Candidatos já buscam apoio para futuro governo










Candidatos já buscam apoio para futuro governo
A dez dias da eleição, todos fazem contas e planejam alianças para garantir votações

BRASÍLIA - Embora faltem dez dias para as eleições, os principais candidatos já fazem cálculos para possíveis alianças, em busca de uma coalizão que lhes permita governar. Assim como o petista Luiz Inácio Lula da Silva, que admitiu a possibilidade de chamar para sua equipe integrantes do PSDB e do PMDB, os tucanos de José Serra admitem que, se chegarem ao Planalto, poderão convocar quadros do PPB e do PTB - além do PMDB, que é parte da chapa.

Desse modo, diz o vice-presidente nacional do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP), essa aliança ficaria com cerca de 350 deputados, quase o mesmo tamanho da coligação que durante sete anos deu sustentação ao presidente Fernando Henrique Cardoso no Congresso, garantindo a aprovação de reformas constitucionais tão importantes quanto as da quebra do monopólio estatal das telecomunicações, da Petrobrás no refino e extração do petróleo, e promovendo mudanças na Previdência e na administração federal.

Definidos - O PT e o PFL são os dois únicos partidos que têm posição já definida para o futuro. Se Lula perder a eleição, o PT continuará a ser oposição, porque não aceita compor um governo de Serra, de Ciro Gomes ou de Anthony Garotinho. Se a vitória for de Lula, o PFL fará oposição, anuncia seu presidente, o senador Jorge Bornhausen (SC).

"O PFL só não participa de um governo do PT", diz.

"O governo Lula não terá quadros exclusivos do PT", garante o deputado Aloizio Mercadante (SP), um dos principais economistas do partido, repetindo o que já disse Lula. "Deverão ser chamadas para compor o governo no caso de uma vitória de Lula pessoas que não têm partido, quadros de outras legendas que tenham ética, reputação ilibada e experiência administrativa", afirma Mercadante. Ele lembra que o secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, João Sayad, não é filiado a nenhum partido. "Em todos os nossos governos há secretários que não pertencem ao PT", diz o deputado.

Ao contrário de Serra, cuja aliança deverá eleger cerca de 200 deputados (quase 40%) em 6 de outubro, a coligação de Lula não conseguirá jamais alcançar este número. Na melhor das hipóteses, PT, PL, PC do B, PMN e PCB elegeriam 130 deputados. Restará ao petista, se eleito, correr atrás de aliados. Para tanto, terá de fazer concessões ideológicas e esquecer mágoas que porventura tenham surgido durante a campanha eleitoral. Mercadante afirma que elas não existem, apesar dos ataques de Serra a Lula. "Nós não teremos dificuldades em conversar com o PSDB".

MPs - A formação de uma base parlamentar confiável no Congresso poderá ser testada pelo próximo presidente caso ele resolva tomar decisões urgentes por medida provisória. Se baixá-las no dia 2 de janeiro, por exemplo, e não convocar o Congresso, as MPs entrarão imediatamente em vigor, mas o prazo para que percam a validade começará a ser contado no dia 15 de fevereiro, quando Câmara e Senado retomam oficialmente seus trabalhos.

O secretário-geral da Câmara, Mozart Vianna de Paiva, afirma que a MP poderá transformar-se em importante instrumento de negociação com os partidos políticos para a formação da base parlamentar que garanta a maioria do novo presidente. Se o seu conteúdo desagradar a um partido, as modificações no texto poderão ser feitas de acordo com entendimentos que visem a consolidar a futura base. Mas o próximo presidente terá o tempo contra si. As MPs vencem com 45 dias de prazo. E trancam a pauta da Casa onde estiverem.

Portanto, são um motivo a mais para as negociações e para as dores de cabeça, caso o presidente não disponha de maioria.


