Carta de 1988 criou modelo orçamentário



O clima de mudanças que animou a elaboração da Constituição de 1988 alcançou em cheio a organização do sistema orçamentário brasileiro. A reforma então patrocinada criou as bases para um modelo de orçamento integrado ao planejamento das ações de governo, ao mesmo tempo em que devolveu ao Congresso Nacional o direito de aprovar emendas a matérias orçamentárias. Essa prerrogativa havia sido abolida pelo regime militar, período em que o Congresso só podia manifestar-se pela aprovação ou rejeição da proposta orçamentária anual.

Por meio de três novos instrumentos legais, articulados entre si, o país começaria então a trabalhar formalmente com o conceito de ciclo orçamentário ampliado. Um desses instrumentos é o Plano Plurianual (PPA), no qual é definido o plano de médio prazo, com os programas e ações definidos para cada período de governo. Na sequência, anualmente, e ainda na primeira metade do ano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) passaria a definir as metas e prioridades para a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA) referente ao exercício seguinte, com base nos conteúdos do PPA.

Estes instrumentos são elaborados pelo Executivo, depois enviados ao Congresso para apreciação e votação. Em seguida, com as modificações promovidas pelos parlamentares, as peças são devolvidas ao Executivo, para a sanção e execução de toda matéria orçamentária. Há regras, procedimentos e prazos - mais ou menos rígidos - para as ações a serem desempenhadas por cada Poder na elaboração dessas matérias. O PPA, por exemplo, deve ser enviado ao Legislativo no primeiro ano de cada novo governo, junto com o projeto da LOA para o ano seguinte, passando a orientar os três orçamentos daquele mandato e o primeiro de quem for eleito a seguir.

Não se pode, contudo, perder de vista a natureza política dos processos de elaboração de cada um dos instrumentos orçamentários. Embora sejam mais claramente observáveis no momento do exame das matérias no Legislativo, os interesses em torno de cada projeto estão presentes em todos os momentos, desde o planejamento governamental até o desfecho da tramitação no Congresso. Para a sociedade, tanto melhor que tais demandas possam apresentar-se de forma pública e democrática, mesmo gerando situações de conflito.

Experimento

Estudos diversos atribuem ao hoje governador de São Paulo, José Serra, então deputado constituinte pelo PMDB, papel de destaque nas negociações que possibilitaram a criação do novo marco orçamentário na Carta. A movimentação dos constituintes foi no sentido de viabilizar em todo o setor público, da esfera nacional aos municípios, a implantação do orçamento por programa, objeto de experimento nos Estados Unidos desde os anos 60 e com aplicação parcial em alguns estados brasileiros.

No orçamento por programa, a ênfase deixa de ser em coisas que os governos devem adquirir ou produzir (por exemplo, a compra de materiais, equipamentos ou serviços ou a implantação de obras casuais). O foco é posto sobre o que precisa ser feito, para o alcance de objetivos de transformação de situações problemáticas da vida social ou mesmo a manutenção de outras consideradas positivas. Para isso, as indicações devem partir de trabalhos de planejamento.

Nesses termos, obras ou insumos devem representar meios para os fins desejados - a inversão desses termos explica, no Brasil, grandes distorções de prioridades de gastos em meio à escassez de recursos. Os programas, com seus objetivos e metas, servem exatamente de elo entre o planejamento expresso no PPA e, na ponta, o orçamento anual. A idéia de avaliação também está estreitamente associada ao novo modelo orçamentário, aplicada ao próprio planejamento como também no julgamento dos resultados atingidos periodicamente, para as correções necessárias.

Depois de 20 anos, os desafios para a implantação de modelo orçamentário com tantas novidades ainda não foram completamente vencidos. Normas legais complementares, sobretudo aplicáveis à fase de execução dos orçamentos, ainda dependem de elaboração no Congresso. Problemas relativos à avaliação de resultados dos programas estão também entre as fragilidades mais comentadas pelos estudiosos da área.

Os avanços em relação ao sistema anterior - em que os orçamentos assumiam basicamente funções de autorização dos gastos e de contabilidade pública - são reconhecidos pelos estudiosos da área orçamentária. As conquistas são mais evidentes no plano federal, embora bem acompanhadas por parte dos governos estaduais. Como mostram os balanços e avaliações da gestão orçamentária publicados na mídia, principalmente em jornais, o atual sistema fornece muito mais informações sobre o que os governos fazem ou deixam de fazer, bem como sobre os custos e impactos sociais que as ações ou omissões produzem.



02/10/2008

Agência Senado


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