Acordo deve destravar votação do Orçamento







Acordo deve destravar votação do Orçamento
Governistas acenam com concessões do Planalto e oposição começa a desobstruir trabalhos

BRASÍLIA – Na esteira da crise argentina e diante de apelos feitos ontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para que o Congresso aprovasse o Orçamento de 2002 ainda este ano, partidos governistas e da oposição abriram caminho para garantir a votação na semana que vem. Um acordo no fim da tarde permitiu a retomada das negociações. Os oposicionistas exigiam algumas concessões, como um reajuste do salário mínimo acima de R$ 200. Os líderes governistas acenaram com R$ 205. As oposições aceitaram.

Foi feito também um apelo para que os partidos de oposição dessem um voto de confiança ao governo e parassem com a obstrução das votações. Em troca, o governo poderia editar nos próximos dias medida provisória para refinanciar as dívidas de 1 milhão de pequenos e microprodutores rurais que devem um total de R$ 4,5 bilhões.

O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), convocou reunião à noite com os líderes de todos os partidos para discutir o acordo. Parlamentares presentes confirmaram que os governistas aceitariam o salário mínimo de R$ 205. A elevação para esse valor significaria custo adicional de R$ 750 milhões anuais para a Previdência Social. A palavra final será de Fernando Henrique, que está em Montevidéu. O líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), ficou encarregado de fazer contato com ele, por telefone.

Entendimento – A possibilidade de entendimento começou de manhã, quando oposição e governistas deram sinais de estar dispostos a negociar. O PT concordou em votar 11 projetos de lei – ampliando os gastos do Orçamento deste ano em R$ 10 bilhões – e indicou que faria acordo sob algumas condições. PDT, PC do B e PSB mantiveram a obstrução até as 17 horas, quando anunciaram que voltariam a tratar da votação.

O líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira (RJ), disse, depois de reunião com o PC do B, que havia retomado as negociações com o governo para aprovação do Orçamento. Em seguida, o senador Ademir Andrade (PSB-PA) concordou em votar os 11 créditos especiais que estavam na pauta do Congresso.

Do lado dos aliados, logo de manhã o presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), e Aécio transmitiram à oposição o apelo de Fernando Henrique para a conclusão rápida da votação. Preocupado com a contaminação da crise argentina na economia brasileira, ele pediu aos congressistas “uma manifestação de maturidade”. Tebet e Aécio devem anunciar hoje a prorrogação da autoconvocação por mais uma semana.

Com isso, a sessão extraordinária se estenderá até a próxima sexta-feira, permitindo votar o Orçamento antes da virada do ano. Caso 2002 comece sem lei orçamentária, o Executivo não poderá realizar gastos com investimentos, restringindo-se a pagar despesas obrigatórias – salários, benefícios previdenciários e juros da dívida.

Irregularidades – A oposição exigiu até o fim da próxima semana para apreciar o Orçamento, caso haja um acordo, para dar tempo de apurar denúncias de irregularidades que teriam sido cometidas quando os relatórios setoriais eram feitos.
A principal delas é a acusação de que o relator-geral, deputado Sampaio Dória (PSDB-SP), teria distribuído fora dos critérios fixados pela comissão cerca de R$ 850 milhões para engordar as verbas de emendas de bancadas estaduais e de comissões temáticas da Câmara e do Senado, estas de interesse dos ministros. Segundo Dória, os coordenadores de bancadas estaduais na comissão participaram da decisão sobre o destino desse dinheiro, para elevar ao nível do ano anterior o valor das emendas aceitas pelos relatores setoriais.

Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso negou o pedido de liminar do deputado João Caldas (PL-AL) para suspender a tramitação do Orçamento enquanto não fossem canceladas as emendas da bancada estadual incluídas no relatório final. Caldas alegou que as emendas foram aprovadas fora dos critérios estabelecidos pela Comissão de Orçamento. O Supremo alegou que o pedido se refere a questão de interessse restrito do Legislativo, sobre a qual não cabe apreciação por parte do Judiciário.


