FH: PT faz ‘estelionato eleitoral’
FH: PT faz ‘estelionato eleitoral’
Um dia depois de dizer que nada aconteceria no país, qualquer que seja o sucessor eleito, o presidente Fernando Henrique Cardoso mudou ontem o discurso numa reunião reservada no Palácio da Alvorada com aliados, que externaram o descontentamento com o tom do pronunciamento feito na Confederação Nacional da Indústria (CNI). Dizendo que suas declarações de véspera foram mal interpretadas, Fernando Henrique acusou o PT de “estelionato eleitoral” por apresentar promessas que, segundo ele, não poderão ser concretizadas, causando frustração no eleitorado.
Na reunião na qual traçou estratégias para mudar a delicada situação do candidato tucano José Serra, que está 20 pontos atrás do petista Luiz Inácio Lula da Silva na pesquisa do Ibope, o presidente chegou a descrever um cenário político e econômico nebuloso, caso Lula não honre sua palavra se eleito, e descartou qualquer hipótese de o PSDB participar de um governo petista.
O presidente duvidou da possibilidade de o PT cumprir as promessas de campanha. Lembrou que o governo teve, este ano, uma arrecadação adicional de R$ 15 bilhões, “graças a uma mágica de Everardo Maciel”, e, ainda assim, foi obrigado a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O presidente citou a receita adicional saída da taxação dos fundos de pensão como um dos ingredientes da fórmula de Everardo. Ano que vem, sem essa receita extra, o petista teria, segundo os cálculos de Fernando Henrique, que aumentar a carga tributária para 41% do PIB para tirar seu programa de governo do papel.
— Em 1994 e 1998, os petistas falavam que eu estava praticando estelionato eleitoral. O PT, sim, está praticando estelionato eleitoral — disse o presidente, segundo o relato de um dos presentes à reunião.
FH cria slogan para Serra
No encontro com os aliados no Alvorada, ao recomendar que a campanha de Serra insista na idéia de que o programa do PT não tem profundidade — “Se fosse fácil, eu já teria feito” — Fernando Henrique acabou por inspirar um novo slogan da campanha de Serra: “Você erra, votando, num dia. Depois, paga a conta por quatro anos”.
— Nossa avaliação é que haverá uma forte frustração caso Lula seja eleito — disse o presidente do PMDB, Michel Temer (SP).
A frase do presidente, segundo o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA), será usada nos próximos programas do candidato do PSDB, José Serra, como uma advertência ao eleitor. O slogan nasceu quando, cobrado pelo PSDB, Fernando Henrique explicou as declarações de véspera na CNI. No início da reunião, o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), fez sua cobrança.
— Sua declaração foi encarada como uma crítica ao programa do PSDB (que mostrou Regina Duarte dizendo que tem medo do petista) — disse ele.
Fernando Henrique reagiu:
— Estou defendendo as instituições. Sou presidente da República. Lutamos muito pela democracia. Quis demonstrar que o Brasil tem instituições sólidas. Quem ganhar vai governar por quatro anos. Não vi o programa. Não falei com intuito de beneficiar candidato algum.
O presidente disse ainda, segundo os participantes do encontro, que não existe a possibilidade de o PSDB participar de um governo Lula e prometeu participação mais efetiva na campanha de Serra.
— Podem divulgar que este foi um ato de campanha pró-Serra — brincou.
Ficou acertada a estratégia de usar na campanha o mau desempenho dos candidatos petistas onde o partido está no governo: Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
O vazamento da conversa com os aliados não agradou ao presidente, sobretudo a parte em que teria sido instado a não dar declarações que prejudicassem a campanha de Serra.
— O presidente reitera que suas palavras (na CNI) tinham por objetivo essencialmente sublinhar o inegável vigor da democracia brasileira, bem como reiterar que são sólidos os fundamentos da nossa economia — disse o porta-voz Alexandre Parola.
