Coleção Paulista: as primeiras obras de uma incursão pela história
Conheça os primeiros cinco livros da Coleção Paulista, em edição fac-similar
Estes são os primeiros cinco livros da Coleção Paulista, em edição fac-similar. Representam o começo da primeira ação programada para o Centro de Memória e Documentação de São Paulo, entidade criada em parceria pela Fundação de Desenvolvimento Administrativo (Fundap) e a Imprensa Oficial. Ele se dedicará a resgatar, colecionar e divulgar livros, documentos, imagens relativos à história de São Paulo, bem como depoimentos dos pesquisadores que com eles trabalham.
Manifestos e Mensagens
436 páginas (16 x 23 cm)
Campos Salles
Apresentação: Júlio Pimentel Pinto
(Um retrato da Primeira República)
Muito além do interesse específico sobre o governo de Campos Salles (1898-1902), o volume Manifestos e Mensagens, um dos cinco da Coleção Paulista que acaba de ser publicado, coloca em cena a Primeira República Brasileira, permitindo voltar a pensar sobre um período da história do Brasil parcialmente esquecido. Quem faz a observação é Júlio Pimentel Pinto, professor do Departamento de História da USP e responsável pela apresentação desse volume.
Essa etapa da história brasileira precisaria voltar a ser estudada, sugeriu o professor, ao discorrer sobre a publicação durante seminário Memória Paulista. “Precisaria que se olhasse com mais atenção para um momento em que o Brasil não era tão caricatural como parte da historiografia quis acreditar que fosse e construiu uma imagem restrita dos anos da Primeira República”.
Campos Salles, de acordo com o professor, foi um dos presidentes que maior volume de escritos deixou. Primeiramente, pela carreira jornalística, tendo colaborado em diversos periódicos, entre eles Gazeta de Campinas e Correio Paulistano. Depois, já na fase política, pelo volume de atos quando ministro da Justiça do governo provisório de Deodoro da Fonseca (1889-1891), além de discursos e outras manifestações realizados posteriormente, como presidente do Estado de São Paulo (1896-1897) e presidente da República. Em 1908, lançou a autobiografia Da Propaganda à Presidência, espécie de balanço de sua trajetória política e testamento antecipado.
A edição original de Manifestos e Mensagens saiu em 1902. Contém sete textos, os mesmos que agora compõem a edição fac-similar. Trata-se de dois manifestos, cinco mensagens ao Congresso, além de um apêndice. O primeiro manifesto (de outubro de 1897) foi apresentado no banquete político do Partido Republicano, após a indicação para concorrer à presidência. O segundo (Inaugural) é o da posse, em 15 de novembro de 1898.
Em ambos, os temas são praticamente idênticos. Vão da defesa de princípios políticos gerais – democracia, federalismo, presidencialismo, importância do partido – às considerações sobre o papel do Brasil no contexto internacional, ao diagnóstico da situação existente na política e economia e ao plano de reformulação econômica.
Das cinco mensagens, quatro são informes ao Congresso, sempre na abertura dos trabalhos legislativos, e tem estrutura semelhante. Todas relatam a situação do Exército, Marinha, transportes, saúde pública, entre outros. Em relação a questões internacionais, a maior parte dos relatos, nos quatro anos de seu governo, recaem sobre a definição de fronteiras com as Guianas Francesa e Inglesa e a negociação com a Bolívia, relativa à nascente do rio Javari e ao território do Acre. Segundo o professor Júlio, há uma espécie de projeto de Brasil que estava enunciado nesses discursos e que foi tema polêmico em todo o período de seu governo. No final da publicação, um apêndice traz, entre outros, discursos dos partidários do ex-presidente em defesa de sua política e a crítica aos seus opositores.
Campos Salles nasceu em Campinas e descende, pelos lados materno e paterno, de famílias abastadas, ligadas ao cultivo de café. Simultaneamente à carreira em Direito, atuou de forma sistemática na política. Foi vereador em Campinas (1872-76), deputado geral (1885), duas vezes deputado provincial (1882-83 e 1888-89) e três vezes senador por São Paulo (1890-91, 94-95 e 1909-12).