Sanção da nova tabela do IRPF fica para janeiro
BRASÍLIA - O presidente Fernando Henrique Cardoso vai deixar mesmo para o início de janeiro a sanção do projeto que reajustava em 17,5% o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). A decisão é uma clara demonstração de que o governo não absorveu as manobras de setores da oposição que tentaram atrelar a aprovação do Orçamento de 2002 a um novo aumento do salário mínimo.

Apesar de ter feito ontem um apelo ao Congresso para votar o Orçamento até o fim do ano, Fernando Henrique disse a alguns parlamentares, em conversas por telefone, que está determinado a não tratar do projeto do IR neste momento.
O presidente garantiu que não pretende vetar a proposta, mas fez questão de pedir aos deputados e senadores que encontrem as fontes de recursos para garantir o reajuste.

Ele acrescentou que tem até o dia 8 de janeiro para assinar a sanção e nesse período a área econômica também poderá apresentar algum novo estudo, apontando uma saída. O presidente reconhece que foi surpreendido com a votação do projeto pelo Senado na segunda-feira, mas desistiu de usar o rolo compressor do governo para forçar o Congresso a votar o Orçamento.

Jantar - Fernando Henrique embarcou para Montevidéu, no Uruguai, ontem e retorna hoje ao Brasil. Embora tenha viajado com a esperança de que o Orçamento pudesse ser votado, o presidente reafirmou que, neste momento, não vai se empenhar em relação a esse assunto.
Na noite de quarta-feira, durante jantar com governadores e alguns ministros do PSDB, Fernando Henrique disse que estava "muito cansado" e que quando retornasse de Montevidéu seguiria direto para o Pantanal.

O presidente descartou ainda a possibilidade de convocar o Congresso extraordinariamente - com ônus para o Tesouro -, em janeiro. A posição do presidente é de que, se os parlamentares não querem votar o Orçamento agora, apesar dos prejuízos para o País, ele vai esperar até fevereiro.


Supremo já pode processar 24 parlamentares
Presidente do Senado promulga emenda que acaba com imunidade para crimes comuns

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), promulgou ontem a emenda que restringe a imunidade parlamentar ao exercício do mandato. Com isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) não precisa mais pedir autorização à Câmara ou ao Senado para processar parlamentares por crimes comum. A medida afeta imediatamente 22 deputados e 2 senadores contra os quais o Supremo queria abrir processo, por acusações que vão de estelionato e sonegação a tentativa de assassinato. Os pedidos de autorização para abertura de processos já estavam sob análise das comissões de Constituição e Justiça (CCJ) das duas Casas.
Pelas novas regras, os deputados estaduais também poderão ser julgados pelos Tribunais de Justiça dos Estados sem autorização das Assembléias Legislativas. E o STF poderá retomar casos contra parlamentares já arquivados pelo Congresso em virtude da rejeição das licenças.

Para o presidente do STF, ministro Marco Aurélio Mello, isto é possível pelo princípio da retroatividade. "No momento em que for promulgada a emenda, eu sustento que pode haver a retroatividade dos pedidos que já foram negados pelo Congresso, porque é competência do STF decidir sobre procedimentos", argumentou.
"Imunidade deixou de ser sinônimo de impunidade", disse Tebet após promulgar a emenda. "O Legislativo fecha com chave de ouro o pacote ético exigido pela sociedade." A partir de agora, congressistas só terão imunidade por suas opiniões, palavras e votos. Mas o processo poderá ser sustado, caso o partido do parlamentar consiga aprovar pedido de suspensão da ação. Para isso, terá de conseguir o apoio de 257 deputados ou 41 senadores.