Após o encontro no Palácio da Alvorada, José Aníbal deu entrevista no comitê de Serra. O tucano elevou o tom de suas críticas ao PT, ao qual responsabilizou pelo nervosismo no mercado financeiro e pela instabilidade na economia.
— Não dá para saber como será um governo do PT. O promessismo, a indefinição e a dissimulação do discurso do Lula estão gerando essa insegurança forte, presente nas avaliações dos agentes econômicos. Lula assumiu tantos compromissos que podemos dizer que ele está passando um estelionato — disse Aníbal, repetindo Fernando Henrique.
Bastante irritado, o presidente do PSDB afirmou que o encontro no Alvorada foi “a reunião da virada”. O tucano defendeu a atriz Regina Duarte, dizendo que eles não vão aceitar qualquer tipo de patrulhamento e voltou a criticar Lula por sua decisão de participar de apenas um debate, o da Rede Globo, marcado para o dia 25.
— Queremos desentocar Lula e acabar com essa empulhação, com esse estelionato — disse Aníbal.
— A estratégia é para que haja polarização da disputa eleitoral. Havendo a polarização, Serra demonstra que pode, sim, ganhar a eleição — disse o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL).
FH cria normas para a transição de governo
BRASÍLIA. O presidente Fernando Henrique assinou ontem decreto criando regras para o programa de transição do atual para o próximo governo. Segundo o decreto, até o dia 29 deste mês, cada ministério indicará ao coordenador do processo de transição, ministro Pedro Parente (Casa Civil), qual servidor será responsável por fazer a intermediação entre a equipe atual e a equipe do presidente eleito.
Além disso, cada ministério vai elaborar, até 14 de novembro, o chamado Livro de Transição, com informações sobre decisões tomadas pelo atual governo nos últimos meses que possam ter repercussão no governo do sucessor. A intenção do Palácio do Planalto é facilitar a passagem de um governo para outro, já que foram oito anos de uma mesma administração.
O Livro de Transição incluirá ainda uma lista das instituições com as quais cada ministério costuma dialogar e uma versão da chamada Agenda 100, o documento que contém os compromissos que vencerão nos primeiros cem dias do próximo governo. Fernando Henrique entregará ao presidente eleito a Agenda 100.
Dólar sobe e BC paga dívida
Bancos e instituições financeiras ganharão R$ 7,194 bilhões com uma dívida cambial do governo que vence hoje e que o Banco Central (BC) não conseguiu renovar integralmente até ontem. O montante, estimado por técnicos do BC, se refere ao US$ 1,857 bilhão em títulos do próprio BC e do Tesouro Nacional que serão resgatados e corrigidos pela cotação média do dólar (taxa Ptax), que fechou em R$ 3,874 ontem, em alta de 0,44%. O BC tentou renovar parte desses papéis ontem, mas o mercado pediu taxas muito altas. Com isso, o dólar comercial fechou em alta de 1,82%, a R$ 3,92 para venda.
Os R$ 7,194 bilhões que o BC pagará aos bancos hoje não irão diretamente para o caixa das instituições. Elas receberão um crédito na chamada conta de reservas bancárias, que é mantida no BC para garantir as operações no dia-a-dia dos bancos.
Ata da reunião extra do Copom faz juros caírem
A alta do dólar ontem surpreendeu os analistas do mercado, que esperavam que os bancos vendessem divisas para se adequar aos novos limites de aplicação cambial impostos pelo BC na sexta-feira e que passam a vigorar hoje. Mas a dificuldade na renovação da dívida cambial acabou pressionando as cotações.
Principalmente porque, ao resgatar esses títulos, alguns bancos diminuirão suas aplicações em câmbio, ficando assim mais próximos dos novos limites instituídos p elo BC.
Desde o dia 8, o BC vem tentando antecipar a rolagem de US$ 3,6 bilhões em dívida cambial que vencem hoje. Mas, como o mercado pediu juros muito elevados, o BC só conseguiu rolar, no total, US$ 1,74 bilhão.
