Wagner Cinchetto
Wagner Cinchetto
Em entrevista exclusiva, o homem que denunciou Luiz Antônio Medeiros revela como o ex-presidente Fernando Collor criou a Força Sindical. O ex-senador Luiz Estevão foi o operador encarregado de arrecadar dinheiro com os empresários
Depois que o dinheiro caía na conta do instituto, nós fazíamos uma operação: transformávamos esse dinheiro em dólares e o depositávamos numa conta no exterior
São Paulo — Nos últimos 15 dias, o jornalista Wagner Cinchetto tem evitado sair às ruas. Troca de endereço constantemente e mal consegue dormir. Assim tem sido desde que um carro com quatro homens emparelhou no dele. Exibiram uma arma ao jornalista, seguida da frase ‘‘Você vai morrer’’. Tudo, segundo ele, por causa das denúncias que fez contra a central Força Sindical. Ex-homem de confiança do deputado Luiz Antônio Medeiros (PL-SP), fundador da Força, Cinchetto denunciou um esquema de arrecadação de recursos usados na formação da entidade. Cerca de US$ 2 milhões, dos US$ 5 milhões arrecadados teriam abastecido uma conta movimentada por Medeiros no Commercial Bank de Nova York entre 1990 e 1994.
O esquema de arrecadação faz parte de um inquérito que tramita em segredo de Justiça. Em entrevista ao Correio, o jornalista conta que a operação de financiamento da Força foi avalizada pelo ex-presidente Fernando Collor e teve participação direta do ex-senador Luiz Estevão.
Com o objetivo de deter o avanço da Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT, Collor incentivou a criação de um sindicalismo dócil. Várias empresas colaboraram. O dinheiro alimentou inicialmente uma conta no Banco Cidade de São Paulo, aberta em nome do Instituto Brasileiro de Estudos Sindicais (Ibes). O órgão, ligado à Força, foi usado para financiar o seu funcionamento, ao lado do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (Ibrades).
Os valores acabaram sendo transferidos para o Commercial Bank Bank para uma conta batizada de Heno. Cinchetto fez a denúncia inicialmente em 1995. Chegou a ser condenado num processo por calúnia movido por Medeiros, mas pouco antes de ser ameaçado de morte, recebeu uma primeira vitória: O STF quebrou o sigilo bancário de Medeiros, dele próprio e dos institutos. Hoje, Luiz Antonio Medeiros será chamado a dar explicações sobre o caso na Corregedoria da Câmara. O pedido para que ele seja investigado foi apresentado ontem pelo deputado Jair Meneguelli (PT-SP) à Mesa Diretora e prontamente despachado para as mãos do corregedor, deputado Barbosa Neto (PMDB-GO).
Toda a origem do “sindicalismo dócil”
CORREIO BRAZILIENSE — De que forma Collor apoiou a Força Sindical?
CINCHETTO — Desde a campanha presidencial de 1989, Medeiros e Collor mantinham contato. Depois da eleição chegamos a conversar com o presidente sobre a possibilidade de transformar Medeiros num novo Lula. O candidato do PT havia saído da eleição com um número muito grande de votos. Isso mostrava que a sociedade brasileira, dividida ou não, acreditava no sindicalismo. Um sindicalista com uma visão mais moderna poderia até chegar a ser presidente da República. Daí, Collor passou a apoiar a criação da central.
CORREIO — Quando isso foi discutido com Collor?
CINCHETTO — Conversamos quando Collor visitou Medeiros aqui, quando ele ficou internado (em agosto de 1990 o sindicalista teve um infarto). Depois disso, uma das discussões mais sérias que tivemos foi na casa do empresário Luiz Estevão de Oliveira Neto, em Brasília. Também participaram o Luiz Fernando Emediato e o Medeiros.
CORREIO — O que foi discutido exatamente?