Conselho de Ética - Além dos processos por crime comum, alguns parlamentares correm o risco de perder seus mandatos. A Mesa da Câmara mandou ontem o Conselho de Ética examinar o pedido de abertura do processo de cassação do deputado José Aleksandro (PSL-AC), por fazer apologia do crime e tentar facilitar a fuga do irmão Alexandre, preso por assassinato. José Aleksandro integra a lista do STF, acusado de fraude em licitação.
Na reunião, a última do ano, a Mesa da Câmara mandou arquivar quatro pedidos de abertura de processo contra deputados suspeitos de quebra de decoro parlamentar. Um dos beneficiados é Luiz Antonio Medeiros (PL-SP), ex-presidente da Força Sindical. Ele foi acusado pelo ex-assessor Wagner Cinchetto de abrir uma conta no Commercial Bank em Nova York com parte dos recursos arrecadados de empresários para criar a central sindical. A iniciativa caracterizaria evasão de divisas. A Mesa agiu com base nos pareceres apresentados pelo corregedor-geral da Casa, Barbosa Neto (PMDB-GO).

Os outros deputados inocentados são: Silas Câmara (PTB-AM), acusado de uso irregular da verba de gabinete, por receber de volta parte do que pagava a assessores, Pauderney Avelino (PFL-AM), pelo suposto envolvimento na gravação de uma fita para prejudicar o ex-presidente do Senado Jader Barbalho (PMDB-PA), e José Priante (PMDB-PA), por suspeita de atuar num esquema de desvio de recursos da Sudam.
O primeiro gesto concreto da gestão de Aécio Neves (PSDB-MG) na presidência da Câmara para investigar deputados foi prejudicado pela não divulgação dos pareceres de Barbosa Neto. O corregedor-geral disse que a decisão dependeria de Aécio, que avisou que só hoje decidirá se autoriza ou não a liberação dos documentos.

Além de deixar dúvidas sobre os argumentos analisados pelo corregedor, o sigilo dos pareceres provocou protestos de Jair Meneghelli (PT-SP), autor da representação contra Medeiros. Barbosa Neto disse que inocentou Medeiros porque não localizou a conta que Cinchetto o acusa de ter aberto nos EUA.
Meneghelli entrará com recurso no plenário, questionando se houve quebra de sigilo bancário para comprovar essa afirmação. "Sem provas no exterior, como é que se afirma uma coisa dessa?" O líder do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), disse que não interveio a favor de Medeiros "porque o caso já estava liquidado". E criticou: "Foi uma injustiça o que fizeram com ele (Medeiros)."

Pendências - Em setembro, foram arquivados 9 casos.
Ainda estão pendentes 13 pedidos de abertura de processo. Eles só serão examinados após o reinício dos trabalhos, em 15 de fevereiro. Um dos mais consistentes atinge o deputado Eurico Miranda (PPB-RJ), presidente do Vasco da Gama, que até agora teve apoio de seu partido para repelir as denúncias de que é alvo. A CPI do Futebol o acusa de apropriação indébita, falsificação de documentos e crimes contra o sistema financeiro e tributário. Além disso, é acusado de ameaçar funcionários da comissão e de ofender ao senador Álvaro Dias (PDT-PR).


Costa Leite pode disputar vaga na Câmara em 2002
BRASÍLIA - O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Costa Leite, não descarta a hipótese de entrar para a política no ano que vem, quando deixará a presidência da Corte e, possivelmente, o próprio STJ.

Ele faz questão de frisar que, "enquanto tiver toga", não conversa sobre política. Mas o seu mandato como presidente do STJ termina em 3 de abril, três dias antes do fim do prazo para a filiação de magistrados a partidos políticos. Pessoas ligadas a Costa Leite dizem que dificilmente ele continuará no tribunal após abril. Os caminhos possíveis seriam arriscar uma carreira como advogado ou tentar uma cadeira na Câmara, por um partido de centro-esquerda.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Almir Pazzianotto, já está sendo sondado por alguns partidos para concorrer nas próximas eleições.
Ele declarou que não pretende continuar no tribunal depois de deixar a presidência, o que deve ocorrer em 2002.