Ontem, o BC ainda fez duas novas tentativas, oferecendo US$ 1 bilhão ao mercado. Porém, só conseguiu renovar US$ 285,5 milhões, a juros de até 49% ao ano. Com o fracasso dos leilões do BC, a moeda americana disparou. O dólar, que até então estava em torno de R$ 3,89, foi para R$ 3,91 e acabou fechando a R$ 3,92, na máxima do dia.
— Essa puxada foi especulação por parte de quem ainda tinha margem para comprar dólar — opinou um gerente de mesa de câmbio.
Para os analistas, o comportamento do câmbio ontem mostrou que as medidas anunciadas pelo BC na semana passada não surtiram o efeito esperado, que era conter a alta do dólar.
— As medidas seriam eficazes se algum grande banco precisasse vender dólares para se enquadrar às novas regras. Mas parece que não foi isso que aconteceu — disse um operador.
O consultor Nathan Blanche, da Tendências, afirma que só os bancos pequenos estavam fora dos novos limites exigidos pelo BC. Segundo ele, as cotações do dólar estão subindo por falta de oferta de papel-moeda no mercado. O volume de negócios com câmbio à vista, que costumava girar em torno de US$ 2 bilhões por dia, ontem ficou em cerca de US$ 600 milhões.
Com a alta do dólar e o fraco desempenho das bolsas americanas, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) caiu 1,79%. A ata da reunião extraordinária do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que na segunda-feira decidiu subir os juros básicos da economia para 21% ao ano, afetou as taxas futuras. A explicação do BC, de que a decisão do Copom fora motivada pelo risco de inflação e não para segurar o dólar, diminuiu os temores de que haja nova elevação nos juros básicos. Com isso, as taxas futuras recuaram de 25,60% para 24,62% ao ano nos contratos mais negociados.
Itamar quer que Lula renegocie dívida de estados
BRASÍLIA. Durante encontro ontem com o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, o governador de Minas, Itamar Franco, defendeu a renegociação das dívidas dos estados com a União. Para Itamar, nenhum governador tem condições de trabalhar com o comprometimento de 13% de seu orçamento com o pagamento da dívida, sem demitir servidores.
Itamar defende a proposta do candidato a vice de Lula, o senador José Alencar (PL-MG), de reduzir o percentual de comprometimento para 5%.
— Não há orçamento estadual que possa tirar 13% para dívida. O estado não agüenta, não há arrecadação suficiente porque não há crescimento econômico — afirmou.
Itamar organizou ontem, com o PT, um ato para divulgar o apoio de políticos mineiros do PFL e do PMDB ao candidato petista. Lula recebeu o apoio do vice-governador eleito de Minas, Clésio Andrade (PFL), do deputado eleito pelo PMDB Marcelo Siqueira e do senador Amir Lando (PMDB-RO).
“O Legislativo não pode ser o patinho feio”, diz Lula
Na solenidade organizada em um hotel de Brasília, Lula disse que, se eleito, vai governar sem fazer distinção partidária.
— Se eu for eleito, a relação do governo federal com os estados não terá coloração partidária. Todos os governadores serão tratados em condição de igualdade — afirmou.
Itamar disse que, se dependesse dos mineiros, o petista já estaria eleito presidente.
Lula prometeu também discutir com os governadores políticas de desenvolvimento regional e segurança pública e aproveitou para criticar o governo Fernando Henrique.
— Hoje os estados só são chamados para discutir dívidas — disse.
Lula também defendeu o Congresso e afirmou que é preciso mudar a relação entre o Executivo e o Legislativo:
— O Legislativo não pode ser o patinho feio dos três poderes. Quando as coisas vão bem, o bônus é do Executivo, quando vão mal, o ônus é do Legislativo.
CNBB diz que FH vai deixar três questões graves
BRASÍLIA. O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Jayme Chemello, divulgou ontem um balanço parcial do governo Fernando Henrique Cardoso e disse que, na avaliação da entidade, há problemas em três áreas: a demarcação de terras indígenas, a reforma agrária e a política de reajustes do salário-mínimo.
