2008 marca centenário de nascimento de João Guimarães Rosa



1908 entrou para a história da literatura brasileira especialmente por ter sido, nesse ano, que nossas Letras perderam a figura do seu principal escritor: Machado de Assis. Entretanto, foi também em 1908, a 27 de junho - quatro meses antes da morte de Machado -, que nasceu, em Cordisburgo (MG), aquele que viria a se tornar o genial autor de livros como Sagarana e Grande Sertão: Veredas: João Guimarães Rosa, cujo centenário de nascimento se comemora nesta sexta-feira (27).

"Toda criatura pode iluminar-se de repente; mas ele fez sangria permanente da alma; o indizível se fez narrativa" - disse, sobre Guimarães Rosa, o poeta e cronista Paulo Mendes Campos.

Após a publicação do seu primeiro livro - Sagarana, em 1946 -, o escritor mineiro foi prontamente reconhecido como um dos talentos mais robustos já surgidos no panorama das letras brasileiras.

Em texto incluído na Fortuna Crítica das obras completas do ficcionista, publicada pela Editora Nova Aguilar, o crítico Álvaro Lins registra o impacto causado por Sagarana: "De repente chega-nos o volume, e é uma grande obra que amplia o território cultural de uma literatura, que lhe acrescenta alguma coisa de novo e insubstituível".

De fato, Guimarães Rosa começou a escrever quando ainda era bastante jovem, mas só publicou seus livros bem mais tarde. O primeiro que escreveu data de 1936. Trata-se de um volume de poesias - Magma -, que permanece inédito por decisão do autor. O livro, no entanto, mereceu elogios e ganhou o 1º prêmio do Concurso de Poesia de 1936, promovido pela Academia Brasileira de Letras.

Pelo número de grandes obras editadas naquele ano, 1956 é tido como "Ano de Ouro" da literatura brasileira. O Encontro Marcado, de Fernando Sabino; Doramundo, de Geraldo Ferraz; Vila dos Confins, de Mário Palmério; O Tronco, de Bernardo Élis, integram esse momento favorável para a ficção no Brasil. Porém, foram os lançamentos - e a avassaladora repercussão - de Corpo de Baile e, sobretudo, de Grande Sertão: Veredas que viriam a coroar o ano de 1956 como um marco da criação literária em nosso país.

Os dois volumes "causaram surpresa, espanto, entusiasmo, incompreensão, censuras e condenações", de acordo com Alaor Barbosa, autor de Sinfonia Minas Gerais - a Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa. O escritor Adonias Filho (Corpo Vivo, O Forte), por exemplo, classificou Grande Sertão: Veredas como "um equívoco".Já o conceituado crítico Sérgio Milliet expressou opinião oposta: "é sem dúvida alguma, o nosso grande acontecimento literário e lingüístico do século".

Grande Sertão: Veredas se diferenciava radicalmente do modelo consagrado pela literatura que vinha sendo praticado entre nós. A partir do grande sucesso obtido pelos escritores da escola regionalista, que tinha entre seus representantes nomes como o de José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos, desenvolveu-se no Brasil um padrão literário dentro dos padrões do realismo social. As inovações lingüísticas empregadas por Guimarães Rosa foram o principal motivo para a crítica e os leitores se dividiram entre louvações e ataques ferozes. Isso, porém, não impediu que, mais tarde, o livro corresse mundo e fizesse do seu autor um verdadeiro "caso" nacional.

João Guimarães Rosa morreu no dia 19 de novembro de 1967, três dias depois de tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Estava com 59 anos e havia adiado por várias vezes a data da cerimônia na ABL.

Judeus

Em 1938, quatro anos depois de ter sido aprovado no concurso para o Itamaraty, o diplomata Guimarães Rosa foi designado, na condição de cônsul-adjunto, para cumprir missão em Hamburgo, na Alemanha. Foi lá que Guimarães Rosa conheceu Aracy, funcionária do consulado que seria sua segunda mulher. Auxiliado por ela, o escritor se empenhou no salvamento de judeus, fornecendo passaportes para que fugissem da Alemanha nazista.

O episódio foi relatado pelo escritor mineiro em um diário íntimo escrito entre 1939 e 1941. No entanto, a recente divulgação de trechos desse diário pela revista Bravo! expôs antigas divergências entre seus herdeiros e sua publicação, por enquanto, está dependendo de decisões da Justiça.

De volta às raízes

Guimarães Rosa planejava fazer uma viagem por Minas Gerais, para rever o ambiente onde passou a infância e recolher novas informações para a elaboração do seu trabalho literário. Em maio de 1952, surgiu a oportunidade que ele esperava com grande expectativa. Partindo em comitiva da Fazenda da Sirga, município de Três Marias, no dia 19 de maio, às 10h, a comitiva conduziu 198 cabeças de gado ao longo de 240 quilômetros até a Fazenda São Francisco, situada no município de Araçaí (vizinha a Cordisburgo).

A viagem foi toda feita a cavalo e durou 11 dias (e não 45 dias, como divulgam algumas versões). Munido de pequenas cadernetas e lápis de duas pontas pendurado no pescoço, Guimarães Rosa tudo perguntava aos vaqueiros e anotava, incontinenti, na caderneta.

"Este mundo original e cheio de contrastes, é para mim o símbolo, diria mesmo o modelo de meu universo - esclarece o escritor, referindo-se ao sertão mineiro. A incursão a Minas Gerais teria resultado nas novelas de Corpo de Baile e no romance Grande Sertão: Veredas.

Além de Sagarana e Grande Sertão: Veredas, a ficção completa do escritor mineiro reúne os seguintes títulos: Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá, no Pinhém; Noites do Sertão; Primeiras Estórias; Tutaméia; Estas Estórias e Ave, Palavra.

Jorge Frederico / Agência Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

O homem e o estilo

"Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o idioma português, tal como o usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, eu traduzo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros. A gramática e a chamada filologia, ciência lingüística, foram inventadas pelos inimigos da poesia." (Guimarães Rosa)



27/06/2008

Agência Senado


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