CPI quer tirar direitos políticos de Maluf



CPI quer tirar direitos políticos de Maluf SÃO PAULO. O presidente da CPI da Educação da Câmara de Vereadores, Carlos Gianazzi (PT), disse ontem que vai pedir a cassação dos direitos políticos do ex-prefeito Paulo Maluf (PPB). Líder nas pesquisas para o governo de São Paulo, Maluf depôs durante mais de quatro horas à CPI. Segundo Gianazzi, as explicações do ex-prefeito foram insuficientes. De acordo com o presidente da CPI, relatórios técnicos do Tribunal de Contas do Município mostram que Maluf deixou de investir R$ 991 milhões em educação em 1995 e 1996, quando era prefeito. A suspensão dos direitos políticos é uma das penas previstas pela lei que obriga as prefeituras a investirem 30% do orçamento em educação. Além de Maluf, Gianazzi quer a suspensão dos direitos políticos do ex-prefeito Celso Pitta, que era secretário de Finanças em 1995 e 1996, e de todos os ex-secretários de Finanças e Educação das gestões Maluf e Pitta, menos do ex-vice-prefeito e ex-secretário da Educação Régis de Oliveira, autor das denúncias que motivaram a CPI. O pedido de cassação, no entanto, tem um longo caminho pela frente. Primeiro, Gianazzi terá que aprovar o pedido no relatório final da CPI. O relatório precisa ser aceito pelo Ministério Público do Estado, que só então poderá enviar o pedido de cassação à Justiça. Maluf contesta a atitude do presidente da CPI. No depoimento, apresentou uma avalanche de dados técnicos e jurídicos para se defender das acusações. — Tive a oportunidade de poder esclarecer à CPI da Educação que tenho orgulho de ter feito a melhor obra na área da educação na prefeitura de São Paulo — disse. Maluf prestou seu terceiro depoimento a CPIs da Câmara este ano. Antes, teve que dar esclarecimentos às comissões que investigam a dívida pública e irregularidades no Tribunal de Contas do Município. Na segunda-feira, o ex-prefeito voltará a depor na CPI da Dívida Pública. Desta vez, os investimentos do ex-prefeito e de sua família na Ilha de Jersey devem monopolizar o depoimento. A vereadora Anna Martins (PCdoB), presidente da comissão, recebeu ontem, das operadoras BCP e Telesp Celular, os documentos referentes à quebra de sigilo telefônico de Maluf e seus parentes. Hoje devem chegar as contas da Embratel e da Intelig. Os integrantes da CPI usarão os dados obtidos com a quebra do sigilo para pressionar o ex-prefeito. FH processará Itamar por injúria e difamação BRASÍLIA e RIO. O presidente Fernando Henrique processará criminalmente o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, por injúria e difamação, por causa de suas declarações numa palestra no Clube Militar, anteontem, no Rio. Fernando Henrique ficou muito irritado com os novos ataques de Itamar, principalmente com a afirmação de que ele poderia até mesmo fraudar a eleição presidencial de 2002. Caberá ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, oferecer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) denúncia-crime contra o governador. Ontem à noite, Brindeiro recebeu pedido do ministro da Justiça, José Gregori, para tomar as providências contra Itamar. A ação será apresentada ao STJ, foro adequado de governadores. Ao deixar uma cerimônia na embaixada de Portugal, Fernando Henrique comentou as declarações do governador: — Vou interpelá-lo judicialmente — disse o presidente, com a fisionomia fechada. Itamar se reuniu ontem, no Rio, com o presidente do PMDB de São Paulo, Orestes Quércia, o senador Íris Rezende (PMDB-GO), o ex-deputado Paes de Andrade (PMDB-CE) e o deputado Marcelo Barbieri (PMDB-SP). O governador de Minas confirmou presença na convenção do PMDB, marcada para domingo que vem, para defender a tese da candidatura própria. Itamar disse ainda que vai recorrer à Comissão de Direitos Humanos, Econômicos e Sociais da Organização dos Estados Americanos (OEA) para garantir a lisura do processo eleitoral em 2002. PMDB quer retomar comando da Comissão de Ética e proteger Jader BRASÍLIA. A ameaça do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) de voltar a presidir o Senado desencadeou uma guerra entre o PMDB e os outros partidos pelo comando do processo que pode levar à sua cassação. Para garantir o retorno de Jader, o PMDB