Como Jarbas se uniu a Serra
Como Jarbas se uniu a Serra
Militante histórico do PMDB fecha acordo para formar chapa com José Serra
Na agenda do governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcellos, o dia de hoje começou ontem. ‘‘Até 2 de abril, tenho um imenso lote de tarefas a cumprir’’, disse em Brasília antes de embarcar de volta para o Recife. Ele não pretendia dormir. Convocara reuniões que varariam a madrugada. ‘‘Preciso arrumar a casa, e isso não é fácil.’’ Jarbas referia-se à difícil construção de um nome para sucedê-lo no governo estadual que aglutine o seu PMDB, o PSDB do ex-prefeito recifense Roberto Magalhães, o PFL do vice-presidente Marco Maciel e o PPB do deputado Ricardo Fiúza (leia reportagem na página ao lado).
Logo pela manhã, o governador pernambucano comunicou a três assessores que havia aceitado o convite para ser vice na chapa presidencial de José Serra (PSDB). Revelou, também, que o anúncio oficial formalizando a dobradinha não seria feito em Brasília. Nem ontem. ‘‘Vai ser no Recife. Como posso anunciar isso aqui? Vão dizer que abandonei o estado.’’ Em seguida, Jarbas telefonou para Serra e desmarcou o encontro que eles teriam no começo da tarde. ‘‘Não dá para ser agora. Vão fazer fotos nossas, isso será primeira página de todos os jornais e o que digo lá?’’, justificou-se com o senador tucano. ‘‘Tenho muitos problemas locais.’’ Serra ainda insistiu, mas resignou-se e desligou o telefone, dizendo que entendia. Parte da estratégia do PSDB traçada para abafar os ecos do pronunciamento do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) da tribuna do Senado (leia reportagens às pág. 10, 11, 12, 13 e 14) tinha ido por água abaixo. Mas isso se configuraria uma preocupação boba: o ‘‘sim’’ de Jarbas já tinha se constituído num dos assuntos políticos do dia e concorria para ofuscar, de fato, o discurso do pai da governadora Roseana Sarney (PFL).
A sagração de Jarbas Vasconcellos foi um ritual ensaiado a fórceps pela Executiva do PSDB e pelo presidenciável oficial, José Serra. Eram os tucanos que queriam o pernambucano na chapa de Serra, e não a turma do PMDB. ‘‘Olhe, eu não tenho uma afinidade, assim, exata, com a direção do partido’’, advertiu Jarbas a Serra na penúltima conversa que tiveram antes da confirmação do convite. Era o que o tucano queria ouvir. Era o que ele esperava do governador a quem fez incontáveis sinais de deferência durante a passagem de quase quatro anos pelo Ministério da Saúde. Depois de São Paulo e do Rio de Janeiro, Pernambuco foi o estado da federação que Serra mais visitou como ministro. Nessas visitas, que combinam com a antológica teimosia e compulsão de Serra, começou-se a construir a ponte destinada a fazer o pernambucano transitar do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo estadual, para almejar a sucessão do amigo Marco Maciel no Palácio do Jaburu (residência oficial dos vices).
Geddel nada sabia
Depois de advertir Serra de que não tinha ‘‘afinidade’’ com o comando peemedebista, Jarbas rumou para um almoço com o presidente nacional do PMDB, Michel Temer, e com os líderes do partido no Senado, Renan Calheiros, e na Câmara, Geddel Vieira Lima. Isso ocorreu na última terça-feira. Temer sabia que teria de sair do encontro com o sinal positivo do pernambucano. Renan almejou o posto, mas foi vetado pelo PSDB de São Paulo — quando era ministro da Justiça, trocou tiros pesados com o então governador paulista Mário Covas (morto em 1998, de câncer). Geddel resistiu abertamente aos titubeios jarbistas. ‘‘Você tem de aceitar agora, ou temos outro nome’’, disse. ‘‘Quem?’’, quis saber o governador. ‘‘Henrique Eduardo Alves’’, propôs Geddel. Jarbas Vasconcellos rebateu com um ‘‘Pedro Simon é melhor’’. O diálogo entre os dois é azedo.
