Ensino precário no campo compromete desenvolvimento do país, dizem especialistas em educação
O cenário da educação na zona rural compromete o desenvolvimento futuro do país, uma vez que 23,18% das pessoas com mais de 15 anos que vivem no campo (quase cinco milhões) é analfabeta, e 59% não concluiu o ensino fundamental. Nos últimos cinco anos, mais de 14 mil das 76 mil escolas existentes na área rural fecharam as portas, o que vem gerando apreensões nos especialistas em ensino.
Os dados foram mencionados nesta sexta-feira (13) em debate na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), que avaliou o Programa Nacional de Educação no Campo (Pronacampo), lançado pelo governo federal no final de março. De forma geral, as diretrizes previstas no programa foram bem avaliadas pelos participantes do debate, comandado pelo senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que preside a comissão.
Gurgacz salientou que o Pronacampo é uma “tentativa de resposta e solução” aos problemas do campo, onde o governo pretende investir R$ 1,8 bilhão para melhoria do ensino no meio rural. O programa prevê a reforma e construção de escolas; a melhoria nas condições de transporte dos alunos, contemplando áreas quilombolas e comunidades tradicionais; e a formação de professores.
- Há muito tempo a escola rural está abandonada, os alunos precisam percorrer enormes distâncias, atravessando rios e estradas em péssimas condições para ir às cidades – disse Acir Gurgacz, ressaltando que o Pronacampo é visto como a “salvação da lavoura” em Rondônia.
Engajamento
Coordenador do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Getúlio Nunes disse que a entidade, vinculada à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), está totalmente engajada no Pronacampo.
Presente nos 27 estados brasileiros, o Senar oferece formação em quase 170 ocupações no campo, com foco no mercado de trabalho e na promoção de programas de caráter social. Em 2011, aplicou diretamente mais de 80% de sua arrecadação em atividades de formação, formando mais de um milhão de pessoas em cursos gratuitos de vaqueiros, operadores de máquinas, processadores de embutidos e defumados, entre outros, ministrados em fazendas, “tendo a roça como próprio laboratório”.
Com o Pronacampo, disse Getúlio Nunes, o Senar, que conta com 4.500 instrutores, 2.000 mobilizadores e mais de 2.000 sindicatos rurais filiados, também estará habilitado a oferecer educação formal e ensino tecnológico. A meta é ofertar 50 mil vagas em cursos de até 180 horas, divididas em atividades teóricas, básicas, de empreendedorismo e 120 horas de aulas práticas.
Na educação tecnológica, serão ofertadas 120 mil vagas em cursos técnicos na modalidade de ensino a distancia no modelo Senar, com seus próprios instrutores na ponta para oferecer complementação na prática.
- O campo cresceu em tecnologia. Hoje, seu trabalhador precisa formação mais completa, há equipamentos computadorizados com [aparelhos de localização tipo] GPS. É preciso ensinar a operar máquina mais sofisticada. O Pronacampo vai dar condições de fazermos uma formação mais completa – afirmou.
Exclusão
Para a representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Eliene Rocha, “falar de educação no campo é falar de um processo histórico de exclusão, de um direito historicamente negado”. Ela apontou a “ausência quase total de política de educação que olhasse o sujeito do campo em sua dimensão cultural, econômica e política”. O Pronacampo, afirmou, é uma “conquista valiosa” do movimento educacional e da sociedade civil organizada que poderá começar a suprir essas lacunas.
Eliene Rocha disse que é errado pensar em política educacional para fixar o homem no campo, “como um poste”. Segundo ela, é preciso dar condições para que as pessoas continuem no meio rural, onde ninguém permanece apenas porque tem escola, mas também pela existência de oportunidade de lazer, trabalho e formação.
- Queremos construção, e não o fechamento de escolas no campo, formação de professores, estruturação das escolas, produção de material adequado à realidade do campo – afirmou.
Eliene Rocha cobrou ainda uma interlocução direta com estados e municípios, tendo em vista que não é o Ministério da Educação o responsável pela execução da política de educação na base.
- A alfabetização de jovens e adultos é uma coisa estarrecedora. Milhões de jovens no campo com 17, 20 anos não sabem escrever o próprio nome. Não existe política pública se não existe organização social que force essa política funcionar. A gente precisa articular ações da União, estados e municípios – afirmou.
Dificuldades
Já o representante do Ministério da Educação, Antônio Lídio de Matos, ressaltou que o Pronacampo conta com outras ações da pasta no reforço do ensino no campo, onde 182 mil professores atuam sem formação; 90% das escolas não têm internet; e quase 8 mil não têm acesso à água potável. Segundo ele, o campo abriga 49% das escolas brasileiras e mais de 6,2 milhões de matrículas.
- Temos que possibilitar as pessoas do campo, em termos educacionais, as mesmas oportunidades das pessoas das cidades, guardando, evidentemente, as diferenças. Não tenho dúvida do tamanho e da ousadia desse programa – afirmou.
Antônio Lídio Matos advertiu ainda que o Pronacampo vai enfrentar o problema da educação no aspecto estrutural, mas que é fundamental ter pessoas e profissionais motivados e qualificados para a execução de um trabalho transformador com o educando. Ele enfatizou ainda que, mesmo sendo hoje a sexta maior economia do mundo, o Brasil ainda abriga em seus rincões escolas sem água e energia.
- São muitas as dificuldades – concluiu.
O debate contou ainda com representantes da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Distrito Federal e da Universidade de Brasília (UnB).
13/04/2012
Agência Senado
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