Brasil está muito exposto à espionagem, aponta relatório




Vanessa Grazziotin e Ricardo Ferraço, presidente e relator da comissão

CPI da Espionagem concluiu seus trabalhos nesta quarta-feira (9) com a apresentação e aprovação do relatório final do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). O documento aponta a fragilidade do Brasil frente à espionagem eletrônica internacional e sugere medidas e propostas para a melhoria da segurança cibernética nacional. O texto aprovado será encaminhado para a Mesa do Senado para conhecimento de todos os senadores e também para diversos órgãos públicos que têm relação com o tema.

— A fragilidade do sistema de telecomunicações brasileiro e de nosso sistema de inteligência e defesa cibernética ficou evidente. Estamos muito expostos à espionagem eletrônica — disse Ferraço durante a leitura de seu relatório.

No texto, ele considera que o Brasil deve desenvolver mecanismos de proteção do conhecimento e de segurança cibernética e propõe investimentos em inteligência e em contrainteligência, com um esforço especial no desenvolvimento de tecnologias próprias e nacionais e de quadros capacitados.

O relatório final sugere uma série de medidas a serem tomadas pelo governo federal para investimentos. Entre elas, mais dinheiro para os serviços secretos, a compra e o desenvolvimento de equipamentos e a capacitação de profissionais. Propõe também uma legislação que ampare o setor de inteligência e permita que o pessoal da área atue em defesa do Estado e da sociedade.

— Nosso serviço de inteligência e contrainteligência esbarra não apenas na desconfiança de boa parte da população e dos administradores públicos, como no orçamento escasso e na ausência de integração entre os próprios órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência — disse o relator.

Projeto de lei

O relatório conclui pela apresentação de um projeto de lei, que ainda será numerado, que dispõe sobre o fornecimento de dados de empresas ou cidadãos brasileiros a organismos estrangeiros.

A proposta estabelece que dados do fluxo de comunicações ou de comunicações privadas armazenadas de  empresas ou cidadãos brasileiros só serão fornecidos a autoridades governamentais ou tribunais estrangeiros mediante autorização do Poder Judiciário.

Os entes estrangeiros terão de requerer esses dados formalmente ao Judiciário, fundamentados com indícios de ilícitos e com justificativa mostrando a necessidade dos dados solicitados para investigação ou instrução probatória.

— A legislação interna de cada país tem de ser obedecida. Não se pode mais enviar dados sem que seus proprietários tenham informação sobre isso. Não podemos mais permitir que isso continue acontecendo. Para que dados de qualquer cidadão e empresa sejam transferidos para o exterior, somente com decisão judicial – defendeu Vanessa Grazziotin.

Legislação de defesa nacional

Outra recomendação é a criação da Agência Brasileira de Inteligência de Sinais, com a função de “operar no ambiente virtual tanto na busca de dados de interesse do Brasil, quanto na proteção dos ativos nacionais nessa área”. Ferraço aconselha ainda o estabelecimento de uma Política Nacional de Inteligência de Sinais para a implementação de medidas de proteção e defesa, para garantir maior segurança no campo cibernético.

Também é proposta a criação de uma comissão temporária no Senado para avaliar e aperfeiçoar a legislação que trata da defesa e inteligência nacionais.

Além disso, o relatório defende a aprovação de proposta de emenda à Constituição que dá status constitucional à atividade de inteligência. A PEC 67/2012, de acordo com o relator, traz mais garantias aos cidadãos e aos setores de inteligência em suas atividades de produção e proteção ao conhecimento e dispõe sobre mecanismos de controle dos serviços secretos. A proposta, do senador Fernando Collor (PTB-AL), está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Essa PEC cria, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, o Conselho de Controle da Atividade de Inteligência, composto por não parlamentares.

Para Vanessa Grazziotin, após sete meses de trabalho ficou claro que o Brasil está entre as nações mais vulneráveis a crimes de espionagem cibernética.

Ferraço classificou de ínfimos os atuais investimentos públicos nos campos de inteligência de sinais e de segurança cibernética. Ele informou que o orçamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em 2012 foi de R$ 527,7 milhões, dos quais apenas R$ 4,86 milhões para investimentos efetivos. De acordo com Snowden, lembrou o relator, apenas a NSA tem orçamento superior a US$ 10 bilhões, sem contar as demais áreas e órgãos de inteligência norte-americanos.

— Chega a ser irresponsável não investir em contrainteligência no atual cenário global. Isso envolve mais recursos para os serviços de inteligência, capacitação de recursos humanos, aquisição e desenvolvimento de tecnologia e equipamentos próprios. Nossa proposta vai além do reforço do orçamento na área de inteligência. Ela sugere que o Poder Executivo inclua no próximo Projeto de Lei Orçamentária a criação de ações orçamentárias específicas destinadas a viabilizar as atividades de segurança cibernética — assinalou.

Defesa

Em entrevista após a reunião de encerramento dos trabalhos da CPI, a presidente da comissão elogiou a qualidade do relatório final.