— A Constituição não foi muito respeitada neste governo. Nem todas as áreas indígenas foram demarcadas, a reforma agrária não chegou a um bom termo e o salário-mínimo é para morrer de fome — disse o presidente da CNBB.
O salário-mínimo é hoje de R$ 200 mensais.
Mas dom Jayme Chemello ressalvou que uma avaliação global dos oito anos de mandato de Fernando Henrique só poderá ser feita no futuro, quando for possível comparar o atual governo com o de seu sucessor.
— Há elogios ao Fernando Henrique. Ele tem um cartaz internacional muito grande. É muito culto, fala muitas línguas e sabia representar o Brasil fora daqui. Tem esse conceito alto, mas seu governo tem falhas — disse.
Elogios a duas iniciativas na área da saúde
Perguntado sobre programas do governo Fernando Henrique que tenham dado certo, dom Jayme citou duas iniciativas na área de saúde: o programa de combate à Aids e a produção dos remédios genéricos. Dom Jayme reafirmou que a CNBB não apóia qualquer dos candidatos à Presidência.
— Vamos manter uma distância crítica, ganhe quem ganhar. Isso nos dá o direito de apoiar o que é bom e de dizer que tal coisa não é boa para o país. A CNBB vai se comportar assim, atenta ao lado ético, o que é bom para o povo — disse dom Jayme.
Artigos
Versões de medo
Luiz Garcia
Falemos do medo, esse companheiro da vida inteira. Esta hora em que ele se manifesta de formas tão diferentes pode ser boa oportunidade para entendê-lo um pouco melhor.
O medo no Rio, onde numa só noite mais uma rebelião é abortada num presídio de Bangu, uma delegacia é metralhada, uma bomba é atirada num shopping e a sede do governo recebe uma saraivada de tiros.
E o medo em Washington, onde um atirador solitário, em 13 dias, matou nove pessoas e feriu duas, provocando tal pânico que exige a intervenção do Pentágono.
Querem saber? O medo lá parece maior, e não porque a gente já se acostumou. De alguma forma — e que me perdoem pais e filhos de vítimas da boa pontaria de bandidos e do gatilho frouxo de policiais — o que aconteceu no Rio na noite de terça-feira tem traços levemente animadores.
Dá para desconfiar, ou quase ter certeza, que os enfrentamentos de terça-feira não chegam a mostrar a atitude de quem se sente com “tudo dominado”. Antes mostram a irritação de grupos marginais que — certamente ainda não derrotados, longe disso — sentem a necessidade de dar a si próprios e a clientela & público uma demonstração de que os miojos da Polícia Civil ganharam apenas uma escaramuça.
Foi o que tentaram. Não foi o que conseguiram, principalmente com o fracasso do motim em Bangu 3.
Não é hora de soltar fogos. Inclusive porque, com a sorte da nossa polícia, o primeiro busca-pé acabará machucando uma criança de morro. Mas pelo menos o medo não aumentou — certamente não na intensidade em que se elevou a responsabilidade do próximo governo. Porque a ninguém iludirá (o carioca tem vasta experiência no ramo) a falsa paz produzida por acordos tácitos — explícitos nunca são, nem negociados nos altos níveis do poder — do tipo “trafica-se mais, mata-se menos e se assalta apenas o necessário”.
O mais prudente talvez seja dizer que a turbulência de terça-feira não indicou agravamento da crise de segurança, nem reduziu a in tranqüilidade social. A possível conclusão otimista (e agarremo-nos a ela) é um suspiro de alívio: pior não ficou.
Agora, Washington, com auxílio não solicitado nem autorizado de Stephen Hunter, autor e autoridade em francos-atiradores.