'Para Lula, discutir programa é ofensa'
Ao contrário do que faz no programa de TV, tucano aproveita entrevista para criticar os adversários

Ao contrário dos últimos programas de TV, onde tem evitado ataques diretos aos rivais, o tucano José Serra aproveitou a entrevista ao Estado para criticar Lula (PT), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS). Lula foi acusado de ter duas caras, Garotinho foi considerado mentiroso e Ciro o "mais desacreditado do universo". Mas o principal alvo foi mesmo o candidato do PT, citado em mais de dez ocasiões. "Você tem o PT da TV e o PT da realidade", afirmou Serra. "Se eu tenho, às vezes, cara mal-humorada, ela é uma, não tem duas."

As críticas a Lula foram da reforma tributária à bomba atômica. Sobre o primeiro ponto, o tucano considerou errada a estratégia do petista. "Não pode ser o que Lula propôs: fazer reforma tributária para fazer justiça social... Você tem de ter um foco e o foco tem de ser a questão da competitividade", disse Serra.

Na outra questão, ele voltou a insinuar que o candidato petista é favorável à fabricação de uma bomba nuclear. "Lula é contra o tratado de não proliferação nuclear. Logo, ele é contra o tratado que proíbe a bomba atômica." O tucano também recuperou críticas feitas em seus programas de TV, como os números diferentes sobre a criação de empregos e a exigência de diploma da Prefeitura de São Paulo para alguns concursos.

"Eu digo que a gente pode criar 8 milhões de empregos, o PT diz 10 milhões.

Na campanha passada, dizia 15 milhões. Muito bem, então vamos discutir como fazer", provocou Serra. Ele desafiou Lula a fazer um debate sobre dengue.

Na questão do diploma, o candidato tucano garantiu que nunca criticou Lula por não possuir o certificado. "Apenas apontamos uma contradição", explicou.

"O PT diz que quer dar oportunidade para todos, mas exige diploma de um fiscal de camelô. Não tem cabimento!" Ainda segundo o tucano, a Prefeitura fez isso "para esse fiscal ser admitido e depois ser comissionado em gabinetes, que exigem diploma universitário".

De acordo com Serra, algumas dessas questões deveriam ser discutidas no horário eleitoral, mas são tratadas como ataques e baixarias. "É uma tática de vitimização", avaliou ele. "Para o Lula, discutir programa de governo é uma ofensa."

"Aberração" - Para Garotinho sobraram acusações de retenção de recursos e de inverdades sobre uma proposta que Serra teria feito de aumentar o salário mínimo em R$ 10. "Essa é uma propaganda mentirosa do Garotinho. Uma aberração", rebateu. "Nunca ninguém me viu propor isso."

Sobre o caso da dengue, Serra voltou a dizer que Garotinho, quando governador do Rio, "aplicou no caixa único em vez de gastar" com a dengue.

"Eu oferecei para ele todo o dinheiro que a gente pagava para os mata-mosquitos. Ele elogiou nossa coragem", lembrou Serra. "Hoje, diz outra coisa, por causa de questões eleitorais."

Também na mira do tucano, Ciro não foi poupado quando alguém perguntou sobre as dificuldades para compor eventual maioria no Congresso. "Quem mais fala isso é o Ciro Gomes", atalhou. "Tem alguém com menos credibilidade no mundo, no universo,nas galáxias para dizer isto a meu respeito?"


Novo ataque à Petrobrás
Segundo candidato do PSDB, é cobrado do consumidor ‘um custo que não existe’

O candidato José Serra criticou a Petrobrás por cobrar indevidamente dos consumidores de gás uma taxa sobre custo de transporte inexistente. “Cinco sétimos do gás são produzidos no Brasil e a Petrobrás cobra uma taxa de transporte que não existe”, afirmou. “Porque o preço do gás é considerado o preço de um porto no Golfo do México, o qual já incorpora transporte. Pelos seus cálculos, essa taxa de transporte gera para a estatal US$ 350 milhões ao ano. “Isso é simplesmente tirado do consumidor a partir de uma ficção, de um custo que não existe.”

A acusação foi feita em uma resp osta a uma pergunta de Tomás Málaga, superintendente do departamento econômico do banco Itaú, sobre a intervenção do Estado na política de fixação do preço de gás e combustíveis da Petrobrás, questão que há muito vem sendo defendida por Serra.