Ao sair da conversa inconclusiva com Jarbas, o líder do PMDB rumou para o Congresso. Lá, cruzou com o deputado Sérgio Guerra (PSDB-PE), um dos fiéis escudeiros de Jarbas. Chamou-o para uma sala e trancou a porta. ‘‘O que esse cara quer?’’, perguntou Geddel. Sérgio Guerra estranhou o desrespeito. ‘‘Que cara? O governador?’’, quis saber. ‘‘É. Se ele demorar muito perde a vaga.’’ O interlocutor pernambucano do líder peemedebista insistiu na conversa perguntando quem barraria o nome de Jarbas. ‘‘Henrique. Henrique Eduardo Alves, do Rio Grande do Norte’’, explicou Geddel. ‘‘Tem ótimo trânsito aqui em Brasília, é da bancada, é nordestino, é bonitão e fotografa bem ao lado de Serra. Dia a seu governador que se decida.’’ Sérgio Guerra deixou incrédulo o gabinete de Geddel e reproduziu a conversa para Jarbas, que sorriu ao ouvi-la. O vice de Serra já era ele, mas Geddel não sabia. ‘‘Precisamos construir a solenidade dessa escolha. Essas coisas têm ritual. O PSDB precisa formalizar o convite ao PMDB, e amanhã o José Aníbal vai se encontrar com o Michel’’, anunciou Jarbas para Sérgio Guerra. O tucano pernambucano confirmou, então, que Geddel pouco sabia.
Um dos rituais exigidos por Jarbas Vasconcellos tinha a ele próprio por protagonista. E precisava ser cumprido com urgência: comunicar tudo a Marco Maciel. Os dois se encontraram na noite de terça no Jaburu. Foi uma conversa franca, longa e pontuada por silêncios. ‘‘Ele falou pouco. Tenho certeza que não vai aceitar ser o candidato. E aí vai ser uma zorra difícil de resolver’’, resumiu Jarbas para um secretário de Estado ao relatar o encontro com Maciel. ‘‘São esses problemas regionais que me impedem de deixar Brasília, esta semana, como candidato a vice anunciado e oficializado. Pernambuco é complicado’’, disse ao Correio.
Na hora do almoço de ontem cumpriu-se outro dos rituais de sagração. O presidente do PSDB, José Aníbal, visitou o colega do PMDB, Michel Temer, e brincou de tornar oficial a proposta de aliança presidencial entre os dois partidos. Como tudo fora acertado com antecedência, não havia muito a falar. A reunião foi rápida e só serviu para uma photo-op.
A coalizão das duas legendas que se separaram em 1988 (o PSDB nasceu de uma cisão do PMDB durante a Assembléia Nacional Constituinte) começou a ser ensaiada em janeiro de 2001, quando elas se uniram para fazer do peemedebista paraense Jader Barbalho presidente do Senado e do tucano mineiro Aécio Neves presidente da Câmara. Com a renúncia de Jader em outubro de 2001, obrigado a tomar essa decisão para não ser cassado por corrupção, Temer ganhou o comando de fato de um grupo expressivo do PMDB.
Ciao, Itamar
O terceiro compromisso ritual estabelecido por Jarbas para aceitar a candidatura de vice-presidente na chapa oficial tornou-se público quando o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, renunciou à pré-candidatura presidencial pelo PMDB. José Serra foi o artífice desse anúncio. Num telefonema dado ao governador mineiro e ex-presidente, combinou os termos da rendição. Como moeda de troca, os tucanos prometeram imolar o ex-governador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB), que deseja voltar ao Palácio da Liberdade desconstruindo a administração de Itamar. Ele foi avisado pelo comando partidário de que não terá apoio oficial nem extra-oficial para tamanha empreitada. O adversário Itamar foi devidamente comunicado disso. E capitulou. ‘‘Cumpri os compromissos que assumi com a idéia da candidatura própria do PMDB. Perseguir nesse rumo seria inócuo. Resta-me agora voltar o pensamento e a minha ação política para os interesses de Minas Gerais, que é o que os mineiros esperam’’, afirmou Itamar em nota divulgada por um assessor (leia reportagem à pág. 7).
Agora, resta a Jarbas driblar a última e mais fácil tarefa ritual: sagrar-se vice de Serra numa convenção nacional do PMDB. Ávidos por dividir o poder federal, os peemedebistas sabem que essa é a melhor chance de o partido virar sócio de primeira classe d a Presidência da República.