Mais ou menos um mês depois dos atentados de setembro, visitei uma Washington certamente triste, mas sem perda visível de vitalidade. E sem medo. Os habitantes tinham sobre os nova-iorquinos a vantagem de serem poupados da visão dos escombros (você pode morar anos na cidade sem sequer saber onde fica o Pentágono) e, não sei se por isso, ou outra razão, a vida parecia normal e às vezes animada nas ruas, nos restaurantes, nas casas de amigos. Vá-se entender.
Hoje, as notícias são de um estado de medo permanente. Oito mortes numa metrópole são um grão de areia numa praia, mas um fator faz extraordinária diferença. Em situações normais, o nosso comportamento aumenta ou reduz as chances da morte gratuita. Onde vamos, com quem vamos, a que horas, com quem falamos, que discussões evitamos — essas coisas. Quando entra em cena o franco-atirador, nada disso vale. Ele não mata você: mata alguém. Qualquer alguém. E você ganha novas decisões a tomar: quem leva as crianças até o ônibus escolar, quem as apanha, como se organizará o safári até o supermercado, quem vigia a expedição ao shopping mall ?
Segundo Hunter, o matador tem características definidas. Usa uma arma apoiada, certamente com mira telescópica. Dispara apenas uma vez, mirando o tronco: área do corpo suficientemente grande para lhe permitir atirar de bastante longe. A arma escolhida é facilmente encontrada; o mesmo acontece com a munição.
Um dado é aparentemente aterrorizador: o franco-atirador escolheu um rifle com coice quase imperceptível, o que lhe permite ver nitidamente o momento em que a bala acerta o alvo. Os rudimentos de balística e essa frágil interpretação psicológica não permitem qualquer previsão sobre o fim da carreira do assassino solitário de Washington.
Parece ser precisamente a imprevisibilidade — até quando?, quantos serão?, eu também serei? — a grande responsável pela onda de medo que invade o outono de um dos mais simpáticos subúrbios residenciais do Hemisfério. No fim das contas, admita-se: a anunciada comparação entre o medo no Rio e o medo em Washington é impraticável. Apenas nos ensina, mais uma vez, como se necessário fosse, que a sociedade moderna não perdeu nem um pouco de sua extraordinária imaginação na escolha de seus infernos regionais.
Colunistas
PANORAMA POLÍTICO – Tereza Cruvinel
Aécio e os tucanos
“Se o Serra for presidente também tratará Aécio Neves como um governador do PT”. Brincadeira, corrige-se o dirigente tucano que deixou escapar a frase, reveladora do incômodo do PSDB com as cordiais relações entre Lula e o governador eleito de Minas. “Já passei da idade de ser patrulhado”, reagiu Aécio depois do encontro amistoso de ontem com Lula, que jura ter sido casual.
Na semana passada, visitando Itamar Franco em Belo Horizonte, Lula quis agradar o governador e seu grande cabo eleitoral em Minas prometendo tratamento especial ao sucessor tucano que elegeu. Frase infeliz, que por sinal o próprio Lula corrigiu ontem, afirmando que tratará os estados segundo suas necessidades, e não de acordo com a filiação partidária de seus governadores.
O encontro de ontem num hangar comercial veio somar-se à ciumeira tucana. O que talvez o PSDB ainda não tenha assimilado é a nova dimensão de Aécio dentro do partido, com Serra eleito ou derrotado. Preservar o diálogo com o futuro presidente, seja um ou outro, é uma necessidade estratégica de um governador que se elegeu prometendo a reinserção econômica e política de Minas no cenário nacional. Não o fará se agir agora como um pit-bull tucano.
Depois do encontro foi anunciada a suspensão do almoço entre o presidente Fernando Henrique e Itamar, atribuída à reação tucana ao encontro entre Lula e o presidente da Câmara, num dia em que Minas foi hipotecar apoio ao petista.