Tucanos querem Serra em campanha já
Cinco governadores fizeram apelo para que ministro adote logo discurso de candidato

BRASÍLIA - Em reunião no Palácio da Alvorada, na noite de quarta-feira, os tucanos concluíram que é hora de o ministro da Saúde, José Serra, assumir sua candidatura ao Planalto e adotar logo o discurso de candidato. Reunidos com o presidente Fernando Henrique Cardoso e ministros - sem a presença de Serra -, cinco governadores fizeram um apelo para que o presidenciável deixe o cargo em janeiro.
Para parte da cúpula, porém, o mais importante não é que Serra se descompatibillize, mas dê início o quanto antes à campanha. Segundo essa ala, o presidente da Câmara, Aécio Neves (MG), ganhou prestígio na bancada porque correu riscos. "Serra precisa se assumir como candidato, senão de nada vai adiantar o partido apoiar o seu nome. É preciso se expor como candidato, fazer discurso de candidato, para potencializar apoio que está recebendo", disse um líder.

Apesar das conclusões firmadas no jantar, Serra resistiu, ontem, a assumir uma posição definitiva sobre suas pretensões. Durante inauguração de um centro cirúrgico em Bagé, no Rio Grande do Sul, disse que está "dedicando todo seu tempo ao trabalho na pasta da saúde". Sobre os planos para 2002, foi breve: "Claro que vou disputar alguma eleição."
No fim da tarde, Serra cancelou sua presença na inauguração do Hospital Dom Vicente Scherer, em Porto Alegre, que terá o primeiro centro completo de transplantes da América Latina. Sua participação era dada como certa, mas a assessoria de Serra informou, na última hora, que ele tinha uma reunião em São Paulo.

Desistência - "A pré-convenção não existe mais. O que precisamos é começar logo a campanha. É hora de o PSDB e o candidato montarem uma agenda em busca de votos", afirmou o governador de Mato Grosso, Dante de Oliveira, depois de comunicar a Fernando Henrique que desistiu de tentar a indicação do partido. Nesta semana, o principal concorrente de Serra, o governador do Ceará, Tasso Jereissati, suspendeu sua pré-candidatura e cobrou crescimento do ministro nas pesquisas eleitorais.
Anteontem, Tasso falou com o presidente reservadamente.

Para Dante, um dos que mais cobraram pressa no início da campanha, o candidato do PSDB já é Serra e o partido precisa "lançá-lo às ruas", sem hesitação. Apesar do apoio conferido a Serra no encontro, o governador do Pará, Almir Gabriel, e o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, recomendaram cautela, chamando a atenção para a necessidade de o PSDB ser obrigado a buscar novos caminhos, caso o ministro não decole nas pesquisas.
O presidente do partido, deputado José Aníbal (SP), enfatizou que a maioria dos políticos presentes no jantar defendeu o apressamento na saída de Serra do governo. Segundo ele, Fernando Henrique não teria comentado o assunto. "A conversa teve como centro a preocupação de que o PSDB realmente viabilize uma candidatura que possa buscar apoio nos partidos da base de sustentação do governo", disse Aníbal, na madrugada de ontem, ao deixar o Alvorada.

"Entendo que é um processo que leva tempo e só estará concluído em junho."
Além de Fernando Henrique, Tasso, Dante, Almir, Aníbal e Pimenta, estiveram no jantar os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Sergipe, Albano Franco, e os ministros Aloysio Nunes Ferreira (Justiça) e Arthur Virgílio (Secretaria-Geral da Presidência).


Alckmin diz que ministro é o candidato do partido
Após conversa com FHC, governador rompe silênc io e anima os tucanos paulistas

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, assumiu ontem a candidatura do ministro José Serra. "O governador Tasso Jereissati e o governador Dante de Oliveira declinaram das pré-candidaturas, então Serra é o candidato do partido", declarou Alckmin, que até então não tinha declarado apoio a nenhum nome.
Alckmin mudou de posição depois de se reunir, na quarta-feira à noite, em Brasília, com o presidente Fernando Henrique Cardoso, ministros e governadores tucanos. Segundo o governador, entretanto, a candidatura Serra só será sacramentada na pré-convenção do dia 24 de fevereiro. "Não sou favorável a antecipar campanha. Precisamos controlar a ansiedade, porque não há razão para correria", disse.

