Abandono em asilos revolta deputados
Abandono em asilos revolta deputados
CPI da Câmara inspeciona 28 instituições do País e traça painel desolador das condições de vida dos idosos internados
BRASÍLIA - Dona Maria do Rosário, 71 anos, estava amarrada em uma cadeira de balanço quando a caravana da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados chegou ao Abrigo Cristo Redentor, em Recife. ''Deputado, o senhor tem um canivete?'', perguntou a professora aposentada ao deputado Marcos Rolim (PT/RS). ''Quero cortar a faixa'', explicou. Sem nenhum problema para manter-se erguida, Rosário explicou que era amarrada todos os dias depois do café da manhã porque insistia em fazer ''traquinagens'', como fumar cigarros. Um caso típico de tortura, nas palavras do deputado.
Com o estardalhaço causado por técnicos do governo, jornalistas e deputados que visitavam o local, Rosário foi solta. Sua velhice, no entanto, não é uma exceção. O desrespeito a direitos humanos básicos foi verificado em quase todos os 28 asilos visitados pela caravana, que percorreu quatro estados brasileiros em outubro do ano passado. O Jornal do Brasil teve acesso ao relatório dessas visitas, que será apresentado amanhã no Congresso Nacional. ''Mesmo depois de caravanas em presídios, manicômios e Febems, o que vimos foi absolutamente impactante'', resume Rolim, o relator do grupo parlamentar. ''Os asilos são instituições de abandono.''
O documento denuncia que o País está virando as costas para 14,1 milhões de brasileiros com mais de 60 anos de idade. ''Não existem políticas públicas para o idoso no Brasil'', resume o deputado federal Padre Roque (PT/PR). ''O estado está ausente em todas as esferas'', lamenta. O abandono do poder público se faz sentir especialmente entre os 19 mil idosos que, de acordo com estimativas do governo, vivem em asilos. Como a maioria das instituições funciona clandestinamente ou sem cadastro, esse número deve ser bem maior.
A arquitetura dos abrigos é inadequada. Na primeira associação visitada, a Raiar do Sol, em São Paulo, 93 idosos vivem em um antigo prédio do INSS, de quatro andares, sem elevador. Ali, o corintiano João Coelho da Costa, de 61 anos, ex-sapateiro, passa os dias confinado em seu quarto. Deficiente físico, ele consegue se arrastar até o banheiro, mas não pode chegar sozinho ao pátio interno do asilo.
Armadilhas arquitetônicas como a falta de corrimão em escadas ou barras de segurança em banheiros e camas são quase regra. O relatório registra diversos casos de idosos feridos ou com fraturas em função de quedas. Há duas semanas, começou a tramitar na Câmara um projeto de lei que define padrões mínimos para o funcionamento de abrigos de idosos. O texto determina prazo de dois anos para as instituições se adaptarem às exigências.
No Lar das Mãezinhas, na Penha, São Paulo, havia 23 camas em apenas um alojamento coletivo. ''Se as cadeias estão superlotadas, nossos asilos também'', diz Padre Roque. ''Salvo raríssimas exceções, são depósitos de velhos para morrer'', avalia. Falta de privacidade nos quartos é o de menos nesse cenário que beira o horror. A alimentação apresenta problemas sérios. No abrigo carioca Razão de Viver, por exemplo, não há dieta adaptada para hipertensos nem diabéticos - doenças comuns na terceira idade.
Outro problema denunciado é a exploração comercial do abandono de idosos no País. Os deputados chegam a recomendar uma auditoria no abrigo Cristo Redentor, na periferia do Recife. A instituição recebe verbas do governo federal, cobra taxas em torno de R$ 180,00 dos internos e arrecada doações da comunidade.
