Criadores da bossa nova acolheram tendência modernizante
Empossado em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek logo tratou de fazer deslanchar seu projeto desenvolvimentista, que acenava com a possibilidade concreta de, finalmente, transformar o Brasil, de um país agrário e atrasado, em uma nação moderna, industrializada e urbana, candidatando-se a tomar parte no competitivo mercado internacional. O Programa de Metas, concebido para orientar as grandes mudanças anunciadas, legaria, ao final do mandato de JK, um crescimento industrial de 96% (período de 55 a 61); a instalação da indústria automotiva, em São Paulo; 23 mil quilômetros de estradas interligando o país de Norte a Sul, além da construção de Brasília, ícone maior da modernidade do país.
O jornalista e crítico musical Tárik de Souza menciona o que seria uma articulação espontânea entre as manifestações artísticas da época com o êxito da política desenvolvimentista de Juscelino. "Como se seguisse fielmente o programa do governo Juscelino (1955-1960), Tom Jobim arquitetou um edifício musical de traços arrojados e urbanos, como a Brasília saída da prancheta modernista de Oscar Niemeyer. Em sinergia com o cinema novo, o Teatro de Arena, o concretismo na poesia e o neoconcretismo das artes plásticas, a bossa nova muda a fachada do país."
Mas, certamente, nem mesmo a época em que surgiu a bossa nova, tida como de transformações econômicas e sociais, aliadas à prosperidade e liberdade política, teria produzido aquele movimento, não fosse o talento dos seus criadores. Estes, por sua vez, os chamados "pais da bossa nova", como Tom Jobim, acolheram, de bom grado, a herança viva de uma tendência modernizante, presente na música popular desde os anos 30.
Já naquela época, através da incorporação de elementos da música erudita e do jazz, compositores como Ari Barroso, Custódio Mesquita, Hekel Tavares e Valdemar Henrique surpreendiam pelo uso de harmonias totalmente incomuns para a chamada música-padrão, que se fazia no período. Essa tendência modernizante ganharia novos e importantes reforços na década de 1940, com nomes de violonistas-compositores como Valzinho (Norival Carlos Teixeira) e Garoto (Aníbal Augusto Sardinha). São também desta fase os choros de Radamés Gnattali, cujas características harmônicas estimularam os compositores interessados em fazer uma música além do padrão da época.
Foi nos bares, boates e "inferninhos" de Copacabana, para onde o centro de gravidade da boemia carioca havia se mudado na chegada dos anos 50, que os instrumentistas identificados com a modernização da música popular brasileira passaram a se encontrar. De acordo com o jornalista, escritor e pesquisador da Música Popular Brasileira Sérgio Cabral, a expressão "música de boate" apareceu nessa fase, para classificar esse tipo de música. Seus intérpretes, entre os quais Dick Farney, Dóris Monteiro, Os Cariocas, Tito Madi, Lúcio Alves, se uniam em torno do então diretor artístico da gravadora Continental, Tom Jobim.
Em 1953, o jovem pianista Johnny Alf, que já havia conquistado a admiração de gente como Lúcio Alves, João Gilberto e do próprio Tom, apresentou pela primeira vez uma nova composição, Rapaz de Bem, numa boate, em Copacabana. Essa música chamaria a atenção dos instrumentistas e compositores, "pelas audaciosas soluções harmônicas e mesmo melódicas", nota Cabral.Até 1954, havia muitas dificuldades para aquele tipo de música chegar às gravadoras, às emissoras de rádio e até mesmo às boates. No texto de apresentação do seu disco Muito à Vontade (relançado em 2002), o pianista João Donato - um dos preferidos de Tom Jobim - dá bem uma idéia de como as coisas se passavam entre os músicos:
"Tem gente que me pergunta se quando eu tocava nas boates, desequilibrava tudo. Mas não é nada disso. Os gerentes achavam chato quando eu dava uma canja, porque eu mudava um pouco a levada. Deixava de ser uma coisa frenética pra virar uma coisa suave. E na cabeça deles isso não era comercial. As pessoas não dançavam nem bebiam whisky. Quando eu chegava nas boates, geralmente onde tocava o Milton Banana (considerado "o" baterista de bossa nova), meu camaradinha, ele falava: "pô bicho, temos que esperar até de madrugada, quando esvazia, quando os fregueses forem embora. Aí, a onça morreu, a mata é nossa". Então tinha que esperar até três, quatro horas da madrugada, para poder dar uma canja, e grátis!"
01/08/2008
Agência Senado
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