“Quando há monópólio absoluto é preciso ter uma regulação de preços. Não tem cabimento um setor desse ter preços livres e a Petrobrás ter os lucros que bem entender”, afirmou o candidato. “Se 80% do petróleo é produzido internamente, o custo não aumenta quando os xeques se reúnem lá fora para decidir aumentar os preços.”

Para Serra, a regulamentação de preços pelo governo se justifica pois trata-se de um setor onde não existe concorrência, nem no Brasil nem no mercado internacional. “Alguns xeques se reúnem com mais alguns países e decidem o preço do petróleo vai subir e não é o aumento do preço que eleva a oferta. O mecanismo de preço na funciona.

Nota – À tarde, a Petrobrás divulgou uma nota se defendendo da acusação do candidato: “A política de preços da Petrobrás, como das demais empresas de petróleo que atuam em mercados abertos, objetiva manter seus preços alinhados ao mercado e competitivos aos praticados pela concorrência”. A empresa defende que a variação de preços para cima ou para baixo depende de cotações internacionais, câmbio e fatores concorrenciais. “Em relação ao GLP (gás de cozinha)”, continua a nota, “os preços da Petrobrás estão hoje inferiores aos que vigoraram durante o ano de 2001, quando eram tabelados pelo governo e representam cerca de um terço do preço de venda ao consumidor final”.


Lula propõe criação de Agência Anticorrupção
Plano prevê plano de combate a irregularidades administrativas e proíbe o nepotismo

O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, lançou ontem, em São Paulo, um novo caderno temático do programa de governo que prevê a criação de uma Agência Anticorrupção para detalhar, em seis meses, um plano nacional de combate às irregularidades na administração pública. O PT também propõe que o Executivo baixe "ato normativo" para proibir a nomeação de parentes, companheiros ou cônjuges para cargos, empregos e funções de confiança, chefia ou assessoria. Pela proposta, a proibição deve se estender até o segundo grau de parentesco.

No ano passado, prefeitos eleitos pelo PT em 2000 também foram acusados de empregar parentes. Lula, na época, condenou a prática. Na tarde de ontem, ele apresentou o programa intitulado "Combate à Corrupção - Compromisso com a Ética" na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), onde foi recebido como se já fosse presidente e até recebeu pedidos.

O petista prometeu o que a platéia queria ouvir: disse que, se eleito, incentivará a reforma do Judiciário e chamará a OAB para dividir o bônus e o ônus. a categoria para conversas permanentes. Mas também criticou a "força do corporativismo" que, no seu entender, impediu mais avanços na Constituição de 1988.

"Há um certo truncamento na arte de fazer política neste País", afirmou Lula. Depois, numa resposta às críticas feitas no programa de TV do tucano José Serra sobre o fato de não possuir diploma, o candidato foi taxativo.

"As pessoas não precisam freqüentar uma faculdade. É só fazer política que vão perceber que as conversas são necessárias para a gente errar cada vez menos e acertar cada vez mais", provocou.

O presidente nacional da OAB, Rubens Approbato, reclamou para Lula que a entidade nunca é ouvida para a indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

- No começo de sua gestão haverá três vagas no Supremo - informou Approbato.

Lula ficou vermelho, começou a rir e a platéia não se conteve: caiu na gargalhada. Mas o presidente da OAB não se intimidou.

- Estamos fazendo aqui um desafio: a sociedade deve participar dessa escolha.

Sentado ao lado do advogado Márcio Thomaz Bastos, Lula levou na brincadeira.

- Não dá, Approbato, para vocês indicarem três ministros - disse o petista Depois, virando-se para Thomaz Bastos, deu-lhe uma cutucada. Estava rindo à toa.

- Ih, Márcio, os acertos que eu tinha feito, não sei não...

Em seguida, voltou a repetir sua idéia de construir um grande pacto social, caso chegue à Presidência. "Podem ter certeza de que a OAB será ouvida", destacou. "Aquilo que eu sempre acreditei não pode se transformar em coisa morta depois que eu ganhar as eleições."

A proposta de uma Agência Anticorrupção foi incorporada no programa do PT a pedido da organização não-governamental Transparência Brasil. A agência abrigaria representantes do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas. Sua missão seria preparar um Plano Nacional Anticorrupção em seis meses, a partir da posse do presidente. O programa também sugere maior controle das licitações federais e critica modelos de combate à corrupção adotados no atual governo, como a Corregedoria-Geral da União.