anunciou uma manobra para tirar a presidência interina do Conselho de Ética do pefelista Geraldo Althoff (SC). Isso às vésperas da entrega do relatório da comissão que deve recomendar a abertura de processo contra Jader. O presidente do conselho, Gilberto Mestrinho (PMDB-AM), licenciado para tratamento médico, renunciou. Com a renúncia, um novo peedebistapemedebista foi escolhido a dedo pelo líder Renan Calheiros (AL): Juvêncio da Fonseca (MS). De volta ao comando, o PMDB pode obstruir o processo. Mas o PFL, com o apoio da oposição e do PSDB, pretende derrubar a indicação no voto. Althoff foi eleito vice-presidente e assumiu a presidência com a licença de Mestrinho e quer correr contra o tempo para votar o relatório da comissão antes da eleição do novo presidente. Althoff vai receber o relatório da comissão de investigação segunda-feira e espera votá-lo até o dia 13, um ou dois dias antes. Unidos, oposição e dois partidos da base prometem pela primeira vez não aceitar a escolha do PMDB, que tem a prerrogativa de indicar o presidente por ser a maior bancada. — Essa função é para alguém que tenha coragem suficiente para suportar os reveses da missão em nome da dignidade da Casa — disse Agripino Maia (PFL-RN). À frente da articulação para impedir o retorno de Jader, o PFL está disposto até a apoiar um nome da oposição para presidir o Conselho de Ética. Nos bastidores, já se fala em Jefferson Peres (PDT-AM). — O Juvêncio não pode ficar nessa função. Ele é aliado de Jader, inclusive foi Jader quem o trouxe de volta ao PMDB. Jefferson Peres seria aceito por todos os partidos, ele é um legalista — disse um pefelista. As articulações foram comandadas pelo presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), que, assim que soube da renúncia de Mestrinho, conversou com os senadores mais ligados a ele e com os da bancada baiana, fiéis ao ex-senador Antonio Carlos Magalhães, e detonou a operação. — A cada ação corresponde uma reação. Vamos reagir — comentou Bornhausen com os pefelistas. A rebelião não pára por aí. José Eduardo Dutra (PT-SE) apresentou à Mesa um projeto de resolução para impedir o retorno de Jader à presidência. O projeto, que tem a assinatura de Peres e de Heloísa Helena (PT-AL), prevê uma alteração no regimento interno para proibir os senadores que estejam sendo investigados pelo Conselho de Ética de ocupar qualquer cargo na Mesa. Como se trata de projeto de resolução, basta ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário. A idéia é que o projeto entre em vigor antes do fim da licença de Jader, dia 17. O presidente da comissão, Bernardo Cabral (PFL-AM) já garantiu que vai adotar o rito sumário. A próxima reunião da comissão está marcada para dia 12. Se o presidente em exercício, Edison Lobão (PFL-MA), levar o projeto ao plenário com urgência, ele poderá ser aprovado logo após a votação na comissão. Aumentando a pressão sobre sobre os integrantes da comissão de investigação do Conselho de Ética — Peres, Romeu Tuma (PFL-SP) e João Alberto (PMDB-MA) — Jader enviou uma carta reclamando da conduta dos senadores responsáveis pela elaboração do relatório que deverá recomendar a abertura do processo de quebra de decoro parlamentar. Questionando a legitimidade, a competência e a legalidade dos senadores, Jader disse que a comissão agiu de maneira imprópria e inadequada ao convocar outras pessoas para dar depoimento sobre o caso Banpará. “Quero externar minha estupefação pelo inusitado da medida, que fere o regimento interno do Senado, representa um desvio do objeto dos trabalhos da comissão e parece ter como escopo, mais uma vez, atender aos anseios da imprensa de estar permanentemente municiada para acessar suas baterias contra mim”, diz a carta. Roseana terá destaque na TV nos estados BRASÍLIA. A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), terá espaço garantido nos programas políticos regionais do partido até o fim do ano. Os dirigentes de todos os estados decidiram ontem, em reunião da executiva nacional, ceder um terço dos seus programas para manter Roseana em evidência. A decisão foi motivada pela pesquisa encomendada pelo PFL ao Instituto Vox Populi e divulgada ontem: ela está em terceiro lugar na disputa presidencial, com 14%. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve 32%; Ciro Gomes (PPS), 15%; Itamar Franco (PMDB), 9%; Anthony Garotinho (PSB), 7%; José Serra (PSDB), 6%. O presidente do partido, senador Jorge Bornhausen, disse que o trabalho do PFL é apresentar Roseana como uma das opções dos partidos governistas. O candidato seria escolhido em eleições primárias ou numa prévia. Lula disse em Fortaleza que Roseana “é moeda de barganha do PFL” para indicar um candidato a vice na chapa governista. FH: candidato não tem de ser do PSDB e deverá unir as forças numa aliança BRASÍLIA. O presidente Fernando Henrique disse que considera “uma bobagem” discutir se quem vai escolher o candidato do governo à sua sucessão é ele ou o PSDB. Em conversa com O GLOBO, o presidente deixou claro que o candidato será aquele que se viabilizar, ainda que não seja do PSDB. Disse que o nome será o de quem estiver em boa situação nas pesquisas e, principalmente, estiver em condições de aglutinar as forças governistas numa aliança. — Quem disse que está decidido que o candidato é do PSDB? Não há decisão nenhuma sobre isso. Se quero fazer uma aliança com os outros partidos (PFL e PMDB), como posso querer o apoio deles para o nosso candidato sem admitir apoiar um candidato deles? — disse Fernando Henrique, ao falar sobre a possibilidade de um pefelista como a governadora Roseana Sarney encabeçar a chapa governista para a eleição presidencial de 2002. Fernando Henrique acredita que a melhor ocasião para a escolha do candidato é o início do ano que vem, provavelmente em janeiro, como havia anunciado anteriormente. Mas ainda não tem idéia sobre qual será o processo formal de escolha, ainda mais numa composição com o PFL e o PMDB. Admite, sem entusiasmo, a realização de prévias. — Temos que esperar, não está na hora de escolher nomes. Até outubro, por exemplo, ainda podem ser feitas as mudanças de partido. Mas teremos um critério — disse. Fernando Henrique fez questão de dar ênfase, em primeiro lugar, à articulação da aliança com os outros partidos. E não deixou de alfinetar os caciques de seu partido que declararam há dias que a escolha caberá ao PSDB e que o presidente não vai tirar o nome do bolso do colete. — Isso é uma bobagem. O candidato será o que estiver bem nas pesquisas, mas terá, também, que favorecer a composição da aliança. Aí, então, o nome surgirá. Ungiremos este nome. E depois, então, eu rezarei — brincou Fernando Henrique. O presidente não citou nomes, mas, ao estabelecer a composição com os aliados como um dos critérios para a escolha do candidato, mantém no páreo o governador do Ceará, Tasso Jereissati. O governador tem tido nas pesquisas desempenho pior do que o do ministro da Saúde, José Serra. Mas é considerado hoje um nome mais palatável para uma composição com o PFL do que o ministro da Saúde. Serra teria mais facilidade para obter o apoio do PMDB, seja numa aliança formal, seja numa estratégia de rachar o partido e fazer acordos regionais com seus principais caciques. Apesar das afirmações do presidente, porém, entre os governistas poucos consideram a hipótese de a chapa governista ser encabeçada por um não-tucano. Para eles, a declaração de Fernando Henrique deve ser tomada como uma delicadeza política para com os aliados no momento em que o PSDB acelera os movimentos internos. Artigos O desafio de exportar CARLOS TAVARES DE OLIVEIRA Ainda que antigas, duas oportunas considerações devem ser levadas em conta no julgamento do medíocre resultado das exportações e da respectiva atuação dos empresários do setor. A primeira é que, na porta da fábrica ou na porteira das empresas agrícolas, os produtos brasileiros têm preços internacionais imbatíveis. A outra, quase um complemento, diz respeito à repetida e desatendida reivindicação dos exportadores, solicitando apenas igualdade de condições com a concorrência internacional. Pela análise conjunta das duas questões, chega-se à conclusão de que são os diversos itens intermediários, de crédito e serviço, os responsáveis não só pela insatisfatória colocação dos produtos brasileiros no mercado externo, mas também pelo conseqüente desinteresse dos empresários em dedicar-se à exportação. Nos últimos anos, apesar das promessas governamentais, a situação