CDH tenta evitar conflito por causa da criação de reserva no Mato Grosso
A possibilidade de criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) no município de Luciara (MT) está dividindo a opinião da população e, para auxiliar nas providências que evitem a deflagração de um conflito sério e violento, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) realizou debate sobre o tema nesta quarta-feira (6).
De um lado estão os chamados retireiros, criadores de gado que usam as áreas de várzea do rio Araguaia para o pastoreio durante as secas, levando os animais para terras mais altas durante a cheia e que contam com a criação da RDS para a manutenção desse meio de vida. Contra a criação da reserva estão o prefeito da cidade, alguns fazendeiros e grande parte dos habitantes, que estariam sendo insuflados por informações erradas.
Durante a audiência pública, os representantes das comunidades tradicionais afirmaram que a mobilização contrária à RDS está relacionada com a disputa por terras, grilagem e atividade agropecuária. Com a área de preservação, não poderia haver a expansão da plantação de arroz ou de soja, por exemplo, explicou Lidiane Taderny, representante dos retireiros. Ela afirmou que teme pela vida de seus familiares, pois somente eles ainda são favoráveis à área de preservação e vêm sofrendo muita pressão dos grupos mais poderosos.
Já houve um episódio violento na região há pouco mais de um mês, quando protestos contra a criação da reserva fecharam o acesso à cidade, impediram a entrada de professores, confundidos com servidores do Instituto Chico Mendes (ICMBio) que fariam levantamentos na área, e levou até mesmo à ocorrência de atentados contra as lideranças dos retireiros. A Polícia Federal precisou entrar nas investigações.
Os habitantes das cidades temem a expulsão de suas casas e terras sem indenização, prejuízos ao comércio local e impossibilidade do uso das margens do rio para o lazer, pois se tornariam um local “intocável”, segundo dados coletados pela Ouvidoria Agrária Nacional em audiência pública realizada no fim de outubro em Luciara, explicou Marcelo Nicolau, assessor do órgão. A população também reclamou de falta de informação sobre o processo, acrescentou.
O presidente do ICMBio, Roberto Ricardo Valentim, rejeitou, durante a audiência, a acusação de não transmitir informações à população. Segundo ele, o prefeito do município é informado de todos os passos e nenhuma ação é feita sem a participação das partes interessadas.
- Não acreditamos que seja por falta de informação. É por uma posição contrária que deveria ser expressa por outras vias – disse.
Valentim lembrou ainda que a população tem certo trauma referente à criação de reservas, pois uma vila nas proximidades, Posto da Mata, foi edificada em terra indígena e precisou ser evacuada. Eles devem temer que o mesmo aconteça ali, citou.
Reserva
A criação da reserva ainda está em processo de avaliação, lembrou o coordenador regional do Instituto Chico Mendes de Mato Grosso, Fernando Francisco Xavier, e pode nem ocorrer. Mas se os estudos provarem que a manutenção da atividade dos retireiros é importante para a preservação do meio ambiente e manutenção do equilíbrio ecológico, a criação poderá ser efetivada, independentemente de titulação da área.
Segundo explicou o retireiro Jossiney Evangelista, o pedido de criação da área de preservação teve início em 1999, quando apareceram supostos proprietários das áreas de várzea utilizada pelas comunidades pastoris, presentes desde a década de 1960 e que ajudaram a fundar a cidade. Com medo de perderem seu modo de vida tradicional, as famílias apresentaram o pedido.
Ariovaldo de Oliveira, professor da Universidade de São Paulo (USP) que realizou o estudo fundiário da região, explicou que, de acordo com o mapa fundiário do local, 70% dos títulos do município estão nas mãos de pessoas que nunca foram a Luciara, que as usam para fins hipotecários, mas nunca abriram fazendas produtivas. Isso permitiu a instalação e expansão por vários anos da atividade dos retireiros, agora ameaçados.
Entretanto, mesmo esses títulos podem ser considerados suspeitos, já que as margens de rios, pela Constituição, devem ser geridas pela União, e não caberia aos estados os emitirem. Além disso, grande parte das terras está em nome do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para fins de reforma agrária. A falsificação de títulos e a grilagem já foram, inclusive, investigadas pela Polícia Federal, lembrou.
O senador João Capiberibe (PSB-AP), autor do requerimento para a realização da audiência, proporá um debate com representantes do Incra sobre o tema. Também vai propor à CDH a ida de uma diligência à cidade. Ele pedirá ainda os resultados das investigações sobre a queima da casa de Jossiney ao delegado responsável e ao governador do estado. O parlamentar também quer saber quais foram os desdobramentos da operação da Polícia Federal para investigar os títulos falsos.
06/11/2013
Agência Senado
Artigos Relacionados
CAE examina criação de Áreas de Livre Comércio no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul
Figueiró critica atuação da Funai em conflito no Mato Grosso do Sul
Conflito por terras na região de Luciara, em Mato Grosso, é tema de debate
Antero alerta para risco de conflito de terras em Mato Grosso
Senadores vão conversar com ministro da Justiça sobre conflito no Mato Grosso do Sul
Conflito entre índios e fazendeiros leva parlamentares ao Mato Grosso do Sul