Um conjunto de recomendações encerra o texto. Entre elas, 14 normas mínimas de segurança para os asilos, que devem ser fiscalizadas pelo poder público. O relatório recomenda a transferência dos portadores de doenças infecciosas ou que necessitam de assistência médica permanente para instituições de natureza hospitalar. Também sugere a instalação imediata do Conselho Nacional do Idoso, a criação de uma Coordenação Nacional da Política do Idoso e o cumprimento da portaria interministerial de 1999, que prevê a formação de pessoal para atendimento em casas e instituições dedicadas à terceira idade.
Guerra suja na eleição assusta Lula
Candidato do PT à Presidência enfrenta com tranqüilidade prévia interna do partido, mas teme baixaria na campanha
SÃO PAULO - Levada às urnas ontem, a disputa interna do PT para a escolha do candidato do partido à Presidência da República pouco preocupa o presidente de honra Luiz Inácio Lula da Silva. Abraçado ao senador Eduardo Suplicy, o amigo-adversário que forçou a legenda a promover consulta às bases, Lula mostrou ser outro o alvo de suas inquietações. O jogo sujo dos dossiês movidos a grampos telefônicos clandestinos que se delineou antes mesmo da largada oficial da campanha o deixou apreensivo. ''Temos que lutar por debates limpos'', defendeu Lula. O resultado das prévias sairá até quarta.
Lula afirmou não ter dúvidas de que o partido sairá vencedor nas próximas eleições, mas teme que a baixaria tome conta da disputa. Antes de votar, falou no 2° Encontro Nacional Fé e Política, em Poços de Caldas, Minas Gerais, para 4.500 pessoas. ''Fiquei assustado com o fato de o Ministério da Saúde haver contratado uma empresa para fazer levantamento de denúncias no caso da governadora Roseana Sarney'', revelou.
Lula defendeu a investigação de suspeitas de irregularidade, desde que não sejam usadas como arma política contra candidatos. ''Isso vale para mim, para Roseana e para qualquer outra pessoa'', afirmou o petista. ''Da maneira que fizeram, estão oficializando uma ilegalidade'', pregou Lula. Já em São Paulo, onde votou no mesmo horário de Suplicy, Lula se disse apreensivo com o que classificou de ''institucionalização do grampo''.
Entre amigos - O presidente nacional do partido, José Dirceu, disse que o quorum mínimo para legitimar as prévias do PT foi atingido. Pelo menos 100 mil dos cerca de 900 mil filiados compareceram às urnas. ''Essa é uma demonstração de pluralismo e democracia. De forma alguma as prévias irão dividir o partido no futuro'', afirmou Dirceu, preocupado em mostrar unidade.
''Nunca acreditei tanto em mim como neste momento'', declarou Suplicy, para depois completar: ''Mas sei que é mais difícil ganhar as prévias contra o Lula do que as eleições para a Presidência''. A declaração deu o tom exato da expectativa quanto ao resultado: ninguém duvida da vitória de Lula. O presidente nacional do PT comentou a pesquisa que apontou Suplicy como o candidato preferido do eleitorado paulistano. ''Não é nenhuma novidade que o senador apareça na capital como uma grande liderança'', disse. ''O melhor, se eu sair vencedor dessas prévias, é que terei um cabo eleitoral muito bom'', brincou.
A vingança do PFL
Lei da Mordaça reaparece e deverá ser votada quarta-feira no Senado
BRASÍLIA - O PFL prepara uma vingança contra o Ministério Público, depois que uma operação pilotada por procuradores da República praticamente destruiu a candidatura da governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Sob o relato do senador Bello Parga (PFL-MA), do grupo político da família Sarney, a controversa Lei da Mordaça vai à votação na próxima quarta-feira, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Aprovado na Câmara em 1999, o projeto considera abuso de autoridade a divulgação de informações sobre inquéritos policiais ou administrativos em andamento. Procuradores, promotores, delegados, magistrados e conselheiros do Tribunal de Contas podem ser punidos com pagamento de multa, detenção ou perda do cargo por vazarem o conteúdo das investigações. A intenção é proteger as autoridades envolvidas em irregularidades.