agravou-se com a concorrência mais ativa de outros países emergentes e a ineficiente defesa contra o protecionismo das nações ricas, refletindo na queda da participação brasileira no grande bolo do mercado internacional (bem menos de 1%). Durante os seis anos do governo Fernando Henrique, as exportações apresentaram crescimento medíocre de apenas 20%, passando de US$ 46,5 bilhões, em 1995, a US$ 55 bilhões, em 2000. Desde 1982, vinha o Brasil acumulando apreciável seqüência de superávits na balança comercial que culminou com o de US$ 10,4 bilhões, em 1994. A partir daí, com a desmedida abertura das importações, inverteu-se a tendência, registrando-se ininterrupto rosário de déficits, que, no período de 1995 a 2000, totalizaram US$ 24,3 bilhões. Torna-se oportuno notar que mais de 60% desse déficit (US$ 16,3 bilhões) correspondem aos resultados negativos apurados pela Zona Franca (de importação) de Manaus. Este ano, não fosse o vultoso déficit da ZFM (até junho já chegava a US$ 1,1 bilhão), a balança comercial brasileira poderia até apresentar expressivo superávit. Caso o governo condicionasse a concessão de dólares para a importação, na ZFM, ao compromisso de retorno do mesmo valor em divisas com a exportação, seria outra a situação cambial do país. Para chegar à almejada igualdade de condições com a concorrência internacional teria o Brasil que melhorar substancialmente a assistência e a qualidade dos serviços prestados aos exportadores. Embora por demais conhecidos, não custa repetir os itens de que se trata: integral isenção de impostos; aumentar e agilizar os financiamentos; melhorar e reduzir os custos dos serviços portuários, além de realizar de fato a promoção comercial no exterior. Na realidade, todo esse suporte foi praticamente abrangido pelo programa de exportações de 2001, lançado pelo ex-ministro Alcides Tápias em novembro do ano passado, anunciando onze medidas básicas para elevar em 20% as exportações, no corrente exercício. Recentemente, em entrevista ao jornal “Valor”, o presidente FH, enaltecendo a prioridade dada à exportação, reclamou: “O empresariado chora muito. Muito mesmo. Eles não pagam um tostão de imposto. Tiramos o que é possível de entrave burocrático.” Dias depois, em bem documentada defesa dos exportadores, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) divulgou dados impressionantes. Das onze medidas prometidas pelo ex-ministro, apenas duas foram de fato adotadas. Em outra abalizada pesquisa, a AEB apurou que mais de 50 tributos, gravames e encargos, diretos e indiretos, continuam recaindo sobre as vendas para o mercado internacional. A China, há vinte anos campeã do crescimento das exportações, com taxa média anual de 15%, adotou engenhoso sistema de devolução de impostos, que pode chegar a 20%. Por ocasião do embarque, mediante comprovação, o exportador recebe do governo central a devolução de todos os tributos recolhidos, diretos e indiretos, inclusive nas províncias. Lamentavelmente, a desastrada maxidesvalorização do real, em janeiro de 99, além das fraudes cambiais e do empobrecimento da nação (hoje o PIB mal passa de US$ 500 bilhões), não impulsionou a exportação. Ficou comprovado que não basta ter bom preço, é preciso haver estrutura e saber vender. Agora, para substituir o ministro-empresário que não pôde realizar os seus projetos, assumiu a pasta de Desenvolvimento e Comércio Exterior o embaixador Sérgio Amaral, que acumula dois consideráveis trunfos: sabe da importância para exportação da boa imagem do Brasil no exterior e é amigo-conselheiro do presidente. Aliás, em decorrência dessas credenciais, em 1996 e 1997, Amaral estimulou a realização de duas entrevistas coletivas de FH com os correspondentes estrangeiros, as primeiras (e únicas) do gênero concedidas por presidente brasileiro e que tiveram significativa repercussão no exterior. Diplomata experimentado, o novo ministro, logo ao ser indicado, confirmou os seus conhecimentos do assunto ao acentuar que “a principal arma para aumentar as exportações será a promoção dos produtos brasileiros no exterior”. Embora a boa imagem do país e de seus produtos seja da maior importância, Amaral vai lutar nas outras frentes: com a Receita Federal para evitar a única exportação