlar a rede de lojas Armazens Paraíba. A empresa já esteve envolvida em irregularidades em obras pelo Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER).

No Maranhão, a construtora fez a estrada recém-inaugurada que liga São Luís a Barreirinhas, onde será construído o Eco Resort de Murad, Cantanhede e Severino Cabral. O grupo Claudino, controlador da Sucesso, também é sócio do Shopping São Luis junto com a Participa Empreendimentos Imobiliários e Participações, do paulista Miguel Ethel Sobrinho.

Segundo os oposicionistas, Murad teria participação indireta nessa empresa e em outros empreendimentos por meio do amigo. No escritório de Murad, a PF também aprendeu vários instrumentos de concessão e de contrato entre a Participa e a Lunus, o que possibilitaria a migração de dinheiro a título de assessoria e consultoria.

No prédio ainda foram encontrados documentos referentes à Usimar Componentes Automotivos, que recebeu R$ 44 milhões da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), mas não saiu do papel. Todos os papéis serão enviados hoje ao Superior Tribunal de Justiça. Os advogados da governadora também ingressam com uma medida para liberar o dinheiro apreendido.


Sarney mantém decisão de fazer discurso 'agressivo'
Senador falará de 'perseguição' que sua família sofreu de 'arapongas'

BRASÍLIA - O senador José Sarney (PFL-MA) vai manter o tom agressivo contra o governo, no discurso que fará amanhã da tribuna do Senado. Sarney incluiu ao texto, que preparou na semana passada, novas acusações sobre o envolvimento do Palácio do Planalto na devassa que a Polícia Federal realizou na empresa de sua filha, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), e do genro Jorge Murad.

Ele adiou o discurso, que faria na quinta-feira, para aguardar a manifestação do PFL sobre o episódio. Dirigentes pefelistas chegaram a acreditar que a decisão do partido de romper com o governo encerraria o caso. Mas Sarney não concorda. Ele quer falar sobre a "perseguição" que sua família passou a sofrer de "arapongas" do governo, desde que Roseana cresceu nas pesquisas eleitorais e se tornou o principal obstáculo à candidatura do senador José Serra (PSDB-SP)."Sarney tem balas e bateria sobrando", informa um de seus assessores. "Vai sobrar para todo mundo do Planalto."

As informações teriam chegado até o senador por intermédio de antigos aliados do Serviço Nacional de Informação (SNI). Segundo o assessor, além de detalhar as recentes apurações no Maranhão, os agentes também teriam passado a Sarney um detalhado dossiê sobre a compra de votos que teria ocorrido na votação da emenda constitucional que instituiu a reeleição para presidente da República.

Recuo - Apesar da irritação, Sarney deve preservar o presidente Fernando Henrique Cardoso. "Ele foi presidente e sabe como é perigoso colocar a governabilidade em risco", justifica o assessor.

Suas denúncias terão como alvo o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, um dos principais cabos eleitorais de Serra e o ministro-chefe do gabinete Segurança Institucional, general Alberto Cardoso.

Desde sexta-feira, Roseana e o presidente do PFL, senador licenciado Jorge Bornhausen (SC), tentam convencer Sarney a não fazer o discurso. Eles temem que a iniciativa torne insuperável a crise. Roseana já falou com o pai, sem sucesso. Bornhausen fará a última investida hoje.

Em seu discurso, Sarney não vai citar os R$ 1,34 milhão encontrados na empresa de sua filha, o que, na avaliação de alguns parlamentares, deixa mais difícil a situação da candidatura da filha.


Aécio fala em aprovar CPMF na quarta-feira
Por precaução, porém, ele já falou com Bornhausen, Inocêncio e até Roseana

BRASÍLIA – O PFL vai decidir na terça-feira se vota ainda nesta semana a proposta de emenda constitucional que prorroga a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 2004. O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), no entanto, não pretende esperar e já tem um plano para colocar a proposta em votação na quarta-feira à noite.

Repetindo que o Congresso não pode ser o “desaguadouro das crises eleitorais”, Aécio pretende votar na terça-feira a redação do texto – aprovado em primeiro turno –, com algumas emendas de redação, sem modificar seu mérito. Com isso, o projeto tem de ser votado na Comissão Especial na quarta-feira de manhã. À noite, será a vez do plenário da Casa. “Falei com a governadora Roseana Sarney e com o líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), para avançarmos na votação”, adiantou Aécio.