No âmbito do Executivo, foi ministro da Justiça (1889-91), presidente do Estado de São Paulo (1896-97) e presidente da República. Ao tomar posse, segundo Pimentel Pinto, já havia construído as suas principais marcas como presidente: a montagem de um federalismo bastante peculiar, a política dos Estados (que ficou mais conhecida como “política dos governadores”) e a primeira negociação da dívida externa brasileira.
Autor, entre outras obras, de Uma Memória do Mundo – Ficção, Memória e História em Jorge Luis Borges, o historiador chama atenção também para o debate político intenso existente no País no início do século 20. “Era muito maior na prática do que supõe a caricatura de uma Primeira República como lugar de consenso ou do silenciamento das oposições”.
Agora Nós!
412 páginas (13 x 18 cm)
Paulo Duarte
Apresentação: Boris Fausto
(A força do verbo de um orador)
Um polemista de primeira, esta é a melhor definição para o autor de Agora Nós!, publicado em 1927 pelo combativo jornalista Paulo Duarte. Era também ensaísta, cronista, memorialista e professor. Dirigiu o Instituto de Pré-História da Universidade de São Paulo, fundou e dirigiu, durante anos, a revista Anhembi e foi redator-chefe do jornal O Estado de São Paulo. De espírito combativo e independente, engajou-se em campanhas políticas e culturais. Para Boris Fausto, autor do estudo introdutório de Agora Nós!, este livro “é a crônica da Revolução de 1924, o maior conflito bélico ocorrido na cidade São Paulo, com cerca de 500 mortos e milhares de feridos”. Comandado pelo general Isidoro Dias Lopes, o movimento, ainda pouco estudado, ganhou de Paulo Duarte extensa documentação, como os comunicados redigidos por seus líderes, transcrições de artigos de jornal, mensagens das forças legalistas e de membros do clero, além de narrar o transcurso das batalhas em vários bairros. “A edição é uma reportagem quente, que reconstitui aqueles anos”, afirma Fausto. “Paulo Duarte não economizava palavras e gostava de brigar, não fisicamente, mas com palavras”.
Eis alguns exemplos desse estilo belicoso: “São Paulo, pela maneira por que foi tratada pela força que a dominou debaixo da mais absoluta ausência de garantias legais, e pela maneira por que a tratou aqueles que se diziam defensores da ordem, calculava o futuro breve de vergonhas, de ignomínia, de vitupério, que se iniciaria para perdurar até hoje (...) O bombardeio inútil de uma cidade aberta, cuja população impossibilitada de fugir era estilhaçada pelo canhão impiedoso, foi o prólogo anunciador da vingança baixa e pequenina e do aproveitamento da anormalidade para satisfazarem-se ambições insaciáveis que se iriam fartar no dinheiro público.”
E, sem nenhuma cautela, dirigia-se ao governador Carlos de Campos, colocado no poder pelos vitoriosos da batalha: “E esta fase sombria de miséria e lama – a mais triste talvez da história paulista – não poderá iniciar o seu epílogo enquanto for governo o dr. Carlos de Campos, pois, assistindo s.exa., indiferentemente como assistiu, ao seu início, só na sua ausência poderá ter fim. S. exa. foi um ovo gorado no ninho da administração paulista. E o pior é que esse ovo arrebentou, a substância decomposta empestou a ninhada e os gases deletérios levaram a náusea e o asco aos mais obscuros cantos do galinheiro governamental”.
A Província de São Paulo
188 páginas 16 x 23 cm)
Joaquim Floriano de Godoy
Apresentação: Tânia Regina de Luca
(Uma visita à São Paulo do século 19)
Este livro foi escrito em 1875 para aten der a uma encomenda – o governo imperial brasileiro preparava um pavilhão para representar o país na Exposição Industrial da Filadélfia, nos Estados Unidos, no ano seguinte. Era a sexta, de uma série de feiras mundiais e a primeira realizada fora do continente europeu. Nosso país teve papel destacado no evento, tanto que o imperador Pedro II ficou ao lado do presidente Ulysses Grant, na cerimônia de inauguração.
O Brasil apresentou, na feira, produtos e instrumentos agrícolas, artefatos indígenas, variadas mostras de produtos naturais, o quadro As cariocas, de Pedro Américo, e vários livros especialmente encomendados para informar os estrangeiros sobre as coisas do país. O de Joaquim Floriano de Godoy foi um deles, provavelmente porque na década de 1870 a província de São Paulo intensificava a cultura do café (que começava a deixar o já decadente Vale do Paraíba) e consolidava-se como o grande produtor da ambicionada rubiácea.