Da mesma forma, ele considerou precipitadas as críticas sobre o desempenho do ministro nas pesquisas. "Ainda é cedo para avaliar se a candidatura Serra não vai emplacar", ponderou. "A pesquisa só nos dá indicadores, referenciais, mas não é determinante. Não podemos ser guiados por ela, ainda mais a um ano da eleição."

Sem milagres - Alckmin disse ainda não esperar "nenhum milagre" em 30 ou 60 dias. Depois de lembrar que "o PSDB tem um bom nome para trabalhar", o governador observou que o processo eleitoral começa mesmo com o horário eleitoral gratuito. "Antes disso, são expectivas."
De qualquer modo, Alckmin descartou a possibilidade de uma composição sem o PSDB na cabeça da chapa. "Aliança se constrói ao longo do tempo, mas com o PSDB na cabeça-de-chapa", ressaltou. Apesar disso, o governador disse continuar defendendo a manutenção da aliança com o PMDB e PFL. "É natural que cada partido queira ter um candidato próprio, mas nós devemos trabalhar pela aliança."

Ele explicou ainda que a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), não foi o tema principal da conversa com o presidente e os dois políticos tucanos. "Falamos sobre os possíveis candidatos de uma forma geral, nada desairoso." Segundo Alckmin, a crise na Argentina e as perspectivas da economia para o próximo ano foram os outros assuntos da conversa.

O apoio aberto do governador parece ter animado de vez os tucanos paulistas que defendiam a candidatura Serra. "O nome Serra virou o grito de guerra do partido", comemorou o presidente estadual do PSDB, deputado estadual Edson Aparecido.
Já na quarta-feira, a bancada estadual havia fechado o apoio informal a Serra, mas aguardava o aval do governador. "Ele é o maior eleitor do partido em São Paulo", justificou o presidente da Assembléia, Walter Feldman. Para ele, o ministro Serra vai demorar menos do que se espera para assumir sua candidatura. "O ano novo trará boas-novas", acredita.

Até mesmo os tucanos que defendiam a candidatura Tasso já declaram apoio a Serra. O ex-presidente municipal do partido, João Câmara, é um deles. "Vamos arregaçar as mangas e trabalhar independentemente da nossa preferência, porque Serra também é preparado para a disputa." Assim também, Renata Covas, filha do governador Mário Covas (morto em março) e entusiasta da candidatura Tasso, já assume a defesa do ministro. "Se o partido apóia Serra, ele será o nosso candidato, já que fidelidade partidária na minha família é prática."


Maluf busca aliados para romper isolamento
Numa tentativa de romper o isolamento político, por causa de denúncias sobre contas na Ilha de Jersey, o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) reuniu ontem seus correligionários – entre eles velhos amigos, como os deputados Cunha Bueno (PPB-SP) e Delfim Neto (PPB-SP). O presidente do diretório estadual do PPB, Jesse Ribeiro, disse que, sem “a caneta na mão”, é normal a escassez de apoio. “Quando ele (Maluf) estiver explodindo nas pesquisas, a casa vai ficar cheia.”


Artigos

Césio manda recado
WASHINGTON NOVAES

Embora tenha desaconselhado a construção de novas usinas nucleares no Brasil antes de uma avaliação "quanto ao uso futuro da tecnologia nuclear para geração de eletricidade no País", o Conselho Nacional de Política Energética, no começo de dezembro, aprovou a realização de estudos para tornar viável a construção de Angra 3 - que, se decidida, deverá ter seu estudo de impacto ambiental aprovado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Uma no cravo, outra na ferradura. Mais na ferradura que no cravo, já que não sepulta o projeto de Angra 3 e até autoriza a Eletronuclear a retomar o processo de licenciamento ambiental e nuclear da usina, negociar o passivo contratual e rever o orçamento da empresa para concluir o emprendimento.