que não interessa, a de impostos; com o Banco Central e o BNDES para melhorar os financiamentos; e com o Ministério dos Transportes para completar a modernização dos portos. Se possível, ajudando a impedir o retrocesso que se prepara no setor, com a criação de nova estatal, em Santos, para substituir a falida Companhia Docas na inglória tarefa de dificultar a exportação. Feliz mesmo é a Embraer, cujos produtos voam diretamente da fábrica, líder em exportação, aos importadores no exterior, passando literalmente por alto pelos portos e seus problemas. A arte de viver ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA Nunca antes os indivíduos foram tão confrontados a si mesmos, um pé na liberdade e outro na solidão. Estilhaçaram-se referências tradicionais: a mistura de globalização, cosmopolitismo, turismo esmaeceu as fronteiras da nacionalidade. As famílias, por sua vez, hoje são múltiplas e não parecem nada com papai e mamãe vivendo a vida toda debaixo do mesmo teto. O sexo não coincide forçosamente com a sexualidade. E a flexibilidade no trabalho não promete a ninguém emprego para a vida inteira, o chope com os colegas no fim do dia, a carona para casa. A sociedade já não se oferece como uma figura em que os indivíduos se encaixam atendendo a perfis e definições preestabelecidos pela tradição. Há para cada um a possibilidade de um percurso original traçado por escolhas pessoais. Se antes, no espelho, nos esperava a imagem impressa pelas convenções, hoje o espelho devolverá a imagem do que decidirmos inventar como nossa história. Cada um é chamado a ser autor de si mesmo, a escrever sua autobiografia -- do it yourself -- aceitando, com a pretensa liberdade que vem da quebra dos padrões tradicionais, a entrada inexorável na sociedade do risco. A autobiografia é a narrativa de nosso tempo. Paradoxo: a verdade é que não temos escolha, estamos condenados a escolher, habitando nossas vidas sem roteiro prévio. Entretanto, não nos enganemos: não se trata do triunfo da individualidade, mas de uma condenação em massa. Nas sociedades tradicionais, as identidades obedeciam ao destino. Mas o destino não é mais o que era antes. A construção da identidade na sociedade do risco é uma corrida de obstáculos, exigindo atenção permanente para que não se confunda liberdade com múltipla escolha. Sempre considerei desastrosa a pedagogia da múltipla escolha porque fechava o horizonte e imprimia uma verdade como limite. Arvorando-se em moderna, essa pedagogia só servia à correção expeditiva das provas, suprimindo a possibilidade do inusitado. Tampouco acho confortável ligar para algum lugar em que me ofereçam um conjunto de alternativas, e que a cada uma corresponda um dígito, como se me oferecessem uma escolha, quando na verdade restringem as minhas opções àquelas previamente gravadas, deixando de fora a individualidade da minha pergunta, supostamente para me atender melhor. Não me atende, não serve ao meu interesse, mas ao de quem, sem me consultar, impõe autoritariamente o seu interesse, vendendo-o como se fosse o meu conforto. Serve esse exemplo como metáfora do que se afigura uma escolha múltipla e que, na verdade, é uma prisão. Vivemos assim, movendo-nos numa selva de signos, códigos e instruções, onde o diálogo é mais freqüente com as máquinas do que com pessoas, longe do inesperado e da originalidade. Escolhas programadas têm pouco a ver com a liberdade. É como escolher entre as várias marcas de um mesmo produto, entre várias imagens de si que, pré-fabricadas, lotam os balcões do marketing na sociedade de consumo. Nessas imagens somos levados a nos encaixar, submissos, como nos encaixávamos nas tradições. Há algo de terrivelmente contraditório em livrar-se dos constrangimentos do passado e viver a liberdade individual em um contexto sobre o qual não se tem controle. Como se um rei Ubu nos forçasse todo dia aos exercícios matinais da liberdade. Escolhas triviais podem ser ilusórias, a menos que o indivíduo, superando-se a si mesmo, reconquiste a condição de sujeito e se torne alguém que constrói, a partir de fragmentos, uma vida impregnada de sentido, na qual a relação humana e os projetos de futuro não se tornem opacos, envolvidos na neblina do ego, sem graça, sem gosto, sem