Juros caem para 18,5% ao ano
Banco Central reduz taxa básica em 0,25 ponto percentual pela segunda vez consecutiva, porque a inflação está caindo e o cenário econômico internacional vem melhorando aos poucos
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu ontem à noite reduzir os juros básicos da economia brasileira em 0,25 ponto percentual. A taxa de 18,75% caiu para 18,50% ao ano. Na maioria dos casos, o consumidor não sentirá os efeitos disso no bolso rapidamente, pois a maioria das financeiras e bancos demoram pelo menos três meses para repassar a queda para seus clientes. Mas há exceções (leia texto abaixo).
A queda foi considerada conservadora pela maioria dos analistas de mercado, que apostava em redução de 0,5 ponto percentual. Mas é assim que o BC tem agido este ano. A última queda, realizada há um mês, teve a mesma dimensão. A melhoria do cenário externo reforça a expectativa de redução da inflação. Por isso o Copom reduziu a taxa, informou a assessoria do BC.
Exemplo disso foi divulgado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. A inflação em São Paulo subiu 0.21% na segunda quadrissemana de março — período de 30 dias encerrado no último dia 15. Esta taxa mostra um recuo de 0,08 ponto percentual em relação à quadrissemana anterior.
Consumidor deve pagar conta da guerra do aço
Empresas planejam aumento de 10% no preço do produto no Brasil. E, a exemplo dos EUA, querem que o governo imponha barreiras à importação
O secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Roberto Giannetti da Fonseca, disse ontem que as siderúrgicas estão planejando um reajuste de 10% em seus preços no mercado interno. ‘‘Fui informado por empresas consumidoras de aço’’, afirmou. As empresas pediram ao governo que eleve as tarifas do Imposto de Importação sobre o aço como uma forma de proteger o mercado brasileiro de uma ‘‘inundação’’ do produto importado, provocada pelo fechamento do mercado norte-americano.
Segundo o secretário, uma taxação maior sobre o aço também serviria para justificar a alta de preços no mercado interno. Como, por exemplo, na construção civil, na produção de automóveis e de eletrodomésticos, entre outros. ‘‘Eu posso ser muita coisa, mas trouxa eu não sou’’, afirmou Giannetti. Segundo ele, o aço importado supre apenas 5% do consumo nacional. No entanto, o preço do produto nacional é balizado pela cotação do aço comprado de fora. Uma eventual elevação das tarifas, disse o secretário, poderia ter sérias repercussões sobre a inflação. ‘‘Será o rabo abanando o cachorro’’, ironizou.
Esse é um dos motivos pelos quais o secretário se diz ‘‘pessoalmente’’ contra a elevação das tarifas. Ele ressaltou que é uma posição pessoal, porque ainda não há decisão de governo sobre o tema. A medida será discutida semana que vem, na reunião da Camex.
O outro motivo pelo qual o secretário se diz contra a elevação é que o pedido das siderúrgicas contraria um acordo selado com ele há três semanas. Giannetti disse que entrou em entendimentos com representantes do setor e ficou acertado que elas não pediriam aumento das tarifas. Em troca, o governo adotaria controles mais rigorosos para a importação de aço, tanto na Secretaria de Comércio Exterior (Secex), quanto na Receita Federal. Essas medidas já foram adotadas.
Apesar da visível irritação com o setor, Giannetti se disse ‘‘otimista’’ com o resultado das negociações entre Brasil e Estados Unidos que ocorrem em Genebra, na Suíça, com o objetivo de eliminar as restrições impostas ao aço brasileiro. ‘‘Os Estados Unidos estão no córner’’, avaliou. Há reclamações generalizadas dos consumidores de aço, como as montadoras e os fabricantes de eletrodomésticos. Até mesmo o secretário do Tesouro norte-americano, Paul O’Neill, criticou a medida. ‘‘Não há mais espaço para esse protecionismo geriátrico, que quer dar sobrevida a um setor moribundo’’, disse Giannetti.
FHC vê prejuízo para integração
Arica (Chile) — As medidas adotadas pelos Estados Unidos para protegerem seu mercado da concorrência internacional vão prejudicar o processo de negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O alerta foi feito ontem pelo presidente Fernando Henrique Cardoso durante sua viagem ao Chile, referindo-se à sobretaxa imposta pelo governo americano para as importação de aço. Mesmo assim, Fernando Henrique disse que a queixa contra a decisão dos Estados Unidos deve ser levada à Organização Mundial do Comércio (OMC) pelos empresários brasileiros. ‘‘A instância para resolver essa questão é a OMC. Mas isso depende da decisão dos empresários brasileiros’’, afirmou o presidente. ‘‘Essa não é só uma briga de um país contra outro país, mas uma briga de empresários de um setor com empresários de outros setores.’’
