Constituição: apesar das dificuldades, projetos de iniciativa popular ganham fôlego
Entrega do projeto de iniciativa popular da Ficha limpa em 2009, na Câmara: mudança histórica
Em julho, mais de 40 entidades apresentaram ao Congresso 1,9 milhão de assinaturas de apoio à criação de projeto que destina à saúde 10% da receita corrente bruta da União. A proposta, que tramita na Câmara (PLP 321/2013), é um exemplo do direito do povo de exercer o poder diretamente, por meio de projetos de lei de iniciativa popular — um dos avanços da Constituição de 1988.
Esse poder — regulamentado apenas em 1998, pela Lei 9.709 — já gerou duas normas legais decisivas para a evolução da democracia no país: as leis da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) e de combate à corrupção eleitoral (Lei 9.840/1999, que tipifica o crime de compra de votos) também são fruto de iniciativas populares apresentadas ao Congresso. No entanto, o instrumento ainda é pouco usado: em 25 anos, apenas quatro propostas desse tipo viraram lei — além das duas citadas, houve a lei que criou o Fundo Nacional de Habitação Popular (Lei 11.124/2005) e a Lei 8.930/1994, que considera crime hediondo assassinatos por motivo fútil ou com crueldade.
A pequena quantidade reflete a dificuldade em aprovar proposições desse tipo, avalia a consultora legislativa do Senado Conceição Alves. Para apresentar a proposta à Câmara, é necessário obter assinaturas de pelo menos 1% dos eleitores do país, o que hoje equivale a 1,4 milhão de pessoas. O nível de exigência desestimula a participação, acredita.
— Com menos assinaturas, dá para criar dois partidos políticos — compara a consultora, para quem o Legislativo só teria a ganhar com o fortalecimento da participação direta.
Um dos articuladores da participação popular na Constituinte e, recentemente, das campanhas pelas leis da Ficha Limpa e de combate à compra de votos, o arquiteto Francisco Whitaker, cita ainda outro empecilho. Como a verificação de tantas assinaturas pelos cartórios seria muito difícil e demorada, adotou-se outra fórmula: depois de obter o número necessário de subscrições, a proposta é entregue ao Congresso e assumida por um grupo de deputados, passando a tramitar então como iniciativa parlamentar. No início, a constatação de que as iniciativas populares não conseguiriam tramitar como tais causou frustração entre os ativistas.
— Aos poucos, porém, entendemos que era o caminho, caso contrário nunca tramitaria, porque os cartórios iam levar anos para certificar tudo.
Atualmente, tramitam no Congresso projetos que buscam facilitar a participação popular. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2011 reduz para 0,5% do eleitorado o número de assinaturas necessárias para apresentação de projetos de lei e abre a possibilidade de os cidadãos apresentarem PECs. A PEC 2/1999 também estabelece o percentual de 0,5%. Os PLSs 84/2011 e 129/2010 permitem a assinatura eletrônica aos projetos de iniciativa popular. O PRS 19/2013 facilita a apresentação, ao Senado, de propostas de fiscalização e de sugestões legislativas vindas da população.
Enquanto isso, pelo menos dez iniciativas populares estão correndo o Brasil atualmente, estima Whitaker. Ele acredita que o instrumento ganhou notoriedade depois da Ficha Limpa e, por isso, começa agora a ser mais conhecido pela população.
— Com maior ou menor dificuldade, essas iniciativas vão chegar ao Congresso, o que coroa um pouco o sentimento que surgiu nas ruas no mês de junho: essa vontade de participar, essa consciência de que a democracia representativa pura e simples não satisfaz, não basta. As pessoas querem mais do que isso, querem instrumentos de participação direta no processo decisório da vida política nacional.
25/10/2013
Agência Senado
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