Esquecida no Senado há quase dois anos, a proposta apareceu de repente, na última quarta-feira, na reunião da CCJ, justamente por iniciativa do aliado de Sarney. Há cerca de duas semanas, uma operação da Polícia Federal, feita a pedido do Ministério Público - com autorização da Justiça Federal - revelou que a empresa Lunus, de propriedade de Roseana e do marido dela, Jorge Murad, mantinha nos cofres R$ 1,3 milhão em dinheiro vivo. A imagem das notas de R$ 50 sobre uma mesa na polícia federal, estampada em jornais, revistas e divulgada por emissoras de televisão, teve um efeito devastador na candidatura de Roseana. Integrantes do PFL atribuem o vazamento da foto a procuradores, delegados e agentes da polícia federal, que estariam agindo a serviço da candidatura do tucano José Serra.
''Nem me lembrava mais que a Lei da Mordaça estava tramitando'', diz o líder da oposição, José Eduardo Dutra (PT-SE). ''É muito estranho que esse projeto tenha surgido de uma hora para a outra neste momento'', acrescenta.
Dutra pediu vistas ao relatório de Bello Parga. Na quarta-feira, o líder da oposição pretende apresentar um voto em separado contra o projeto, com emendas que estão sendo preparadas por sua assessoria.
No Ministério Público, a proposta sempre foi considerada uma forma de reprimir a atuação dos procuradores. O projeto de lei foi apresentado pelo Executivo em 1997 e causou polêmica. Outra proposição semelhante, de autoria do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, tramita junto com com a Lei da Mordaça.
Novo sistema muda vida de empresas
A partir de 22 de abril, alteração na compensação financeira do país exigirá mais controle no caixa para evitar descompasso
No mesmo dia em que o Brasil estará comemorando o seu descobrimento, em 22 de abril, pouca gente sabe que haverá mudanças importantíssimas na vida financeira do país. Para as pessoas físicas, o novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), que surge com o objetivo de garantir mais segurança para a compensação financeira, não muda quase nada. No entanto, para micro, pequenos, médios e grandes empresários, promete ser vida nova. Quem não se ajustar logo à nova música corre o risco de literalmente ''dançar''.
As operações passarão a ser on-line e será possível, por exemplo, transferir dinheiro de uma conta de um banco para outro na mesma hora, com toda a garantia. Hoje, mesmo por via eletrônica, essa transferência é feita de um dia para outro, como se fosse um cheque compensado. Agora, com o novo sistema, o dinheiro entrará na hora.
Os cheques ou os Documentos de Ordem de Crédito (DOC) de R$ 5 mil ou acima desse valor não deixarão de existir, mas os bancos vão estimular que essas transferências sejam feitas on-line. Surge um novo instrumento, o TED (Transferência Eletrônica Disponível). O dinheiro vai sair e entrar imediatamente nas contas e o gerente do banco ficará proibido de dar o famoso ''jeitinho'', antecipando a liberação de um cheque ou de um DOC. Assim, será preciso ter na empresa um tesoureiro ou um ''piloto'' do caixa acompanhando o vai-e-vem de dinheiro o tempo todo.
Adaptação - ''O ideal é que todos comecem a se adaptar o quanto antes às mudanças. Caso contrário, poderá haver descompassos'', explica Valéria Arêas Coelho, superintendente técnica da Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima). Um descompasso comum pode ser o do dinheiro sair mais rápido para pagamentos e demorar um dia, por exemplo, para entrar na conta da empresa. Nesse caso, o banco cobrará pelo empréstimo de recursos.
A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) divulgou recentemente um estudo alertando que milhares de pequenas e médias empresas ainda não conhecem o novo sistema. A federação prevê que, em última instância, quem pagará a conta serão as empresas. Clarice Messer, diretora da Fiesp, previu que muitas firmas terão que negociar um crédito reserva com os bancos para eventuais desajustes.
