Em dia de candidato, Serra pede união do PSDB







Em dia de candidato, Serra pede união do PSDB
Ao lado de Alckmin, ministro é recebido como presidenciável, mas adia definição

O ministro da Saúde, José Serra, teve uma recepção de candidato ontem em São Paulo, durante convenção municipal do PSDB que reuniu centenas de militantes tucanos. Aos gritos de “1, 2, 3, 4, 5 mil, queremos José Serra presidente do Brasil”, o ministro foi conduzido ao palanque pelo vereador paulistano Dalton Silvano. Pelo caminho, Serra distribuiu abraços, apertos de mão e até procurou crianças da platéia para beijar e afagar.

Ao lado do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do presidente do PSDB, deputado José Aníbal, Serra fez um discurso de dez minutos no qual enfatizou a necessidade de o partido se manter unido para enfrentar as urnas em 2002. “Um partido que tenha uma só voz, uma só vontade”, defendeu. “É a unidade que vai continuar prevalecendo no ano que vem, quando temos eleições tão fundamentais para o futuro dos nossos Estados e para o futuro do País.”

Mais tarde, em entrevista, o ministro negou que tivesse endereçado um recado aos adversários internos, em especial o governador do Ceará, Tasso Jereissati, com quem disputa a candidatura tucana ao Palácio do Planalto. “Unidade sempre houve, mas tem de se trabalhar sempre nisso, por isso é bom falar aqui, no diretório”, disse. “A unidade do PSDB é anterior e superior a qualquer interesse pessoal.”

Serra, que no discurso também ressaltou a importância do trabalho das mulheres nos programas do Ministério da Saúde, minimizou o crescimento nas pesquisas da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL). “Não tem novidade nisso, ainda estamos muito longe das eleições.”

O ministro disse ser “inegável” que, a partir do momento em que o PSDB tiver definido seu candidato, o escolhido crescerá nas pesquisas. “Seja quem for o candidato do governo, tenderá a subir”, previu. Tal convicção, registrou ele, não o levará a antecipar o anúncio de sua pré-candidatura. “Para decisões pessoais, não creio que eu deva levar em conta as pesquisas”, afirmou. “Mantenho a idéia de me manifestar a respeito posteriormente.”

Samba – Em dia de candidato, o ministro enfrentou situações curiosas. No palco, enquanto aguardava a chegada de Alckmin e Aníbal, Serra foi saudado pela bateria da escola de samba Mocidade Amazonense, do bairro paulistano de Ermelino Matarazzo.
Meio sem jeito, Serra teve de assistir à madrinha da bateria da escola e à porta-estandarte sambarem bem diante de seus olhos. O refrão do samba-enredo da escola, por coincidência, dizia: “Nesta festa, serei feliz, subir a serra é tudo que eu sempre quis.”

O vereador Pierre de Freitas foi eleito, na convenção, o novo presidente municipal do PSDB, encabeçando uma chapa única batizada de “Covas, o exemplo”. Presente à convenção, a viúva de Mário Covas, Lila, foi saudada por todos os oradores e chorou diversas vezes.
Em entrevistas, Alckmin endossou as palavras de Serra, alegando que o fato de o PSDB ter vários candidatos “não é problema, é solução”. O governador também chamou a atenção para a importância da unidade de todos os partidos que sustentam o governo, mas disse que, em qualquer situação, o PSDB deva ter candidato próprio ao Planalto.


FHC diz que é cedo para definir nome da aliança
Em entrevista a jornal peruano, ele diz ainda que pesquisa não garante escolha de Roseana

LIMA - O presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a enfatizar ontem que o fato de a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), despontar em segundo lugar em pesquisas de opinião não garante a escolha de seu nome para a candidatura da coalizão governista para as eleições de 2002.
Em entrevista ao jornal peruano El Comércio, de linha conservadora, Fernando Henrique reiterou que o anúncio do candidato dessa aliança somente ocorrerá em março. "Ela (Roseana) tem uma popularidade elevada, mas é cedo para saber quem será o candidato. Isso ficará para março", declarou o presidente.

A declaração do presidente indica que ele pretende extinguir de vez as dúvidas sobre uma possível antecipação do anúncio do nome que encabeçará a chapa. Além disso, mostra que Fernando Henrique pretende garantir a cada um dos partidos da base - PSDB, PFL, PMDB e PPB - o direito de apresentar e de defender seus próprios pré-candidatos.
E, por último, explora o período de quatro meses, até o prazo final previsto pelo Superior Tribunal Eleitoral (STE), em março, para a avaliação de qual nome terá mais chances para vencer as eleições.