CINCHETTO — Falamos da estruturação da Força Sindical, dos recursos. Me lembro até hoje que chegamos na casa, subimos uma rampa. Encontramos Estevão numa sala muito grande, onde existe uma árvore no meio. Ele disse que trouxe aquela árvore do Pará. Olhamos uma coleção de quadros com ele e tempos depois chegou o presidente, que sentou numa sala reservada com Medeiros.
CORREIO — Como Luiz Estevão participou da estruturação da Força?
CINCHETTO — Havíamos pedido ao presidente Collor que ele desse condições para arrecadarmos recursos de empresas, mas tivemos a preocupação de que esse trabalho não fosse realizado pelo PC Farias.
CORREIO — Collor ofereceu PC como arrecadador?
CINCHETTO — Ele disse que o esquema financeiro dele produziria isso. Eu ponderei que com o PC seria difícil operar. Já havia empresários reclamando. Inclusive, quem nos alertou foi o ex-ministro Delfim Netto, numa reunião no escritório dele, em São Paulo. Delfim disse que o PC estava pedindo comissão aos empresários. Depois da minha ponderação, Collor falou que então encarregaria um jovem empresário amigo dele para ‘resolver as coisas’.
CORREIO — Durante quanto tempo?
CINCHETTO — Quase um ano. No começo, diretamente, depois um pouco com uma secretária dele, Luciana. Era ela que nos avisava dos depósitos. Me encontrei com Estevão seguramente umas dez ocasiões, na casa dele, no grupo OK e numa empresa de São Paulo, a Brasinca. Não sei precisar a data, mas foi logo depois de Collor ter assumido a Presidência, até meados de 1991. Depois, Estevão saiu. Nós já estávamos operando diretamente com as empresas.
CORREIO — Quando foi o primeiro contato?
CINCHETTO — Foi em Bragança (SP), onde Medeiros estava internado. Collor trouxe Estevão na comitiva dele, mas telefonou antes. ‘Olha, estou levando uma pessoa para operacionalizar aquilo’, avisou ele. Fizemos uma reunião, ele nos chamou numa sala reservada e falou: ‘Essa vai ser a pessoa responsável por esse trabalho’. Nós trocamos cartões e só em casa que eu li: Luiz Estevão de Oliveira Neto, Grupo OK.
CORREIO — Como o esquema de arrecadação funcionou?
CINCHETO — Montamos uma agenda, coordenada por Estevão. Ele discutia antes com os empresários e nos indicou como arrecadar. Dizia aos empresários que seria feito um contrato de doação, perfeitamente legal. Foi por esse motivo que a maioria das empresas confirmou a doação à Justiça.
CORREIO — Como foi traçada a estratégia de captação de recursos?
CINCHETTO — Isso foi discutido entre o presidente do instituto, o Marcos Cará, e o Luiz Estevão. Eles decidiram fazer tudo com contrato. Os valores das contribuições variavam muito. Às vezes chegavam a US$ 300 mil, alguns pagavam US$ 150 mil. Outros parcelados em depósitos de US$ 50 mil. Estevão decidia quais eram as empresas que teriam de contribuir diretamente com Collor. Ele vinha do Palácio e chegava com a relação. Dizia: ‘Já falei com o presidente e esses amigos nossos aqui vão nos ajudar’. Os valores eram acertados quando fazíamos a reunião com as empresas. O pessoal às vezes perguntava quanto seria esse valor. O Luiz Estevão dizia: ‘Eu te ligo, depois a gente resolve o valor e vocês concretizam o contrato’.
CORREIO — Qual era o argumento para convencer as empresas?
CINCHETTO — O primeiro era de que Collor havia vencido uma eleição dificílima com Luiz Inácio da Silva. O crescimento da CUT e do PT começava a preocupar o governo naquele momento. Nós não só discutimos isso com Collor e Estevão, mas com o Pedro Paulo, que era Secretário de Assuntos Estratégicos. Eu estive por duas vezes na casa dele.
CORREIO — A argumentação era sempre política?