Tarifas - Em Brasília, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, assegurou, na semana passada, que a implementação do SPB, não acarretará prejuízos aos clientes. De acordo com Figueiredo, não há justificativa para elevar as tarifas bancárias. Os consumidores, porém, devem ficar atentos. Até agora, apenas o Unibanco divulgou nova tabela de tarifas, com os mesmos valores dos atuais.
Valéria Arêas prevê que as empresas mais afetadas pelas mudanças serão as que fazem grandes pagamentos para fornecedores - em valores acima de R$ 5 mil -, e recebem em vários pequenos cheques, como postos de gasolina e o comércio em geral. ''É hora de negociar com fornecedores. O pagamento pode ser adiado em um dia, por exemplo, mas entrará imediatamente como dinheiro vivo'', explica a superintendente técnica da Andima.
Brasilidade é opção para exportar mais
BRASÍLIA - Para o sociólogo italiano Domenico de Masi, famoso por sua teoria do ócio criativo, o paraíso é estar deitado em uma rede para o resto da vida. Ele descreve o objeto confeccionado pelas rendeiras nordestinas como ''belíssimo'', por ser confortável, ornamentado, prático e versátil. E acima de tudo,''brasiliani''. Herança da cultura indígena, a rede é produzida apenas no Brasil. Em Roma, um exemplar é vendido por US$ 250. ''A rede é um símbolo do quanto o produto verdadeiramente brasileiro pode fazer sucesso no exterior'', diz Domenico.
Ele e sua equipe de consultores foram contratados pelo Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa (Sebrae) para identificar a ''Cara Brasileira''. Esse é o nome da pesquisa que buscou valores nacionais fundamentais e produtos que possam refleti-los para conquistar o mercado externo. Foram entrevistados 25 profissionais de diversas áreas, como o antropólogo Peter Fry, o estilista Lino Villaventura, o empresário Ricardo Young e o químico Afrânio Craveiro. Só as características apontadas por todos os consultados foram classificadas como formadoras da chamada brasilidade.
Cachaça - Entre elas estão a diversidade étnica e cultural do país, a alegria, a jovialidade e solidariedade do povo, o sincretismo religioso e a criatividade. A pesquisa elencou também produtos nacionais que incorporam esses atributos. Pão-de-queijo, cachaça, cultivo de flores tropicais, essências aromáticas da Amazônia, turismo e jóias com design nacional têm potencial para cativar consumidores em outros países. ''Em nenhum outro lugar se faz essas mercadorias com a excelência brasileira'', afirma o presidente do Sebrae, Sérgio Moreira.
''Preservar a identidade local é fundamental para ter sucesso na era da globalização'', argumenta Domenico de Masi. A pesquisa procurou a ''Cara Brasileira'' em atividades econômicas que possam ser desenvolvidas por micro e pequenas empresas. Elas empregam hoje 67% da mão-de-obra nacional, mas respondem apenas por 1,7% do volume exportado pelo país. Segundo o estudo, as grandes oportunidades de negócios para pequenos empreendedores estão nos setores agroalimentar, artesanato, confecções, móveis, entretenimento, saúde e qualidade de vida e esportes.
Metalurgia aprova flexibilização de leis
Os metalúrgicos de sete sindicatos ligados à Força Sindical na Grande São Paulo aprovaram ontem o primeiro acordo por setor de flexibilização das leis trabalhistas. Pela proposta, férias, 13° salário, participação nos lucros, licença-paternidade e horário de refeição poderão ser concedidos para cerca de 500 mil trabalhadores de forma diferente do que prevê a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O acordo deve atingir 700 mil metalúrgicos de empresas de autopeças e de máquinas do Estado de São Paulo. Outros 42 sindicatos do interior avaliam a proposta ao longo desta semana.