O autor faz minuciosa descrição da província, começando pela geografia – localização, limites, clima, relevo do solo, sempre destacando o que lhe parecia mais importante. Um capítulo especial trata dos reinos animal, vegetal e mineral. Todos os dados, minuciosos, são acompanhados análises judiciosas, que tornam o seu trabalho um atraente instantâneo da província naquela data. Seguem informações precisas e minuciosas sobre a hidrografia, aspectos físicos do solo, as atividades agrícolas e manufatureiras, as cidades mais importantes. Destaque especial foi dado à ainda recente descoberta das terras roxas, no planalto paulista, “responsáveis por uma verdadeira revolução no resto da província”.
Constata que, devido ao alto custo dos escravos, nas novas culturas cafeeiras já predominava o trabalho livre, dando como exemplo a fazenda Angélica, comprada pelo Banco Inglez do Rio de Janeiro, onde “só trabalhavam colonos de sua nacionalidade”. Cita ainda a Fazenda Nova Louzã, de portugueses, e outras tocadas por alemães, americanos, franceses e mesmo brasileiros, e prognostica: “(Elas) farão o paralelo entre o trabalho livre e escravo do que resultará a condenação deste”. O autor arrola, ainda, como pontos importantes, a construção de estradas de ferro, oferecendo dados minuciosos sobre as linhas em operação e a freqüência dos trens. O crescimento populacional – a cidade de São Paulo aparece com 66 mil habitantes, enquanto Guaratinguetá tem 60 mil, Taubaté 59 mil e Campinas 52 mil.
Uma notícia sobre a história da província ocupa boa parte do livro, com destaque para os feitos da Proclamação da Independência do país, em 1822, e a partir daí o autor se entusiasma e alardeia: “O sonho de ouro dos paulistas é navegar seus grandes rios; comunicar o pensamento por toda a parte com a rapidez da eletricidade; cobrir a superfície do seu solo com uma rede de estradas de ferro; levantar fábricas de tecidos; erguer templos às outras indústrias; é finalmente propagar a instrução até a choupana do mais desprotegido da fortuna”.
Discursos Parlamentares
704 páginas (16 x 23 cm)
José Bonifácio de Andrada e Silva
Apresentação: Marco Antonio Villa
(A verve de um tribuno nato)
José Bonifácio de Andrada e Silva, o Moço, sobrinho do patriarca da independência, bem pode ser tomado como exemplo do político ideal: ministro do reino, negou-se a atender a um pleito do irmão Antônio Carlos, e explicou singelamente suas razões, à mãe, em uma carta: “Verás que como ministro eu quero ser tão escrupuloso como fui. Embora reconheça o mérito de meu irmão, não sou eu que devo apregoá-lo com a autoridade na mão. Fora do ministério posso fazê-lo, dentro não. Se há nesse procedimento motivo de censura, ele tem por base o orgulho de mim e dos meus. Assim nasci, assim hei de morrer”.
Foi diversas vezes deputado provincial (nosso atual deputado estadual), deputado geral (federal), senador por São Paulo e ministro do reino. Da primeira vez, por apenas três dias, como integrante do gabinete chefiado pelo Duque de Caxias. Como deputado, chegou um dia a defender a escravidão, mas arrependeu-se, lamentou o erro pelo resto da vida e converteu-se num convicto e influente abolicionista. Em São Paulo, causava delírios na multidão, sobretudo com os estudantes da Faculdade de Direito, onde se formou, colega de Castro Alves, e onde foi professor afamado. Era, também, excelente orador – o segundo melhor da família, sendo primeiro o tio Antônio Carlos, o mais radical dos Andradas. Depois de eleito senador, em 1879, foi convidado para o ministério, mas não aceitou, por motivos de saúde. Quatro anos depois recusou a chefia do Gabinete Ministerial. Morreu repentinamente, em 1886 – e o acontecimento causou comoção em São Paulo. Estimaram-se os acompanhantes de seu enterro em 20 mil pessoas, um número elevadíssimo para a minguada população paulistana da época.