CINCHETTO — Totalmente política. Dizíamos que a ameaça ainda existia e que era melhor resolver o problema criando um braço sindical do governo. Falávamos aos empresários que no nosso sindicalismo eles podiam confiar. Em muitas ocasiões Medeiros se aliou ao empresariado. O Grupo Ticket tinha uma ameaça muito grande de perder seus negócios no Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT). Collor queria mexer e isso prejudicaria muito o grupo. Nós atuamos para mudar a Medida Provisória. Ela foi redigida no gabinete da presidência da Ticket e comunicada ao presidente da República de lá. Quem trouxe a MP em São Paulo para que a gente desse uma olhada foi o ex-ministro do Trabalho Antonio Rogério Magri, num encontro secreto na sede do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo.
CORREIO - Em quanto o Grupo Ticket contribuiu?
CINCHETTO — Eu não me lembro, mas seguramente foi mais de US$ 250 mil. Além disso, Medeiros também foi o primeiro sindicalista a visitar uma bolsa de valores. Nós programamos essa visita na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Naquela época, ele afinou o discurso na defesa das privatizações, que era um interesse geral do empresariado. Esssa era a contraparte do Medeiros nesse toma lá dá cá.
CORREIO — Como eram os contatos com as empresas?
CINCHETTO — O primeiro contato era do Luiz Estevão. Num segundo momento, nós fazíamos uma apresentação técnica, com audiovisual. Havia todo um trabalho de apoio e nós mostrávamos como nós iríamos trabalhar, a estruturação da central, as políticas que ela ia defender e o conteúdo ideológico. Era uma apresentação de 45 minutos a 50 minutos.
CORREIO — Como era feito o pagamento?
CINCHETTO — Era depositado e às vezes pago em cheque nominal ao Instituto Brasileiro de Estudos Sindicais, na conta no Banco Cidade de São Paulo. No início, 14 depósitos foram feitos pelo Luiz Estevão. Nós não sabíamos qual a origem. Vinham de Brasília, caiam na conta na forma de DOC debitado.
CORREIO — O Grupo OK foi contribuinte direto da Força Sindical?
CINCHETTO — Eu não tenho um contrato para assegurar isso, mas Estevão fez 14 depósitos diretos, entre novembro de 1990 e maio de 1991. Ele nos dizia que aquela era a contribuição pessoal dele. Agora, se o dinheiro saiu mesmo das contas do grupo ou se teve outras empresas no meio, eu não sei. Toda vez que era depositado, Luciana telefona va e íamos ao banco.
CORREIO — Luiz Estevão recebeu alguma comissão por intermediar as doações?
CINCHETTO — Que eu saiba, não. Mas certamente ele estava numa missão muito especial. O presidente da República não ia designar um empresário como ele para fazer um trabalho desses sem que houvesse algum interesse entre eles. Mas isso era uma coisa entre os dois.
CORREIO — Estevão sabia que o dinheiro foi desviado e foi parar numa conta de Medeiros?
CINCHETTO — Ele não sabia. Depois que o dinheiro caía na conta do instituto, nós fazíamos uma operação: transformávamos esse dinheiro em dólares e o depositávamos numa conta no exterior. Tudo isso com consentimento e a ordem de Medeiros, pois a conta era assinada por mim e por ele. A idéia para mandar para lá surgiu porque o Sindicato dos Bancários de São Paulo, ligado à CUT, fatalmente acabaria descobrindo esses recursos. Medeiros, que já possuía uma conta no exterior com a mulher dele, sugeriu que o dinheiro fosse depositado em outor país. Dois representantes do banco Cidade foram à casa dele, na zona sul, e lá nós assinamos as fichas. Quando eu viajei a Paris, recebi um cartão de crédito internacional American Express, que solicitei porque precisávamos fazer compras.
CORREIO — Quem usava esse cartão?