Não bastasse a ferradura, o Congresso Nacional encarregou-se de um coice, com a aprovação da Lei 10.308, de 20/11/2001 - já sancionada pelo presidente da República -, que dispõe sobre seleção de locais, projeto, construção, licenciamento, operação e muito mais de depósitos de rejeitos radiativos.
Na forma como foi aprovada e sancionada, melhor teria sido uma lei com um só artigo, que dissesse: nessa matéria, a Comissão Nacional de Energia Nuclear pode tudo. Ponto final. Porque a ela caberá definir os critérios para escolher os locais dos depósitos, assim como para, diretamente, projetar, construir, licenciar, administrar, operar e fiscalizar os depósitos intermediários e finais de materiais radiativos. Sem ouvir ninguém, sem que a sociedade possa dar um pio sequer.

É quase inacreditável que tudo isso possa acontecer no momento - como já tem sido comentado neste espaço - em que quase todos os países que têm usinas nucleares as estão desativando. Porque não conseguem encontrar solução segura para o problema do lixo radiativo nem segurança confiável para a operação. Nos Estados Unidos, depois de 11 de setembro, entrou na pauta também a discussão sobre a segurança de usinas contra atentados terroristas e a vulnerabilidade dos comboios que transportem material radiativo a ataques desse tipo.

Aqui, faz-se de conta que ainda em outubro Angra 1 não teve de ser desligada por causa de problemas de vedação numa válvula. Faz-se de conta também que não foi ocultado durante quatro meses um vazamento de 22 mil litros de água radiativa ocorrido em maio, por "grave falha humana".
Juristas estão surpresos e temerosos com os termos do projeto aprovado pelo Congresso e muitos deles já manifestaram sua opinião, como o professor Paulo Affonso Leme Machado.
Se é assim, a sociedade precisa entrar no circuito, defender seus interesses. E as pessoas responsáveis pelo tema, no Congresso e no Executivo, deveriam ler o conteúdo de inquérito civil aberto em março deste ano pelo Ministério Público estadual de Goiás e que resultou num termo de ajustamento de conduta pelo qual o governo goiano reconhecerá a existência de mais 616 vítimas contaminadas ou irradiadas no acidente com o rompimento de uma cápsula de césio 137, em outubro de 1987 - e por isso passará a pagar pensão vitalícia a elas, filhos, netos e outras pessoas que com elas moravam.

O séquito de horrores descrito no processo, o nível de irresponsabilidade e/ou incompetência de tantas pessoas encarregadas de "salvar" os goianos, a crueldade de outras que mandavam desligar os contadores de radiações para que eles não soassem e não assustassem (como deveriam) pessoas que trabalhavam com o lixo radiativo - tudo isso poderia dar uma pálida amostra da periculosidade de resíduos radiativos. E pálida porque o césio 137, diante da radiatividade e da duração no tempo dos materiais de usinas nucleares, é uma brincadeira de criança inofensiva.

A desculpa dos responsáveis pela Comissão Nacional de Energia Nuclear à época e no processo, para desligar os contadores de radiações, é a de que se tratava de equipamentos novos, "sensíveis, que disparavam o alarma mesmo com baixa quantidade de radiação". Por isso podiam assustar "desnecessariamente" pessoas que trabalham por per to. Incompetência e irresponsabilidade na época, por operar com equipamentos problemáticos e deficientes, ou desfaçatez agora, arrumando essa alegação? Talvez o Ministério Público Federal devesse entrar no caso para saber, já que o estadual não podia fazê-lo no inquérito recém-concluído.
Várias pessoas ouvidas no inquérito disseram que nem sequer sabiam do que se tratava quando trabalhavam na descontaminação de locais ou na remoção e atendimento de pessoas contaminadas (que poderiam irradiar para elas).

Policiais militares informaram haver sido escalados para isolar áreas contaminadas recebendo apenas a informação de que se tratava de vazamento de gás de cozinha. Algumas dessas pessoas estão hoje em tratamento de câncer e outras doenças graves.
Garis nem sequer usavam luvas quando limpavam o chão de casas contaminadas.
Uma delas hoje tem câncer na garganta, já extraiu cinco tumores.
Mas nenhuma de todas essas pessoas é reconhecida como vítima pela Cnen - só as da lista aprovada pouco tempo após o acidente.