O presidente assinou sete convênios e um acordo para a redução de tarifas de importação com o governo chileno, na cidade de Arica, ao Norte do país. Negociado ao longo dos dois últimos anos, o acerto comercial envolve os setores automotivo, agropecuário e químico e deverá, conforme os cálculos da chanceleria do Chile, favorecer a cerca de 20% das trocas de bens entre os dois países. Os termos do acordo somente serão postos em prática depois da aprovação pelos demais sócios do Mercosul e do protocolo na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). Os demais acordos abrangem as áreas de previdência social e a cooperação no uso pacífico de energia nuclear.
Bancos recuam na Justiça
O Banco Central (BC) e a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) recuaram e estão aceitando que o Código de Defesa do Consumidor Bancário seja usado apenas nas operações de empréstimo aos clientes e de captação de recursos. As demais relações, como prestação de serviços, atendimento e cobrança de tarifas, seriam regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ou seja, se for mal atendido em uma agência bancária, o cliente poderia fazer uma denúncia ao Procon, mas caso constate que os juros de um empréstimo estão altos, ele teria que resolver com o Banco Central. Depois do feriado da Semana Santa o STF julgará a ação proposta pela Consif que questiona a coexistência de uma lei complementar reguladora do Sistema Financeiro e o CDC. (AJB)
Compaq aprova fusão com HP
Os acionistas da fabricante de computadores Compaq aprovaram a fusão com a Hewlett-Packard em reunião realizada ontem em Houston, Texas (EUA). A votação da Compaq a favor da fusão — um negócio avaliado em mais de US$ 20 bilhões — alcançou uma margem de nove votos a um. Na HP, a votação aconteceu na terça-feira. A direção da empresa, favorável à fusão, já declarou vitória, mas disse que a contagem dos votos ainda vai levar algumas semanas. Para Walter Hewlett, filho de um dos fundadores da HP e contrário à fusão, a disputa ainda não está decidida.
Artigos
O Supremo e a verticalização
Como Estado de Direito, somos um país onde as regras prevalecem sobre os interesses e a vontade dos homens, dos partidos e das autoridades
Joaquim Falcão
A resolução do TSE tornando obrigatória a verticalização provocou três tipos de debates. O debate conspiratório, se Miro Teixeira teria sido ou não usado pelos tucanos, via TSE. O debate institucional, se a competência da decisão seria do Judiciário ou do Congresso. Por fim, o debate partidário, se a verticalização fortalece ou não os partidos, tornando-os mais representativos e nacionais. Não vou tratar de nenhum desses debates. Preocupa-me sim o impacto dessa decisão a longo prazo, na consolidação do Estado Democrático de Direito. É o que estará em jogo quando o Supremo vier a julgar as ações diretas de inconstitucionalidade que tem diante de si.
Nossa Constituição determina, logo no artigo primeiro, que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. O que quer dizer isso? Quer dizer que, como Estado de Direito, somos um país onde as regras prevalecem sobre os interesses e a vontade dos homens, dos partidos e das autoridades. Como democrático, quer dizer que somos um país onde, segundo a definição de Adam Przeworski, as regras do jogo do poder devem ser estáveis e previsíveis. O resultado é que deve ser incerto. Fácil entender.
Na antiga União Soviética, havia eleições, mas não havia democracia. As regras eram estáveis, mas o resultado eleitoral era sempre certo: só o partido comunista ganhava. No regime militar de 1964, havia também eleições, mas também não havia democracia. As regras eram sempre imprevisíveis. Os atos institucionais a mudavam de surpresa, muitas vezes, às vésperas das eleições. Donde a questão básica: é constitucional, é democrático, mudar regras eleitorais quando candidatos já estão desincompatibilizados e são publicamente reconhecidos, alianças partidárias estão em plena negociação, campanhas no ar, tudo quase às vésperas da eleição?
Acredito que não. Para que as eleições sejam democráticas, eleitores, partidos e candidatos têm de conhecer as regras com suficiente antecedência. De um ano, pelo menos. É o princípio da anualidade, expressamente adotado na Constituição. O artigo 16 proíbe qualquer alteração legal a menos de um ano da eleição. Princípio adotado para proteger o eleitor e lhe garantir voto livre, cláusula pétrea do artigo 60. A Constituição pressupõe que mudar normas com menos de um ano interfere no voto livre. É pressuposto objetivo. Independe das razões da alteração, por melhores que sejam. Menos de um ano, não.