Na saída da OAB, Lula foi abordado por camelôs e pelo carroceiro Samuel da Cruz Santos. Baiano, Samuel só queria tirar uma foto com o candidato. Mas Lula se comoveu com a história do homem, um desempregado, e ficou conversando. "Realizei o meu sonho", disse o eleitor. "Ele é muito simpático."


Para Garotinho, é preciso 'fechar fronteiras' do País
Ele usou horário de candidato do partido ao governo de São Paulo na TV para criticar FHC

O candidato à Presidência da República Anthony Garotinho, do PSB, ocupou ontem o horário eleitoral gratuito do candidato de seu partido ao governo de São Paulo, Carlos Roberto Pittoli, na televisão, para criticar o governo Fernando Henrique Cardoso na área da segurança.

"Só tem um jeito de resolver o problema da segurança no Brasil: é fechando nossas fronteiras", afirmou Garotinho. "As armas espalhadas por São Paulo não foram fabricadas aqui. São Paulo não tem plantação de maconha nem fábrica de fuzil", disse.

"O governo Fernando Henrique foi omisso e permitiu que a nossa Polícia Federal chegasse a um ponto deplorável", afirmou, enfatizando a necessidade de se fechar as fronteiras brasileiras para combater o crime.

Pittoli disse uma única frase no encerramento de seu programa no horário eleitoral: "Eu e Garotinho temos um compromisso com você, melhorar a segurança em São Paulo".


Para diretora do Ibope, 2.º turno ainda está indefinido
Os indecisos, que ainda são cerca de 30% do eleitorado, deixa o quadro das eleições incerto, segundo a diretora do Ibope, Márcia Cavallari. Para ela, os três candidatos que aparecem abaixo de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT - José Serra (PSDB), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS) - têm chances de chegar ao segundo turno.

"O quadro hoje mostra um grande espaço para mudanças, principalmente se for considerada a soma de intenções de voto com os eleitores que poderiam ainda ser conquistados", disse Márcia.

Ela explicou que o Ibope vem constatando que, cada vez mais, os eleitores decidem seu voto mais tarde. "Hoje, eles esperam ver o que está ocorrendo e ficam acompanhando que cada um faz."


Artigos

Lula, o câmbio e o espelho
Roberto Macedo

Na quinta-feira passada, Lula disse desejar uma reunião com o presidente da República, na qual "exigiria" explicações para a alta do dólar. No sábado, sem essa arrogância da exigência, o presidente do PT, deputado José Dirceu, telefonou ao presidente FHC, solicitando esclarecimentos.

Independentemente do tom, o caminho mais fácil nessa busca de explicações seria Lula mirar-se no espelho. Veria, então, a causa mais importante da inquietação que prevalece no mercado cambial. De fato, o chamado "efeito Lula" vem sendo o fator predominante, desde que o candidato começou a despontar à frente das pesquisas. Esse efeito foi agravado nos últimos dias, quando aumentou a probabilidade de sua vitória.

Há quem aponte outros fatores, como a crescente aversão ao risco de investidores internacionais ou a ameaça de uma guerra dos EUA e aliados contra o Iraque, a qual agravaria ainda mais essa aversão, ao lado de causar outros danos à economia mundial, por conta de um aumento do preço do petróleo. Não é difícil isolar como secundário o efeito desses fatores. Eles afetam muitos outros países, mas o Brasil vem sendo o grande destaque pela súbita e forte depreciação da sua moeda.

Lula disse estranhar que se alegue sua influência, pois manifestou apoio ao acordo com o FMI, além de reafirmar a promessa de respeitar contratos. O problema é que, para se tornar eleitoralmente viável, Lula já abandonou tantos compromissos que sua credibilidade precisa ser reafirmada.