O objetivo da Força Sindical é pressionar o Senado a aprovar o projeto de lei que altera a CLT e permite que as negociações coletivas se sobreponham à legislação. A estratégia tem o aval do ministro do Trabalho, Francisco Dornelles. O próximo passo da central será tentar fechar acordos por empresa.
O presidente da Força, Paulo Pereira da Silva, reconhece que os acordos de flexibilização podem ser questionados na Justiça, mas afirma que na prática eles já ocorrem. ''Queremos pressionar o Senado, mostrar que o trabalhador quer a mudança na lei e que acordos de flexibilização já acontecem na prática. Como o da Volks e o da General Motors'', disse.
Artigos
Abalos, ganhos e perdas
Gaudêncio Torquato
O abalo sofrido pela candidatura de Roseana Sarney, a partir da investigação nos escritórios da empresa Lunus, será fatal para sua campanha. É possível que a candidata não resista a este fim de semana, renunciando à candidatura. O PFL cometeu o maior erro de sua existência, ao deixar o governo sem antes ter examinado todas as possibilidades da candidatura Roseana, até mesmo um ataque fulminante aos frágeis costados de Jorge Murad, que, já se sabia, se apresentava como o calcanhar-de-aquiles da mulher. A queda nas pesquisas deverá continuar, pois o rolo compressor da mídia, comandado pela poderosa Rede Globo, funcionará como máquina trituradora de carne e osso. Serra, o governador Garotinho e Ciro Gomes deverão se beneficiar. O PT precisa recolher a alegria que já se estampava na cara de seus dirigentes. Lula será apertado mais adiante. O eleitor tende a mudar a intenção de voto quando se depara com grandes denúncias. Recolhe-se ao abrigo dos menos acusados de corrupção, como tentativa de preservar seu próprio conceito de moral. Parcela dos votos migra para um espaço de centro, onde estão candidatos não posicionados às margens esquerda e direita. É a parcela que rejeita Lula. Garotinho, apesar de oposicionista, é embalado pelo evangelho e o torna um candidato confiável para setores conservadores. Já Ciro Gomes ganhará votos de grupos regionais e mesmo daqueles que o vêem como alternativa menos radical que Lula.
A pergunta mais recorrente é: a candidatura de Roseana foi derrubada? A resposta é: sim. Será um suicídio para o PFL continuar bancando Roseana. Até porque a governadora deve estar sofrendo muito e a sua dor projetará uma fragilidade que será negativa perante o eleitorado. Se a governadora fizer do limão uma limonada, sairá por cima. Trata-se de uma mulher de fibra, corajosa e determinada, que poderá tirar uma carta do colete. Mas, que carta? Será quase impossível sair atirando no marido, que se confessa o verdadeiro autor da arrecadação da dinheirama para o caixa dois da campanha. Portanto, quase ninguém acredita no suco desse azedo limão. A origem do dinheiro encontrado nos cofres de sua empresa deverá vir à tona. A renúncia de Murad do posto que tinha na administração maranhense e a explicação que deu não melhorarão a situação de Roseana. A imagem dos pacotes de R$ 50 é muito forte na cabeça do eleitor. Tem mais impacto que as próprias denúncias envolvendo fraudes junto à Sudam. O PFL está entre a cruz e a caldeirinha.
José Serra subiu porque o tiro de morteiro dado principalmente pela Rede Globo funcionou como fermento na massa da campanha. Precisa se precaver. Deverá haver troco. Os ataques virão, iniciados pelo trombeta do senador José Sarney, de quem se espera o mais agressivo discurso de sua vida. Deverá ser na próxima semana, logo após a volta da França, onde foi receber homenagem pelo lançamento de Saraminda. O PFL não deverá deixar barato. Vai buscar munição nos bastidores do BNDES, Banco do Brasil e Fundos de Pensão, nos quais se diz ter Serra grande arrumação de espaços e interesses. O Palácio do Planalto, ou seja, a figura do presidente, também deverá receber fogo pesado. Essa história de fax transmitido, no meio da noite, para conhecimento do presidente, soa mal. Parece mais como recibo da fatura do negócio encomendado. Os dossiês sujos que chegam às redações e às mãos de candidatos adversários poderão funcionar como bumerangue, queimando principalmente a floresta dos tucanos.
