Consciência individual é freio à falta de ética na política, defende filósofo no Senado
Um dia depois da condenação do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, o Senado ouviu o filósofo Franklin Leopoldo e Silva fazer no auditório do Interlegis uma defesa apaixonada da capacidade de resistência do ser humano aos atos contra a consciência. Professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), ele foi o quinto intelectual a participar do Fórum Senado Brasil 2012, que segue até o dia 7 de agosto.
Franklin não se referiu diretamente ao episódio envolvendo Demóstenes, mas o tema surgiu já no momento em que o filósofo foi apresentado à audiência, e figurou em muitos dos comentários e perguntas durante o debate realizado na terça-feira (26). Em geral, o tom das intervenções foi de crítica a escândalos como o Caso Cachoeira. Os cidadãos presentes ao Interlegis quiseram saber do professor como o país poderia prevenir atos contra a ética e a moral na política, justamente o tema da conferência da noite.
Embora não tenha rechaçado as soluções institucionais, o filósofo concentrou seus argumentos no processo de conscientização do indivíduo: ao sintonizar-se com sua consciência e constituir-se como sujeito de suas ações, o indivíduo confronta seus apelos instintivos, e aqueles recebidos do meio social, com os alertas que são inerentes à reflexão e ao autoconhecimento. Tem, então, a chance de evitar atos que possam resultar em malefícios para si e para a comunidade.
Pródigo nas citações de Sartre e Hannah Arendt, além de Sócrates, o filósofo entende que o ser, com maior ou menor grau de consciência, sabe o que está fazendo, mas vive “sujeitado” em um mundo repleto de regras impostas pelo jogo social e pelos sistemas de poder.
- A ética e a moral não decorrem de regras e leis. Aquele que encontra a si mesmo, que é e escolhe como agir, vive de forma ética e moral, porque tem como valores éticos e morais aquilo que sua própria consciência lhe aponta – sentenciou.
Segundo Franklin, as regras sociais e as leis estão muitas vezes contaminadas por vícios. No nazismo, lembrou ele, um grande contingente de indivíduos agiu segundo ditames e leis que legitimaram o mal.
De todo modo, como processo subjetivo, o encontro do indivíduo com ele mesmo não é algo definível. Assim, como podemos saber que encontramos a verdadeira consciência?
- No fundo, é um mistério que todos terão de experimentar, de modo a desenvolver a capacidade de fazer julgamentos – aconselha, lembrando a máxima de Santo Agostinho, que associava o encontro do ser ao encontro de Deus no íntimo da alma. Para a filosofia laica, entretanto, a consciência é o próprio indivíduo, sem nenhuma interferência de divindades.
O risco de a individuação descambar para o solipsismo (isolamento) ou o narcisismo (autoadmiração excessiva) dever ser neutralizado pela ação no plano social, segundo Franklin:
- A única forma de se evitar o mal é pensar por si mesmo e agir com os outros – receitou o professor. Ele aproveitou a formulação de um participante sobre a utilidade do “pequeno não”, em contraponto ao ato heroico, para observar que a ação coletiva de muitos indivíduos conscientes representa “um grande não” com repercussões em larga escala.
Do ponto de vista histórico, a crise ética e moral da atualidade foi situada como a perda do sentido existencial e político que, de alguma forma, e com limitações, estava presente na Grécia clássica, onde surgiu a democracia. O professor da USP se referiu, por exemplo, ao individualismo distorcido das pregações de Benjamin Franklin, que incitava o homem a se tornar um empreendedor de si próprio. Curiosamente, também contribuíram para degradar o sentido da vivência comunitária movimentos libertários como a Revolução Francesa e aquele que levou à criação da ONU, em 1945. Aparentemente, a outorga de um amplo leque de direitos pode ter destituído as pessoas da capacidade de agirem por si mesmas.
- Há uma coincidência entre a proclamação de direitos e a ignorância deles – observou.
Franklin lamentou não ter respostas para os dilemas que normalmente surgem quando os seres humanos se lançam na aventura de fixar limites entre o bem e o mal, ou entre o que é próprio do indivíduo e o que é socialmente determinado. Trata-se, segundo ele, de uma contingência da vida que só pode ser contraposta pelo aprimoramento da consciência individual e pelo exercício do debate filosófico e da ação política. Ou seja, ao assumirmos a tarefa de melhorarmos a nós mesmos e ao mundo, ampliamos nossa visão e nossas chances de nos desviarmos de erros. Ainda assim, não nos livramos da incerteza, ingrediente inseparável da vida.
- O Estado nos colonizou e passamos a não ter com essa instância uma relação orgânica. Ao contrário, essa relação tem sido de submissão. A tal ponto que não conseguimos impedir que da democracia formal se passe ao totalitarismo – advertiu, lembrando ainda que é ilusória a ideia de um progresso político constante, imune a retrocessos.
Para embaralhar ainda mais o cenário, o professor da USP mencionou os desafios da modernidade, período a partir do qual abrimos mão da perspectiva sagrada e mítica, fonte de subjetividade, em prol de um ambiente movido a ciência e tecnologia e, portanto, voltado ao objeto.
Na perspectiva do homem como empreendedor de si mesmo, ou de mero intermediador de produtos, quando não, ele próprio, um produto, reduz-se o espaço para o cidadão político, que julga e age. O privilégio é para cidadão convertido em cliente da administração burocrática, sempre a demandar direitos e benefícios, e a reboque dos acontecimentos.
- Vivemos a tirania dos fatos – recitou o filósofo, recordando o poeta francês Paul Valery.
O Fórum Senado Brasil 2012 é coordenado pelo embaixador Jerônimo Moscardo, especialmente designado para o projeto pelo presidente do Senado, José Sarney.
27/06/2012
Agência Senado
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