Estratégia governista para ajudar aliados








Estratégia governista para ajudar aliados
Planalto dribla lei eleitoral e libera quase R$ 1 bilhão para prefeituras e governos estaduais. Levantamento de Agnelo Queiroz aponta privilégios para PMDB e PSDB

Depois do dia 6 de julho, o governo federal ficou proibido de firmar novos convênios com prefeituras e governos estaduais. Como esses convênios são os alvos preferenciais das emendas parlamentares ao Orçamento, essa medida, conseqüentemente, veta também a liberação de recursos de emendas orçamentárias para novos investimentos. A proibição está na lei eleitoral. Visa evitar que o governo use a máquina pública na tentativa de orientar o resultado das eleições. Uma brecha legal, porém, permite ao governo continuar atendendo aos parlamentares mesmo depois de encerrado o prazo determinado na lei eleitoral. O drible é simples: o governo não libera os recursos orçamentários deste ano, mas somente dinheiro que ficou do ano passado. Os chamados Restos a Pagar.

O Orçamento é uma lei autorizativa. Ou seja, o governo não é obrigado a gastar tudo o que está previsto. Ele é autorizado pelo Congresso a gastar até aquele limite. Pode gastar menos. Terminado o ano, os recursos que não foram gastos, mas que já estejam empenhados (reservados para pagamento posterior), podem ser inscritos para o ano seguinte como restos a pagar.

No dia 13 de dezembro do ano passado, o presidente Fernando Henrique Cardoso baixou um decreto estabelecendo como limite para o pagamento de restos a pagar o dia 31 de março de 2002. Na ocasião, a Assessoria de Orçamento da Câmara elogiou o decreto. ‘‘É um prazo corajoso, pois restringe o tempo de processamento dessas despesas exatamente num período pré-eleitoral’’, diz um relatório da assessoria. Elogio inútil. O limite foi sendo alargado. Primeiro, para 31 de maio. Em seguida, para 31 de julho. Agora, o governo autorizou-se a liberar restos a pagar até o final de setembro.

Orçamento político
O levantamento do deputado Agnelo Queiroz (PCdoB-DF) demonstra que o governo vem se valendo como pode dessa brecha. Praticamente não foram liberados recursos para investimentos do Orçamento de 2002. De um total de R$ 18,7 bilhões previstos, foram liberados até o dia 5 de agosto apenas R$ 914,9 milhões. Somente 5% do total. Em compensação, de restos a pagar já foram liberados R$ 4 bilhões, de um total de R$ 8,3 bilhões previstos. Ou seja, quase a metade. ‘‘O governo encontrou uma forma de fazer política com os recursos orçamentários apesar da lei’’, critica Agnelo.

Segundo o deputado, o volume de liberações cresce aos pulos mês a mês. Em julho, chegou a R$ 959,5 milhões. O valor é 88% superior à média do que foi liberado de janeiro até junho (R$ 510 milhões) — leia quadro acima. De acordo com a Assessoria de Orçamento da Câmara, até 30 de junho a maior parte dessas liberações saiu do Ministério da Saúde. De um total de R$ 4 bilhões, R$ 977,6 milhões foram pagos pelo ministério dirigido até o início do ano pelo candidato do PSDB à Presidência, José Serra.

Dos recursos da Saúde para emendas parlamentares, os dois partidos que integram a coligação de Serra, o PSDB e o PMDB, foram mais beneficiados. O levantamento do deputado Agnelo demonstra que os partidos da coligação governista liberaram percentualmente mais dinheiro que os partidos de oposição. O PMDB liberou 73,55% das emendas que apresentou. O PSDB, 71,1%. Enquanto isso, o percentual liberado pelo PT foi de 56,88%. E o do PCdoB, 41,28%.


Paulinho escapa de acusação
Força Sindical, dirigida até recentemente pelo candidato a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes, continuará sendo investigada pela Corregedoria Geral da União

Em nota oficial divulgada ontem, o Ministério do Trabalho descartou a hipótese de uma mesma pessoa ter participado de 35 cursos de qualificação profissional em diferentes cidades e regiões do país. Tais cursos são pagos com dinheiro público, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A suspeita de fraude gerou denúncias de que, no ano passado, a Força Sindical havia desviado recursos do FAT. Até abril, a instituição era presidida por Paulo Pereira da Silva, candidato a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes (PPS, PTB e PDT).