Essa vitrina de horrores deveria servir de alerta tanto no caso dos depósitos de rejeitos radiativos como no da continuação de estudos para mais uma usina nuclear. Os únicos argumentos a favor apresentados para a nova usina são de ordem econômica, investimerntos já feitos em equipamentos - como se o seu montante fosse mais importante que a vida e a segurança das pessoas.
Precisamos continuar caminhando na contramão do bom senso mundial? Desprezar tudo o que se aprendeu ali e aqui mesmo, no coração do País?


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

O nono lugar
O grande escândalo deste fim de ano, que rendeu manchetes em quase todos os jornais do País, foi o caso do pedreiro analfabeto que tirou o nono lugar no vestibular de uma faculdade de Direito. Diz o reitor dessa universidade que só havia nove candidatos para 20 vagas; e que, portanto, o pedreiro tirou o último lugar.
Fora isso, o resto foi normal: a moçada, como de costume, na sua grande maioria, sabia pouco ou nada do que lhe foi perguntado. E além do escasso saber, mostrou-se particularmente esquiva aos exames de acesso ao terceiro grau - que é, como em linguagem técnica se chama o ensino universitário.
As causas. Bem, há tanta causa para isso que o problema maior será escolher a mais importante entre elas.

As dificuldades econômicas que acossam as famílias, obrigando os adolescentes a procurar trabalho a fim de ajudar no orçamento, serão talvez a principal causa para o pouco rendimento na vida escolar. Até para a classe média menos desfavorecida já é difícil manter os filhos nas universidades particulares.
Em seguida - ou será paralelamente? - vêm duas causas gravíssimas para o problema: a) o baixo nível do ensino do segundo grau, em praticamente todo o País; b) o grevismo instituído como rotina e desencadeado por motivações que vão das mais justificáveis às mais injustificáveis. Quero dizer a greve que traduz o desespero da classe dos professores, ante a impossibilidade de sobreviver com os ínfimos salários que por quase toda parte lhes são pagos; e a greve por motivação política - já que a politização é um dado impositivo dentro da categoria dos docentes.

Os maus salários produzem maus profissionais, é claro. Porque os bem-dotados, os brilhantes, os competentes dificilmente se deixam prender a uma profissão tão pouco compensadora. Ficam os menos capazes, os tímidos, os despreparados - que também tiveram o seu aprendizado prejudicado pela incompetência do ensino que receberam. A tal história do círculo vicioso.
E então assistimos a essa fuga dos jovens ante o ensino superior. Mal alfabetizados, mal atendidos no primeiro e segundo graus por um professorado sem estímulo ou sem preparação efetiva (nunca esquecer, porém, os abnegados e sábios mestres que continuam teimando em honrar o seu ofício, sejam quais forem as pedras do caminho), que condições têm esses rapazes e moças para enfrentar um curso superior?

Dizem os examinadores que o descalabro principalmente se registra no que diz respeito à língua portuguesa. Os meninos não são capazes sequer de formular uma frase, de expressar um pensamento coerente. E, evidentemente, essa deficiência básica na comunicação prejudica o estudante em todas as outras disciplinas. Até para explicar uma reação química, é preciso saber falar - ou escrever.
O remédio? O remédio seria começar tudo de novo. Desde o pré-primário. Reciclar os mestres, fazer uma seleção penosa, mas indispensável, encaminhando os menos capazes para outras atividades.

E, acima de tudo, descobrir uma fórmula para reacender a mística, a devoção, a vocação dos que procuram o ensino como profissão. Padre, médico, professor - é tudo sacerdócio. Muitos zombam dessa palavra - sacerdócio! -, mas sem ela não se cumprem as grandes tarefas sociais. Se o ofício exige santos, que venham os santos. E talvez haja escondidos por aí muito mais santos do que imaginamos.