CINCHETTO — Era usado por todo mundo na Força, com ordem do Medeiros. Além disso, Medeiros, eu e o presidente do instituto, Marcos Cará, fazíamos retiradas mensais de US$ 5 mil, sempre em espécie, para uso pessoal. Essa retirada era registrada por um contador de confiança do Medeiros, mas eu nem sei como era feito. Medeiros dizia para que não nos preocupássemos pois éramos meros representantes dele no instituto. Sempre acreditamos no controle dele e só assinávamos o balanço.
CORREIO — Por que vocês brigaram?
CINCHETTO — Rompemos no momento em que Luiz Fernando Emediato percebeu que poderia tirar proveito desse esquema todo. Foi por causa de lucro. Ele queria ser o agente que captava esses recursos. A captação estava sob meu comando, com o Ibes e o Ibrades. Ele travou uma luta conosco pelo poder de controlar os institutos, que captaram mais de US$ 3 milhões. Medeiros optou por ele e ao mesmo tempo fizeram uma armação para indicá-lo ao Condefat, o Conselho do FAT. Ele passou, então, a ser o principal agente captador de recursos da Força, e a empresa dele se envolveu em vários projetos.
CORREIO — Por que Medeiros o acusa de chantagem?
CINCHETTO — Não houve chantagem. Quando eu rompi, apresentei uma conta para ele, de US$ 300 mil. Disse que não iria trabalhar durante anos sem fazer uma rescisão. Eram direitos trabalhistas, mas eu acabei nem entrando na Justiça. Também queria ser ressarcido porque eu abri mão de uma participação de 50% que eu tinha na Geração Editorial.
CORREIO — O senhor também foi condenado por calúnia.
CINCHETTO — Fui condenado a uma multa e a quatro meses de serviços comunitários. Eu nem sei como isso acabou sendo resolvido, porque participei de uma única audiência. Fui condenado à revelia, sem condições de me defender. Por causas das denúncias que fiz, fui perseguido, tive de sair do estado, não tinha advogado nem emprego. Mas o STF acabou comprovando o que eu dizia, com a quebra do sigilo bancário do Ibes.
CORREIO — O fato de o senhor também ter sido beneficiado pelos recursos da Força, no passado, não enfraquece sua denúncia?
CINCHETTO — As pessoas têm o direito de mudar. Hoje eu critico esse esquema com muito mais amadurecimento por entender que ele prejudica a vida dos trabalhadores. É preciso rever a questão ética e de controle sobre o sindicatos, caso contrário pessoas como Medeiros e Paulinho vão se perpetuar no poder e impedir que lideranças importantes surjam. Se o fato de ter participado disso me prejudica, não me preocupo com possíveis condenações. Se eu precisar pagar um preço para que essa história seja esclarecida na íntegra, acho que vai valer a pena. Vai ser uma contribuição à sociedade bem melhor do que aquela que um dia eu sonhei dar me aliando a esse grupo.
Fernando Collor de Mello
Ex-presidente. Segundo a denúncia, deu o aval para a criação da Força Sindical. Derrotou Luiz Inácio Lula da Silva em 1989. Em 1992, foi cassado após sofrer processo de impeachment. A CPI do caso PC descobriu que ele e seu braço-direito, Paulo César Farias, montaram um esquema para desviar recursos públicos e achacar empresários que tinham negócios com o governo federal. Cassado, promete voltar à política nas próximas eleições
Paulo César Farias
Tesoureiro da campanha de Collor. Sua atuação no governo para montar a rede de desvio de recursos para Collor motivou o impeachment do ex-presidente. Foi assassinado com sua amante Suzana Marcolino em sua casa de praia, em Maceió. Um caso nebuloso. Desconfia-se que PC foi eliminado por causa de suas atividades e pelo que sabia.
Delfim Netto
Deputado pelo PPB de São Paulo e ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura em vários governos durante o regime militar, Delfim aconselhou a Força Sindical a evitar PC Farias, porque ele cobrava 30% dos empresários. Nisso se resume a sua participação no caso.
Luiz Estevão
Ex-senador. Cassado no ano passado por seu envolvimento no esquema que desviou R$ 196,7 milhões da obra do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. No governo Collor, foi avalista da chamada Operação Uruguai, apresentada por Collor como justificativa para seu alto padrão de vida, originário das sobras de campanha arrecadadas por PC Farias.