Tome-se esse caso do acordo. A maior parte dos recursos correspondentes serão liberados em 2003, mas só se houver compromisso com as metas previstas e seu efetivo cumprimento. Se Lula chegar ao Planalto, serão inevitáveis novas rodadas de entendimentos com o Fundo, abrangendo a ratificação dos anteriores, bem como discussões periódicas sobre o cumprimento das metas e o desembolso de recursos.

Olhando lá na frente, entretanto, o que diz Lula? Inaugurando a série Presidenciáveis no 'Estadão' na terça-feira, afirmou: "Nós vamos deixar claro, nas próximas discussões com o FMI, que queremos ter autonomia para determinar coisas que pretendemos fazer." Isso já lança dúvidas sobre a sustentação do acordo no futuro, pois não se sabe que coisas são essas e como reagirá o Fundo diante delas.

Na mesma reunião, anunciou oficialmente que, se eleito, não manterá Armínio Fraga na presidência do Banco Central (BC). Terá todo o direito de fazê-lo neste pobre país que ainda não aprendeu que uma autonomia responsável do Banco Central seria indispensável, até mesmo para nos poupar dessas custosas e evitáveis turbulências financeiras eleitorais. Por conta delas, a prudência recomendaria - conforme, aliás, defendido por alguns segmentos do próprio PT - que o presidente do BC fosse mantido pelo menos numa fase de transição, enquanto a nova equipe econômica afirmasse sua própria confiabilidade ao mercado.

Assim, permanecem dúvidas sobre os reais compromissos do candidato petista, sem contar os coelhos que poderá tirar da cartola à qual remete a tendência do seu novo figurino. Ainda nessa esfera do acordo, vem afirmando que cumprirá a meta de 3,75% do produto interno bruto (PIB) para o superávit primário do setor público. Abro aqui um parêntesis para dizer que não gosto de falar de metas do acordo como se fossem metas só do FMI. Mais importantes são as metas do Brasil consigo mesmo. O Fundo é como um médico a quem se recorre para remédios financeiros.

O relevante é ver se o receituário é razoável e, aceito, cumpri-lo, mas pensando no próprio bem-estar.

Nessa ótica das nossas necessidades, o fundamental no acordo, mas independentemente dele, é não deixar a dívida pública continuar crescendo como proporção do PIB. Se isso acontecer, um dia o mercado passará a recusar os papéis do governo, por mais juros que este ofereça. Então, para financiar-se teria de emitir mais de um outro papel, o moeda, com o que voltariam taxas de inflação muitíssimo mais elevadas.

Sem confiança num novo governo, essa dívida como proporção do PIB continuará aumentando, entre outras razões, porque a taxa de câmbio, que tem impacto sobre a dívida, permanecerá subindo, além de agravar também a inflação pelo lado dos custos.

Nessa perspectiva, um aspecto assustador nas afirmações de Lula e seus assessores é a avaliação de que o problema do câmbio é só de responsabilidade do governo atual, ficando o
futuro, se for o deles, fragilmente pendurado em promessas imprecisas e atitudes mal pensadas, como esse inoportuno aviso prévio ao presidente do BC.

Para concluir, vale lembrar uma questão técnica, que algum dos assessores de Lula deveria trazer-lhe aos ouvidos. Há cálculos que demonstram que, com o dólar a R$ 3,40, para manter estável a relação dívida pública-PIB, mesmo com uma taxa básica de juros reais de 6% ao ano - o limite inferior razoável das promessas dos vários candidatos -, seria necessário um superávit primário não de 3,75% do PIB, mas de 4,6%, considerado abominável por todos eles.

Isso a partir de um patamar de 59% para a relação dívida pública-PIB, hoje já ultrapassado.

Ou seja, é bom se preocupar mesmo com o câmbio, porque a permanência de taxas como as recentes inviabilizarão o já frágil equilíbrio das finanças públicas e detonarão um processo inflacionário que, como sempre, redistribuirá renda prejudicando os mais pobres, que o candidato tanto diz defender.

Assim, mesmo com aparência retocada pelos marqueteiros políticos, nessa procura de explicações para a alta do dólar, uma olhada no espelho faria muito bem ao Lula do futuro, quando, se eleito, estará colhendo resultados do que continua plantando no campo cambial.