O presidente do PFL, Jorge Bornhausen, reafirmou ser favorável à aprovação imediata do projeto em segundo turno. “Não pelo imposto, pois é cobrado em cascata, mas pelo ajuste fiscal. Se depender de mim, será votado esta semana.”

Resolvido o primeiro impasse no desembarque do PFL, com a demissão do presidente da Caixa Econômica Federal, Emílio Carazzai, outros distúrbios podem surgir com o discurso do senador José Sarney (PMDB-AP), na terça-feira. Poderá acirrar os ânimos da bancada contra a presença do PFL no plenário.

As posições contrárias à votação também perduram, assegura o vice-líder pefelista na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), mas mais flexíveis. Ele foi enfático, na sexta-feira, ao defender o adiamento. Agora, está cauteloso. “O importante é o partido permanecer unido na decisão que tomar. Embora eu defenda o adiamento, não vamos criar stress no partido por causa disso, pois não há pré-disposição para criar problemas”, disse. “O PFL vai exercer sua independência sem ser irresponsável.”

Na base governista, a convicção que já existia na semana passada permanece. Para o novo líder do governo no Congresso, deputado Ricardo Barros (PPB-PR), a situação atual aponta para a possibilidade de a Câmara superar as tensões. “Acreditamos que o PFL se decidirá pela votação ainda nesta semana.”

A emenda terá de ser aprovada em segundo turno até o dia 18 para evitar que haja uma lacuna na cobrança do tributo, já que deixa de vigorar a partir de 18 de junho.


Serra chega a Fortaleza com FHC e apresenta propostas econômicas
Candidato do PSDB diz que crescimento não pode ser estimulado por meio de ‘bolhas’

FORTALEZA – O senador José Serra (SP) aproveitou ontem a Assembléia Geral do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Fortaleza, onde desembarcou em companhia do presidente Fernando Henrique, para fazer um de seus primeiros discursos econômicos como candidato do PSDB à Presidência. Durante jantar promovido pelo Salomon Smith Barney, Serra disse que não se deve estimular o crescimento econômico por meio da formação de “bolhas”. “Após a euforia temporária, vem a ressaca dos desequilíbrios acumulados, provocando uma volatilidade extremamente danosa ao investimento produtivo e ao emprego”, afirmou. Para ele, o equilíbrio macroeconômico constitui condição necessária para o desenvolvimento a médio e longo prazos.

Serra disse, também, que é alentador verificar que os resultados obtidos no combate à inflação não se restringiram à obtenção de taxas de um dígito nos principais índices de preços. “Mais importante foi a consolidação de uma nova consciência em torno da necessidade do equilíbrio macroeconômico.” Depois de lembrar os avanços conseguidos pelo governo, disse que é necessário dar continuidade e aprofundar os avanços já realizados, mantendo as três linhas gerais da política econômica que vem sendo adotada desde janeiro de 1999: o regime de flutuação cambial, o compromisso com as metas inflacionárias e a austeridade fiscal.

Serra afirmou ainda que, entre 2003 e 2006, a meta viável e realista é crescer em torno de 4,5%. “Parte do desafio consiste em atingir este crescimento com estabilidade, reduzir o déficit em conta corrente para menos de 2,5% do PIB até o final do governo e diminuir de forma gradual a relação dívida pública/PIB”, disse. “Fazendo as coisas certas, o crescimento poderá ultrapassar 5%.”

Plano de ação – O senador mencionou, ainda, os pontos essenciais do seu plano de ação. “Temos de ter presente que o déficit em conta corrente é o principal fator de constrangimento ao crescimento econômico.” E lembrou a necessidade de promover ações de política industrial que privilegiem ganhos de produtividade e permitam construir vantagens comparativas.

Para ele, a consquista de mercados externos exigirá nova mentalidade e uma mobilização nacional nas três esferas de governo e no setor privado. “Isso precisa tornar-se uma obsessão.” Segundo ele, o segundo ponto importante é a reforma tributária, mudança fundamental para tornar a economia brasileira mais competitiva e menos vulnerável a crises externas. “E é necessário assegurar os investimentos em infra-estrutura.”

Sobre a questão social, Serra afirmou que o crescimento econômico e a geração de empregos obtidos entre 1950 e 1980 não foram acompanhadas de políticas públicas abrangentes e eficientes para reduzir a pobreza e melhorar a dostribiuição de renda. “Nos anos 80, não tivemos nem uma coisa nem outra. A partir do Plano Real, lembrou, foram implementadas políticas sociais adequadas. “Temos a oportunidade rara de combinar crescimento e promoção de políticas públicas de ataque à pobreza e à desigualdade.”