Luiz Fernando Emediato
Jornalista, dono da Geração Editorial. Foi sócio de Cinchetto até 1993 e atuou como assessor de imprensa de Medeiros até 1994. Ligado a Paulinho, pertence ao conselho gestor do FAT, por indicação da Força. Sob sua influência, o FAT, que usa dinheiro do PIS/Pasep, teria beneficiado a central em repasses de verbas.
Paulo Pereira da Silva
Atual presidente da Força, Paulinho sucedeu Medeiros, que aparece ao seu lado, sentado, na foto. Segundo a denúncia, ele montou seu próprio sistema de arrecadação. No lugar de contribuições de empresas, usou verbas federais do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Quatro empresas (Trading, Geração Editorial, Sig Gráfica e Ipec) fariam parte do esquema, segundo o inquérito policial que apura os desvios de recursos da Força Sindical.
Versões contraditórias
Em conversa com um assessor, o ex-presidente Fernando Collor de Mello admitiu ter tratado com Luiz Antônio Medeiros sobre a formação da Força Sindical, no início da década de 90. Collor garantiu que, quando ocupava a presidência, foi procurado por Medeiros com a idéia de criar uma central para se contrapor à CUT. O ex-presidente garante que apenas aprovou a proposta e estimulou Medeiros a desenvolvê-la.
A versão é diferente da contada pelo ex-assessor da Força Sindical Wagner Cinchetto, confirmada pelo ex-senador Luiz Estevão. Segundo ele, Collor visitou Medeiros quando este sofreu um infarto, em 1990. Na ocasião, apresentou Luiz Estevão, que também admite ter patrocinado em sua casa no Lago Sul uma segunda reunião entre Collor e Medeiros.
O jornalista Luis Fernando Emediato disse que sua empresa, a Geração de Comunicação Integrada, nunca recebeu recursos públicos e afirmou que vai processar Cinchetto. Segundo ele, não há como usar sua condição de suplente da Força Sindical no Conselho Curador do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para destinar verbas a quem quer que seja.
O presidente da Força Sindical, Paulo Perera da Silva, e o deputado Delfim Netto (PPB-SP), não retornaram as ligações telefônicas. A Força Sindical divulgou nota em que ‘‘repudia com veemência qualquer tentativa de envolver a entidade nas denúncias contra seu fundador e primeiro presidente, o deputado federal Luiz Antonio Medeiros’’.
Artigos
Enquanto dois brigam...
Denise Rothenburg
Osama bin Laden versus George W. Bush no mundo, José Serra versus Tasso Jereissati no microcosmo tucano. Quem ganha na política brasileira? O governo e Aécio Neves, o jovem presidente da Câmara dos Deputados que jura não querer disputar a Presidência da República e trabalha para concorrer ao governo de Minas. Aécio começa a surgir como a resultante da briga que o ministro da Saúde e o governador do Ceará travam dentro do PSDB para conseguir a candidatura presidencial.
Aécio sobe da mesma forma que o pacato Ramez Tebet (PMDB-MS) conquistou a presidência do Senado. Tebet foi produto do jogo de vetos, ódios e puxadas de tapete na cúpula do PMDB. O senador gaúcho José Fogaça tinha o apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas foi vetado no partido pelo assessor especial da Presidência, Wellington Moreira Franco, e pelo líder na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA). O senador Renan Calheiros (AL) era o preferido de Moreira e de Geddel, mas foi vetado pelo PFL. O PFL preferia José Sarney, vetado por Geddel e Moreira. Os dois sacaram Tebet.