Essas regras foram "ditadas" pelo presidente na sexta-feira, depois de ter desembarcado em Lima, onde participou da 11.ª Reunião de Cúpula Ibero-Americana. Na ocasião, ele foi enfático ao declarar que nenhum dos partidos da base governista teria, neste momento, o direito de eliminar o nome de qualquer pré-candidato. "Ninguém pode vetar ninguém. Nem o PSDB, nem ninguém."

Limitado - Questionado pelo jornal El Comércio se Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do PT à Presidência, seria um nome de força para sucedê-lo, Fernando Henrique afirmou que "nunca o ponto de partida de Lula foi tão limitado" quanto neste momento. Ressalvou que seus índices de popularidade chegaram a 34%, mas estão baixando, e que é "muito cedo para saber quem vai ganhar".
Consciente da realidade do Peru, onde mudanças na condução do governo ainda inspiram cuidados em relação à preservação da ordem democrática, o presidente esclareceu que a vitória de Lula não provocaria, no Brasil, riscos às instituições democráticas.
O presidente embarcou de volta ao Brasil ontem, às 10h30 (13h30, na hora de Brasília).


Suplicy resiste a manobra e segue nas prévias
Dirigente queria anular inscrição do senador, mas idéia foi rechaçada em reunião da executiva

As prévias para a escolha do candidato petista à Presidência não estavam na pauta, mas este foi o tema mais polêmico discutido na reunião do diretório nacional do PT, no fim de semana, em São Paulo. Ameaçado pelo secretário-geral do partido, Geraldo Magela, de ter anulada sua inscrição às prévias, o senador Eduardo Suplicy terminou o encontro como o grande vencedor, com sua pré-candidatura ainda mais fortalecida.
A tese de Magela foi tão mal recebida pela cúpula do partido que, mesmo aqueles que torcem pela retirada da pré-candidatura de Suplicy, tiveram de sair em sua defesa. Restou à Magela afirmar que não era porta-voz apenas de sua vontade. "Muitos integrantes da direção nacional pensam como eu, que não faz sentido ter prévia se o Lula tem 30% nas pesquisas; eles só não afirmam isso publicamente para não passar a imagem de que estamos voltando atrás", disse.

Seu argumento para barrar Suplicy foi o de que o senador inscreveu-se quando ainda não estava valendo o novo estatudo do PT, aprovado em abril. As novas regras - que valerão agora para as inscrições de Lula e do prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues - exigem que os interessados em concorrer nas prévias atendam aos seguintes requisitos: apoio de 40% dos membros do diretório nacional, 30% das executivas estaduais, 10% dos diretórios municipais em pelo menos 10 Estados ou 10% dos filiados em ao menos 15 Estados.

Apesar de, logo após a aprovação do novo estatuto, ter sido informado pela direção do PT que sua inscrição estava mantida, Suplicy mostrou-se disposto a reunir todas as assinaturas necessárias e garantir a inscrição. "Se a reunião decidir, vou às ruas e tenho certeza de que consigo as assinaturas; o injusto é que poderia ter começado a fazer isso há dois meses."
O senador chegou a comparar sua situação à do governador de Minas, Itamar Franco, que enfrenta manobras da cúpula d o PMDB para impedir sua vitória nas prévias presidenciais. "Fico pensando se o Magela não está fazendo papel semelhante ao do Palácio do Planalto com o PMDB."

Estrago feito, coube aos líderes do PT a defesa unânime de Suplicy. "Não tem o menor cabimento usar artifício regimental para impedir as prévias", disse o deputado federal Aloízio Mercadante. "Prévia é lei; lei não se discute, se cumpre", afirmou o deputado federal José Genoíno. Lula esteve presente, mas esquivou-se das entrevistas. "Suplicy está inscrito", resumiu o presidente do PT, José Dirceu.

O secretário nacional de Organização do PT, Silvio Pereira, disse que, para abolir as prévias, os integrantes do partido teriam de mudar o recém-aprovado estatuto. "E mudar o estatuto por causa das prévias é o mesmo que rasgar o que foi construído; é inacreditável, seria instaurar a crise no PT."
As prévias estão marcadas para 3 de março de 2002 e as incrisções podem ser feitas até 16 de dezembro, último dia do encontro nacional do partido, em Recife.