Nada disso, garante Aécio. A decisão de adiar o almoço foi tomada terça-feira à noite, em conversa entre o presidente e Djalma Morais, presidente da Cemig e interlocutor do governo mineiro junto ao governo federal nas negociações para um encontro de contas (abatimento dos créditos do estado, e principalmente os da Cemig, com o Tesouro Nacional). Informou o presidente que o acordo não poderia ser anunciado ontem por não estar ainda pronto o parecer favorável da Advocacia Geral da União. Melhor então deixar o almoço para quando puder ser oficializado, concordaram os dois lados. Mas nesta altura a agenda presidencial já fora divulgada e veio o boato sobre a reação tucana.
— Acredito que alguns companheiros mais suscetíveis estejam incomodados, mas Serra é a maior testemunha de meu esforço por sua candidatura em Minas, onde ele esteve 13 vezes comigo. No dia da eleição em primeiro turno, telefonou-me agradecendo. E eu mesmo estou propondo para a semana que vem um grande evento com ele, onde mais de 200 prefeitos mineiros vão lhe declarar apoio — diz Aécio.
Com Lula ou com Serra presidente, ele mantém a disposição de ser um fiel da governabilidade e, pelo visto, um mobilizador dos governadores. Logo depois do segundo turno, proporá uma reunião de todos os eleitos para discutirem uma agenda mínima para a federação, composta por quatro pontos básicos: reforma tributária, reforma política, esforço nacional pelo crescimento econômico e pela melhoria da segurança pública.
— Esses são problemas que não podem ser resolvidos apenas pelo governo federal ou dentro de cada estado, e, se eu puder, trabalharei por um mutirão nacional em torno deles. E disso ninguém pode reclamar — diz Aécio.
Esperanças tucanas
Apesar das pesquisas que dão larga vantagem a Lula sobre José Serra, ninguém vai jogar a toalha faltando dez dias para a eleição, diz o governador reeleito de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, um dos participantes da reunião de ontem entre o presidente Fernando Henrique e aliados de Serra. Todos saíram dali endossando a estratégia tucana de explorar ambigüidades do discurso petista e criticar as administrações do partido. E com um afinado discurso sobre o risco Lula.
José Aníbal, presidente do PSDB, apresentou dados do pesquisador Antônio Lavareda segundo os quais Serra tem uma chance entre dez de derrotar Lula. Com o início do horário eleitoral, o monitoramento dos tucanos estaria mostrando uma redução da vantagem de Lula, que já foi de 38 pontos percentuais e segundo o última pesquisa do Ibope foi de 31, embora isso não signifique crescimento de Serra. A linha agressiva dos programas de Serra já teria produzido um aumento de quatro pontos na rejeição a Lula, embora ela ainda seja quase a metade da de Serra (24% contra 46% segundo a última pesquisa do Ibope).
Arranhões, certamente, mas tênues diante do chamado desejo de mudança.
SOS Segurança
Se Lula for eleito, ainda antes da posse proporá a criação de uma comissão especial para estudar uma ofensiva imediata contra o crime organizado no Rio, que anteontem deu mais uma demonstração de sua audácia. O encontro entre o presidente Fernando Henrique e o presidente do PT, José Dirceu, deve acontecer ainda esta semana, se houver espaço na agenda presidencial. E se os tucanos deixarem, pois não estão gostando dessas conversas freqüentes entre o PT e o presidente. Acham que isso só reforça a idéia de que Lula já ganhou.
O PRIMEIRO comitê Lu-Lu será inaugurado hoje em Fortaleza. Reúne apoiadores de Lula para presidente e de Lúcio Alcântara (PSDB) para governador. Funcionará onde era o comitê de Ciro Gomes na Praia de Iracema.
Editorial
É GUERRA
Não faz parte da rotina de qualquer cidade do mundo civilizado ter prédios públicos alvejados. Muito menos com freqüência. Pois no Rio de Janeiro, em apenas quatro meses, balas atingiram janelas da sede administrativa da prefeitura e colunas da fachada do Palácio Guanabara, onde trabalha o governador do estado. Esse último atentado, ocorrido na madrugada de ontem, não foi isolado. Em ações executadas dentro do figurino de manuais de guerrilha urbana, traficantes metralharam o palácio, atacaram um shopping na ligação de Botafogo com Copacabana, e atiraram a esmo em outros pontos da cidade. A operação estaria articulada com a frustrada tentativa de um megarresgate de presos na penitenciária de Bangu III.