Agora, vejamos o que acontece no PSDB. Serra joga com o líder na Câmara, Jutahy Magalhães (BA), e parte do PSDB paulista que veta Tasso. O governador cearense está próximo dos ministros das Comunicações, Pimenta da Veiga, e da Educação, Paulo Renato Souza, e dos paulistas que vetam Serra. Enquanto rola esse estica-e-puxa, Aécio conduz a negociação de paz entre os deputados da oposição, e Tebet aprova o projeto que limita a edição de medidas provisórias, conquista a simpatia dos deputados e parte para uma faxina que pode resultar na cassação do mandato do deputado Luiz Antônio Medeiros (PL-SP), acusado de usar dinheiro da Força Sindical em benefício próprio.
Diante desse quadro, para algum tucano puxar o tapete de Serra ou de Tasso colocando Aécio no jogo da sucessão é um pulinho. Aécio, além de ter a cara de um novo PSDB, carrega a caneta do avô Tancredo Neves, nome que no imaginário popular representava a esperança do Brasil, mas não pôde salvar a pátria. Já há muitos tucanos com esse raciocínio. Especialmente depois de pesquisa do Ibope apontar Aécio como presidenciável preferido de 55% dos deputados.
Esses mesmos tucanos acreditam que o governo disputará o segundo turno da eleição presidencial contra Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e agradecem essa perspectiva à guerra Bush versus Bin Laden que tende a tornar o eleitor mais conservador. Por isso, enquanto uns brigam, outros ganham terreno.
Editorial
Só marketing
As primeiras reações dos Estados Unidos aos ataques terroristas a Nova York e Washington causaram apreensões até mesmo aos países da aliança atlântica. O presidente George W. Bush moveu contra a agressão resposta em termos irredutíveis. A guerra estava declarada. E os países que não se alinhassem ao lado dos norte-americanos estariam comprometidos com o terror. Mas, absorvido o impacto inicial que pôs em estado de choque o governo e a população, a diplomacia abriu espaços à construção de nova estratégia.
Antes que mísseis e bombas fossem despejados sobre o Afeganistão, como acontece desde domingo, Washington costurou apoios importantes na Europa, Ásia Central e entre países de forte cultura islâmica. Alcançaram-se o isolamento quase total do governo talibã e o bloqueio significativo das fronteiras do país. O uso da inteligência diplomática buscou empurrar adiante a idéia de que a ira da América era compartilhada por grande parte da consciência civilizada do mundo.
Agora, junto com as milhares de toneladas de artefatos destrutivos, a força área americana lança alimentos sobre solo afegão. Destinam-se, ou antes, seriam destinados aos milhões de famintos crônicos e de outros milhões em fuga do teatro de operações. A ajuda poderia ser considerada humanitária se as provisões caíssem em poder das legiões tangidas pela fome.
Mas a topografia acidentada, os ermos desolados das montanhas, o chão saturado de minas remanescentes de seguidas guerras impedem que o socorro chegue aos miseráveis. Pior. Não há garantia nenhuma de que os lançamentos não acabem em mãos das milícias talibãs. São obstáculos que reduzem a iniciativa a operações de marketing para colher no mundo a impressão de que os EUA combatem o terror, mas estão solidários com os párias afegãos.
Uma guerra não se ganha apenas com os canhões. É o que mostra a história. Campanhas propagandísticas são fundamentais para aliciar vontades solidárias, destruir a estrutura psicológica dos inimigos, retemperar as energias dos combatentes. Fundamental, contudo, é organizá-las sob o amparo de situações carregadas de verossimilhança.
Derramar mantimentos do céu para famélicos encurralados por montanhas, submetidos às ciladas da aridez, expostos a explosões de minas e confinados em regiões remotas é desperdício só justificável como manobra publicitária. Manobra, não há outra conclusão lógica, que não convencerá a opinião sensível do mundo.
Não é por outra razão que organização humanitária respeitável como Médicos Sem Fronteiras (Prêmio Nobel da Paz de 1999) condena a iniciativa: ‘‘Não se trata de ajuda humanitária, mas de propaganda militar’’. Os EUA precisam voltar em questões da espécie às mesmas inspirações que desataram a operação diplomática antes do assalto às bases terroristas do Afeganistão.
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