Ciro prega união em defesa de Itamar
RECIFE - O presidenciável Ciro Gomes (PPS) conclamou ontem o PT e "todos os democratas" a reagirem contra o que considera uma intrusão violenta do governo no PMDB e a estratégia, segundo ele, de transformar o governador de Minas, Itamar Franco, "em um palhaço que ele não é". "Não interessa se Itamar vai ser candidato ou não. Se aceitarmos que o governo invada o partido, tirando o direito de decidir as alternativas, estamos destruindo a democracia", disse.


PMDB lembra ditadura militar, afirma Quércia
O ex-governador Orestes Quércia considerou "uma violência inaceitável" a decisão da executiva nacional do PMDB de reduzir o número de participantes nas prévias para a escolha do candidato do partido à Presidência da República, em janeiro. "Isso é um casuísmo, lembra a época da ditadura militar, quando se faziam leis de acordo com o interesse do governo", criticou.


Artigos

Desemprego - tragédias e estatísticas
ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Joseph Vissarionovich, marechal e chefe do governo soviético, conhecido como Stalin, afirmou que uma única morte é tragédia, mas 1 milhão de mortes, mera estatística. Nas despedidas, penso que ocorre o oposto: quando mil são dispensados, tragédia; se apenas um, mero dado estatístico.
Essa reflexão me ocorreu quando tomei conhecimento do movimento de resistência desencadeado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo diante de 3 mil demissões praticadas pela Volkswagen, alegando necessidade de reorganização da fábrica mantida naquele município.

Quem conhece a história dessa indústria há de se lembrar das décadas anteriores, quando a Volks, com mais de 30 mil operários, produzia centenas de Fuscas, Brasílias e Kombis por dia, dominando o consumo interno.
Os anos se passaram, a tecnologia evoluiu, o robô tornou-se indispensável, a Toyota inventou a produção enxuta, obrigando grandes e tradicionais empresas a repensarem sistemas de fabricação, como relatam Womack, Jones e Ross no livro A Máquina que Mudou o Mundo. No Brasil, a partir de 1990, a Volkswagen, a Ford e a General Motors presenciaram a fragmentação do mercado entre novos concorrentes, perdendo espaço para a Fiat, instalada desde 1970 em Betim (MG), para os importados e para os novos fabricantes europeus, japoneses, coreanos, atraídos pela qualidade dos operários, pelos baixos salários, pelos incentivos governamentais, pelas perspectivas de exportação e, sobretudo, pelo promissor mercado interno.

Trazendo equipamentos de última geração, que lhes permitiram reduzir o volume de mão-de-obra, e se servindo em larga escala de prestadoras de serviços, as novas indústrias evitaram municípios dominados por sindicatos combativos e instalaram unidades de menor porte em localidades distantes de São Paulo e do ABCD. Os exemplos foram copiados pelas antigas montadoras, que trataram de se modernizar, dispersar-se e terceirizar a produção, reduzindo custos, melhorando produtos e aumentando a produtividade, em tentativas nem sempre bem-sucedidas de recuperar a preferência dos compradores.
Não é a primeira vez que São Bernardo enfrenta demissões coletivas. A redução dos empregos diretos nas indústrias automotivas e de autopeças, constatável em publicações especializadas, demonstra que o número de trabalhadores da Volkswagen e da Ford se reduziu à metade nos últimos anos.

Outras indústrias de menor porte se transferiram ou fecharam, deixando galpões vazios.
As dispensas, sobretudo as coletivas, geram em todos nós sensações de pesar e ansiedade. São pais e mães, maridos e mulheres, jovens e adultos, alguns se avizinhando da aposentadoria, outros com dificuldades para conseguir colocação em razão da meia-idade, que perdem emprego repentinamente, após anos de bons serviços. Não podemos ignorar, contudo, demissões isoladas que, somadas, revelam números alarmantes, embora tratadas como frios dados estatísticos.

Miguel P. Caldas, no livro Demissão: Causas, Efeitos, Alternativas para Empresa e Indivíduo, assinala que a redução de empregos no mundo ocidental, desde a década de 1980, provocou perdas só igualadas à Grande Depressão dos anos 1930. Mesmo que ações sindicais localizadas consigam atenuar momentaneamente os efeitos de uma ou outra dispensa coletiva, continuamos sem saber o que fazer diante do problema tido por Viviane Forrester como decorrente do avanço tecnológico e apontado pelo italiano De Masi como fenômeno inerente à sociedade pós-industrial.

O Brasil necessita urgentemente pôr em prática políticas destinadas a evitar o desemprego e gerar ocupações, trabalho e emprego para milhões de desempregados e subempregados. Essa é a prioridade nacional máxima e inadiável. Esforços localizados são positivos, porém insuficientes para problema dessa complexidade e magnitude.