Neste livro estão reunidos pronunciamentos que abrangem dezoito anos da trajetória política do Segundo Reinado. Em parte porque o orador recorria muitas vezes aos seus conhecimentos históricos, para citar a Independência, as crises que abalaram e derrubaram gabinetes, o Ato Adicional. Discutia questões clássicas do liberalismo, de que era partidário, como a relação entre os poderes, o papel dos partidos políticos, defendia a descentralização administrativa e cuidou de assuntos militares, sobretudo durante a Guerra do Paraguai. Implacável, comentou num aparte curto e corrosivo, o discurso do ministro da Fazenda: “Maravilhou-me, porque na verdade fiquei ignorando (...) Não sei qual doutrina que aceita: não sei se condena ou legitima todos os atos do passado, quer de um, quer de outro partido político”. Debatendo no Parlamento, como ministro, respondeu ao oposicionista que o questionava: “O nobre deputado perguntou o que sou, ou pede ao governo o título de sua origem? Eu lhe digo: sou aquilo que a Câmara dos Deputados é. Pergunta-me de onde vim, para onde vou. Respondo-lhe que vim da vitória nas urnas e em meu caminho encontrei Sua Excelência”.
No final da carreira, converteu-se em ardente defensor da abolição da escravidão: “Não é a causa da emancipação ou da abolição que advogo neste momento: é a causa do direito escrito, a causa da lei e da humanidade. O escravo é pelo menos pessoa aos olhos do direito penal. Ninguém neste país pode reduzi-lo à condição mais triste do que a dos próprios animais domésticos”. Com sua cultura e vigor oratório, talvez tenha sido o maior dos liberais paulistas na política nacional.
Cartas Sertanejas Procellarias
484 páginas (13 x 18 cm)
Júlio Ribeiro
Apresentação: José Leonardo do Nascimento
(O vôo ousado de um polemista)
Júlio Ribeiro iniciou o curso militar, mas não terminou; namorou a Faculdade de Direito, mas não a cursou. Ainda assim, homem culto, foi professor de Latim, traduziu obras do inglês, como contos de Edgar Alan Poe, produziu uma gramática de Português afamada e ganhou uma cadeira no Instituto de Educação de São Paulo. Polemista terrível, temido pelos adversários. Era filho do americano George Washington Vaughan e da brasileira Maria Francisco Ribeiro, radicados em Minas Gerais, onde ele nasceu. Viveu em diversas cidades do interior do Estado – Lorena, Taubaté, São Roque, Sorocaba, Campinas e Capivari – e foi desta última que escreveu as Cartas Sertanejas, coleção de artigos publicados originalmente no Diário Mercantil, de março e a junho de 1885. .
Apesar de pioneiro na defesa da causa republicana, nelas revelou-se um crítico mordaz de seus correligionários encastelados no Partido Republicano paulista, que naquele ano conseguiram uma consagradora vitória eleitoral no Estado valendo-se de um não bem explicado acordo com o Partido Conservador. Na primeira carta, apresentou um aterrador, para os adversários republicanos, programa de tr abalho: “Subordinado à epígrafe Cartas Sertanejas, enceto hoje uma série de artigos. O Diário Mercantil que os publica não é solidário comigo nas opiniões a manifestar, nos juízos a emitir. A responsabilidade legal e moral de tudo que em tais artigos aparecer será toda minha, somente minha, exclusivamente minha. Carregado com este ônus quero também toda liberdade de movimento; sem ultrapassar as raias do decente e do honesto, não guardarei conveniências, não me imporei restrições. Se assim me aprouver, irei até o paradoxo, chegarei até ao absurdo (...) Agora, uma declaração preliminar, quiçá desnecessária: não tenho religião e não tenho partido. Sou ateu e republicano intransigente”.
Procelárias são aves marítimas que voam na tempestade. Ao iniciar sua nova coleção de artigos, Júlio Ribeiro anunciou o propósito de empreender “um vôo ousado sobre os mares revoltos do viver social brasileiro”. Já não tratou apenas de assuntos políticos, mas estendeu-se sobre temas tão diferentes quanto a cerâmica, as armas de fogo, um manuscrito dos Lusíadas, de Camões. Mas nunca deixou em paz, completamente, os antigos companheiros do Partido Republicano, pois, no seu entender, continuavam “cabalando eleições”, “plantando café” e “comprando escravos”.