O chefe de gabinete da secretaria executiva do Ministério do Trabalho, Clóvis Curado, disse ao Correio que a nota não serve de salvo-conduto à Força Sindical. ‘‘Não há intenção de isentar nenhuma entidade’’, falou. Segundo ele, a comissão de sindicânciaapurou ter havido erro de digitação no cadastramento de uma trabalhadora paulista, a cozinheira Ana Mesquita de Oliveira. Para inscrevê-la num curso de cozinheiro básico, uma empresa contratada pela Força usou o CPF 999.999.999-99.

O mesmo número aparece na inscrição de outros 34 trabalhadores Brasil afora, todos cadastrados por empresas contratadas pela Força. ‘‘Quando puxamos o relatório dos cursos em 2001, todos os CPFs 999.999.999-99 foram considerados pelo computador como uma pessoa só’’, explicou Curado. Ele não sabe explicar a coincidência. Mas afirma que o sistema de informática aceitou o CPF como válido por se tratar de um algoritmo reconhecido pelos computadores do governo.

A prestação de contas da Força Sindical ainda está sob análise no Ministério do Trabalho. Mas Curado afirmou que caberá à central provar que os trabalhadores cadastrados sob o CPF 999.999.999-99 existem e participaram dos cursos pagos pelo FAT. Em 2001, a Força recebeu R$ 38 milhões e treinou 245 mil pessoas, conforme dados oficiais.

O caso continuará sendo auditado pela Corregedoria Geral da União. A ministra Anadyr Mendonça também divulgou nota oficial. Nela, afirmou que a nota do Ministério do Trabalho não encerra as dúvidas levantadas quanto à utilização correta dos recursos.

As suspeitas sobre a central ligada a Paulo Pereira da Silva está se transformando numa saia justa para o presidenciável Ciro Gomes (PPS). Em entrevista ao Jornal da Globo, na segunda-feira, Ciro disse que Paulinho não estava sendo ‘‘pessoalmente investigado’’. O candidato insistiu que não existe nenhuma denúncia a respeito da malversação de verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). ‘‘O Paulo é um homem simples, de patrimônio modesto, que não tem sigilo fiscal nem bancário’’, disse Ciro aos jornalistas.

Esta não é a única denúncia que envolve o vice de Ciro. Paulinho também é alvo de uma investigação do Ministério Público Federal. Nos próximos dias, a Procuradoria da República em Marília, no interior paulista, intimará o sindicalista a prestar depoimento. Quer explicações sobre o negócio realizado pela Força na compra da Fazenda Ceres, em Piraju.

Em abril do ano passado, a central usou R$ 2,75 milhões do Banco da Terra para adquirir o imóvel. O negócio beneficiaria 72 famílias, mas o projeto acabou abandonado. O Ministério Público suspeita que tenha havido superfaturamento.

Paulinho foi alvo de reportagem sobre suposta tentativa de suborno do ex-sindicalista Wagner Cinchetto. Autor de denúncias contra dirigentes da Força, Cinchetto alega que Paulinho ofereceu R$ 3 milhões para que se calasse. Por meio de uma nota à imprensa, Paulinho nega todas as acusações. E informa que vai processar o antigo aliado.

CANELADA VIRTUAL
O site Globo.com criticou ontem o concorrente UOL. Estampou na Internet uma nota com o título: Uol mente: Site atribui a Época notícia publicada pela Folha de S.Paulo. O texto afirma que o UOL teria colocado Época como fonte da matéria em que o Ministério do Trabalho afirma ter cometido erro ao fazer cadastro de trabalhadores da Força Sindical. ‘‘É em função desse comportamento que o UOL perdeu a liderança entre os sites noticiosos para o Globonews.com’’, afirmou a nota.