Colunistas

RACHEL DE QUEIROZ

Os portões que não foram
Na década de 40, quando vim morar no Rio, a Barra da Tijuca era um lugar quase campestre, seu único acesso conhecido era a Avenida Niemeyer. Teve até uma marchinha carnavalesca, que fez sucesso e dizia assim: "Na Barra da Tijuca/ eu fui tarrafear/ veio uma onda maluca/ me atirou no quebra-mar." Era isso, tinha até quebra-mar; e os namorados iam pescar siri, de puçá, no alto da ponte que escalava o canal.
Depois, no pós-guerra, com a brutal expansão da cidade do Rio, a moradia na Barra da Tijuca virou uma opção para os mais ricos, que tinham carro (nesse tempo também tudo era importado). Encomendou-se ao grande Lúcio Costa um plano urbanístico para o novo bairro; veio o plano e era, como de se esperar, maravilhoso. Mas aí entrou areia, quero dizer, entraram os especuladores, perverteram o plano e, do projeto de mestre Lúcio Costa, ficaram apenas aquelas torres redondas à beira-mar. E aí, como o resto do Rio, com o crescimento sem ordem e sem lei, a Barra se desumanizou; multiplicaram-se desordenadamente os edifícios, altíssimos, com seus apart-hotéis. E os grandes supermercados, que nas grandes cidades do resto do mundo se localizam nos arredores distantes das megalópoles, se instalaram por lá, achando talvez que ali ainda eram "arredores", ocuparam vastas áreas com as suas instalações. E a Barra foi crescendo, Quem queria comprar apartamento novo, a opção era a Barra. Os mais se instalavam a meio caminho, naqueles grandes prédios aristocráticos à saída de São Conrado. No governo Carlos Lacerda, abriu-se o túnel Dois Irmãos - hoje Zuzu Angel - mais outro túnel, o falso; duplicaram-se os acessos. E mais acesso, mais gente - lá nave vá.

Hoje, realmente, morar na Barra é um martírio, quase uma impossibilidade para quem trabalha na cidade. Engarrafamentos tremendos até dentro dos túneis e vi adutos, ninguém chega mais de lá pra cá em menos de uma hora, hora e meia e vice-versa. E isso para quem tem carro; de ônibus é ainda muito mais penoso.
Pois é no meio desse caos, no aperto desse nó gordio, que alguém (ou alguéns?) não faz muito tempo apareceu com uma idéia alucinada: fechar com portões de ferro todas as entradas da Barra da Tijuca! Já pensaram, nossos amigos e inimigos, mesmo os que não moram na cidade do Rio? Trancar pra que - se o grande problema do bairro é sair e entrar? Os imensos shoppings, de centenas de lojas, que já se multiplicam, de onde iriam tirar a freguesia? Só os da Barra? Não iria dar. As velhas cidades européias mantêm a tradição de suas antigas portas; Paris, por exemplo: já morei perto da Porta de Versailles, mas de tal porta só havia mesmo a lembrança. Qual o maluco que pretenderia fechar o acesso de Paris? Mas se eles, na Barra, tivessem mesmo cometido essa loucura, já pensaram no atropelo sem fim dos engarrafamentos, a polícia em cada portão, examinando os papéis de cada carro, a cara de cada possível suspeito? Só louco mesmo.

Não, barristas-bairristas, não se pode medievalizar uma megalópole, agredindo um dos mais democráticos direitos humanos, que é o de ir-e-vir. E se acham que se trancando todos lá dentro, se garante a segurança, é outra loucura. Os ladrões vão se trancar com vocês, e aí é que fazem a festa. Em família.
O Rio, como São Paulo, como todas as grandes cidades do Brasil (e do mundo) padecem do crescimento excessivo, provocado pelo êxodo rural; o campo fica cada vez mais pobre e deserto e as grandes cidades são poderosos ímãs, atraindo a gente rural com o sonho de desfrutarem também os confortos e deleites da vida urbana. Com a esperança de trabalho mais fácil e algum dinheiro (qualquer dinheiro) que os liberte da incerteza e da miséria. E não será se trancando em guetos, atrás de grandes portões, que os ricos moradores dos bairros aristocráticos vão se defender dos pobres que os invadem. Mesmo porque pobre anda a pé, não passa pelos portões. Desce morro sobe morro, abre veredas e, quando os ricos dão fé, já foram invadidos. Em massa. E tudo trancado dentro!