— As sugestões que o relatório apresenta são muito importantes, a maioria delas de responsabilidade da União, do governo federal. Muitas das considerações do relatório podem e devem ser levados em consideração também por estados e municípios — disse.

Vanessa Grazziotin também sugeriu acréscimos ao relatório de Ferraço e foi atendida pelo relator: relatório da empresa Vírus Imune sobre as técnicas de captura de informações de governos e empresas pela NSA; conjunto de propostas da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança e sugestões do ministro da Defesa, Celso Amorim, de criação de uma escola de defesa cibernética no ministério e de um comando de defesa cibernética no Exército.

— Nosso relatório indica a necessidade de nós ampliarmos, aprimorarmos e aperfeiçoarmos nosso trabalho de inteligência e contrainteligência para não continuarmos sendo atropelados ou surpreendidos — acrescentou Ferraço.

Questionada a razão de o colegiado não apontar os responsáveis por espionagens contra o Brasil, Ferraço afirmou que a materialidade das denúncias não foi possível.

— É muito difícil materializar interceptação dessa natureza. Mas está evidente que os indícios são muito fortes — disse.

Ao ser perguntado se os EUA ainda espionam o Brasil, Ferraço afirmou que esse tipo de atividade é normal nos dias de hoje.

— No mundo globalizado, no mundo em rede, essas coisas são absolutamente normais. Nós é que precisamos nos proteger, nós que precisamos melhorar nossos mecanismos de proteção — assinalou.

Antes, enquanto lia o relatório, Ferraço já havia afirmado que não cabe ingenuidade nessa questão.

— A espionagem eletrônica é uma realidade inevitável, sem volta. Ela faz e continuará fazendo parte, inclusive, de políticas governamentais, não importam eventuais promessas ou acertos diplomáticos e políticos de lideranças globais. O grave é que, no Brasil, temos uma dependência crítica de redes, equipamentos e softwares externos para manter nosso fluxo de dados. A operação das telecomunicações brasileiras é dominada por companhias estrangeiras. Não temos um único satélite geoestacionário nacional – reclamou o senador, lembrando que mesmo Alemanha e França, que investem pesadamente em inteligência, também foram espionadas pelos EUA.

Política Nacional de Inteligência

Ferraço cobra do governo federal a publicação da Política Nacional de Inteligência (PNI), aprovada em 2010 pelo Congresso, com sugestões de aperfeiçoamentos. Ele recomenda que a PIN seja publicada o mais rapidamente possível, para que seja elaborada a Estratégia Nacional de Inteligência e também os planos nacional e setoriais de inteligência. Outra recomendação é a elaboração de uma Estratégia Nacional de Segurança Cibernética.

Cultura de segurança

O relatório de Ferraço também aponta para a necessidade de os governantes brasileiros promoverem, entre a população, “uma cultura de segurança e inteligência”. Seriam campanhas educativas, cursos de capacitação e inclusão transversal do tema nas diversas modalidade de ensino para mostrar que cada cidadão também é responsável pela própria segurança eletrônica.

O relator sugere ainda mais investimentos em pesquisa e inovação nas diversas áreas relativas à segurança cibernética e incentivo à criação de programas nacionais de criptografia, antivírus e correio eletrônico, por exemplo.

“É essencial aumentar a consciência sobre segurança da informação entre usuários individuais de computadores e pequenas e médias empresas, informando-os sobre ameaças existentes no ciberespaço e ampliando o conhecimento sobre segurança dos computadores e outros dispositivos informáticos”, diz o relatório.

Histórico

A CPI da Espionagem foi criada em setembro do ano passado, após denúncias de que o governo dos Estados Unidos teria monitorado milhões de e-mails e telefonemas no Brasil, inclusive os da presidente Dilma Rousseff. A fonte das denúncias foi o ex-consultor da agência nacional de segurança dos EUA (NSA), Edward Snowden. Ele divulgou que os americanos espionaram dados e comunicações de autoridades e cidadãos de diversos países. Snowden está asilado na Rússia.

A comissão realizou 15 reuniões, sendo oito delas com audiências públicas que colheram depoimentos de especialistas, servidores públicos e jornalistas. Foram 72 requerimentos aprovados e centenas de documentos recebidos de órgãos governamentais e não governamentais.

As informações de Snowden foram tornadas públicas pelo advogado e jornalista americano Glenn Greenwald. Ouvido pela CPI em outubro do ano passado, Greenwald contou que os principais objetivos da espionagem dos Estados Unidos em outras nações são a ampliação do poderio e a obtenção de vantagens econômicas.

– A espionagem é econômica. Com certeza o grande motivo da espionagem é para obter vantagens econômicas, vantagens industriais. Sem dúvidas, o propósito principal não é o combate ao terrorismo, não é a segurança nacional, não é o combate a outros crimes como a pedofilia. É para aumentar o poder dos EUA e dar vantagem econômica – afirmou Greenwald.

Também participaram da reunião desta quarta-feira o vice-presidente da CPI, senador Pedro Taques (PDT-MT) e os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Eduardo Amorim (PSC-SE) e Walter Pinheiro (PT-BA).



09/04/2014

Agência Senado


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