Agenda dos candidatos a governador do Distrito Federal

Benedito Domingos
• PPB
Toma café da manhã com diretores do Sindicato das Escolas Particulares do DF. À tarde, reúne-se com assessores.

Carlos Alberto
• PPS
Pela manhã, vai ao debate de Ciro Gomes, na UnB. À tarde, caminha com o presidenciável da Rodoviária ao Conic, onde inaugura comitê.

Geraldo Magela
• PT
Pela manhã, faz campanha na UnB, onde almoça. Às 19h, participa do Fórum de Debates Internacionais do UniCeub, na 906 Norte.


Joaquim Roriz
• PMDB
À tarde, tira fotos com os candidatos, no comitê central. À noite, participa de showmício em Sobradinho II, no estacionamento do Caic.

Rodrigo Rollemberg
• PSB
De manhã, faz campanha no Congresso. Às 15h, participa de sessão da Câmara Legislativa. Às 17h, vai ao lançamento da cartilha Voto Ético 2002, na Rodoviária do Plano Piloto. À noite, grava programa de TV.

Expedito Mendonça
• PCO
Reúne-se com candidatos do partido.

Orlando Cariello
• PSTU
Pela manhã, faz campanha em escolas da Asa Sul. À tarde, participa de debate na UnB.

Guilherme Trotta
• PRTB
Não divulgou.


Agenda dos candidatos a presidente

LULA
• PT
De manhã, dá entrevista ao Jornal Gente, da Rádio Bandeirantes AM, em São Paulo. No rest o do dia, grava programas de rádio e TV para o horário eleitoral gratuito, em local reservado.

CIRO
• PPS
Pela manhã, estará no evento Fórum Brasil em Questão — A Universidade e as Eleições Presidenciais, na UnB. À tarde, encontra o embaixador francês e faz campanha no Conjunto Nacional.

SERRA
• PSDB
Reúne-se com assessores durante o dia, em São Paulo. À noite, dá entrevista ao Jornal da Globo, da Rede Globo.

GAROTINHO
• PSB
Passa o dia no Rio, em sessões de gravação para o horário eleitoral gratuito. Não divulgou compromissos públicos.

JOSÉ MARIA
• PSTU
O candidato estará em Belém, onde participa de debate na Universidade do Estado do Pará.

RUI PIMENTA
• PCO
Faz campanha e participa de eventos políticos em João Pessoa (PB).


Como será o tempo na TV
José Serra, candidato da coligação PSDB-PMDB a presidente, terá o dobro de espaço na televisão e no rádio de seus adversários para tentar reverter o fraco desempenho nas pesquisas de intenção de voto. O Tribunal Superior Eleitoral divulgou ontem o tempo exato que cada candidato à Presidência da República falará aos eleitores durante a propaganda eleitoral gratuita, que começa no próximo dia 20 e vai até 3 de outubro.

Os programas dos candidatos a presidente irão ao ar às terças, quintas e sábados. Serão 25 minutos no começo da tarde e 25 minutos à noite. Serra terá dez minutos e 23 segundos em cada bloco. Luiz Inácio Lula da Silva (PT-PL-PMN-PCdoB-PCB), ficou com cinco minutos e 19 segundos, Ciro Gomes (PPS-PDT-PTB), com quatro minutos e dezessete segundos, e Anthony Garotinho (PSB) com dois minutos e 13 segundos. José Maria (PSTU) e Rui Pimenta (PCO), terão um minuto e 23 segundos cada. A divisão é feita de acordo com o tamanho da bancada dos partidos na Câmara. Quanto mais deputados, mais tempo. No caso das coligações, o número de parlamentares aliados é somado.

O TSE anunciou também que os partidos dividirão seis minutos de inserções diárias durante 45 dias. As inserções são de 30 segundos. Serra terá direito a 225 inserções, Lula 115 e Ciro 93. Garotinho terá 49. Rui Pimenta e José Maria terão 31 inserções cada. As fitas dos programas devem ser entregues ao TSE três horas antes do início de cada transmissão.