Editorial

Hora de encarar os fatos, na Argentina

À beira de um colapso financeiro, a Argentina recebe nesta segunda-feira uma nova missão do Fundo Monetário Internacional (FMI). O ministro da Economia, Domingo Cavallo, terá de enfrentar dois problemas imediatos com os funcionários do Fundo. Em primeiro lugar, terá de pedir perdão - waiver - pelo descumprimento da meta fiscal: não haverá déficit zero no último trimestre de 2001. Em segundo lugar, terá de pedir o apoio da instituição para um novo esforço de ajuste. Se tiver juízo, tentará negociar um programa razoável e exeqüível, com prioridade para a reativação da economia. Se tiver alguma ousadia - que não se confunde com suas bravatas habituais -, começará a estudar a transição para um novo regime cambial para o seu país, mais adequado do que o fracassado sistema de conversibilidade.

Segundo o jornal Clarín, de Buenos Aires, a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krüger, disse, no domingo atrasado, que "a Argentina tem de sair da conversibilidade e entrar numa flutuação cambial, para começar a resolver definitivamente seus problemas". A declaração, afirmou o jornal, não foi feita em público, mas numa reunião de Cavallo com a cúpula da instituição.
Mesmo entre empresários argentinos, o apoio ao câmbio fixo tem diminuído sensivelmente. Segundo pesquisa da consultoria Romer e Associados, realizada durante a 7.ª Conferência da União Industrial Argentina, 40% dos consultados defenderam a adoção do câmbio flutuante, 36% disseram não ter opinião formada e cerca de 5% foram favoráveis à dolarização. Sobraram cerca de 20% ainda crentes nas virtudes da conversibilidade.

Insistir no déficit zero, nesta altura, será assumir o risco de um desastre ainda mais grave que o deste ano. De toda forma, será prudente evitar, nessas conversações, qualquer tentativa de responsabilizar o Brasil pelos males da Argentina. Esse tipo de conversa pode causar boa impressão, e até entusiasmo, em reuniões domésticas, como a da última quinta-feira com um grupo de empresários. O pessoal do Fundo sabe que isso não é verdade e, se alguém tiver esquecido os números, bastará uma rápida consulta aos relatórios do Ministério da Economia.
Vale a pena recordar esses dados, conferidos através da Internet nessa sexta-feira. Em 1998, o Produto Interno Bruto (PIB) argentino, calculado a preços constantes (de 1993), totalizou 288,12 bilhões de pesos e foi 3,8% maior que o do ano anterior. De 1996 para 1997, o crescimento havia sido 8,1%. Mesmo aqueles 3,8% revelam apenas parcialmente a desaceleração econômica já em marcha. Esse número corresponde à comparação de duas médias anuais. Quando se examina a evolução da atividade, ao longo de 1998, se confirma que o PIB do terceiro trimestre, computado em base anual, foi menor que o do segundo. A queda prosseguiu no trimestre final. Entre o segundo e o quarto trimestres daquele ano, houve uma queda de 3,16%, de 292,34 bilhões para 283,1 bilhões de pesos, considerando-se valores anualizados.

Justifica-se mencionar esses números para deixar claro, com dados oficiais, que a mudança cambial brasileira, em janeiro de 1999, não foi a causa da recessão argentina.
Que a desvalorização possa ter causado problemas, como disse há poucos dias o embaixador José Botafogo Gonçalves, é evidente. Que as dificuldades argentinas tenham surgido a partir daí, no entanto, é absolutamente falso.
Ao insistir nessa "tese", quinta-feira passada, o ministro Cavallo apenas incorreu em mais uma - para usar uma expressão diplomática - demonstração de desapego à verdade.

Não se pode aceitar que o Brasil seja responsabilizado por erros que o governo argentino vem cometendo há muitos anos e que se agravaram em 2000 e 2001. A desvalorização do real, neste ano, é em grande parte um reflexo desses erros e de sua repercussão no mercado financeiro.
O Brasil já concordou em que a Argentina adote medidas de proteção a alguns setores, para facilitar sua recuperação. É preciso, naturalmente, discutir cada caso, mas o ministro Cavallo, perante os empresários, declarou-se contrário a esse cuidado. Ele insiste, portanto, em subordinar a seus métodos desastrados as relações com o Brasil. O governo brasileiro está certo quando se dispõe a cooperar com a Argentina. Mas não tem obrigação de aturar a truculência mal-educada do ministro Domingo Cavallo.


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11/26/2001


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