Editorial

O desastroso fim de uma ilusão

Terminou em saques, panelaço, protestos de massas, conflitos de rua, mortes violentas e renúncia de todo um gabinete a segunda passagem de Domingo Cavallo pelo Ministério da Economia da Argentina. Ontem de madrugada, já demitido, o arrogante ex-ministro pediu proteção na hora de ir para casa. À tarde, o presidente Fernando de la Rúa tentava recompor o ministério e negociar apoio político para impor algum governo ao país, enquanto políticos peronistas pediam a sua renúncia. Na Praça de Maio, a multidão era atacada com gás lacrimogêneo, pancadas, balas de borracha e jatos de água.

Em todo o país prosseguiam as manifestações. A contagem de mortos, desde o início dos conflitos, havia chegado a 14. Em março, quando Cavallo voltou ao governo como salvador, o país estava atolado numa crise econômica. Em sua saída, a Argentina estava assolada pela pior crise social dos últimos 30 anos. A decretação do estado de sítio, na quarta-feira à noite, havia sido inútil para conter a desordem.
Não se vai tranqüilizar o país com repressão e suspensão de direitos civis.

A explosão social na Argentina é a conseqüência de um incrível acúmulo de erros cometidos pelo governo, pelos dois principais partidos e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Os erros começaram há dez anos, quando o governo central, chefiado pelo presidente Carlos Menem, decidiu que bastaria privatizar tudo que fosse possível, fazer um ajuste fiscal pela metade e manter num sacrário a paridade cambial.
Essa política pareceu funcionar durante algum tempo, mas seus limites em pouco tempo se tornaram evidentes. Nunca haveria um ajuste fiscal efetivo, enquanto não houvesse disciplina financeira nas Províncias. Mas para isso seria necessário o apoio de políticos dos principais partidos, que teriam de renunciar a velhos instrumentos de poder. Além disso, câmbio fixo e valorizado só pode ser compensado com enormes ganhos de produtividade.

Jamais ocorreram esses ganhos em vários dos mais importantes setores industriais.
A fragilidade estrutural da Argentina tornou-se indisfarçável em 1998. Nessa altura, já se multiplicavam os conflitos no Mercosul e vários segmentos da indústria argentina se mostravam despreparados para a integração. Ao mesmo tempo, o setor público se endividava em dólares, para manter um arremedo de saúde fiscal. E por que se endividava em dólares? Porque o peso, de fato, nunca chegou a ser tão bom quanto a moeda americana. Se fosse, o governo teria conseguido muito mais crédito em moeda nacional. E o cidadão comum teria continuado, normalmente, a assinar contratos em pesos, não em dólares.
Durante anos, economistas ilustres, consultores financeiros e o próprio FMI recitaram em coro as virtudes imaginárias do mode lo argentino. Quando o país já estava em crise, a ilusão foi mantida. Os técnicos do Fundo apoiaram os erros cometidos, desde o início, pelo governo do presidente Fernando de la Rúa. Neste ano, enfim, aceitaram financiar um programa ostensivamente irrealista, que incluía o compromisso de eliminar o déficit público a partir de uma profunda recessão. Quando se comprovou o que sabia, de antemão, qualquer pessoa sensata, a direção do Fundo abandonou a Argentina e deixou-a afundar na crise política e social.

O FMI, disse ontem o porta-voz da instituição, Thomas Dawson, está pronto para apoiar um novo programa, desde que seja econômica e politicamente sustentável. Como será esse programa? Não se pode pensar, é evidente, somente num arrocho fiscal ainda mais forte. O país está arrasado, o desemprego se aproxima de 20%, e há fome e insolvência numa economia que poderia ser uma das mais dinâmicas do mundo. Insistir na paridade cambial será uma insânia. Dolarizar a economia será apenas mudar a aparência do problema, porque isso não resolverá nenhum desajuste real. Aceitar a flutuação da moeda - que há muito tempo, de fato, já não equivale ao dólar - deve ser a saída sustentável a longo prazo. Mas, para que não seja desastrosa, será preciso planejá-la e executá-la com base num amplo apoio financeiro externo. O FMI só prestará um serviço decente à Argentina se se dispuser, enfim, a colaborar na busca de soluções para esse conjunto de problemas. O resto é fantasia.


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12/21/2001


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