Entrevista coletiva do governador Mário Covas após reunião com prefeitos do Vale do Paraíba



Parte I

Repórter – Quanto foi liberado de verba para os municípios governador? Covas – Ah, eu não sei te dizer. Porque foram liberadas coisas que serão feitas pelo próprio Governo, como as pontes, que a Defesa Civil que faz. Foi liberado coisas que são feitas com equipamento do Governo, como é o Programa Bom Caminho (de estradas). Eu sei que em dinheiro foi liberado R$ 1 milhão e pouco, mas se você somar o que foi liberado em obras, como pontes, em cestas básicas, cobertores etc, deve ter passado de R$ 2 milhões. Repórter – Essa verba vem do Governo do Estado ou do Governo Federal? Covas – Do governo do Estado, não depende do Governo Federal. Repórter – E esse R $ 1 milhão do Governo Federal pode ser repassado ... Covas – Não, eu não sei nem como é que eles pretendem fazer, se vão mandar direto para os municípios, ou fazer por intermédio do Governo do Estado. Eu acho que eles pretendem talvez passar direto para os municípios. Me pediram na sexta-feira que eu encaminhasse para lá a relação de solicitações dos municípios no valor de R$ 1 milhão. Eu vou mandar as solicitações normais que vieram aí e a Defesa Civil federal resolve como distribuir, para quem mandar etc. Repórter – O senhor avalia que a maioria dos estragos ocorridos na região é culpa dos prefeitos, que permitiram ocupação irregular em lugares que ofereceram risco à população? Covas – Os prefeitos permitem, o Estado permite, a União permite, todo mundo permite. Na hora que nós retiramos esse pessoal dessas áreas, vocês (imprensa) dão uma bronca e dizem: como é que põe o pobre para fora? Nós vivemos tangidos por um problema social seríssimo. Quem já ocupou algum cargo público sabe como é isso. Eu sofro cada vez que vem uma ordem de despejo do pessoal, porque sei que estou pondo aquele pessoal na rua, que por pior que fosse, tinham um teto para morar. Por outro lado você não pode simplesmente concordar que façam isso, porque acaba acontecendo deslizamentos como esses. Campos do Jordão, por exemplo, não tem remédio, onde caiu não tem como recuperar. Se for morar gente de novo lá, vai acontecer outra vez, porque são lugares impróprios. Em muitos locais o IPT até pretendem fazer um levantamento mais amplo, por áreas determinadas, talvez até financiado pela Fapesp, para que todos os prefeitos... Nós estamos pedindo para eles: façam uma lei de uso e ocupação do solo com base nesses fatos, que é para não acontecer com que o problema social impulse essa medida. Olha, 80% do que tem na cidade de São Paulo foi feito de forma clandestina, foram regularizados somente depois. Então quando se fala: estão invadindo tal área. Eu digo: invadem há anos, há séculos. Repórter – No caso de Campos de Jordão, qual é a responsabilidade do Estado? Covas – A responsabilidade de uso e ocupação do solo não é do Estado é do município, mas certamente... Essa coisa você... quando se trata de uma região mais rica, em geral os próprios moradores se ocupam de fazer determinadas obras, que também não tornam a segurança total. Só que eles disciplinam a água, não se abre uma fossa ligada à casa, se faz muro de arrimo, enfim uma porção de obras que dificulta esse tipo de acidente, mas não torna impossível de acontecer, não. Repórter – De quem é a culpa então governador, das prefeituras ou dos moradores? Covas – Apontar culpa nessa coisa é muito, muito ... Quem sabe se todo mundo tivesse o salário aumentado em 100% nós não teríamos esse tipo de desastre. Por que o pobre é quem sofre mais? Porque o pobre vai sempre para o pior lugar, que é mais barato. Qualquer favela que se vê na periferia de São Paulo está sobre um córrego, porque ali se fez um loteamento irregular, clandestino, mas mesmo assim se fez um desenho e nele se botou uma coisa lá, como se fosse uma praça. Essa praça, no geral, é um córregozinho que passa por perto e é ali que a favela se instala, cada vez que enche vai a favela para o brejo. Assim vale para todas as regiões, quem mora pendurado no morro é porque não tem jeito. Então você ainda tem esse drama adicional. Repórter – Qual é a solução para o problema? Covas – É preciso primeiro planejar, ter isso bem levantado para saber o que é mais e o que é menos perigoso. Em segundo lugar é preciso ter leis de uso e ocupação do solo que se compatibilizem e essas leis são municipais. Em terceiro lugar é preciso ter quem evite as ocupações. Agora, eu reconheço que não é fácil, para os prefeitos não é fácil evitar, porque sabe? O pessoal acaba morando onde se pode. Olha, quem for olhar Campos do Jordão... Eu estive lá, no primeiro local que visitei achei que era o pior, mas quando vi o segundo... lá tem um brecha de uns 700 metros de largura por cerca de 50 a 60 metros de altura e aquilo não tem recuperação mesmo, não adianta, não tem recuperação. E ainda tem casa lá. Daqui há pouco, faz bom tempo, todo mundo começa a se ocupar de outras coisas e as pessoas voltam a morar lá. Eu passei por esse drama pessoalmente, tinha acabado de me formar, trabalhava na prefeitura de Santos quando ocorreu desabamento em 1956, lá morreram mais de 100 pessoas de uma vez só. E no final quem tomava conta daquilo era eu. No começo estavam todos em revezamento, com o passar do tempo, cada um foi voltando para seu trabalho e no final fiquei somente eu tomando conta daquilo. No morro do Marrapé tinha um destacamento da Aeronáutica, um delegado de polícia e eu. Quando os caras pediam para ir na casa deles buscar roupa ou alguma coisa eles diziam: fala com o engenheiro. No final de um mês ou dois meses você não agüenta esse tipo de coerção social. O cara diz para você: “eu não quero mais ficar no armazém das Docas, prefiro morrer, quero ir para minha casa”. Aí você acaba autorizando e quem não dorme é você. Acho que isso não é fácil, é uma coisa que nasce de conjunturas, na maioria das vezes, econômica. Não é fácil você resistir suficientemente. Repórter – Havia uma discrepância de números de desabrigados, entre os apresentados pela Defesa Civil e as prefeituras. Os prefeitos inflacionaram o número de desabrigados? Covas – Não. O que estava na relação da Defesa Civil é o que os prefeitos mandaram. Houve um pouco de diferença, porque provavelmente eles contaram apenas os que estavam alojados. E eles hoje acrescentaram os que saíram de casa e estão com parentes, porque o imóvel corre risco de cair. Tem que computar esse

01/10/2000


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