cumplicidade, sem o outro. Na ausência dos outros, de uma comunidade de desejos e projetos, o que resta não é a autonomia, mas a solidão. Se você cai doente, a culpa há de ser sua, do seu excesso de tensão. Se você perde o emprego, é porque não foi suficientemente pró-ativo, empreendedor, não soube se requalificar para o mercado. Esse mercado, de que se fala, num surto animista, como de uma tia velha e severa, que pune quem não se comporta como ela quer. A individualidade exacerbada, em que você não é responsável por ninguém senão por você mesmo, tem a sua contrapartida: ninguém é responsável por você. E se fracassar, em um mundo adverso, a culpa será sua. Cada um por si, que trate de encontrar na sua vida a solução para os problemas, às vezes insolúveis, produzidos por um sistema social que se desenha fora do seu controle. Todos são convidados a se autodefinir, sem que tenham poder algum sobre o contexto que torna essa definição realizável ou não. Na contramão de tudo isso, conferir um sentido à vida hoje é da ordem do milagre, é obra de artista. Agenciar os fragmentos, construir figuras coerentes e dar-lhes a beleza, a transparência e a luminosidade de um vitral. O que não se faz sozinho, senão com aqueles empenhados na mesma busca de sentido, na cuidadosa e difícil arte de viver. Colunistas PANORAMA POLÍTICO – TEREZA CRUVINEL Ritos da escolha Movimentam-se os tucanos para instituir ritos e regras para a escolha do candidato a presidente. Esse o sentido da reunião de cúpula que farão dia 21, em Goiânia. Até aqui, o processo foi dirigido pela dinâmica política, que vem favorecendo o ministro José Serra, mas não exclui o governador Tasso Jereissati. Já ao ministro Paulo Renato, os tucanos querem dizer que é hora de refazer os planos. Mas há outro ator relevante no processo, o presidente Fernando Henrique, para quem o primeiro passo é a composição com os aliados. O que não invalida a busca dos tucanos por um cânone, uma regra que garanta a racionalidade da escolha e, mais ainda, a unidade em torno dela. Evitar uma disputa na convenção, por exemplo, é fundamental. E para que só um pretendente se apresente, será preciso a costura prévia. Quem vai dizer, por exemplo, que Serra será melhor candidato que Tasso ou vice-versa? E com base em que critério, pesquisas ou prévias ou aceitação dos aliados? Quem terá voz e voto nesse processo? — A reunião de Goiânia será o primeiro de uma série de encontros que devemos ter. Na hora certa, e em sintonia com o presidente, encontraremos o roteiro. Pois se há uma precondição para a vitória é a de que o candidato vista a camisa do governo — diz o presidente do partido, José Aníbal. Quanto aos nomes, parece consolidada no partido a percepção de que Malan foi uma sonho passageiro de FH e que as opções reais são Serra e Tasso. Percepção que impõe a necessidade de chamar à realidade o ministro da Educação, Paulo Renato, que continua alimentando a esperança de ser o escolhido, com base na boa avaliação de suas políticas educacionais. Essa será uma conversa difícil e ninguém até agora candidatou-se a pôr a guizo no gato. Embora não tenha decolado nas pesquisas, um Paulo Renato magoado poderia torpedear o escolhido. Já vive às turras com Serra e, se excluído, talvez decidisse apoiar Tasso. Mas seria um contra-senso, pois seu plano B é candidatar-se ao Senado por São Paulo, o que dificilmente conseguiria sem o aval de Serra. De todo modo, até em sinal de apreço, para que ele possa rever em tempo seus planos políticos, os tucanos acham que é preciso despertá-lo. Mas acham que só há uma pessoa credenciada a fazer isso, o próprio FH. E este, tendo janeiro como horizonte, prefere mais gente em campo para embaralhar o jogo.CPIs: a volta do cipó de aroeira Quando era mais forte e tinha longa vida pela frente, o governo engavetou todas as CPIs que pôde. Quando não pôde, jogou-as para o fim da fila. Agora elas estão vindo, no ocaso do governo e muito próximas da eleição. Vieram a do Banespa e a do Proer, semana que vem instala-se a do Sivam. Por mais extemporâneas que sejam, farão ruídos de algum alcance eleitoral. Esse é um risco. Já a suspeita de que tantas CPIs sejam fruto de conspirações eleitorais no interior da coalizão governista é paranóia