Estatuto pode promover a 'racialização' do país, alertam críticos
A instituição do Estatuto da Igualdade Racial pode contribuir para a indesejável "racialização" do país, como assinalaram expositores contrários ao projeto (PLS 213/03), em audiência pública promovida pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), nesta quinta-feira (26). José Carlos Miranda, coordenador do Movimento Negro Socialista, disse que a norma poderá aprofundar o preconceito, a discriminação e o racismo ao estabelecer direitos diferentes para negros. Como disse, o ponto mais grave é que a proposta opõe trabalhadores da mesma situação econômica e social.
Para exemplificar, ele citou o artigo 45 do projeto, que trata da concessão de incentivos fiscais para contratação de negros pelas empresas. Como acredita, se a lei passar desse modo, vai interferir na demissão de brancos, já que as empresas vão tender a buscar os benefícios fiscais, optando assim pelo trabalhador negro. Segundo ele, esse dispositivo pode até mesmo estimular a criação de sindicatos diferentes para brancos e negros.
- Isso acontecendo milhões de vezes, e em momentos de crise, por exemplo, opondo trabalhadores que têm a mesma vida dura e as mesmas condições socioeconômicas, e uns sendo demitidos porque têm a cor mais clara, o que nós estaremos provocando nesse país? - questionou.
Miranda também afirmou que, se a lei for aprovada, pode levar à necessidade de criação de medidas burocráticas no estilo de um "conselho de notáveis", para se definir quem é negro no país. Isso porque, como argumentou, essa diferenciação, pelo simples olhar ou mesmo por técnicas científicas, tem se mostrado impossível.
Mais problemas
O projeto do estatuto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), mas que será examinado na CCJ na forma do substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados, também recebeu críticas do advogado José Roberto Militão. Sem negar a existência de discriminação no país, ele afirmou que os problemas podem ser maiores do que os poucos benefícios para a população de pretos e pardos.
- A legislação proposta, apesar de sua fragilidade como instrumento de promoção de igualdade, traz em si o pior dos pecados, que é promover a introdução da idéia de raça como entidade jurídica - afirmou o advogado José Roberto Militão.
Na visão do advogado, o problema fundamental é que o conceito de raça está permeado pela idéia de que há raças superiores e inferiores. Isso explica, conforme disse, a resistência de pessoas negras, mesmo crianças de pouca idade, em assumir - como se pretende - que pertencem à "raça negra". Essa negação seria uma forma de recusa ao "pertencimento a uma raça que a sociedade diz ser inferior".
- O Estado não tem o direito de dizer a meus filhos e netos que pertencem a uma raça inferior. Não há outro caminho contra as desigualdades atuais senão a educação. Cotas não resolveram problemas em lugar nenhum. As experiências de leis raciais foram terríveis, inclusive para os afrodescentes - disse Militão.
O advogado contestou o suposto apoio da maioria dos brasileiros a leis de corte racial. Segundo ele, no Rio de Janeiro, 64% de pretos e pardos consultados em pesquisa disseram ser contrários ao sistema de cotas raciais nas universidades públicas. Mesmo assim, como lembrou, a Assembléia Legislativa do estado ampliou recentemente, por mais 15 anos, a lei estadual de cotas para pretos e pardos.
- O Rio de Janeiro é provavelmente uma boa síntese do Brasil e serve como exemplo de como um parlamento pode outorgar uma legislação dissociada da realidade, em que os pseudo-beneficiários a rejeitam - disse.
Importação de modelo
A procuradora Roberta Fragoso Kaufman, do Distrito Federal, também considera um equívoco as políticas com base racial. Na sua visão, o estatuto representa a importação de modelo concebido nos Estados Unidos para resolver problemas de uma sociedade que conviveu um século com a segregação institucionalizada, diferentemente da situação do Brasil. Para ele, o discurso baseado na idéia de raça deixou de fazer qualquer sentido depois da decodificação do genoma humano, quando se constatou que dos mais de 25 mil apenas uma dezena está ligada à cor da pele.
- Classificar pessoas com base na cor da pele soa tão absurdo como classificar com base na altura ou no tamanho da orelha ou do nariz - comparou.
Roberta Fragoso não negou que exista racismo, mas atribui esse tipo de preconceito a um infeliz componente cultural. Para ela, a forma adequada para enfrentar o problema é com leis severas que puna o preconceito e a discriminação. Como acredita, leis afirmativas com base no critério de raça possam gerar efeitos contrários aos pretendidos objetivos de igualdade.
- Em vez de criar ambiente em que todos percebam que a cor da pelo não é fator decisivo para a imagem das pessoas e combater essa idéia perversa, o que pode passar é a imagem inversa, de que esse é um elemento suficiente para diferenciá-las - argumentou.
Gorette Brandão e Denise Costa / Agência Senado
26/11/2009
Agência Senado
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