Especialistas dizem que é difícil os reflexos do horário gratuito
sobre o eleitorado. Todos reconhecem, porém, o poder de alcance da TV. Cerca de 88% dos domicílios no Brasil têm televisão. ‘‘As campanhas eleitorais mudaram radicalmente após a popularização da tevê’’, diz o cientista político Paulo Calmon, da Universidade de Brasília.


Candidatos contra a lei
Justiça eleitoral já recebeu 36 representações contra abusos de propaganda. Proibição de colar cartazes em bens públicos não é respeitada. Procurador promete fotografar irregularidades

Está aberta a temporada de caça à propaganda irregular que invadiu as quadras e ruas do Distrito Federal. O procurador regional eleitoral, Antônio Sobrinho Neto, pretende aumentar, a partir de hoje, as ações contra os candidatos sujões. A propaganda é permitida, mas tem regras a seguir, principalmente em relação aos bens de uso público.

‘‘Não irei permitir que os candidatos mais atrevidos levem
vantagem sobre os demais. Quem respeita a lei não pode ser prejudicado’’, afirma o procurador Antonio Sobrinho Neto. As regras para a propaganda eleitoral estão discriminadas na Lei Federal 9.504, de 30 de setembro de 1997.

‘‘A rigor, quase tudo é permitido. A legislação proíbe o abuso da propaganda principalmente quando se prejudica a higiene e a estética urbana’’, afirma Elindson Eliel Cruz Mendes, coordenador eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). A principal
proibição está relacionada aos bens públicos.

Postes, viadutos, passarelas e pontes não podem ser pichados ou pintados. ‘‘Também não é permitido ter nada colado. Faixas, bandeiras ou placas devem ser apenas amarradas’’, ressalta Elindson Mendes. Denúncias de propaganda eleitoral irregular chegam diariamente ao TRE. De 6 de julho até a tarde de ontem, o tribunal recebeu 36 representações sobre o assunto.

Ontem pela manhã, na pista que liga Taguatinga a Samambaia, três cabos eleitorais do candidato Vicente Chelotti (PMDB) colavam cartazes nos postes de iluminação pública. Fábio Luís Borges, 22 anos, Suelan Holanda Campos, 19, e José Arinclendes, 18, não sabiam que estavam cometendo uma irregularidade. ‘‘Estamos seguindo apenas a recomendação da coordenação de campanha’’, disse Fábio, que ganha um salário mínimo por mês para trabalhar para o candidato.

Em viagem a São Paulo, o candidato Vicente Chelotti não foi localizado para dar entrevista. Segundo a assessoria de Chelotti, os cartazes irregulares serão retirados ainda hoje. ‘‘Vamos reparar o erro cometido, até porque não sabíamos da proibição’’, assegura o assessor Luciano Vidal.

Primeitos alvos
Para tentar diminuir os abusos cometidos pelos candidatos, o procurador eleitoral Antônio Sobrinho Neto pretende percorrer o Distrito Federal. Todas as irregularidades flagradas serão fotografadas e denunciadas ao TRE. Os candidatos que forem condenados por realizar propaganda irregular estão sujeitos a pagar multa, cujo valor varia de R$ R$ 5.320,50 a R$ 15.961,50, e à reparação do bem.

Um dos primeiros alvos do Ministério Público será Alberto Fraga, candidato do PMDB a uma vaga na Câmara dos Deputados. O procurador pretende denunciá-lo por escrever seu nome em letras garrafais, com cal, em um gramado próximo à Octogonal, no viaduto de acesso ao Setor Policial Sul. Na semana passada, o PT entrou com ação no TRE pedindo a retirada da propaganda.

‘‘Se a Justiça disser que estou errado, irei acatar. Mas para mim, isso é legal. Ali não é gramado, é barranco’’, defende-se Alberto Fraga, que nas últimas eleições conseguiu uma vaga de suplente na Câmara dos Deputados.

COMO AGIR

A propaganda eleitoral é regulamentada pela Lei 9.504, de 1997. As eleições deste ano também obedecem à Instrução nº 57/2002, do TSE.

É permitido
Colocar propaganda em bens particulares, se autorizada pelo proprietário.