pura. O ministro Pedro Malan, por exemplo, estranhou que o presidente da Câmara, Aécio Neves, tivesse facilitado a instalação da CPI do Proer, que vai incomodá-lo. Aécio não teve nada com isso. A CPI foi aprovada em 1987, estava na fila, chegou sua hora de ser instalada. O que Aécio não poderia fazer era engavetá-la contra o regimento e a Constituição. Se não o ministro, pelo menos auxiliares seus suspeitaram de que se buscou, com a CPI do Proer, criar constrangimentos à sua filiação ao PSDB. Filiação que, por sinal, ele vive recusando.Outros tempos Chega ao fim hoje, com a votação final no Senado, a era e a regra que permitia ao governo o uso amplo e irrestrito de medidas provisórias. O Judiciário respira aliviado. — O quadro jurídico estava ficando impossível. Se o próprio Congresso não tomasse a iniciativa, e já cumprimentei o presidente Aécio Neves por isso, o Judiciário seria obrigado a fazer alguma coisa — diz o presidente do STJ, ministro Paulo Costa Leite. Ele não gostou dessa regra do “freezer”, pela qual as MPs em vigor e as que estão sendo desovadas na undécima hora ficarão em vigor sem prazo para serem votadas. Uma coisa inusitada, mas acha que o preço vale a nova regra.Agravo ao Rio Pior do que a redução dos recursos federais para o Rio no Orçamento de 2002 é a execução orçamentária absolutamente restritiva deste ano, constatou a bancada federal. Apenas 2,49% dos recursos previstos foram liberados. Os deputados — sob a coordenação de Jandira Feghali (PCdoB), Alexandre Santos (PSDB), Laura Carneiro (PFL), Fernando Gonçalves (PTB) e Jorge Bittar (PT) — decidiu publicar nota de protesto e pedir explicações ao ministro Aloysio Nunes Ferreira. O líder do PSB do governador Garotinho, Alexandre Cardoso, comparou o tratamento dado ao Rio e a estados governados por aliados do Planalto. — São Paulo teve o melhor tratamento, 23,35% dos recursos liberados. O Ceará, em seguida, teve 16,15%. Por sinal, estados dos dois principais presidenciáveis tucanos. O Rio ficou em 23 posição. Sinal claro de discriminação. O PFL abra o olho. O Maranhão de Roseana Sarney teve apenas 2,89% liberados. Editorial Quem paga a conta Conceder passe livre a deficientes e portadores de doenças crônicas, para que possam viajar de graça em ônibus, trens, metrô e barcas, é uma medida sem dúvida muito simpática. Como foi simpático conceder o benefício aos estudantes da rede pública de ensino do Rio de Janeiro e aos idosos. Simpático e fácil, porque a medida não tem custos imediatamente perceptíveis. O problema é que as coisas não funcionam assim. Como dizem os economistas, não há almoço de graça. Uma viagem de ônibus, como qualquer outro serviço ou qualquer produto, sempre será paga: senão pelo passageiro, então pela própria empresa de transportes ou, caso se trate de um subsídio, pelo Estado — o que equivale a dizer: pelos contribuintes. Pelos cálculos do deputado Paulo Pinheiro, um dos autores do projeto aprovado na Câmara dos Deputados, o passe livre a ser concedido a deficientes e doentes crônicos deve beneficiar pelo menos 700 mil pessoas. É um número tão grande que, caso a lei seja sancionada pelo governador do estado, obviamente repercutirá de maneira muito significativa sobre a rentabilidade das empresas. As autoridades certamente não têm a intenção de conceder algum subsídio, assim como não pretendem permitir que a perda de receita seja compensada por um aumento das passagens. Se as companhias, por algum motivo, não se dispuserem a recorrer à Justiça, ou, recorrendo, perderem, pode-se considerar inevitável que o serviço que prestam à população — e que hoje já está longe de ser primoroso — vai sofrer alguma deterioração adicional. Porque as empresas seguramente não vão aceitar passivamente uma redução de seus lucros; muito menos, se as coisas chegarem a esse ponto, o desaparecimento completo do lucro ou a sua transformação em prejuízo. O que significa que o benefício, em última análise, estará sendo pago pelos usuários do sistema de transportes — não em dinheiro, mas em maior desconforto e até mesmo risco. Isso não está nos planos dos autores do projeto; mas será uma conseqüência lógica da nova lei. Topo da página

09/06/2001


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