Artigos

A lógica política
Alcides Amaral

A exemplo do que aconteceu no ano passado, o ano de 2002 começou com boas perspectivas para o País. A recessão norte-americana que a todos preocupava teve vida mais curta do que a esperada e tudo leva a crer que a maior economia do mundo terá um ano bastante positivo este ano, especialmente a partir do segundo semestre. A crise Argentina continua grave, muito sofrimento ainda pela frente para o outrora privilegiado povo argentino, mas o "efeito contágio" não se materializou e os problemas do país irmão ficaram limitados às suas fronteiras. E por último, mas não menos importante, a crise energética foi superada, o racionamento foi suspenso e estamos prontos a investir, crescer, gerar mais empregos.

Tínhamos - como ainda temos - um ano político a enfrentar com eleições presidenciais e todos os riscos que elas oferecem. Mercados receosos com relação a alguns "presidenciáveis", alguma volatilidade, mas nada que pudesse tirar nosso sono. O País fortaleceu-se, a classe política "amadureceu", os debates serão mais focados em planos e idéias, nada que nos fizesse mudar de rumo. Promessas de maiores investimentos nas áreas sociais e a busca de crescimento mais acelerado da nossa economia fazem parte da plataforma de todos os candidatos, independentemente das cores do partido a que pertencem.

O que se viu, entretanto, nos últimos 20 dias foi que a "lógica política" continua obedecendo a regras que a maioria da população não consegue entender. Os interesses pessoais e partidários prevalecem sobre os interesses maiores da Nação sempre que algum objetivo tenha de ser alcançado. Isto é, para ser eleito vale tudo, mesmo que o País, em última análise, seja prejudicado.

Essa é a triste realidade com a qual dois candidatos que lideram as pesquisas vieram a nos presentear.

Na ânsia de deixar de ser o eterno segundo colocado nas eleições finais, o presidenciável Lula procurou uma das lideranças do PL - o empresário e senador por Minas Gerais José Alencar - oferecendo-lhe parceria. O político mineiro como vice da chapa do PT daria a Lula a grande chance de tornar-se presidente do País em vez de apenas "marcar posição" - palavras textuais suas - nas eleições de outubro. Como não poderia deixar de ser, a revolta no partido foi grande, tal parceria parecia um absurdo para alguns e para outros precisaria ser mais bem discutida. O próprio PT gaúcho manifestou-se, na última semana, contrário a tal aliança, mas declarou reconhecer que "não vai adiantar nada nossa posição, ela apenas fica marcada. Quem decide é a Executiva Nacional".

Qualquer um de nós tem de reconhecer - sejamos a favor ou não da sua filosofia de trabalho - que o PT é o partido mais bem aparelhado e organizado neste país. Possui uma marca, uma linha de ação que o vem identificando ao longo do tempo. E não é por outra razão que a iniciativa do candidato Lula criou tanta polêmica. Uma aliança PT-PL com um plano econômico do partido dos trabalhadores com pinceladas liberais soaria tão falso como tentar solucionar os problemas de segurança do nosso Estado proibindo-se a utilização do celular pré-pago. Mas a "lógica política" fez com que Lula se expusesse e perdesse pontos para si próprio, conforme evidenciado nas últimas pesquisas eleitorais.

Com Roseana Sarney e o PFL, a "lógica política" prevaleceu, mais uma vez.

Dentro do processo de investigação de fraudes na Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia),a ação da Polícia Federal na sede da empresa Lunus - de sua propriedade e de seu marido, Jorge Murad -, em São Luís, criou uma grande celeuma, pois razões de ordem política estariam por trás dessa ação. Investigações por fraudes na Sudam já viraram rotina no noticiário policial e passariam desapercebidas não fossem os proprietários quem são.

Pois bem, indignada com essa invasão policial e todo o noticiário a respeito, a candidata não deixou por menos: ou o partido abandona o governo ou ela abre mão da sua candidatura. Logo o PFL, parceiro leal do governo Fernando H. Cardoso desde o princípio e com mais de 2 mil cargos nos vários níveis da administração federal. Surpresa geral, o partido deu suporte a agora candidata oficial e, mais uma vez, a "lógica política" prevaleceu. A candidata e o seu partido foram atingidos, os interes ses do País ficam para depois.