Em outra ocasião, o Supremo já reconheceu a importância fundamental do princípio da anualidade. Ao decidir sobre a emenda constitucional que criava novo imposto, o então IPMF, o Supremo declarou que cobrá-lo antes de um ano feria direitos e garantias individuais. Era inconstitucional. O que é mais importante para a vida do cidadão e do Brasil? A criação de um novo imposto ou a escolha de um novo presidente? Se o contribuinte não pode ser pego de surpresa, o eleitor também não. Desrespeitar o princípio da anualidade fere duas cláusulas pétreas: o voto livre e direitos e garantias individuais. Fere a democracia. Fere a Constituição.
Nem se diga que o artigo 16 fala em lei e que a resolução do TSE não é lei. O que o constituinte quis evitar foi o uso eleitoral da legalidade. A resolução do TSE tem tanta força normativa quanto uma lei. Como tal, está também submetida ao princípio constitucional da anualidade. Se o Supremo o utilizou para declarar inconstitucional uma emenda constitucional, quanto mais para uma resolução!
O Brasil tem se orgulhado de suas leis eleitorais, de seus tribunais eleitorais, de sua tecnologia eleitoral. Motivo de exemplo para o mundo, como na recente crise norte-americana que abalou a legitimidade da eleição de George W. Bush. Estado e sociedade, governo e oposições têm se esforçado para consolidar nossas instituições democráticas. Temos conseguido. O mais razoável neste momento é acatar a resolução do TSE apenas para as próximas eleições. É evitar que as instituições eleitorais percam credibilidade e legitimidade. Se a resolução do TSE não visou beneficiar ou prejudicar nenhum candidato, como acreditamos, essa crise é perfeitamente evitável.
Editorial
IDÉIA INFELIZ
A decisão do governador Joaquim Roriz de desviar para a construção da terceira ponte do Lago Sul R$ 40 milhões reservados às obras de saneamento básico ofende os mais elementares princípios de justiça na administração de recursos públicos. Não há conveniência política capaz de legitimar o uso de verbas orçamentárias endereçadas à área social em projeto com destinação diferente. É dogma da ciência administrativa que governar é estabelecer prioridades.
Ora, as demandas sociais permanecem no Distrito Federal como principal desafio à competência do poder público. Desatendê-las significa que o orçamento não foi concebido como programa de governo, mas à feição de simples listagem de receitas e despesas. Uma peça, portanto, sujeita a alterações segundo os caprichos da autoridade governante e em ultraje às aspirações da maioria dos governados. No caso, os contingentes empobrecidos da população.
Não está em causa discutir se a ponte é necessária ou não. É notório que se trata de iniciativa de grande impacto para reordenar a circulação em espaços urbanos críticos. A nova ligação do Lago Sul com o centro da cidade provocará efeitos consideráveis na melhoria do fluxo de tráfego em todas as direções. Mas constitui afronta a carências mais agudas efetivá-la com o sacrifício das populações desassistidas, expostas aos sofrimentos causados pela inexistência de infra-estruturas básicas de responsabilidade governamental.
O deslocamento para outra rubrica de verbas consignadas ao saneamento básico resultará de forma inevitável em agravo à situação da pobreza. A falta de tratamento de esgotos, drenagem das águas pluviais e extinção de fontes infectadas, entre outras mazelas, tende a ativar o surto de doenças endêmicas. O aumento da mortalidade infantil poderá ser o preço mais alto a ser pago pela omissão. As enfermidades infecto-contagiosas encontrarão o caldo de cultura adequado para proliferar.
A redução dos aportes orçamentários, para desespero dos grupos ameaçados, ocorre no exato instante em que a dengue se espalha em velocidade alarmante. Além disso, a exposição mais intensa aos riscos à saúde conduzirá à sobrecarga dos equipamentos hospitalares, já de si insuficientes para atender à clientela em situação de normalidade.
Parece que o povo humilde só é visto pelo GDF como massa de manobra para satisfazer ambições políticas. Não há vontade legítima de socorrê-lo com ações de efeitos perenes, mas de iludi-lo com migalhas. A proposta para transferir recursos da área social a fim de garantir a construção da ponte do Lago Sul é exemplo de grave erro administrativo e político.
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03/21/2002
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