Editorial

CONCORDATA SOBERANA

Quando uma empresa não consegue pagar as suas dívidas, concordata é a solução recomendada. Pode ser uma saída penosa, mas oferece alguma vantagem a todos. Dá tempo à empresa para tentar a recuperação. Dá ao credor alguma segurança de que receberá o dinheiro, no prazo definido em lei ou indicado por um juiz. Para o devedor, é um direito importante, que só se deve usar em circunstâncias muito especiais.

Terá sentido aplicar um remédio semelhante a países?

O governo dos Estados Unidos, a burocracia do Fundo Monetário Internacional (FMI) e vários governos de países do mundo rico dizem que sim. Alguns governos de economias emergentes dizem que a idéia é perigosa. O ministro da Fazenda do Brasil, Pedro Malan, tem-se manifestado contra essa proposta, que será um dos temas centrais, e um dos mais polêmicos, da assembléia anual do FMI, que começa hoje em Washington.

A discussão ganhou intensidade a partir de novembro do ano passado, quando, em discurso pronunciado num encontro no Clube Nacional dos Economistas, em Washington, a professora Anne Krueger, recém-nomeada para o segundo posto mais importante do Fundo, apresentou o esboço do que chamou de um Mecanismo para Reestruturação das Dívidas Soberanas (SDRM, na abreviatura em inglês).

A idéia foi discutida em várias ocasiões, a partir daí, tanto em reuniões abertas quanto em sessões da Diretoria Executiva do FMI. O projeto foi reescrito e refinado neste ano.

Para justificá-lo, Anne Krueger alega que os governos demoram muito tempo para tentar a reestruturação das dívidas, mesmo depois de ter ficado claro que não podem manter em dia os pagamentos. A demora cria problemas e prejuízos tanto para os credores quanto para o país devedor. Prolonga-se, portanto, um sofrimento que seria evitável, se houvesse um processo ordenado para a solução do problema. As negociações ficaram muito mais difíceis, desde a última década, porque as formas de financiamento mudaram e o número de credores envolvidos cresceu enormemente. Já não se resolvem os problemas com algumas discussões entre o devedor e alguns bancos credores. Tornou-se mais complicado conseguir consenso a respeito da reestruturação.

A proposta consiste, essencialmente, em criar um mecanismo que "facilite uma reestruturação rápida, ordenada e previsível das dívidas soberanas insustentáveis". O recurso a esse processo será um direito do país devedor.

Dentro das condições previstas, a renegociação poderá ser decidida pela maioria dos credores, com base num critério que será p reciso definir. Será preciso, além de fixar normas para o processo, criar um tribunal com poderes para resolver controvérsias. O FMI, como parte interessada, não deverá assumir esse papel.

O esquema, segundo Krueger, será uma forma de envolver o setor privado, isto é, as instituições financeiras, na prevenção e na solução de crises financeiras. Afirma-se, com freqüência, que o atual sistema estimula os financiadores a assumir riscos excessivos, confiantes em que, no último instante, o devedor será socorrido. O novo esquema, de acordo com o argumento, deverá tornar os bancos mais cautelosos e, ao mesmo tempo, facilitar a renegociação das dívidas, quando a moratória for claramente a solução recomendável. O FMI continuará podendo ajudar o país endividado, mas dividirá encargos e responsabilidades com os financiadores privados.

O esquema é atraente, à primeira vista, mas envolve riscos importantes, segundo seus críticos. Se a concordata se tornar um direito regulado, os bancos terão mais um pretexto para elevar o custo dos empréstimos. Além disso, poderão retrair-se mais cedo, quando algum analista fizer soar o primeiro alarma, certo ou errado. O próprio FMI está empenhado em desenvolver um sistema de alerta mais eficiente e mais veloz, para induzir os governos a adotarem medidas corretivas a tempo. O sistema pode também ter um efeito preventivo para as instituições privadas, impedindo que se envolvam em riscos excessivos. O problema é que há uma distância enorme entre a concepção acadêmica de um sistema desse tipo e a utilização de suas informações pelo mercado.

Há motivos de peso para se encarar com muita cautela a criação do SDRM, por mais atraente que o esquema possa parecer.


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09/26/2002


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