Como ainda faltam cinco meses para as eleições de outubro podemos imaginar o que nos espera quando o processo político for se afunilando. Mais interesses serão afetados, o País ficará navegando em águas turvas e o "amadurecimento" da classe política, testado diariamente. A "lógica política" continuará acima de todos os valores até que, finalmente, os objetivos sejam alcançados. Esperamos, entretanto, que as sucessivas crises políticas que ainda iremos vivenciar não venham a substituir a crise energética de 2001.

Não dá para continuar transferindo para o povo brasileiro o ônus dos desacertos oriundos de Brasília.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Muito além do rock
Bem, de início vamos declarar que o Rio, como sempre, continua lindo - floresta, montanha e mar.

Mas cheio de percalços. Acho que no Rio nunca se viveu tão mal. O que não falta está ruim. Hospitais, condução, escolas. E agora, a dengue. A bandidagem continua dominando as favelas e já descendo para as ruas - e é a da pesada, a da droga, a que usa escopeta e metralhadora. Hoje nos recordamos da contravenção dos banqueiros do bicho, com seu código de cavalheiros, como a vera inocência.

Felizmente a mocidade se segura. Ainda neste verão anda solta pelas praias, dourando ao sol, lindos. E - vocês já repararam? - quando se instala dominante, uma ideologia, parece que a própria natureza se dobra à voga. Hoje em dia, com a abominação universal pelo gordo, os corpos das pessoas se submetem à ideologia geral, e praticamente não se vê moço gordo, e muito menos moça gorda, nas áreas de exibição corporal - praias, piscinas, academias.

Bem, claro que aqui, como em toda parte, os jovens gostam de rock, de pop-music, de rock pauleira e agora até de pagode que costumam escutar sem consideração de local ou hora, em decibéis praticamente intoleráveis. E também todo mundo sabe que realmente o rock não corresponde aos ideais melódicos das gerações mais velhas. Contudo, há qualquer coisa de fascinante naquele baticum primitivo, no tum-tum repetitivo, constante, que talvez se ligue direto às batidas do coração. E quanto às letras cantadas pelos roqueiros, até os mais venenosos, com as maquiagens de vampiro, as roupas insólitas, os cabelos fora do contexto, são na verdade uns versinhos simplezinhos e açucarados, quase que só falando de amor e solidão. Só que intercalados pelos brados e interjeições do jargão deles.

Creio mesmo que o abuso frenético dos decibéis de som, parte integral da cultura roqueira, seja talvez conseqüência ou desvio ao ainda mais intolerável barulho urbano que nos ataca nas grandes cidades. Vivemos todos martelados por uma desumana agressão sonora. É o tráfego pesado de veículos na rua que nos sobe de janela adentro - especialmente o explosivo escapamento das motos. É a música em ponto máximo que sai das lojas, são os alarmes estridentes contra o roubo de automóveis, são os tambores e baterias dos carros anunciantes de shows. E há os inimigos especiais, como os caminhões da Comlurb que trituram o lixo à nossa porta, naqueles seus imundos liquidificadores de refugos. E as serras, betoneiras, bate-estacas da construção civil? Tudo isso é que está levando a espécie humana a uma surdez talvez incurável.

Outro lugar-comum é acusar de analfabeta ou quase isso a mocidade em geral. É aquela velha história de uma minoria dar má fama à maioria. Por cada candidato a vestibular que ignora os elementos da arte de escrever, há muitas dezenas de outros estudantes que vão de razoáveis a bons, e há o apreciável grupo dos ótimos.

Há que pensar nas péssimas condições do ensino, professores mal pagos, sobrecarregados por turmas enormes e carga horária excessiva, eles próprios oriundos de escolas deficientes, geradas na onda da proliferação universitária que nos assolou o País. O mal não está na meninada, mas no sistema.

E, assim mesmo bem que eles sabem das coisas. Fique de lado escutando o que conversam - as noções que têm deste mundo de alta tecnologia em que nasceram. Como se entusiasmam explicando a maravilha eletrônica da sua nova aparelhagem de som, as gracinhas do micro, e a Internet, meu Deus, o milagre!

Os que pendem para a ecologia, te espantam de repente com o que sabem sobre a genética de bichos e de plantas, as estatísticas que decoraram a respeito das espécies em extinção, a devoção enternecida que alimentam pelos precursores da defesa ambiental, como Jacques Cousteau - um herói!