Afixar placas, estandartes, faixas e assemelhados em viadutos, passarelas, pontes e postes públicos, desde q ue não sejam suportes de sinais de tráfego.

Colocar bonecos e cartazes não fixos em vias públicas, se não dificultarem o trânsito.

É proibido
Pichar e colar cartazes em bens públicos de uso comum, postes públicos, viadutos, passarelas, pontes, tapumes de obras ou prédios públicos, semáforos e árvores e jardins de áreas públicas.


Artigos

As grandes manobras
Mauro Santayana

Se isso nos fosse possível, conviria realizar as eleições de outubro em novembro, depois de que se confirmasse a esperada vitória dos democratas no pleito parlamentar dos Estados Unidos. Não que os democratas norte-americanos sejam menos imperialistas do que os republicanos, mas — pelo menos é o que diz a experiência — costumam ser mais sensatos. O fato é que, queiramos ou não, o que ocorre nos Estados Unidos nos concerne. Mas também o que ocorre em nosso país concerne ao mundo. O Brasil não é o Panamá, nem o Haiti, países contra os quais bastam algumas dezenas de marines, com suas armaduras modernas. É uma nação com espaço territorial, recursos naturais e história. Trata-se de um país que tem tudo, menos uma elite que estime o seu povo — mas as elites são descartáveis. A forma suave de dispensá-las são as eleições.

Apesar do crescente descrédito da equipe governamental e da consciência de que é preciso separar o poder político do poder do dinheiro, as elites americanas não abandonaram o seu projeto de assegurar o domínio do grande mercado hemisférico, mediante a Alca. Agora autorizado pelo Congresso, o presidente Bush intensifica a pressão diplomática e econômica sobre o sul, a fim de que dobremos os nossos joelhos e admitamos o novo estatuto colonial. Os democratas (mais sensatos) e os republicanos (mais arrogantes) podem divergir entre eles, mas convergem com entusiasmo quando se trata de impor, preservar e ampliar a sua hegemonia política nas três Américas. E hoje a Alca é vital para o interesse estratégico norte-americano.

Os observadores isentos já convêm em que o mapa de poder mundial está mudando. A aliança entre a Europa Continental e os Estados Unidos, estabelecida com o apoio que a França e as Províncias Unidas dos Países Baixos deram à campanha pela independência das 13 colônias, e, mais tarde, fortalecida pelo Acordo de Paz com a Inglaterra, assinado em Paris, durou mais de duzentos anos, mas já mostra sinais do esgotamento. Os europeus parecem dispostos a retomar a direção espiritual do Ocidente, depois das duas tenebrosas conflagrações que castigaram o seu território no século passado. A tutela norte-americana, primeiro contra o projeto hegemônico da Alemanha e, mais tarde, no financiamento da reconstrução continental, mediante o Plano Marshall, já se tornou indesejável. Do ponto de vista espiritual, enquanto a América do Norte significava a extensão do Ocidente, com seus próprios e fortes valores humanistas, o entendimento era tácito. Mas, nas últimas décadas, o sistema norte-americano deixou de ser o esforço pela realização da ideologia política que os fundadores da República haviam buscado nas fontes greco-romanas do pensamento democrático. O capitalismo perverteu o sonho de Jefferson, e a exacerbação do nacionalismo ianque na ambição expansionista (o pecado mortal de todos os nacionalismos) é hoje a grande ameaça que paira sobre a razão do Ocidente.

Os Estados Unidos perceberam os sinais do divórcio com a Europa, e tentam recuperar a aventura hegemônica mundial, fortalecendo-se na plena ocupação da América Latina. Isso explica a pressa pela criação da Alca e a corrosão dos nossos sistemas nacionais, mediante a ação ditatorial e irracional do FMI, a drenagem dos capitais, a espionagem, o suborno e a corrupção. O expediente é velho na história. Quando um povo quer dominar o outro, começa por pervertê-lo. Perverte-o, ao estimular-lhe os vícios, ao desanimar suas virtudes.

