Como o Executivo se apropria das propostas do Legislativo



O Poder Executivo utiliza, na montagem de sua estratégia política, assuntos, idéias ou textos de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, transformando-os em medidas provisórias ou propostas de sua iniciativa. Quem faz a constatação são os consultores Rafael Silveira e Silva, do Senado, e Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo, da Câmara dos Deputados, que estudaram 20 casos exemplares do fenômeno que chamam de "apropriação da agenda do Legislativo pelo Executivo".

Os consultores chegaram a criar um "índice de apropriação", que leva em consideração a participação dos parlamentares, a abordagem escolhida pelo Executivo para fazer uso da agenda do Legislativo e o instrumento adotado. Há casos em que se estabelece cooperação entre o parlamentar autor da proposição e o Executivo quanto ao aproveitamento do conteúdo, mas existem situações em que a apropriação se dá em ato unilateral.

O apoio aos hansenianos previsto na Medida Provisória (MP) 373/07, que resultou na Lei 11.520/07, foi originalmente proposto no Projeto de Lei do Senado (PLS) 206/06, de autoria do senador Tião Viana (PT-AC). Com a sanção da lei, o projeto, que se encontrava na Câmara dos Deputados, foi declarado prejudicado. Como o autor da proposta integra a base governista, a medida provisória, de acordo com o estudo, parece ter sido adotada em esquema de cooperação.

Conflitos

Nem sempre a apropriação se dá de forma tranquila. Rafael Silveira e Suely Mara citam, por exemplo, os conflitos que precederam a norma que disciplina direitos e deveres de empresas e estudantes no estágio - a Lei 11.788/08, formalmente originada de um projeto de autoria do senador Osmar Dias (PDT-PR), o PLS 473/03.

Em 2007, o Executivo apresentou, em regime de urgência constitucional, proposta sobre o tema, o Projeto de Lei (PL) 993, aprovado pela Câmara e encaminhado ao Senado. O senador requereu e obteve a tramitação conjunta com o PLS 473/03. As duas proposições, como notam os autores do estudo, foram remetidas às comissões de Educação e de Assuntos Sociais, para exame simultâneo.

Rejeição

Os pareceres dos relatores nas comissões de Educação, Raimundo Colombo (DEM-SC), e de Assuntos Sociais, Ideli Salvatti (PT-SC), foram pela aprovação do projeto do Executivo e rejeição da proposição de Osmar Dias.

No Plenário, solicitou-se o retorno do projeto para reexame da Comissão de Educação, que mudou seu ponto de vista e acolheu o projeto do parlamentar, sob a forma de um substitutivo. Com a confirmação do parecer da comissão pelo Plenário, considerou-se prejudicado o projeto do Executivo.

Descontentamento

Osmar Dias deixou claro seu descontentamento com os atropelos do Executivo em relação a projetos de autoria de parlamentares. No Plenário, ele disse que o governo "tentou roubar a autoria" da lei.

No caso, segundo os consultores, a apropriação foi um ato unilateral, sem a participação do autor. As divergências foram solucionadas politicamente, com a elaboração do substitutivo.

Primeiro emprego

O PL 1.394/03, de autoria do Executivo, resultou na Lei 10.748/03, que criou o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens, posteriormente revogada pela Lei 11.692/08, que trata do Programa Nacional de Inclusão de Jovens.

Rafael Silveira e Suely Mara observam que a proposição aproveitou a idéia e a força política da expressão "primeiro emprego" do PLS 142/95, de autoria de Osmar Dias, que propunha um Programa de Estímulo ao Primeiro Emprego.

Cartões de crédito

Em agosto de 2009, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) instaurou processo administrativo para apurar possível conduta anticompetitiva por parte da Visa do Brasil, da Visa International e da Visanet. O alvo era a relação de exclusividade entre o grupo Visa e a Visanet: todos os lojistas que desejassem aceitar cartões Visa precisavam contratar os serviços da Visanet. A SDE adotou medida preventiva para suspender a exclusividade e permitir que empresas interessadas em se tornarem credenciadoras Visa pudessem exercer a atividade.

O PLS 680/07, de autoria do senador Adelmir Santana (DEM-DF), veda cláusulas que estabeleçam exclusividade para algumas das partes nos contratos entre firmas adquirentes e bandeiras de cartões de crédito e débito.

Na avaliação dos consultores, o Executivo antecipou-se à finalização do processo legislativo e adotou uma medida na esfera dos atos de regulação voltada ao mesmo propósito da iniciativa parlamentar. "Provavelmente, essa opção enfraquecerá as chances de aprovação do projeto de lei", afirmam.