É, os meninos bem que sabem das coisas. Acontece que eles diversificaram as fontes de informação, que já não são apenas matéria de livro e jornal. Deles é toda a mídia eletrônica.

Meu palpite é que, se não derraparem no caminho, vai sair deles uma humanidade muito especial.


Editorial

OS BANCOS E SEUS CLIENTES

Tendo recebido parecer do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, sobre ação direta de constitucionalidade impetrada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), o Supremo Tribunal Federal (STF) já pode julgar se as relações entre os estabelecimentos financeiros e seus clientes estão regidas pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. A Consif entende que os clientes das instituições financeiras não estão protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor porque a constituição determina que o sistema financeiro seja regulado por lei complementar e o Código é uma lei ordinária. Os bancos, portanto, não estariam obrigados a seguir os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, mas sim a regulamentação baixada pelo Banco Central (BC) para disciplinar o relacionamento entre as instituições financeiras e seus clientes.

Ora, o chamado Código de Defesa do Cliente Bancário é notoriamente insuficiente para preservar os clientes dos abusos que, sistematicamente, contra eles são praticados pelos bancos. Em São Paulo, por exemplo, os serviços bancários estão em segundo lugar no ranking das consultas feitas ao Procon e, em terceiro lugar, no das reclamações. Em 2001, foram 12.120 consultas e 2.893 reclamações. De 1989 a 2001, as reclamações aumentaram 4.400%. E no resto do País a situação, quando é diferente, é para pior. Em Recife, por exemplo, o Procon registrou 10,4 mil reclamações, no ano passado. O maior número de queixas se refere a falhas nas transações eletrônicas, problemas com os contratos - as célebres letras miudinhas, que quase ninguém lê ou, quando lê, não entende -, falhas no recebimento de cheques e inclusão indevida dos nomes dos clientes nos cadastros de proteção ao crédito. Como disse à Gazeta Mercantil a assessora-chefe da Fundação Procon, Elisete Miyazaki, "o setor bancário é um dos que mais avançaram tecnologicamente, mas os avanços não têm sido suficientes para dar segurança ao consumidor. Os casos de cartão clonado, por exemplo, têm aumentado astronomicamente".

O consumidor dos serviços bancários, portanto, precisa ter proteção eficaz.
Mas as instituições financeiras, por sua vez, são parte de um sistema que tem regulamentação própria, feita especificamente pelo Banco Central, e é parte integrante da política monetária. A Confederação Nacional do Sistema Bancário entende que, ao dispor sobre a proteção do consumidor - no caso, de serviços bancários -, o legislador invadiu campo reservado à lei complementar e à competência do órgão regulador do sistema financeiro nacional.

O procurador-geral da República tem parecer diferente. Para ele, o Código de Defesa do Consumidor não diz respeito, "absolutamente, à regulação do Sistema Financeiro, mas à proteção e defesa do consumidor, pressuposto de observância obrigatória por todos os operadores do mercado de consumo - até mesmo pelas instituições financeiras. Não há, pois, invasão de competência alguma; mostra-se perfeitamente possível a convivência entre a lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional e o Código a que devam sujeitar-se as instituições bancárias, financeiras, de crédito e de seguros, como todos os demais fornecedores, em suas relações com os consumidores".

E o procurador-geral vai além: "Não seria sequer sensato que os integrantes do Sistema Financeiro Nacional, pelo só fato de terem sua atividade regulada por lei complementar e fiscalizada por um banco central, postulassem eximir-se do dever de obediência às demais leis do País."

Mas o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, reconhece que decisões judiciais freqüentemente invadem, a título de defesa dos direitos do consumidor, a esfera de atribuição exclusiva do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central. Por isso, considera ele que o Supremo deva considerar inconstitucionais as normas do Código de Defesa do Consumidor que dão margem a que juízes decidam sobre o custo e a remuneração das operações financeiras, função que caberia apenas, e constitucionalmente, às autoridades monetárias. Ou seja, aquilo que alguns órgãos de defesa do consumidor chamam de "cobrança abusiva de juros" deveria ficar fora do alcance do Código de Defesa do Consumidor, pois seria questão de política monetária e não de relação de consumo.

Trata-se, assim, de um parecer equilibrado, que tanto reconhece o dever dos bancos de tratar seus clientes como consumidores como preserva um dos principais instrumentos de política monetária. Esperamos que a decisão do Supremo seja igualmente equilibrada.


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03/11/2002


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