As tendências apontam para o reposicionamento de Lula no espaço que já conquistara. Se José Serra ultrapassar a casa dos 20% nos próximos dias, terá consolidada a candidatura. Seu programa de TV foi bem-feito e parcela de seu crescimento se deve ao forte aparecimento na mídia. É com muita pressão e visível ajuda da mídia do Sudeste que o ex-ministro da Saúde está se livrando da pecha de pé-de-chumbo. E, assim, sufoca os pefelistas que gostariam de bancar o Plano B da bancada situacionista, que seria o nome de Aécio Neves. O PFL bem que gostaria de resgatar a grande aliança entre PMDB, PSDB e PFL em torno do jovem presidente da Câmara. Mas com a subida de Serra, o projeto tende a ficar na gaveta. Muita água, porém, vai correr debaixo da ponte eleitoral. Aguarda-se com ansiedade a solução para as dúvidas e impasses gerados pela coligação vertical. Se ela for derrubada, as antigas negociações entre os partidos voltarão com força. Se for mantida, restará, ainda, a dúvida que também deve ser tirada pelo TSE nos próximos dias: caso um partido não tenha candidato próprio e não faça alianças para presidente da República, poderá se coligar com quem quiser nos Estados? A resposta definirá, por exemplo, o rumo do PMDB, que, sob o aspecto de estrutura, ainda é o maior partido nacional. Itamar espera por isso.
Garotinho teria boas condições, caso dispusesse de mais tempo de exposição na mídia. Está se revelando um perfil maleável, articulador e com grande domínio temático, além de expressiva comunicação. Seu grande sonho é o de fechar uma aliança com o PMDB, coisa cada vez mais inviável pela disposição de cerca de 70% dos dirigentes em fechar aliança com o PSDB. Ciro Gomes, por sua vez, depende da decisão do PTB em permanecer na aliança com o PPS. Se sair, pela pressão monumental do governo, será condenado ao esconderijo, em função do pequeno tempo de mídia eleitoral. Lula, no segundo turno, disputaria com quem? Possivelmente com Serra. Mas Garotinho e Ciro crêem em grandes milagres, principalmente agora que temos uma santa brasileira.
A única coisa certa é: teremos o primeiro presidente sob as bênçãos de madre Paulina, nossa primeira santa.
Colunistas
COISAS DA POLÍTICA – Dora Kramer
Na porta da igreja
Embora façam certo charme e digam que agora não têm pressa para definições, os pemedebistas estão loucos para casar. Esperam de José Serra o pedido oficial a ser apresentado ao candidato a vice-presidente na chapa tucana para, no máximo, até o fim do mês. A pressa guarda relação com o prazo de desincompatibilização, em 6 de abril. Como o vice será, é quase certo, um governador, e do Nordeste, é preciso tempo para que o escolhido pese os custos e benefícios da decisão.
Como dos governadores nordestinos filiados ao PMDB o único que ainda pode concorrer à reeleição e, portanto, não precisaria se desincompatibilizar de qualquer jeito é Jarbas Vasconcelos, o nome do governador de Pernambuco voltou a ser fortemente considerado. Ainda mais agora que os compromissos com o PFL se diluem a cada dia, Jarbas já não precisa mais se preocupar com o destino de Marco Maciel, cuja candidatura ao Senado estava ligada à decisão de o governador concorrer a novo mandato.