Regularização fundiária

Parlamentares ligados à questão urbana tentam, há alguns anos, elaborar uma futura Lei de Responsabilidade Territorial Urbana, em substituição à Lei 6.766/79, que regula o parcelamento do solo urbano. Um substitutivo elaborado por comissão especial da Câmara dos Deputados reuniu idéias constantes de 20 propostas sobre o tema, reunidas no PL 3.057/00.

Em março de 2009, como notam os consultores, o governo baixou a MP 459, que gerou a Lei 11.977/09, relativa ao programa Minha Casa, Minha Vida, com um capítulo sobre a regularização fundiária em áreas urbanas que se baseia integralmente em dispositivos do PL 3.057/00.

Rafael Silveira e Suely Mara explicam que as regras sobre regularização fundiária não eram necessárias na MP do Minha Casa, Minha Vida, já que esse programa abrange somente a construção de unidades residenciais em terrenos regulares do ponto de vista urbanístico. Segundo eles, a apropriação de parte relevante do projeto reduz as chances de aprovação, em curto prazo, da Lei de Responsabilidade Territorial Urbana.

Recursos genéticos

Como assinalam os autores do estudo, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), de 1992, assegura aos países detentores de recursos genéticos soberania sobre seu patrimônio e identifica o conhecimento tradicional como elemento essencial nas estratégias para conservação da biodiversidade.

Três anos depois, a senadora Marina Silva (PV-AC) apresentou o PLS 306/95, incluindo na legislação brasileira os temas tratados na convenção. Em 1998, o Executivo encaminhou ao Congresso duas proposições sobre o assunto: um projeto de lei (PL 4.751/98) com a mesma finalidade da iniciativa em tramitação no Senado e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 618/98, definindo o patrimônio genético como bem da União.

Ainda em 2000, a MP 2.052, editada sob a justificativa de ausência de normas quanto à bioprospecção, que impediria a plena aplicação da CDB, interrompeu as discussões no Congresso Nacional sobre os projetos. Votado em 1998 pelo Senado, o projeto de Marina Silva não teve seguimento na Câmara dos Deputados.

Resíduos sólidos

O PLS 354/89, de autoria do então senador Francisco Rollemberg (SE), foi aprovado e enviado à Câmara dos Deputados em 1991, onde tramitou como PL 203/91. Cerca de 180 proposições apensadas ao projeto prolongaram a discussão por mais de uma década. Em julho de 2006, comissão especial da Câmara aprovou um substitutivo reunindo vários projetos.

Um ano depois, o Executivo enviou ao Congresso o PL 1.991/07, anexado ao PL 203/91. O texto que resultou na Lei 12.305/10 aproveitou grande parte do projeto do Legislativo.

Meio ambiente

Desde 2007, a Câmara dos Deputados discute o pagamento por serviços ambientais (PSA), pelo qual atividades humanas de recuperação ou proteção dos ecossistemas recebem retribuição com caráter monetário ou não. A iniciativa mais antiga, como notam os consultores, é o PL 792/07, de autoria do deputado Anselmo de Jesus (PT-RO).

Os debates na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) sinalizaram a elaboração de um substitutivo do relator, deputado Jorge Khoury (DEM-BA), presidente do colegiado.

Os consultores observam que, mesmo estando diretamente envolvido nessas discussões, o Executivo optou por enviar sua própria proposta sobre o tema, o PL 5.487/09. "O texto encaminhado tem conteúdo bastante próximo do que já vinha sendo debatido como substitutivo do deputado Jorge Khoury", afirma o estudo dos consultores.

Ainda na área de meio ambiente, em 2003, o deputado Sarney Filho (PV-MA) apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2003 com o objetivo de regulamentar as atribuições comuns de União, estados e municípios previstas no artigo 23 da Constituição.

Segundo os consultores, o projeto manteve-se em tramitação lenta até que o Executivo inseriu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) proposta de sua autoria com a mesma finalidade do projeto original de Sarney Filho. "A redação das duas proposições não é a mesma, mas a estrutura dos principais dispositivos, sim", afirmam.

Política agrária

O PL 2.278/07, do deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), propôs alteração na Lei 8.666/93 para dispensar a licitação, na concessão de títulos de propriedade ou de direito real de uso de terras públicas da União, às pessoas físicas que tenham cumprido os requisitos mínimos de cultura e moradia sobre área rural de até 15 módulos fiscais.

A MP 422/08, de acordo com os consultores, reproduziu na íntegra o PL 2.278/07, que foi declarado prejudicado com a sanção da Lei 11.763/08, resultante da MP.No caso, conforme o estudo, ocorreu apropriação com o consentimento do autor do projeto.

O texto de Rafael Silveira e de Suely Mara integra o acervo do Centro de Estudos da Consultoria do Senado e pode ser acessado no seguinte endereço:



30/09/2010

Agência Senado


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