É lastimável que o presidente Fernando Henrique Cardoso estime tão pouco o povo que nele confiou, duas vezes sucessivas, o destino nacional. Realmente — conforme outra de suas escorregadelas verbais, desta vez ao receber Xanana Gusmão —, a um homem de nórdica natureza, como a sua, ‘‘não dá para viver em um país tropical’’.

Os Estados Unidos — seja projeto objetivo do governo, ou confluência tácita de ações políticas e financeiras, públicas e privadas — estão alimentando a crise cambial brasileira, a fim de impor, o que já estão fazendo, as cláusulas ditatoriais do acordo de ‘‘integração’’ que lhes interessa. Trata-se, para lembrar Juan José Arévalo, o grande homem da Guatemala, de contrato entre ‘‘el tiburón y las sardiñas’’.

O Brasil tem o dever histórico de resistir a essa anexação dissimulada e rejeitar a chantagem que nos querem impingir, em nome da estabilidade monetária. Não se trata apenas de opção econômica, trata-se também de buscar, na soberania comum e fraterna de povos irmãos, a afirmação de nosso caráter, a expressão de nosso brio.

Se os candidatos presidenciais querem realmente retomar o desenvolvimento econômico independente, assegurar a criação de empregos e recuperar o Estado, devem assumir publicamente o compromisso prévio de recusar a participação do Brasil nesse acordo que os Estados Unidos estão impondo em seu próprio e exclusivo interesse.


Editorial

OS DESAFIOS DE URIBE

Álvaro Uribe Vélez assume a Presidência da Colômbia com uma difícil missão: oferecer segurança aos colombianos. O principal desafio será deter a guerra civil. Depois da ruptura das negociações de paz do governo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), no início do ano, a guerra civil tomou proporções nunca vistas.

A estratégia de Uribe passa pelo fortalecimento do Estado. A possibilidade de negociação de paz com os grupos armados está descartada em um primeiro momento. Depois do fracasso da política de diálogo do presidente Andrés Pastrana, que apostou tudo nas conversações com as Farc, não há ambiente político para sentar-se à mesa com a guerrilha. Será o momento de medir forças no campo de batalha. Por isso, em vez de negociação e guerra, será o tempo de guerra e, quem sabe no futuro, negociação. Pois até os militares entendem que a solução do conflito só poderá ocorrer pelo diálogo.

Para não dar trégua aos grupos guerrilheiros de esquerda e paramilitares de direita, o chefe de governo pretende aumentar a presença do Estado no território colombiano e reforçar as Forças Armadas. Os militares ganharão mais recursos, os contingentes serão ampliados e se pedirá maior participação da comunidade na luta contra a insurgência. Além disso, o novo presidente precisa dar respostas aos graves problemas sociais do país — com 60% da população na pobreza e 16% desempregada — e alavancar a retomada do crescimento econômico.

Para cumprir esses objetivos, Uribe conta com os Estados Unidos. Os dois países têm coincidência de objetivos. A Colômbia é, depois de Israel e Egito, o país que mais recebe ajuda militar norte-americana. Foram US$ 2 bilhões em quatro anos. Na semana passada, o presidente George W. Bush assinou a lei de ajuda contra o terrorismo na Colômbia, permitindo o uso contra os insurgentes das armas fornecidas para combater o narcotráfico. Embora a perspectiva de um novo Vietnã pareça exagerada, a dinâmica do conflito e os interesses norte-americanos determinarão o papel dos EUA na Colômbia.

Diante desse quadro, o Brasil, país que compartilha 1,6 mil quilômetros de fronteira com a Colômbia, não pode permanecer inerte. O presidente Fernando Henrique Cardoso já se comprometeu, durante a visita de Uribe a Brasília, a compartilhar dados do recém-inaugurado Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), uma maneira inteligente de ajudar o país vizinho sem se imiscuir em seus problemas internos. Devemos manter firmemente nossa posição contrária a um envolvimento direto no conflito, como pretendem os Estados Unidos. A melhor ajuda que podemos dar ainda é impedir que a produção do narcotráfico, principal fonte de recursos da guerrilha, continue sendo escoada pelo território brasileiro. Sem dinheiro nem armas a insurgência fenecerá naturalmente.


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08/07/2002


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