Mas o nome ainda não está fechado. Descartadas apenas especulações como Rita Camata, hipótese aventada antes das desventuras de Roseana Sarney, como tentativa de criar um contraponto. Agora os pemedebistas voltam suas preferências para alguém que tenha densidade em eleição majoritária e seja de uma região plena de votos. Daí a opção por um governador nordestino.
Considerando que a possibilidade de uma aliança com o PFL no primeiro t urno, e ainda mais com o partido ocupando a vice, já pertence ao terreno do absurdo - entre outros motivos porque nenhum dos dois partidos teria como explicar ao eleitorado o repentino reatamento -, o PMDB só falta ser pregado na cadeira de vice. Sentado já está.
Mas, na concepção do partido, é preciso que José Serra faça mais do que informar seus desejos. O que se espera agora é o pedido oficial, com solenidade pública de noivado e divulgação da lista de presentes de casamento na forma de uma ''posição mais nobre'' para o PMDB ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em bom português, o que se pretende é que na reforma ministerial de abril os pemedebistas já sejam apresentados à sociedade como sócios fundadores da continuidade. Nada mais de ministérios paralelos, nem de transitar à margem do eixo das decisões de poder. Querem do PSDB mais que a mera função de vice, a divisão explícita do comando do país.
Em troca, o PMDB poderá começar, desde a oficialização do compromisso, a fazer o que ainda não fez no episódio que resultou nos agressivos ataques do PFL aos tucanos: defender o PSDB das acusações de ''armação política'' com mais assertividade. E, de fato, se o leitor apurar os ouvidos, notará que não tem havido sinal de vozes pemedebistas dizendo que, no caso, essa questão de suspeita de espionagem não é nada diante da falta de explicação convincente para a dinheirama encontrada no cofre de Roseana e Jorge Murad.
Fechado o negócio entre os dois partidos, há gente no PMDB já se escalando para fazer o que os fidalgos tucanos têm alguma timidez em providenciar: uma boa troca de desaforos e cobranças em altíssimo e bom som. Numa conversa reservada no fim da semana passada, o presidente da República foi informado dessas intenções e alertado de que Serra também precisa de blindagem urgente no caso da ajuda do BNDES à Globocabo, antes que isso possa criar atritos indesejáveis e irremediáveis com outros veículos de comunicação.
Medo da surpreendente subida do candidato tucano os pemedebistas não têm, mas acham que todo o cuidado é pouco e que a palavra de ordem no momento é não errar. E, pelo que se percebe ali, entre os acertos que esperam que sensibilizem a alma tucana está exatamente a oficialização da aliança, antes que algum aventureiro ou fato menos certeiro lance mão da cobiçada vaga que tanto suor custou às camisas do comando pemedebista.
Sem consulta
A direção do PMDB não está nem um pouco preocupada com as reações da dissidência que se concretizará de uma vez por todas entre aqueles que defendiam candidatura própria, no momento em que a vaga de vice de Serra estiver assegurada.
A negociação será encaminhada pela cúpula, sem direito a consulta àqueles que perderam a parada das prévias que aprovariam candidatura em encontro inicialmente marcado para hoje e depois cancelado.
Nem José Sarney, que dispõe de força no PMDB maranhense, será consultado. No máximo, comunicado. E pelo simples fato de que é considerado, na prática, um pefelista.
Revelações
Procurando demonstrar tranqüilidade e naturalidade ante as acusações de que dispõem de uma rede de espiões para montar dossiês de candidatos, os tucanos dizem que o PFL verá o que é bom para tosse quando o diretor da Polícia Federal, Agílio Monteiro, depuser no Congresso, nesta semana. Asseguram eles que o relato de toda a investigação da PF deixará o caso da empresa Lunus muito pior do que já está.