Vive-se quase em estado de guerra no Rio de Janeiro. Essas operações paramilitares desfechadas pelo braço das drogas do crime organizado devem ser tratadas de forma apropriada pela governadora que sai e pela governadora e equipe que entram.
Benedita da Silva, mesmo derrotada nas urnas e já na contagem regressiva para deixar o Palácio Guanabara, não deve recuar um milímetro sequer na acertada política de segurança de não permitir que haja territórios onde o poder público não está presente. Ao contrário: que tente avançar. Também não deve deixar de prender e perseguir todos os chefes do tráfico, mantendo os que estão presos sob permanente vigilância, enquanto se previne dos problemas inerentes a um sistema penitenciário falido. Hoje está clara a ligação entre esses atos de extrema violência e ousadia do crime organizado e o cerco que quadrilhas começaram a sofrer. Se tudo estivesse correndo bem nas bocas-de-fumo, se o dinheiro continuasse farto, não haveria razão de arriscarem-se em incursões dessa envergadura e em áreas de suposta segurança máxima.
A governadora que entra, por sua vez, não pode recuar nos avanços — não importa discutir a dimensão deles — conseguidos pela antecessora. E deve se preocupar em mostrar ao crime organizado que a mudança de governo não significará menos rigor, nem uma política de segurança flácida. Tampouco que o novo governo confundirá ação social com a ausência da polícia em qualquer lugar em que ela é necessária.
O processo de deterioração da segurança pública na região metropolitana do Rio é parte de uma perversa crônica nacional e mesmo internacional, mas também caminha com os próprios pés.
O aumento da importância da Colômbia como região produtora de cocaína converteu grandes cidades brasileiras e certas áreas do interior do país em pontos de escala estratégicos do grande tráfico internacional.
Daí a expandir a clientela doméstica, não demorou muito. A cocaína e similares foram o grande mal do fim do século XX, e se candidatam a continuar a sê-lo no novo milênio. Hoje, as drogas estão disponíveis em todos os lugares do planeta. Cabe a cada governante, de cada país, estado ou município tentar contê-las, manejar políticas públicas para mantê-las sob um mínimo de controle, e adestrar-se numa luta constante contra o crime organizado.
Nem sempre o Rio teve governantes com essa consciência.
Por algumas vezes, a boa intenção de ajudar as comunidades pobres confundiu respeito com ausência da imprescindível repressão policial. O resultado de equívocos como este foi o rápido fortalecimento de quadrilhas em termos de poderio de fogo, organização e, em alguns casos notórios, internacionalização e capacidade financeira.
O problema do Rio é nacional, por todas essas razões. Mas qualquer esforço articulado com outros estados e o Executivo federal só produzirá efeitos se aqui tivermos um governo decidido a combater com seriedade o crime, e consciente de que está em jogo algo muito mais importante do que projetos políticos pessoais. Trata-se de defender a lei e o estado de direito.
Já foi ultrapassada a fronteira do crime comum. Trata-se de um perigo institucional — e ele está à espreita dos novos governantes, incluindo o futuro presidente da República. A gravidade do quadro de segurança no Rio, em São Paulo e no Espírito Santo levou à constituição de forças-tarefas em que polícias estaduais trabalham sob a coordenação da Polícia Federal. O pouco tempo da experiência já demonstrou o acerto da medida. A palavra de ordem terá de ser cada vez mais integração dos organismos policiais no combate a um inimigo para o qual já não existem fronteiras.
Cada cidadão está convocado para essa luta. A fonte de financiamento do crime, o consumo, precisa ser coibido também em cada família. Ninguém mais está totalmente em segurança.
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10/17/2002
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