Editorial
DEGREDO COMERCIAL
Pelo rumo dos acontecimentos, a Arthur Andersen dificilmente resistirá ao efeito dominó provocado pela falência da Enron. Responsáveis pelo acompanhamento das contas da bilionária empresa de energia de Houston, funcionários da quinta maior firma de auditoria dos Estados Unidos foram pegos com a mão na botija, em flagrante explícito de conflito de interesses. Além do aval para práticas condenáveis de contabilidade, dedicaram-se a destruir material comprobatório antes mesmo de o império texano desmoronar. A direção da Arthur Andersen foi forçada a reconhecer o erro e demitiu seu auditor-chefe David Duncan. Não conseguiu, porém, se livrar do processo judicial. A empresa acaba de ser indiciada por obstrução da Justiça, pela destruição de documentos nos escritórios da Enron de Houston, Chicago, Portland e Londres, para impedir que as investigações chegassem à verdade.
A decisão do Departamento de Justiça é histórica: pela primeira vez, nos EUA, um gigante da auditoria é alvo de ação criminal. O indiciamento joga na sarjeta uma reputação de lisura e competência construída ao longo de 89 anos. Desde que as denúncias se tornaram públicas há três meses, a Arthur Andersen não parou de perder clientes. Temerosas de reflexos negativos, empresas do porte dos laboratórios Merck e do Federal Express trataram de denunciar os contratos, buscando novos auditores. O êxodo na carteira de 2,3 mil clientes é inevitável. Se acionistas da Enron foram iludidos, o que não poderia acontecer com os balanços de outras empresas auditadas pela Andersen?
Alguns analistas prevêem o pior e afirmam que a única solução será o encerramento das atividades. A Arthur Andersen, porém, luta para sobreviver. No meio da tempestade, oferece-se sem ilusões à incorporação por antigos rivais. Entretanto, volumosas ações indenizatórias, de resultado previsível, afastam os possíveis interessados - Delloite & Touche e Ernst & Young abandonaram as negociações.
No Brasil, o sócio-presidente da Arthur Andersen local, Vitorio Trabulsi, acredita em outro destino. O impacto do escândalo não seria tão violento. ''Até agora não perdemos nenhum cliente'', diz Trabulsi, convencido de que a defecção de grupos multinacionais nos EUA será acompanhada por filiais brasileiras. Há quem diga que, diante do abalo na imagem, só existe um caminho a tomar: a troca de bandeira. O próprio Trabulsi não descarta a hipótese de a Andersen do Brasil, que detém 25% do mercado, associar-se a outra firma de auditoria, abandonando a marca atual.
Que os respingos do caso Enron no Brasil sirvam de lição para as empresas nacionais, não importa o ramo de atividade. Um dos principais emblemas do capitalismo americano é a confiança dos consumidores nas marcas e produtos. A economia dos EUA é competitiva ao extremo e as empresas levam décadas para consolidar posição e construir imagens e reputações. O plantio é lento e demorado, mas a colheita generosa. Depois que determinada marca conquista corações e mentes, só mesmo um cataclismo para removê-la. A sociedade americana é fiel e se identifica com seus totens (vide GM, GE, IBM, Citibank, Coca-Cola, Wal-Mart etc.). Mas não perdoa deslizes e fraudes. Quando isso acontece, sente-se traída. A punição é o total ostracismo, o degredo da vida comercial. Nesse caso, marcas famosas simplesmente desaparecem (tornou-se célebre a derrocada da Pan Am). A Arthur Andersen sabe o risco que corre.
Consumidores brasileiros ainda são complacentes com serviços e produtos à sua disposição. O Código de Defesa do Consumidor completou 11 anos na sexta-feira, mas pequenas falhas são perdoadas e se aceitam justificativas, por mais frágeis que sejam. Não se firmou ainda o hábito de rever conceitos e enterrar marcas. Contudo, a consciência começa a se formar - cresce, por exemplo, a cobrança de ética na política. Em futuro próximo, prestígio e tradição não serão suficientes para garantir fatias de mercado. Reputações de eficiência e qualidade terão de ser trabalhadas todo dia. Sob o risco de cair em desgraça.
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03/18/2002
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